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A precocidade do “judicial review” americano

Uma abordagem comparativa em relação ao fenômeno europeu de recepção tardia do controle de constitucionalidade e sua repercussão no paradigma da América Latina.

Agenda 15/05/2024 às 15:05

Para se analisar a expansão do controle de constitucionalidade entre as nações, faz-se necessário descortinar fatos históricos relevantes ocorridos nos diferentes contextos socioeconômicos. Isto é, nos EUA, a particularidade constitucional se traduziu, especificamente, no triunfo do Sul perante o Norte, na Guerra de Secessão de 1861-1865[2]. Em decorrência desse fato, o sistema federalista superou a confederação, trazendo a necessidade de fortalecer a União em detrimento dos Estados. Explicando melhor, surgiram conflitos de competência entre as leis estaduais locais e as leis federais, trazendo à tona a necessidade de se positivar o “judicial review” ou revisão do judiciário dos atos originários de outros poderes. Destarte, a precocidade do controle de constitucionalidade americana serviu como um paradigma pontual para as autoridades da América Latina que também coadunavam com a forma de governo presidencialista e governança descentralizada.

Ademais, pode-se inferir que nos EUA observou-se uma certa preeminência do poder executivo em detrimento do legislativo, uma vez que havia uma relativa desconfiança em relação a imparcialidade e a opção política atribuída ao órgão legislador. Ou seja, a grande crítica dos dirigentes norte-americanos era sobre o modelo europeu parlamentarista, cuja marca opressiva ( the great opressor)  originava-se da supremacia entre o Rei e o Governo. Nesse prisma, os EUA admitiam que o judiciário poderia ser o “role of libertador” ou a regra da liberdade para conter arbitrariedades do poder legislativo. Para complementar, sabe-se que o raciocínio norte-americano se baseava na percepção de que somente os cargos do executivo e legislativo eram eleitos por sufrágio pelo povo, cujas eleições deveriam, impreterivelmente, representar as minorias vulneráveis, trazendo um paradoxo de teleologias constitucionais.

Segundo o doutrinador James Madison, “O controle de constitucionalidade é essencial e indispensável, não apenas como instrumento de proteção dos direitos dos indivíduos e das minorias, em relação aos possíveis atos arbitrários dos legisladores e das maiorias políticas, mas também, para impedir que um dos poderes, o mais forte, que é sempre o legislativo, aspire a cobrir e representar todo o espaço da Constituição”. Nessa perspectiva, para o sistema americano ser totalmente imparcial e justo, somente o poder judiciário deveria ter o discernimento de coibir discrepâncias entre atos normativos ordinários, tendo como modelo de supremacia a Constituição.

Em contrapartida, na Europa, a justiça constitucional foi estabelecida tardiamente, pois a co-soberania monárquica ditava as fontes de poder, arrefecendo a supremacia da Lei Suprema. Ademais, não se fazia necessário o controle de constitucionalidade, posto que imperava a infalibilidade parlamentar e a generalidade do sufrágio censitário. Portanto a sistemática do parlamento dessa época negava o caráter normativo da própria Constituição, pautando-se na desconfiança para com o judiciário e suas condutas aristocráticas. Segundo o jurista Capeletti, “Os juízes da Europa continental são geralmente magistrados de carreira, não eleitos como os juízes americanos, sendo pouco adequados para a tarefa de controlar as leis, uma tarefa que é, inevitavelmente, criativa e vai muito além do papel tradicional de servidor das leis”.

Outrossim, é importante destacar que o controle de constitucionalidade efetivo necessitava de uma certa unidade de jurisdição como o common law americano, com ausência de separação de litígios e discrepância de julgados. Assim, ao contrário do sistema americano, na Europa, havia a ausência de jurisdição ou pluralidade de pensamentos, dificultando a hermenêutica processual e a implantação de um controle de constitucionalidade pontual. Entretanto, em países como a Alemanha (Estado federal), Itália (sistema descentralizado) e Espanha (comunidade autônoma) o controle de constitucionalidade conseguiu ser implementado, diferenciando-se do modelo europeu preestabelecido, sendo um despertar para futuro do constitucionalismo.

Nesse contexto de anacronismo e antagonismo, aos poucos, houve a democratização do parlamento na Europa e a oligarquia da maioria legislativa deixa de ser infalível, surgindo poderes como o Tribunal Constitucional para auxiliar o executivo nas demandas da sociedade. Além disso, após a destruição dos Estados pela Segunda Guerra Mundial, observou-se que houve falha na missão protetiva da sociedade, devido a opressão do totalitarismo nazista e fascista. Por conseguinte, era necessário reafirmar a confiança por meio de um controle abstrato de atos normativos, para tentar reativar uma nova ordem constitucional de liberdades públicas e direitos fundamentais absolutos.

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Diante de todo o exposto, percebe-se que a precocidade de utilização do controle de constitucionalidade americano foi possível devido a necessidade de controlar judicialmente a nova ordem federalista pautada pelo presidencialismo e pelo sistema de precedentes do common law. Todavia, a Europa foi retardatária em relação ao constitucionalismo controlador dos atos normativos, em decorrência da ascensão do poder legislativo parlamentar em conjunto com a oligarquia europeia que, posteriormente, teve de aceitar a democratização e abertura dos sistemas. Nesse sentido, depois de toda a tratativa histórica, pode-se concluir que a forma de Estado e de governo são fundamentais na positivação das leis e atos normativos, permitindo que se escolha o tipo de controle de constitucionalidade a ser utilizado para garantir a segurança jurídica e a positivação dos direitos fundamentais da nações . 

Bibliografia:

Alexy, Robert (1993), “Teoria dos Direitos fundamentais”. Madrid: Centro de estudos constitucionais.

Bom, Pierre (1992), “A proteção constitucional dos Direitos fundamentais; aspecto dos Direitos comparados Europeu”. Revista do Centro de estudos constitucionais, nº 11, pp. 43-82.

Camarillo Govea, Laura Alicia (2016), “Convergências e divergências entre os sistemas europeu e interamericano de direitos humanos”. Revista Vasca de administração pública, nº 107, pp. 43-85.

Capelletti, Mauro (1993), “Juízes julgadores”, Porto Alegre: S.A Fabris.

Haberle, Peter (2000), “O estado constitucional europeu”. Revista mexicana de Direito constitucional, nº 2, pp. 87-104.

Loewenstein, Karl (1986), “Teoria da Constituição”. Barcelona: Ariel Derecho, 2ª edic.

Madison, James (1993), “ Os artigos federalistas”. Rio de janeiro: Apresentação: Nova fronteira.


[1]

[2] A Guerra Civil Americana conhecida como Guerra de secessão tinha como causa principal a longa controvérsia sobre escravização dos negros e iniciou poco depois do presidente Abraham Lincoln tomar posse. ( 1861-1865).

Sobre a autora
Joseane de Menezes Condé

Mestranda em Direito pela Fundação Universitária Ibero-americana (FUNIBER).Pós-graduanda em Direito Tributário (Faculdade Anhanguera, Piracicaba-SP); Colação de Grau no Curso de Direito pela Faculdade Anhanguera, Piracicaba-SP; Pós graduação em Direito Constitucional e Direito Processual Civil pela Damásio- Ibmec. Médica Veterinária formada pela UFMG, desde 2000. Escreve artigos para o Migalhas e gazeta Piracicaba. Estagiária do TRT 15, Piraciacaba. Coautora do Livro Direito do Trabalho - impactos da pandemia 2021.

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