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Imóvel invadido pode ser regularizado através de usucapião extrajudicial?

Agenda 12/05/2024 às 13:50

Na usucapião extraordinária não se exige nem justo-título nem boa-fé, o que beneficia quem adentra um imóvel desocupado e nele estabelece sua moradia.

A USUCAPIÃO é um instituto que visa a proteção de postulados constitucionais como a MORADIA e a PROPRIEDADE. A depender do ângulo pelo qual se analisa a questão o pêndulo da "justiça" e da "injustiça" poderão invariavelmente oscilar entre os polos/partes envolvidos: aquele que "perde" o imóvel e aquele que o "adquire" - e tudo isso sem necessitar de qualquer ato de transmissão entre eles já que, como sempre falamos aqui, a Usucapião exemplifica uma forma de aquisição originária e não uma forma de aquisição derivada onde a "vontade" de um (em adquirir) depende da "vontade" do outro (de vender ou doar). De certa forma, é sim a inércia/inação de um que permite com que o direito do outro se constituta e afaste o direito de propriedade do outro - mas essa mecânica não faz com isso que a Usucapião seja uma forma de aquisição derivada e sobre esse aspecto científico doutrina e jurisprudência já se debruçaram e pacificaram há muito tempo inclusive.

Dentre as diversas espécies de Usucapião existentes algumas delas são especialmente favoráveis para aqueles que buscando seu legítimo e constitucional direito de MORADIA (e também propriedade) se apossam de bem imóvel e nele semeiam tudo aquilo que um dia poderá frutificar na legítima aquisição da propriedade imobiliária através da Usucapião: o ÂNIMO DE DONO ("animus domini") que, na espécie, precisa envolver a POSSE (que precisa ser qualificada por ostentar mansidão e pacificidade) e ser exercida pelo TEMPO exigido em lei.

Na Usucapião Extraordinária não se exige nem JUSTO-TÍTULO nem BOA-FÉ, o que beneficia sem sombra de dúvidas aquele que adentra determinado imóvel e nele edifica sua moradia ou - já havendo essa - exerce ali sua morada habitual. Desde que jamais sofrendo oposição de quem quer que seja, ostentando o ânimo de dono e exercendo essa posse pelo tempo necessário exigido em Lei (e que o imóvel não seja imune à usucapião), temos que a situação fática exigida por Lei para a efetiva AQUISIÇÃO DO IMÓVEL se CONSOLIDARÁ, afastando inclusive o "direito de propriedade" que o proprietário registral inerte, inativo e passivo deixou estabelecer em seu imóvel diante da sua inação. A clássica lição de direito ensina:

O Direito não socorre aos que dormem ("Dormientibus non succurrit jus")

A inação pode fazer com que o proprietário registral perca seu imóvel para quem dê função social ao mesmo, ainda que adentrando e tomando a posse do seu imóvel registrado já que a INTERVERSÃO DA POSSE é um fenômeno também legitimado pelo Direito Brasileiro, como ensina o julgado mineiro:

"TJMG. 10461120026608001. J. em: 26/07/2018. APELAÇÃO CÍVEL - USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - PRELIMINAR - LEGITIMIDADE PASSIVA - INTERESSE DEMONSTRADO - ANIMUS DOMINI - POSSE PRECÁRIA - AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO - INVERSÃO DO TÍTULO DA POSSE - POSSIBILIDADE - REQUISITO TEMPORAL - CÓDIGO CIVIL - DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS. (...) 2. A ação de usucapião caracteriza-se como modo de aquisição originária da propriedade pela posse continua e duradoura. 3. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade. 4. A leitura dos artigos 1.198 e 1.203 do Código Civil permite concluir que A POSSE PRECÁRIA PODE TRANSFORMAR-SE EM POSSE CAPAZ DE GERAR A AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE PELA USUCAPIÃO, bastando que o possuidor em nome alheio inverta o título da posse. 5. Se o possuidor anterior toma ciência de nova posse e não se opõe, a posse anteriormente viciada se convalida em posse dotada de animus domini. (...) 7. Comprovado o exercício de posse mansa, pacífica, ininterrupta e pública, iniciada em 1999 e só impugnada pela ré por meio de sua contestação nos autos, protocolizada em 17 de agosto de 2012, transcorreu um prazo superior a 13 anos, razão pela qual se pode dizer que os autores cumpriram todos os requisitos legais para aquisição da propriedade pela usucapião. (...)".

O artigo 1.238 do Código Civil destaca:

"Art. 1.238. Aquele que, por QUINZE ANOS, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, INDEPENDENTEMENTE DE TÍTULO E BOA-FÉ; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo REDUZIR-SE-Á A DEZ ANOS se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo".

Como se vê acima, mesmo sem MORAR no imóvel ou nele realizar obras ou serviços de caráter produtivo será possível, preenchidos os requisitos legais, obter a aquisição imobiliária através da Usucapião. O ponto é que a Lei autoriza a REDUÇÃO DO PRAZO de quinze para dez anos se essas condições estiverem presentes: utilização como moradia habitual ou realização de obras ou serviços de caráter produtivo nele.

Há também no ordenamento a possibilidade de USUCAPIÃO de imóvel com apenas CINCO ANOS de prazo de posse, mesmo sem JUSTO TÍTULO e BOA-FÉ através da modalidade USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA do artigo 1.240 do mesmo Código Civil, todavia sendo exigidos outros requisitos:

"Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por CINCO ANOS ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

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§ 1º. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2º. O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez".

Cabe salientar, por importante, que a regularização de imóveis nessas condições não precisa obrigatoriamente ser realizada via PROCESSO JUDICIAL como ocorria até então. Desde o Código de Processo Civil de 2015 (Lei Federal 13.105/2015) tornou-se possível regularizar imóveis direto nos Cartórios Extrajudiciais, com assistência obrigatória de ADVOGADO, via Usucapião Extrajudicial. O referido procedimento é na atualidade regulamentado pelos Códigos de Normas Extrajudiciais vigentes em cada Estado, além das normas codificadas pelo CNJ através do Provimento 149/2023. Reza o artigo 216-A da Lei de Registros Publicos:

"Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DE USUCAPIÃO, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado (...)"

Não se olvide que as modalidades de Usucapião que dispensam JUSTO TÍTULO e BOA-FÉ (das quais ilustramos com duas acima) são importantes instrumentos autorizados em Lei na concretização do direito de propriedade e no direito de moradia, postulados constitucionais que prestigiam a FUNÇÃO SOCIAL dos imóveis - potencializados com a desjudicialização dos últimos anos. Nesse sentido importante decisão do TJMS:

"TJMS. 08018633520208120005. J. em: 06/09/2023. APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO JUDICIAL – USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA – SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL – ART. 1.238 DO CC – POSSE MANSA E PACÍFICA, ININTERRUPTA, COM ANIMUS DOMINI E SEM OPOSIÇÃO POR 15 ANOS – COMPROVADA – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. A usucapião extraordinária está prevista no art. 1.238 do Código Civil, que dispõe:"Aquele que, por QUINZE ANOS, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis", sendo que, de acordo com o parágrafo único deste dispositivo,"O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a DEZ ANOS se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo". No caso concreto, restou suficientemente demonstrado nos autos o preenchimentos dos requisitos previstos no art. 1.238 do Código Civil para a caracterização da usucapião extraordinária, razão pela qual a reforma da sentença de improcedência da ação de usucapião é medida que se impõe. Recurso conhecido e provido".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Julio. Imóvel invadido pode ser regularizado através de usucapião extrajudicial?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7620, 12 mai. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109328. Acesso em: 24 nov. 2024.

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