Introdução.
Este breve artigo tem por objetivo trazer alguns sistemas filosóficos de verdade, notadamente o sistema da verdade por correspondência, para relacioná-lo ao processo judicial. Os conceitos de filosofia, por óbvio, são complexos, logo, o presente artigo apenas intenciona trazer a sistematização dos autores e mencioná-la no contexto do processo judicial, como um início de reflexão da temática.
Desenvolvimento
A busca pela verdade é uma questão que permeia as pessoas e sociedades. Tal busca também se reflete nas ciências, notadamente no ocidente. Não é diferente no processo judicial. Aliás, no âmbito do processo fica evidente a busca pela verdade. No processo, denota-se que há um embate de versões com pretensões de verdade. Na petição inicial há pretensão de verdade, na contestação, por outro lado, também há tais pretensões.
Em meio a esta arena de embates, contudo, cabe trazer alguns sistemas que dão norte ao que ocorre na busca pela verdade.
O professor Danilo Marcondes, no livro “A Verdade”, traz de forma didática as concepções filosóficas de verdade. Segundo o autor, quando da introdução ao tema (2014, pág. 16):
Vamos analisar agora algumas das concepções mais tradicionais de verdade, iniciando com as mais clássicas, as teorias da correspondência, da coerência e do consenso. Veremos que essas teorias não são necessariamente incompatíveis entre si, mas visam dar conta da verdade como relação com a realidade e, portanto, dos modos de distinguir o verdadeiro do falso.
Conforme se pode denota, há três teorias tradicionais: verdade por correspondência, verdade por coerência e verdade por consenso. O autor em comento, em seu livro, traz mais teorias e críticas às teorias tradicionais. Contudo, tendo em vista a teoria correspondentista ser a mais intuitiva, e ser visualizável no trato probatório, este trabalho centra-se nesta.
A Verdade por correspondência, como dito, é intuitiva. Ela é intuitiva no sentido de a verdade estar numa correspondência entre o que é enunciado e o que de fato é existente no mundo fenomênico.
Melhor explicando, Marcondes (2014, pág. 17):
Segundo essa concepção, a verdade é resultado da adequação entre o pensamento humano, ou entre a linguagem que expressa esse pensamento e a realidade que esse pensamento, ou essa linguagem (dois sentidos de lógos), pretende descrever. Quando a relação descreve os fatos tais como são, temos então um pensamento ou uma sentença verdadeira.
Interessante notar que no âmbito da doutrina jurídica há referência aos sistemas filosóficos de verdade, e aqui cite-se Michele Taruffo. O autor em comento traz tais teorias ao âmbito do estudo do direito probatório. Pode-se notar que a verdade por correspondência possui relevo em sua obra. Segundo Taruffo, (2014, pág. 28):
O conflito entre as duas teorias, ao se falar de verdade judicial, pode ser superado. Deve-se considerar a teoria da verdade como correspondência como seu conceito básico, de acordo com a teoria semântica da verdade proposta por Tarski, ainda, deve-se sustentar que a teoria da coerência defina apenas um dos possíveis critérios da verdade, não sendo, todavia, a melhor teoria acerca da verdade judicial.
Em outro momento de sua obra, Taruffo (2014, pág. 19) externa:
Fatos e enunciados. Uma importante observação merece ser feita aqui sobre fatos e a maneira como esses se determinam. Em verdade, os fatos não se incorporam nos procedimentos judiciais na sua realidade empírica ou material: em geral esses já ocorreram e, assim, pertencem ao passado. Em conseqüência, salvo alguns elementos de prova circunstancial, os fatos não podem ser percebidos pelo juiz: esses devem ser reconstruídos pelo julgador com base na prova disponível. Fatos, então, são tomados em consideração de uma forma muito peculiar, isto é, na forma de enunciados acerca do que ocorreu faticamente. Quando se fala da verdade de um fato, na realidade fala-se da verdade de um enunciado acerca desse fato. Por conseguinte, o que se prova ou se demonstra no processo judicial é a veracidade ou falsidade dos enunciados acerca dos fatos em litígio.
Denota-se do excerto acima o fundamento da verdade por correspondência, no âmbito do contexto probatório. No âmago desta teoria, a prova se presta a fazer a verificação do enunciado verbalizado e o que se tem no mundo fenomênico.
A verdade por correspondência é basilar para quem tem o ônus da prova, posto que o objetivo da prova é demonstrar no processo o que a parte alega, conformando ao que ocorreu no mundo dos fatos. Logo, os meios de provas admitidos em Direito servem de instrumento das partes do processo para fazer a conformação entre enunciado e fatos. Se uma parte alega um determinado fato X, tal restará provado se algum meio de prova der o enunciado como correspondente ao fato. Sempre lembrando, frisa-se, segundo Taruffo, que a reconstrução fática é feita em cima dos enunciados, cujos fatos veiculados nos referidos enunciados estão aprisionados no passado.
Contudo, inobstante a verdade por correspondência ser uma teoria basilar, intuitiva e arraigada, Marcondes (2014, pág. 47), ao trazer a complexidade do tema, notadamente no âmbito jurídico, ensina que:
É talvez da natureza da própria discussão filosófica que seus conceitos sejam examinados e reexaminados, discutidos criticamente, sem que jamais uma definição se imponha. Isso se dá não só com a verdade, mas com outros conceitos igualmente fundamentais da tradição filosófica, como conhecimento, justiça, bem e beleza.
Em conclusão, o tema verdade é complexo, afeito aos estudiosos da filosofia e filosofia do direito, a quem incumbe trazer o seu desenvolvimento e aplicação no âmbito do Direito. Este breve artigo, por sua vez, teve por intenção apenas mostrar o conceito da verdade por correspondência e sua presença na busca pela verdade num processo. É discernido pelos operados do direito a necessidade de conformar suas enunciações ao que de fato ocorreu no âmbito dos fatos, e tal é por exigência da tradicional teoria da verdade por correspondência.
Referências Bibliográficas.
MARCONDES, Danilo. A Verdade. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014. (Filosofias: o prazer de pensar/ dirigida por Marilena Chauí e Juvenal Savian Filho).
TARUFFO, Michele. A Prova. 1ª edição. São Paulo: Marcial Pons, 2014.