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A compensação pecuniária para militares licenciados e encostados

Agenda 20/05/2024 às 08:15

Em decorrência das disposições legais presentes no Estatuto dos Militares e na Lei do Serviço Militar, militares temporários das Forças Armadas que se encontram incapacitados podem ser licenciados e colocados na condição de "encostados".

Nestes casos, infelizmente, tem sido uma prática das Forças Armadas deixar de efetuar o pagamento da compensação pecuniária devida ao militar licenciado.

Conforme estipulado na Lei nº 7.963/1989, militares licenciados ex officio por término de prorrogação de tempo de serviço têm direito a receber uma compensação pecuniária equivalente a uma remuneração mensal por ano de efetivo serviço militar prestado.

A leitura da norma deixa clara que a compensação pecuniária não constitui “prêmio” ou gratificação por tempo de serviço. Trata-se de benefício de natureza indenizatória e assistencial, destinada a garantir o sustento do militar temporário quando de seu retorno à vida civil, o que, não raras vezes, envolve mudança de residência e a adaptação profissional, sobretudo no caso dos praças, que ingressam no serviço militar no início da vida adulta.

Ainda que não se tratasse de uma motivação evidente, trata-se da justificativa apresentada na exposição de motivos do projeto de lei que resultou na Lei n. 7.963/89:

“EXPOSIÇÃO DE MOTIVO Nº 62, DE QUATORZE DE AGOSTO DE 1989, DOS SENHORES MINISTROS DE ESTADO DO EXÉRCITO E DA SECRETARIA DE PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Excelentíssimo Senhor Presidente da República. Os militares temporários, permanecendo na caserna por cinco ou mais anos, distanciam-se de suas raízes no meio civil, o que dificulta sua readaptação ao ambiente de onde procederam, após terem sido licenciados. Estes homens, enquanto servidores públicos militares federais, não podem receber a assistência previdenciária destinada aos servidores regidos pelos regimes estatutário ou celetista. Os planos desenvolvidos para amparo pelo FGTS ou PIS/PASEP, conforme a destinação em lei destes instrumentos, não podem ser estendidos aos militares temporários. Visando a amparar pecuniariamente esses militares, ao retornarem à vida civil, enquanto disputam uma oportunidade no mercado de trabalho, propõe-se a criação de um pecúlio indenizatório, a ser-lhes concedido por ocasião do licenciamento, após 5 (cinco) anos de prestação de efetivo serviço militar. Tal medida, de caráter eminentemente social, dar-lhes-á condições de vencer, sem traumas, o período de transição e de ajustarem-se a uma nova forma de vida, garantindo a subsistência de suas famílias por tempo razoável. Este pecúlio representará uma despesa adicional, estimada em NCz$ 63.300.000,00 anuais (valores de julho de 1989), a ser atendida com os recursos originários das despesas Correntes da União, alocados a Encargos Previdenciários, sob supervisão do Ministério da Fazenda e destacadas ao Ministério do Exército, na atividade referente a Encargos com Inativos e Pensionistas. Assim, Senhor Presidente, temos a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Excelência, minuta de amparo aos militares temporários, por ocasião do licenciamento das fileiras do exército. Com profundo respeito, - Leônidas P. Gonçalves”.

Ao reconhecer a finalidade da lei, o Superior Tribunal de Justiça teve oportunidade de decidir que a compensação pecuniária não poderia ser desvirtuada, por exemplo, em favor de militar que foi licenciado em razão do ingresso em outro cargo público, todavia:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR MILITAR TEMPORÁRIO. LICENCIAMENTO EX OFFICIO POR APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA. BENEFÍCIO DE NATUREZA ASSISTENCIAL. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA QUE DEVE ATENTAR PARA AEXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA LEI 7.963/89, SOB PENA DE DESVIRTUAMENTO DA NORMA ESTABELECIDA NO SEU ART. 1º. PRECEDENTES. 1. É acertada a negativa de trânsito ao Recurso Especial que não comprova a divergência jurisprudencial, nos termos da disciplina estatuída pelo art. 255 do RI/STJ. Esse fundamento, aliás, nem mesmo foi objeto de atenção pelo Agravo, que se limitou a defender o preenchimento dos requisitos legais sem atacar especificamente a ausência de certidões ou cópias do julgamento trazido a cotejo - documentos que efetivamente não estão nos autos - de modo que incide, na espécie, o óbice da Súmula 182/STJ. 2. A violação ao art. 535 do CPC deve ser afastada na medida em que o acórdão de origem revela motivação suficiente, apta, por si só, a afastar a nulificação buscada nessa via recursal, especialmente porque, não estando obrigado a responder a questionamento das partes, o julgador se desincumbe do dever de fundamentação com a exposição das razões fático-jurídicas que o levaram a determinado juízo de convencimento, tal como se vislumbra na decisão impugnada. Ademais, a pretensão aclaratória está marcadamente orientada por razões de índole meritória, que nem mesmo lograram identificar qual dos vícios processuais - contradição, omissão ou obscuridade - maculariam a decisão impugnada, de modo que os embargos veiculam simples inconformismo em relação ao conteúdo da decisão que desfavoreceu a recorrente. 3. Na origem, o demandante ajuizou ação ordinária buscando a condenação da União Federal ao pagamento da chamada "compensação pecuniária", benefício instituído pelo art. 1º da Lei 7.963/89 em favor dos militares licenciados ex officio. No caso, não há controvérsia sobre ter o demandante sido licenciado do serviço militar para assumir cargo efetivo em função de aprovação no concurso público da Escola de Saúde do Exército, limitando se o debate a determinar se o licenciamento ex officio constitui motivo suficiente, por si só, para autorizar a concessão do benefício legal. 4. A interpretação dada pelas instâncias recorridas ao dispositivo federal, data venia, não parece ter atentado ao art. 5º do Decreto-Lei 4.707/42, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, uma vez que não foi considerado o elemento teleológico da norma, de natureza nitidamente assistencial. Segundo a Exposição de Motivos nº 62, de 14 de agosto de 1989, o Projeto de Lei nº 3.362/1989 que propôs o benefício em tela - teve o claro escopo de garantir ao militar licenciado ex officio a percepção de verba de natureza assistencial que lhe assegurasse a subsistência quando do seu retorno à vida civil e da sua readaptação ao mercado de trabalho, do qual esteve afastado durante o tempo de serviço militar. 5. Essa não é, todavia, a situação do demandante, que foi licenciado em virtude de sua aprovação no concurso público da Escola de Saúde do Exército, de modo que em momento algum estevedesamparado para fazer jus ao benefício pleiteado. Entendimento diverso implica não apenas desvirtuar a lógica e a finalidade que iluminaram a criação da compensação pecuniária em questão, como também desconsiderar a natureza assistencial desse benefício, o que fere o princípio da solidariedade social elencado no art. 3º, inciso I, da Carta Magna como um dos objetivos fundamentais da República. 6. Nessa linha são os precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 7. Agravo em Recurso Especial não provido e Recurso Especial provido. (STJ, REsp 1298288, DJe 01/08/2013)

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No entanto, a lei apenas exclui explicitamente o direito à compensação pecuniária para militares licenciados ex officio a bem da disciplina ou por condenação transitada em julgado.

É importante ressaltar que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) estabeleceu um precedente significativo no julgamento da Apelação Cível nº 1999.02.01.049213, com relatoria do Desembargador Sergio Schwaitzer em 2007.

No caso, um Cabo não-estável (temporário) foi desincorporado por incapacidade definitiva antes do término de sua prorrogação de tempo de serviço e pleiteou o direito à compensação pecuniária.

Ao analisar o caso, o TRF-2 reconheceu o direito do militar temporário à compensação pecuniária, enfatizando que a desincorporação por incapacidade definitiva não deve ser interpretada da mesma forma que o licenciamento ex officio a bem da disciplina.

Na sua fundamentação o tribunal afirmou que a compensação pecuniária tem o propósito de indenizar o militar temporário pelos anos de serviço prestados, e negar esse direito a alguém que foi desligado devido à incapacidade seria injusto.

Isto porque, é imperativo assegurar a dignidade do ex-militar que enfrenta uma condição de saúde debilitante, cumprindo, dessa forma, a lei e garantindo justiça aos militares licenciados por incapacidade. Veja a íntegra da decisão:

ADMINISTRATIVO. MILITAR. CABO NÃO-ESTÁVEL (TEMPORÁRIO). DESINCORPORADO POR INCAPACIDADE DEFINITIVA. COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA. CONCESSÃO. CABIMENTO. I – Hipótese em que Cabo não–estável (temporário), desincorporado por incapacidade definitiva, antes do término de sua prorrogação de tempo de serviço, pretende a concessão da “Compensação Pecuniária”, a teor da Lei 7.963/89. II – Ora, ao exame da legislação de regência (Dec. 57.654/66 c/c a Lei 6.880/80), verifica-se que: (a) a desincorporação e o licenciamento são atos de exclusão da praça do serviço ativo de uma Força Armada e ambos ocorrem após o término do Serviço Militar inicial; (b) que a desincorporação se dá nos casos de incapacidade definitiva, enquanto que o licenciamento se dá: por conclusão de tempo de serviço ou de estágio; por conveniência do serviço e a bem da disciplina; e (c) que a desincorporação resulta na isenção do serviço militar, se não for caso de reforma, quando o licenciamento (por conclusão de tempo de serviço ou de estágio e/ou por conveniência do serviço) resulta na inclusão na reserva não-remunerada. III – De outro giro, observando-se os termos da Lei 7.963/89, vê-se que seu objetivo primordial foi a instituição de uma vantagem, com o claro intuito de indenizar o militar temporário (não-estável) pelos anos de serviços prestados. IV – Certo, também, que o legislador não criou um benefício a ser estendido a todo militar temporário, pois fez excluir expressamente o reconhecimento de tal direito ao militar licenciado ex officio a bem da disciplina e/ou por condenação transitada em julgado. Note-se que dita exceção permite, até mesmo, inferir que o mesmo legislador buscou somente prestigiar o militar que, no decorrer do tempo de serviço, não tenha sofrido alguma alteração disciplinar mais grave, pelo raciocínio lógico de que a disciplina se constitui num dos pilares institucionais das Forças Armadas, as quais são organizadas com base na hierarquia e na disciplina, por força de disposição constitucional ( CF, art. 142, caput), igualmente assentada no Estatuto dos Militares (Lei 6.880/80, art. 2o c/c art. 14, §§ 2o e 3o). V – Inconteste, ainda, que, ao mencionar o licenciamento ex officio “por término de prorrogação de tempo de serviço”, o legislador tinha em conta que esta é uma das modalidades do licenciamento do militar temporário (não-estável) e apenas dito militar é destinatário da “Compensação Pecuniária” instituída; bem ainda, para indicar o momento em que o benefício será concedido. VI – CONTUDO, NÃO HÁ SE DAR UMA INTERPRETAÇÃO TÃO RESTRITIVA AO COMANDO LEGAL, NEGANDO DIREITO À VANTAGEM INDENIZATÓRIA AO MILITAR NÃO-ESTÁVEL, QUANDO ESTE, EMBORA TENHA PERMANECIDO REENGAJADO NO SERVIÇO ATIVO, PRESTANDO ANOS DE EFETIVO SERVIÇO, VIU-SE, PORÉM, IMPEDIDO DE INTEGRALIZAR O PERÍODO DA PRORROGAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO ENTÃO DEFERIDO, PORQUE TEVE INTERROMPIDA A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO MILITAR, POR CIRCUNSTÂNCIAS ALHEIAS A SUA VONTADE, EM VISTA DE ALGUMA INCAPACIDADE DEFINITIVA SURGIDA DURANTE A VIDA NA CASERNA. ALIÁS, SE A INTENÇÃO PRIMEIRA DO LEGISLADOR FOI A DE INSTITUIR A “COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA” COM O ESCOPO DE INDENIZAR O MILITAR TEMPORÁRIO PELOS SERVIÇOS PRESTADOS; INEGAVELMENTE MAIOR MÉRITO HAVERÁ NA CONCESSÃO DESSA VANTAGEM ÀQUELE MILITAR QUE, DE REPENTE, FOI DESLIGADO DA FORÇA ARMADA, POR NÃO MAIS SER CAPAZ DE PROSSEGUIR EM SUAS FILEIRAS. VII – LOGO, RESTANDO DEVIDAMENTE COMPROVADO QUE O EX-CABO CARACTERIZAVA-SE COMO MILITAR TEMPORÁRIO – VEZ QUE PRAÇA INCORPORADA POR PRAZO LIMITADO –, E NÃO INCIDINDO O EX-MILITAR NAS HIPÓTESES LEGAIS DO NÃO CABIMENTO DA PRETENDIDA VANTAGEM (LICENCIAMENTO EX OFFICIO A BEM DA DISCIPLINA E/OU POR CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO), PROCEDE A CONCESSÃO DA “COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA”, EQUIVALENTE A UMA REMUNERAÇÃO MENSAL POR ANO DE EFETIVO SERVIÇO MILITAR PRESTADO, EXCLUINDO-SE, NA APURAÇÃO DOS ANOS DE EFETIVO SERVIÇO, O PERÍODO DO SERVIÇO MILITAR INICIAL, NOS TERMOS DA MULTICITADA LEI 7.963/89. VIII – APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. (TRF-2 - AC: 199902010492139 RJ 1999.02.01.049213-9, Relator: Desembargador Federal SERGIO SCHWAITZER, Data de Julgamento: 05/12/2007, SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: DJU - Data::17/01/2008 - Página::345)

Além disso, recentemente, um militar temporário que prestou serviço em uma Organização Militar de Salvador/BA teve que recorrer a um Mandado de Segurança (1088132-39.2023.4.01.3300) para buscar o pagamento da compensação, que lhe foi negado administrativamente, pois ser licenciado e posto na condição de encostado devido a incapacidade laboral.

Em 12 de março de 2024, ao analisar o pedido, o juízo da 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária da Bahia enfatizou que "a interpretação do art. 1º da Lei n. 7.963/89 não pode ser literal a ponto de reduzir a proteção concedida aos militares temporários licenciados por motivos de saúde e sem remuneração, mesmo quando afastados para tratamento médico".

Diante desse entendimento, o juízo considerou procedente o pedido do militar, determinando que o Comandante da Organização Militar efetue o pagamento da compensação pecuniária, visto que o licenciamento ex officio por motivo de saúde e sem remuneração equivale a um licenciamento ex officio por limite temporal.

Portanto, em consonância com o princípio da juridicidade na atuação da Administração Pública, que exige que esta aja de acordo com a ordem jurídica, garantindo a compatibilidade de suas atividades com a Constituição, as leis e as normas administrativas, não se justifica negar o pagamento da compensação pecuniária ao militar temporário que foi licenciado e está encostado.

Sobre o autor
Jamil Pereira de Santana

Mestre em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS - Universidade Salvador | Laureate International Universities. Pós-graduado em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário pelo Centro Universitário Estácio. Pós-graduado em Licitações e Contratos Administrativos pela Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera. Atualmente, pós-graduando em Direito Societário e Governança Corporativa pela Legale Educacional. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio da Bahia. 1º Tenente R2 do Exército Brasileiro. Membro da Comissão Nacional de Direito Militar da Associação Brasileira de Advogados (ABA). Membro da Comissão Especial de Apoio aos Professores da OAB/BA. Professor Orientador do Grupo de Pesquisa em Direito Militar da ASPRA/BA. Membro do Conselho Editorial da Revista Direitos Humanos Fundamentais e da Editora Mente Aberta. Advogado contratado das Obras Sociais Irmã Dulce, com atuação em Direito Administrativo e Militar.

Informações sobre o texto

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