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Desafios do processo de inventário no direito internacional.

Agenda 14/05/2024 às 17:31

Para tratar do direito sucessório no âmbito internacional, é importante compreender a princípio, como funciona esse processo? Como regra o artigo 10 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), discorre que a sucessão por morte ou ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou desaparecido foi, ainda no § 2º, reafirma que a lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula capacidade para suceder (Salvador, 1942).

Contudo, no Direito internacional a regra não é absoluta, a exceção está no artigo 23, II, do Código de Processo Civil (CPC). O artigo expressa em seu corpo que dentre as competências do judiciário brasileiro, proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário, e à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional (Brasília, 2015).  

Assim, de início, podemos tomar como base que compete a justiça brasileira homologar testamento particular e ainda tratar da ação de inventário de qualquer pessoa que obtiver bens no Brasil, mesmo que essa pessoa não seja brasileira. Isto posto, esse processo poderá ser realizado de diferentes formas se tratando da ação de inventário, ao qual trataremos de todas elas a diante.

Logo, ao contrário do que temos enraizado que o direito sucessório se dá somente no local de sua morte - princípio da territorialidade -, esse dogma só existe quando os herdeiros e bens se encontrarem exclusivamente no Brasil. Por outra ótica, no direito internacional, a sucessão será no local dos bens, respeitando o princípio da pluralidade de juízos sucessórios.

Avançando para parte doutrinaria, a Justiça Brasileira como citado anteriormente, adota que em caso de pluralidades de bens no exterior, para cada bem em um território diferente, deverá ser exercido uma ação diferente. Afinal, antes de pensar até onde avança a eficácia das leis brasileiras deve-se respeitar a supremacia territorial de cada nação.

Ora, imagine que todas as sentenças produzidas pelos tribunais brasileiros tivessem eficácia mundial e vice-versa? Não existiria segurança jurídica alguma no mundo, já que cada território tem seus costumes, suas leis, seu entendimento e sua constituição que deve ser respeitada.

Por isso, em caso de estrangeiro que possua bens no Brasil, a autoridade competente para fazer o processo de inventário desse bem, será o judiciário brasileiro. Por outro lado, da mesma forma, ocorre com brasileiro que possua um bem no exterior, em tese, os herdeiros necessários deverão realizar uma ação de inventário no Brasil e recorrer a um advogado internacional para abrir outro processo naquele país em que se situa o bem, já que a justiça brasileira carece de jurisdição fora de seu território.

Outrossim, vemos diversas sentenças publicadas no estrangeiro que tangem bens situados no Brasil. Pois bem, a princípio nada impede que uma sentença seja publicada no estrangeiro e venha a atingir bens jurídicos em território brasileiro, todavia, nesse aspecto devemos lembrar dos atos jurídicos válidos e eficazes.

Quando falamos sobre a validade de um ato jurídico, se trata de sua legalidade, por conseguinte, quando existe um ato jurídico e estiver tudo dentro do que estabelece a lei, ele será válido. A partir de sua validez, avançamos ao próximo plano, que é o plano da eficácia (AZEVEDO, J.A, 2010, 23-27 p.). Com isso, para que um ato jurídico venha a produzir efeitos no mundo jurídico não basta estar apenas dentro da lei, já que no direito internacional as sentenças estrangeiras por mais que sejam válidas, só produzem eficácia quando homologadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Essa obrigação, surgiu no artigo 961 do CPC, dessa forma, a eficácia de uma sentença estrangeira fica vinculada à sua homologação, exceto quando houver lei ou tratado que dispense essa condição. O novo Código de Processo Civil por exemplo, elimina a exigência de homologação para sentença estrangeira de divórcio consensual (Brasília, 2015). Ainda, esse ônus de analisar e homologar sentença estrangeira, recaiu ao colo do STJ na formação da Magna Carta em que em seu artigo 105 (Brasil, 1988).

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Além disto, para que o STJ tenha ciência e aprecie essa sentença estrangeira, o tribunal no exterior deve fazer um comunicado via carta rogatória, que nada mais é que um instrumento jurídico que visa a cooperação entre dois países. Essa colaboração entre dois entes é chamada de cooperação jurídica internacional, que é um pedido formal para obter alguma medida judicial em outra federação.

No direito internacional é de suma importância que exista um estado também proativo e colaborativo, para que cada um alcance sua pretensão de justiça, afinal, imagine a dificuldade que seria você como pessoa física ir atrás de um governo estrangeiro do outro lado do mundo para resolver uma lide. Por isso, hoje, a soberania do estado já é um pouco relativizada, uma vez que é necessário cooperar e pedir cooperação dos outros estados para atingir o bem comum (Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2023).    

Dessa forma, o decreto nº 11.348 de 1º de janeiro de 2023 trouxe em seu artigo 15 que compete ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), promover a articulação entre os órgãos dos poderes para buscar a cooperação jurídica internacional em matéria cível, penal, na recuperação de ativos e em assuntos relacionados. Atualmente o DRCI conta com mais de 80 foros ou grupo de trabalhos internacionais, em mais de 20 países que lidam com os temas citados sob responsabilidade do órgão (Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2023).

Deixando de lado o trâmite do processo internacional e retornando a sucessão no direito internacional, recaímos sobre as inovações e jurisprudências relevantes sobre esse conteúdo. Em primeira análise, em 2017 o STJ proferiu o seguinte julgamento que foi palco de debates:

STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1552913 RJ 2008/0194533-2

EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE CONJUGAL. PARTILHA DE BENS. CPC/73, ART. 89, II. DEPÓSITO BANCÁRIO FORA DO PAÍS. POSSIBILIDADE DE DISPOSIÇÃO ACERCA DO BEM NA SEPARAÇÃO EM CURSO NO PAÍS. COMPETÊNCIA DA JURISDIÇÃO BRASILEIRA. 1. Ainda que o princípio da soberania impeça qualquer ingerência do Poder Judiciário Brasileiro na efetivação de direitos relativos a bens localizados no exterior, nada impede que, em processo de dissolução de casamento em curso no País, se disponha sobre direitos patrimoniais decorrentes do regime de bens da sociedade conjugal aqui estabelecida, ainda que a decisão tenha reflexos sobre bens situados no exterior para efeitos da referida partilha. 2. Recurso especial parcialmente provido para declarar competente o órgão julgador e determinar o prosseguimento do feito.

Na presente demanda, reparamos que o STJ proferiu acordão trazendo reflexo sobre a possibilidade de atingir bens no exterior, se tratando de dissolução de casamento. Como dito anteriormente, a soberania do estado vem sendo relativizada e esse é mais um exemplo.

Mais sobre, mesmo não se tratando da ação de inventário e sim da partilha de bens em divórcio, é um julgamento extremamente relevante, por hora que o direito internacional como um todo está cada vez mais caminhando para um sistema menos burocrático. No entanto, enquanto parte da comunidade do direito internacional e diversos juristas criaram grande expectativa para que também houvesse um julgamento semelhante sobre partilha de bens em ação de inventário, o STJ em 2023 trouxe o seguinte acórdão:    

 

STJ - AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL: AgInt no REsp 2072068 SP 2023/0152232-3

EMENTA: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PARTILHA DE BENS SITUADOS NO EXTERIOR. REGÊNCIA DA LEI DO PAÍS EM QUE SITUADO (LEX REI SITAE). PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APURAÇÃO DE BENS SITUADOS NO ESTRANGEIRO. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A sucessão de bens do de cujus situados no estrangeiro regula-se pela lei do país alienígena, nos termos do art. 23, II, do CPC/2015 - o qual preconiza o princípio da territorialidade. 2. Na hipótese de haver bens imóveis a inventariar situados, simultaneamente, aqui e no exterior, o Brasil adota o princípio da pluralidade dos juízos sucessórios. 3. Quando existirem bens imóveis partilhados tanto no Brasil quanto em país estrangeiro, deve haver a pluralidade de juízos sucessórios, definindo-se, com isso, a lex rei sitae como a regente da sucessão a ser efetivada em cada um dos países onde situados os bens partilhados - de maneira que a lei brasileira não alcança o bem a ser inventariado e partilhado localizado no exterior. 4. Agravo interno desprovido.

 

A decisão fez cair por terra toda prospecção que havia sido criada a respeito de um possível julgamento no mesmo sentido para o direito das sucessões. Por um lado, apesar de desapontar quem esperava um processo simplista, agradou a corrente conservadora que apoia a segurança jurídica e a soberania federativa.

Portanto, como o STJ reforçou, o sistema adotado deve ser a simples pluralidade de juízos sucessórios, sem abrir margem para qualquer interpretação diferente disto. Creio que em um futuro breve, esse mesmo tema deve voltar em discussão e daí, caberá daqui alguns anos o STJ decidir novamente sobre, enquanto isso, aguardamos com o já pautado. 

Outra jurisprudência importante é sobre a compensação na sucessão, que funciona da seguinte forma, os juízos apesar de carecer de jurisdição para atingir bens no exterior, incluem mesmo assim esses bens na partilha. Por conseguinte, apesar de não atingir todos os bens a divisão é feita de uma forma “equalizada e justa” já que se utiliza como parâmetro na divisão, o espólio global do inventariante, notemos:

 

TJ-DF - 7481760220208070000 DF 0748176-02.2020.8.07.0000

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. PARTILHA DE BENS. DINHEIRO. DEPÓSITOS NO EXTERIOR. DISPOSIÇÃO NA PARTILHA. DIREITO MATERIAL. POSSIBILIDADE. A disposição sobre a partilha dos bens, em observância às normas brasileiras de direito material, tem por finalidade apenas promover a justa divisão dos bens deixados pelo de cujus. Desde que esteja devidamente comprovada nos autos a existência do crédito ao tempo da abertura da sucessão, o Juízo do inventário deve considerar e computar os valores depositados no exterior na partilha, com o escopo de promover a justa e igualitária sucessão dos bens, o que não representa ofensa ao princípio da soberania, uma vez que o direito de crédito, se for o caso, será executado consoante as regras vigentes no país em que os valores se encontram. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

 

Se aplicam aos testamentos toda matéria abordada, e em regra, aceita-se o testamento celebrado em outro país, desde que a forma adotada não seja contrária a preceitos de ordem pública interna do país onde se achem os bens, ou onde deva ser executado o ato de última vontade (art. 10 da LINDB). Um exemplo clássico, é que no Brasil o testador só pode dispor de 50% de seus bens, caso tenha herdeiros necessários vivos, já em outros países como nos Estados Unidos não, por isso, caso o processo de inventário ocorra em território brasileiros os herdeiros devem buscar o sistema de compensação citado acima.

Por final, apesar do constante avanço da cooperação internacional muitas pessoas tem buscado fugir da ação de inventário e buscado meios alternativos como estruturação de holdings e offshores. Daí os bens ficam agrupados em uma empresa administradora, que pode ser tanto no país que ocorrerá o processo de inventário como em países no estrangeiro sujeitos a um regime diferente, até mesmo em “paraísos fiscais”.

Em vista disso, os herdeiros irão buscar as cotas da empresa e a administração e não os bens, em razão de que estão herdando a sociedade. A partir da transferência das cotas cada herdeiro pode decidir o que fazer, como vender suas cotas ou seguir na gestão empresarial, diante disso é uma excelente opção pra quem espera a perpetuação do patrimônio deixado e incentivos fiscais.

Sobre o autor
Yan Souza Camargo

Pós-graduando em Direito e Processo Civil - Instituto Goiano de Direito; Escritor de artigos e coautor da obra "Direito sem Fronteiras" (Vol. 1, 2024, Ed. Dialética).

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