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Arquitetura hostil como mecanismo de segregação socioespacial higienista e a Lei nº 14.489 de 2022

Agenda 21/05/2024 às 11:42

RESUMO

SOUZA, Valkíria Silva de Souza. Arquitetura Hostil como mecanismo de segregação socioespacial higienista e a Lei nº 14.489 de 2022. 79 p. Trabalho de Conclusão de Curso - Curso de Direito, Universidade do Estado de Minas Gerais, Ituiutaba, 2023.

Esta pesquisa aborda o fenômeno da arquitetura hostil nas cidades, o qual promove a exclusão do convívio social dos grupos marginalizados por meio da instalação de instrumentos espaciais que evitam a permanência de indivíduos naquele espaço, principalmente as pessoas em situação de rua. Para tanto, tem como objetivo analisar as causas dessa problemática e entendeu pela influência da indústria do medo, aporofobia e mixofobia como fatores que legitimam a ocorrência da arquitetura da violência, além das consequências e soluções no enfrentamento desse problema, com ênfase para a Lei nº 14.489 de 2022 que veda o emprego de técnicas construtivas hostis nos espaços livres de uso público. Nesse sentido, foi utilizado o método de pesquisa bibliográfica e documental, por meio do estudo de jurisprudências, legislações e projetos de lei. Desse modo, foi possível inferir que a arquitetura hostil promove o afastamento dos indivíduos da sociedade e mesmo com a aprovação da Lei nº 14.489 de 2022 essa ainda não atingiu plenamente efetivada, o que dificulta o combate a essa prática. Por fim, conclui-se que o debate do tema é de extrema relevância em virtude da atualidade desse e inexistir doutrinas sobre ele, portanto, o estudo servirá de instrumento de divulgação e debate junto a sociedade.

Palavras-chave: ARQUITETURA HOSTIL. SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL. HIGIENISMO. ESPAÇO PÚBLICO. POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Arcos de ferro em soleiras na Farmácia Pague Menos, localizada na Rua 22 com as Avenidas 11 e 13, nº 504, Centro, Ituiutaba (MG).

Figura 2 – Fachada da Pague Menos de Ituiutaba (MG), em julho de 2011, antes da instalação dos arcos de ferro nas janelas.

Figura 3 – Arcos de ferro em soleiras na Caixa Econômica Federal de Ituiutaba, localizado na Rua 22 com as Avenidas 11 e 13, nº 540, Centro, Ituiutaba (MG).

Figura 4 – Grades e arcos de ferro nos canteiros da Administração Fazendária de Ituiutaba, localizado na Rua 22, nº 780, Centro, Ituiutaba (MG).

Figura 5 – 54º Batalhão de Polícia Militar de Ituiutaba (MG), em janeiro de 2019, quando localizado na Rua 22, nº 780, Centro, Ituiutaba (MG).

Figura 6 – Condomínio do Edifício Executivo, onde funciona o Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis de Ituiutaba, localizado na Rua 20, nº 880, Centro, Ituiutaba (MG).

Figura 7 – Arcos de ferro no canteiro do Shopping Pátio Cidade, localizado na Rua 24 com as Avenidas 13 e 15, nº 878, Centro, Ituiutaba (MG).

Figura 8 – Shopping Pátio Cidade de Ituiutaba (MG), em janeiro de 2019, antes da instalação dos arcos de ferro.

Figura 9 – Rodoviária de Ituiutaba, localizada na Rua 36, nº 1386, Centro, Ituiutaba (MG).

Figura 10 – Rodoviária de Ituiutaba (MG), em julho de 2011, antes da instalação das grades.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.

1 DIREITO FUNDAMENTAL À CIDADE E À MORADIA

1.1 DIREITO À CIDADE E OCUPAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO URBANO

1.2 DIREITO À MORADIA

2 ARQUITETURA HOSTIL

2.1 DEFINIÇÃO DE ARQUITETURA HOSTIL

2.2 INDÚSTRIA DO MEDO E A SEGURANÇA PÚBLICA NOS CENTROS DAS CIDADES

2.3 POPULAÇÕES MARGINALIZADAS E APOROFOBIA NAS CIDADES

2.4 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA QUANTO À OCUPAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO URBANO

3 POSSÍVEIS SOLUÇÕES

3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INCLUSÃO SOCIAL DOS GRUPOS MARGINALIZADOS NAS CIDADES E A LEI Nº 14.489 DE 2022

3.2 SANÇÕES À MANUTENÇÃO DE ELEMENTOS DA ARQUITETURA HOSTIL

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

INTRODUÇÃO

A cidade é um espaço físico organizado para permitir a presença e convívio de todos os habitantes daquela região, de forma harmônica e democrática, sem qualquer tipo de discriminação, para assim permitir a fluída socialização entre seus pares. Tal direito possui respaldo no artigo 2º, inciso I do Estatuto da Cidade, o qual garante a função social da cidade por meio do desenvolvimento planejado e sustentável de ocupação socioespacial, mediante a participação popular na gestão da cidade e, desse modo, atender ao interesse social e promover o bem-estar social. Entretanto, esse direito encontra desafios na sua concretização em virtude do fenômeno da arquitetura hostil, tema do presente trabalho.

A arquitetura hostil é um mecanismo de segregação socioespacial promovido por meio de obstáculos arquitetônicos que impedem a livre circulação e ocupação espacial das cidades. Consiste na inserção de objetos pontiagudos nos espaços públicos, seja nas escadas, para dividir os bancos ou em viadutos, tudo com o fito de impedir a utilização e permanência da população marginalizada nesses espaços.

Essas estruturas arquitetônicas, por sua vez, possuem aceitação social pois são respaldas em mecanismos de controle social. Indivíduos com baixo poder aquisitivo, pessoas em situação de rua, usuários de drogas e skatistas, que utilizam das escadas e bancos para realizarem manobras esportistas, são rechaçados das áreas comuns urbanas por serem considerados uma ameaça ao “status quo” e à segurança, tendo em vista que para a ideologia capitalista os centros das cidades e o comércio devem ser frequentados, exclusivamente, pelos consumidores e detentores do capital financeiro. Portanto, são tratados como cidadãos de segunda classe e lhe são retirados o Direito à Cidade e ao exercício da cidadania, o que fere a diversidade cultural e dignidade da pessoa humana.

A falta de planejamento do ambiente coletivo obsta o acesso geral, irrestrito e democrático da cidade. Em relação ao ordenamento jurídico, é importante discorrer sobre os desafios da aplicação da Lei nº 14.489 de 2022, que altera o Estatuto da Cidade para impedir as manifestações da arquitetura antimendigo nos espaços livres de uso público, aos casos concretos.

Entretanto, apesar de ser um tema atual e de extremada relevância acadêmica, social, política e econômica no que tange a atual estruturação socioespacial brasileira, inexiste doutrinas jurídicas brasileiras sobre o tema, por isso é pertinente o debate e divulgação desse entre a população pois a arquitetura da violência afeta, principalmente, a população em situação de rua, por utilizarem os espaços públicos para repouso e descanso.

Diante disso, o presente projeto busca encontrar possíveis soluções à segregação socioespacial promovida pela arquitetura hostil nas cidades e formas de garantir o seu pleno acesso a todos os citadinos e para isso é necessário compreender e definir a arquitetura hostil, objetivos gerais deste trabalho. Por conseguinte, será necessário perpassar pelos objetivos específicos e discorrer sobre as principais noções conceituais de Direito à Cidade e arquitetura hostil; relacionar esses conceitos à ocupação do espaço nas cidades; analisar as causas; discorrer sobre as sanções pela sua manutenção e propor soluções com o fito de promover a acessibilidade nas cidades.

Para tanto, foi adotada a pesquisa bibliográfica e documental na área do Direito, com a análise de doutrinas, jurisprudências, legislações nacionais e internacionais, e projetos de leis. A pesquisa será explicativa, com uma análise aplicável à realidade e delineamento descritivo e explicativo. Por sua vez, a abordagem será qualitativa, com método dedutivo e natureza básica, pois não se aplicará esse conhecimento à realidade concreta.

No que tange ao referencial teórico destaca-se as obras de Henri Lefebvre (1968), filósofo e sociólogo francês responsável pela criação do termo Direito à Cidade, princípio norteador da criação do Estatuto da Cidade, segundo o qual a cidade pertence a todos, independentemente de gênero e classe social. Assim sendo, devem estar à serviço e disposição da comunidade, sem excluir ninguém do uso do espaço público.

Ademais, será utilizada as pesquisas do sociólogo e filósofo Bauman (2005), o qual realiza uma análise crítica e contemporânea da organização da sociedade, das interações sociais e da estruturação das cidades no sistema capitalista que impõe restrições ao uso do espaço público, em virtude da exclusão ocasionada pelo medo da violência, de se misturar (mixofobia) e dos pobres (aporofobia), somado ao apoio da comunidade aos mecanismos do Estado de promoção da segurança pública, e desse modo aprofunda-se a segregação socioespacial. Também foi utilizado para embasamento teórico os estudos do pesquisador e professor de sociologia Loïc Wacquant (2008), segundo o qual o Brasil por meio da repressão promove o higienismo social com o pretexto de garantia da ordem pública, tendo como fato gerador a militarização das cidades e manutenção do policiamento vigilante, originado no passado colonial e escravagista de controle dos pobres pelo uso da força.

Em relação a estruturação da dissertação essa foi dividida em três partes. Na primeira parte será analisado o Direito à Cidade e à Moradia no contexto de promoção de uma cidade acessível e democrática, por meio da definição contextual e histórica, além de relacioná-la com a ocupação do espaço público urbano.

No segundo capítulo será conceituado e definido a arquitetura da violência, com enfoque nos vocábulos essenciais para o entendimento do tema, posteriormente, será apresentado às causas, dentre elas a influência da indústria do medo na segurança pública e no terceiro subtópico será tratado sobre a aporofobia (medo dos pobres), a marginalização de determinados grupos da sociedade apartados do convívio das cidades e as disputas pelo uso da cidade, com enfoque descritivo e comparativo. Por fim, será discorrido sobre os institutos legais que versam sobre a ocupação da cidade, mediante análise das leis brasileiras e inoperância do judiciário quanto a essa temática.

O último capítulo em seu primeiro subtópico trará as possíveis soluções para a arquitetura hostil, com a sugestão da implementação de políticas públicas voltadas para a inclusão social por meio do acesso igualitário dos indivíduos nos grandes centros e no segundo subtópico será abordado as sanções pela manutenção de elementos da arquitetura do medo. Assim, será possível demonstrar a relevância da compreensão do fenômeno da arquitetura hostil pela sociedade, que apesar de o vivenciar cotidianamente na maioria dos casos a ignora ou desconhece, bem como os impactos negativos que essas proporcionam para a sociedade.

1 DIREITO FUNDAMENTAL À CIDADE E À MORADIA

O indivíduo possui o direito de usufruir de todas as potencialidades promovidas pela cidade por essa pertencer a todos e servir para propiciar a dignidade da pessoa humana. A utilização da cidade contempla os espaços públicos, local em tese acolhedor e inclusivo, e os espaços privados, com os comércios e residências, as quais precisam estar em condições dignas de habitação, dotadas de saneamento básico e infraestrutura, de modo a garantir o direito constitucional à moradia, o que nem sempre é respeitado e garantido.

1.1 DIREITO À CIDADE E OCUPAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO URBANO

As cidades são ambientes de socialização que permitem trocas de experiências entre a população e desenvolvimento da política, economia, sociedade e cultura, por isso, o seu acesso é amplo e irrestrito para, assim, permitir o exercício da liberdade, socialidade e moradia (LEFEBVRE, 1968, p. 140). Desse modo, por consistir na junção de vários direitos, torna-se fundamental a sua proteção.

Por ser um ambiente de grandes confluências sociais, as cidades estão em eterna transformação e expansão, fato intrinsecamente relacionada com o processo de urbanização, o qual não se limita aos espaços urbanos e ocorre, também, nos espaços considerados como não- urbanos, por exemplo, as regiões distantes dos centros das cidades (BRENNER, 2013, p. 9-13). Por esse motivo, ambos devem ser considerados espaços urbanos, pois diferenciá-los causaria desamparo a parcela considerável da população quanto a aplicabilidade de políticas urbanas e desenvolvimento social.

Outro fator de influência no processo de transformação das cidades é a globalização, pois, a qual apesar de promover inúmeros avanços é responsável pelo aumento do abismo entre as classes sociais e concentração das diretrizes políticas e econômicas voltadas para uma pequena parcela da sociedade (SANTOS, 1988, p. 7-10). Nessa conformação, a busca pelo lucro torna o seu principal objetivo em detrimento aos direitos de cada indivíduo, e, desse modo, amplia a exclusão, segregação e opressão aos pobres (LEFEBVRE, 2008, p. 58-59).

Soma-se a isso o efeito do capitalismo na conformação das cidades, pois os habitantes dessas precisam consumir o excedente de produção desse sistema, logo, há relação entre o aumento da urbanização e o aumento da produção de bens de consumo, a fim de fomentar a economia (HARVEY, 2014, p. 30). Entretanto, o fim do capitalismo não garantiria o Direito à Cidade, pois as cidades estão em constante transformação quanto ao modelo econômico e social no qual estão inseridas, os quais são delineadas para servirem aos interesses pessoais dos possuidores do poder político e econômico (HARVEY, 2014, p. 63). Nesse sentido, evidencia-se a exclusão sistemática, com respaldo social, dos detentores de poder.

Nesse ínterim, urge a garantia da função social da cidade, bem-estar urbano, a implementação de planos diretores nas cidades e participação direta da população na construção das cidades. Pois, a cidade é um direito de todos e deve ser garantida por meio de mecanismos de ordem estatal.

O Direito à Cidade, teoricamente, começou a ser discutido em 1990, no contexto de intensos movimentos de reivindicações sociais pela democracia e moradia que culminou no surgimento do Estatuto de Cidade (Lei nº 10.257/01) (HARVEY, 2014, p. 14). Tal lei foi implementada em atendimento à Constituição Federal em resposta ao clamor popular, na década de 80, pela implementação de um regime democrático após anos de opressão do regime militar brasileiro (CANELLA; DIAS, 2022, p. 255-256).

Sendo assim, inovou ao regulamentar o art. 183 da Constituição Federal que prevê a usucapião especial urbana individual constitucional (BRASIL, 2001) e efetivar o artigo 182 da CF ao impor a necessidade de observância à função social da cidade e bem-estar da população e trazer em seu § 1º a obrigatoriedade dos municípios com mais de vinte mil habitantes de implementarem um plano diretor nas cidades para fim de efetivar a função social da propriedade urbana (CANELLA; DIAS, 2022, p. 257-258). A função social da cidade pode ser definida como a efetivação dos direitos sociais previstos no art. 6º da Constituição Federal (MOTA; TORRES, 2019, p. 21), sendo eles, o direito à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à previdência social, de proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados (BRASIL, 1988).

Além disso, conforme o § 4º do artigo 182 da CF/88 a administração pública pode solicitar ao proprietário do solo urbano não edificado, em desacordo com a função social da propriedade, que o parcele e edifique de modo compulsório; caso o problema persista, será aplicado o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo e, como última medida, a propriedade será desapropriada, com a devida indenização ao proprietário (CANELLA; DIAS, 2022, p. 260). Portanto, a função social da propriedade consiste no cumprimento do artigo 6º da CF/88.

Ademais, os habitantes precisam ter garantidos o bem-estar urbano, o qual, erroneamente, é confundido com o poder de compra, mas, deve ser medido por meio do Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU), formulado pelo Observatório das Metrópoles para quantificar o bem-estar dos citadinos (RIBEIRO; RIBEIRO, 2013, p. 8). O IBEU tem como parâmetro o tempo gasto pelo indivíduo para ir da sua residência até o local de trabalho; se as cidades possuem áreas verdes, saneamento básico e infraestrutura urbana; a densidade de moradores nas residências, a quantidade de dormitórios e banheiros dessas, se há dignidade habitacional (MENEZES, POSSAMAI, 2015, p. 141-142). A partir disso será calculado o índice de IBEU que vai de zero a um e quanto mais próximo desse, maior o bem-estar urbano (MENEZES, POSSAMAI, 2015, p. 142). Assim, esse parâmetro auxilia na visualização de locais que precisam da implementação de políticas públicas para sanar disparidades regionais.

Para tanto, deve ser garantido a plena distribuição de serviços públicos de qualidade, pois, a falta desses resultam em problemas de saúde e econômicos. As crianças e jovens em vulnerabilidade social residentes em logradouros afastados dos grandes centros possuem dificuldades de deslocamento para as escolas, o que dificulta o acesso à educação e impacta, negativamente, o desenvolvimento cognitivo e social desses. Por conseguinte, ocuparão subempregos, terão menos chances de ascensão social e será perpetuado a desigualdade social. Por isso a importância de garantir o bem-estar urbano, por meio de um Direito atualizado e em consonância com as mudanças sociais e evolução das cidades, a fim de diminuir a disparidade social.

Ademais, a exclusão de determinado indivíduo do convívio nas cidades afronta o seu princípio basilar de universalidade, pois não pode haver distinção de tratamento e primar pelos consumidores e donos de propriedade privadas em relação aos sujeitos sem poder aquisitivo e à margem do sistema capitalista. Para evitar isso é preciso a realização de uma pesquisa com os possíveis meios para implementação, pelos municípios, da pluralidade social (JACOBS, 1961, p. 271 - 272).

Nesse sentido, torna-se indispensável o conhecimento pormenorizado das peculiaridades das regiões urbanas, as quais podem ser obtidas por meio da comunicação com os habitantes de determinada localidade e assim elencar com exatidão as políticas públicas a serem implementadas (JACOBS, 1961, p. 271 - 272). Logo, as cidades poderão representar a pluralidade dos cidadãos e, por conseguinte, aumentar o sentimento de afetividade e pertencimento à localidade em um mecanismo de democratização do território.

Por isso, é de suma importância a implementação de mecanismos de proteção aos indivíduos em situação de inferioridade ao efetivar a participação direta da população nas tomadas de decisão para a construção das cidades, prevista no art. 2º, inciso II, do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) (BRASIL, 2001). Deve-se partir do pressuposto de que as cidades são um organismo vivo, em constante transformação, e em virtude disso são construídas pelo povo e para o povo. Portanto, a liberdade do exercício coletivo da urbanização deve ser exigida (HARVEY, 2014, p. 28-30).

Entretanto, o Estatuto da Cidade ainda encontra como desafio a ineficácia quanto à implementação do Plano Diretor da Cidade e promoção de transformações sociais, os quais deveriam ser criados em conjunto com a sociedade, por ser destinatária e possuir interesse na reestruturação do espaço público, mas, concretizar isso ainda é um desafio (CANELLA; DIAS, 2022, p. 260).

Um exemplo de sucesso ocorre em Porto Alegre, no qual ocorre a gestão direta das cidades por parcela da população, o que impede abusos quanto aos direitos da população (HARVEY, 2014, p. 14). Essa é desenvolvida por meio de um Orçamento Participativo (OP) iniciado em 1989 e com notoriedade mundial por promover a participação da população na governança da cidade, a operação dele ocorre da seguinte forma:

O Ciclo do OP se caracteriza por três grandes momentos prioritários: as reuniões preparatórias, a Rodada Única de Assembleias Regionais e Temáticas e a Assembleia Municipal. Inicia-se com as reuniões preparatórias, quando a Prefeitura presta contas do exercício passado, apresenta o Plano de Investimentos e Serviços (PIS) para o ano seguinte. As secretarias municipais e autarquias acompanham estas reuniões, prestando esclarecimentos sobre os critérios que norteiam o processo e a viabilidade das demandas. Nas Assembleias Regionais e Temáticas, nas 17 Regiões e seis Temáticas do OP, a população elege as prioridades para o Município, seus conselheiros e define o número de delegados da cidade, para os seus respectivos fóruns regionais e grupos de discussões temáticas. Os Fóruns de Delegados são responsáveis pela definição, por ordem de importância, das obras e serviços que serão discutidas nas regiões e temáticas (BRASIL, s.d.).

Esse foi um grande avanço democrático para a cidade ao permitir que essa seja vivenciada por todos, e deve atuar em consonância ao poder público, pois cabe aos municípios auxiliarem a população com a divulgação dos dados necessários quanto à gestão municipal e permitir, desse modo, um melhor exercício da democracia direta (HARTMANN, 2022, p. 65) Mas, a efetiva participação direta da população só será possível com o combate às estruturas estatais de segurança pública pois são influenciadas pelo militarismo brasileiro, Indústria do Medo, mixofobia e aporofobia.

O poder disciplinar consiste em um instrumento de sujeição que reforça um padrão normativo imposto pela sociedade, dissemina o medo do anormal e excluem os indivíduos “diferentes” do convívio social ao isolá-los em clínicas psiquiátricos, presídios e escolas disciplinares, os quais servem para demarcar um indivíduo como anormal e vigiá-lo, por meio da imposição de uma conduta de controle com o objetivo de disciplinar seus corpos e atitudes (FOUCAULT, 1987, p. 222 - 223). Então, quando o corpo é aprisionado pelo sistema coercitivo de dominação, retira-se a identidade do indivíduo, pois, é por meio do corpo que o indivíduo se identifica, se socializa e obtém a sua fonte de renda, entretanto, esse só será domesticado e servirá como fonte de trabalho ao sistema se for aprisionado e servil (FOUCAULT, 1987, p. 29). Assim, é imposto o padrão comportamental da classe detentora de poder, pois as cidades são construídas para atender aos interesses daquela, a qual não está interessada no convívio com o diferente.

Os veículos de comunicação, por sua vez, servem para reforçar a dominação dos corpos por meio da disseminação do medo da violência na sociedade:

Não se trata de negar a existência e o possível crescimento da violência em conflitos sociais nas cidades, mas de “suspeitar da exacerbação do medo coletivo com base nos sentidos produzidos pelos discursos midiáticos e de mecanismos de enunciação jornalística, como as “rajadas” noticiosas, às vezes apocalípticas, sobre os “terríveis” e “incessantes” perigos nas cidades, sistematicamente associados ao crescimento da pobreza e da miséria, portanto, suspeitas provocadoras das necessidades crescentes de proteção e de segurança. A segurança tem sido inserida na publicidade em geral quase como uma palavra de ordem (FERRAZ; POSIDÔNIO; 2004, p. 81).

Nesse ínterim, infere-se que a mídia reforça a busca pela segurança na sociedade com a propagação do sentimento de caos generalizado. Ao mesmo tempo oferecem a solução, pois cabe às pessoas, como medida de segurança, instalarem em suas residências sistemas de segurança e utilizarem veículos blindados e lucram com o medo (BAUMAN, 2021, p. 27-28).

Esse sentimento também é responsável por influenciar na formação de regimes antidemocráticos e opressores, os quais se apresentarem como única alternativa de resolução do problema, fator norteador de futuras políticas públicas (PASTANA, 2005, p 190-192). Mas, mesmo em regimes democráticos as polícias ao reprimirem práticas delituosas possuem uma conduta tendenciosa ao tratar primeiramente como suspeitas de um crime pessoas pretas e pobres, principalmente nos Estados Unidos e no Brasil, sob o pretexto de promoção da segurança pública e paz social (SOUZA, 2008, p. 155).

Então, uma instituição que deveria proteger a todos com isonomia perpetua a marginalização dos pobres, tendo em vista que as cidades estimulam o combate a qualquer manifestação considerada delituosa para manter a segurança pública e promover o higienismo, por sofre influência, no caso do Brasil, do militarismo punitivista no Estado (WACQUANT, 2008, p. 58-59). Assim, os excluídos não vivem a cidade em todas as suas potencialidades, os quais são tratados como não-participantes” (LEFEBVRE, 1968, p. 52).

Essa exclusão dos indesejáveis pelo sistema capitalista é reforçada pela Indústria do Medo, responsável pela ampla disseminação, alarmista e sensacionalista, de notícias sobre os casos de violência que ocorrem nas cidades, assim, dissemina o medo constante do outro e a busca por proteção da sua propriedade privada, o que gera altos lucros às empresas privadas de segurança e ao mercado imobiliário (BAUMAN, 2021, p. 41-43). Desse modo, a segurança pública possui respaldo social para se utilizar de mecanismos de segregação socioespacial higienista que afasta do convívio social esses grupos marginalizados.

O medo da violência faz com que parte da população, dotada de maior poder aquisitivo, se isolam em pseudocondomínios com alto sistema de segurança (CALDEIRA, 2000, p. 9). Buscam, desse modo, estar próximos de pessoas que se pareçam com eles pois possuem mixofobia, “medo de misturar-se” e relacionam a violência aos pobres, em virtude do preconceito, sentimento de superioridade, individualismo e entrave estético dos vulneráveis quanto à valorização imobiliária, assim, se reforça a intolerância e aporofobia, aversão aos pobres, ao invés de criar uma cidade hospitaleira (BAUMAN, 2021, p. 22-25).

Entretanto, esses condomínios residências contrariam a Lei Federal 6.766/79, pois, o planejamento urbano não pode ser realizado por particulares por meio de loteamentos fechados (SOUZA, 2008, p. 76), conforme explicação:

No caso de um “pseudocondomínio” (“loteamento fechado”) as parcelas de terreno são vendidas individualmente a cada proprietário, que constrói a sua casa e utiliza o seu lote ao seu gosto e como lhe aprouver (respeitadas, eventualmente, algumas regras municipais ou mesmo do “condomínio”, amiúde muito gerais). (...) o fato de se interditar (ou dificultar) o acesso a logradouros públicos acarreta a agressão a uma série de direitos formalmente integrantes do arcabouço constitucional de praticamente qualquer “democracia” representativa da atualidade: o direito de ir e vir, o direito de intimidade (ninguém, a não ser um policial, e mesmo assim com razões fundamentadas, pode exigir que um particular se identifique para ter acesso a um logradouro público ou por ele transitar, nem se pode exigir que seja informado o destino, o propósito de ali estar etc.); o direito de reunião. Não é fato novo a distância entre certos direitos formais dos cidadãos das “democracias” contemporâneas e a realidade efetiva da possibilidade maior ou menor da fruição desses direitos por parte dos indivíduos e grupos, dependendo de sua renda e outras características (raça, por exemplo) (SOUZA, 2008, p. 76 - 78).

Assim, esses pseudocondomínios impedem a democratização das cidades, nesse sentido, a arquitetura opera a serviço da segregação ao promover a exclusão de determinadas classes sociais do convívio comum. Cria-se, portanto, “pequenas cidades” isoladas, que limite o convívio apenas com pessoas de classes sociais semelhantes, o que é implementado de forma consciente e diminui a possibilidade de trocas de experiências e vivências entre os citadinos.

Os moradores dos pseudocondomínios, por outro lado, distanciam-se da comunidade exterior e interior, o que é replicado pela população pobre que, ao seu modo, criam em seus bairros loteamentos fechados (SOUZA, 2008, p. 76-78). Assim, os ricos se segregam para se distanciarem dos pobres, e esses promovem a segregação dentro do próprio grupo social, o que amplia em demasiado a segregação socioespacial (SOUZA, 2008, p. 78).

A estruturação das cidades também é influenciada pela biopolítica, conjunto de relações de poder político e econômico que regem as interações sociais e foi assim conceituado pelo filósofo Foucault:

O filósofo francês Michel Foucault compreende a biopolítica como uma forma de manifestação de poder por meio da qual os mecanismos da vida biológica dos seres humanos são incluídos na gestão política de um Estado, passando a ser gerenciados e administrados. A biopolítica tem como foco estabelecer mecanismos de controle que não mais incidirão sobre corpos individuais, mas sobre populações, estabelecendo censuras entre diferentes grupos sociais de acordo com o interesse político almejado. (COPETTI, WEMUTH, 2020, p.1).

A biopolítica, destarte, exerce um controle sobre toda a sociedade a fim de manter o status quo, por isso, infere-se que a disseminação do medo da violência consiste em uma política de controle e dominação pelo medo, o que atinge principalmente os despossuídos de poder na sociedade, ou seja, os grupos em vulnerabilidade social. Nesse sentido, as pessoas em situação de rua, similarmente aos antigos escravos e destituí das da condição humana, são coisificadas e retiram-lhe a livre disposição sobre o próprio corpo, o direito à moradia e direitos políticos para permitir o controle dessas (MBEMBE, 2018, p. 27-30). Portanto, a biopolítica consegue impor a vontade da classe dominante por meio desse tratamento desigual e discriminatório com o diferente, impede a efetivação dos direitos sociais e promover a exclusão socioespacial, enquanto o poder vigente deveria promover o direito à moradia a fim de democratizar o acesso à cidade.

1.2 DIREITO À MORADIA

O direito à moradia está previsto em diversos documentos internacionais. A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948) foi o primeiro documento internacional a garantir o direito à moradia (SARLET, 2008, p. 1), previsto em seu o artigo XXV (ONU, 1948). Posteriormente, esse direito foi reafirmado pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas (1966) (MARTINS, SILVA, SILVA, SPINK, 2020, p. 3), o qual foi promulgado no Brasil pelo Decreto nº 591/1992 (LIMA, MELO, 2022, p. 4).

Posteriormente, esse tema foi abordado no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 e a inviolabilidade do domicílio foi introduzido ao sistema jurídico brasileiro pelo Decreto nº 592/1992 (LIMA, MELO, 2022, p. 4). Na Conferência das Nações Unidas sobre os Assentamentos Urbanos - Habitat I, realizada em 1976, por sua vez, restou estabelecido a Declaração de Vancouver sobre Assentamentos Humanos que protege a dignidade habitacional (SARLET, 2008, p. 4) e havia como objetivo a criação de políticas urbanísticas nacionais (BRASIL, 1996, p. 8).

Em consequência, surgiu em 1978 o Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (UN-HABITAT) (MARTINS, SILVA, SILVA, SPINK, 2020, p. 6). Posteriormente, a Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento em 1986 correlacionou à moradia a garantia de desenvolvimento de determinada comunidade (LIMA, MELO, 2022, p. 5). Para tanto, essa deve ser norteada pelos princípios norteadores para a promoção de uma residência digna o que foi trago pelo Comitê para Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas em seu Comentário Geral nº 4 de 1991 (LIMA, MELO, 2022, p. 5). Para esse, a habitação é um direito universal e essa deve ser habitável, digna, adequada, segura, acessível e dotada de infraestrutura que permita manifestações artísticas identitárias (ONU, 1991, p. 3-4).

Na sequência, a 2ª Conferência das Nações Unidas sobre os Assentamentos Urbanos - Habitat II, realizada em 1966 resultou na Declaração de Istambul sobre Assentamentos Urbanos no qual foram observados os avanços e retrocessos do Habitat I e foi implementado novos objetivos (BRASIL, 2013, p. 34-31). E por meio do Habitat III em 2016 foi realizado a Declaração de Quito sobre Cidades Sustentáveis e Estabelecimentos Humanos para Todos (LIMA, MELO, 202, p. 6).

O Comitê para Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas depois, por meio de seu Comentário Geral nº 7 de 1997 abordou que os despejos forçados deveriam ser contidos por violarem inúmeros direitos, dentre eles, “direitos civis e políticos, como o direito à vida, o direito de segurança pessoal, o direito à não interferência na vida privada, na família e no lar, e o direito de desfrutar de seus próprios bens em paz” (ONU, 1997, p. 2). Em paralelo, o ordenamento pátrio garante o direito à moradia em seu artigo 6º da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), no Estatuto da Cidade, na Lei n° 11.124, de 2005 e na Lei n° 11.481, de 2007 que serão tratadas, de forma pormenorizada, no próximo capítulo.

Assim, infere-se que há um vasto ordenamento jurídico no âmbito nacional e internacional que reconhece o direito à moradia como um direito universal e responsável pela promoção da dignidade humana. Entretanto, na realidade, são inúmeros os casos de cidadãos que não possuem moradia ou residem em ambientes insalubres. Grande parcela da população pobre brasileira reside em cubículos sem saneamento básico e segurança física contra abalos estruturais (BRASIL, 2004, p. 14).

O Brasil possui um histórico de desigualdade na distribuição da propriedade privada que remonta o período colonial, no qual o território brasileiro foi dividido em latifúndios, grandes porções de terras, distribuída à nobres portugueses que a usaram para plantio de cana- de-açúcar (RODRIGUES; ROSS, 2020, p. 21). Entretanto, não havia ainda a propriedade privada sobre a terra, a qual foi garantida apenas na Constituição Imperial de 1824, após a Independência do Brasil que normatizou a propriedade rural com a Lei de Terras (Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850) (ZENERATTI, 2017, p. 4).

Essa surge no contexto de proibição do trabalho escravo que desencadeou na dispersão de investimentos em outros setores da sociedade e para adaptar a economia à nova realidade ocorre a valorização da terra como mercadoria em substituição ao escravo e, com a comercialização das terras seria obtido o dinheiro que possibilitaria a substituição do trabalho escravo pela mão-de-obra estrangeira (CAVALCANTE, 2005, p. 4). Entretanto, essas terras eram vendidas à preços altos, o que impediu a aquisição por esses imigrantes (CAVALCANTE, 2005, p. 5), o que consolidou a concentração de terras na posse de poucos na forma de latifúndios (MENDES, 2011, p. 180).

Essa problemática persiste, pois, as cidades não conseguem absorver o aumento populacional e demanda habitacional, o que promove a dispersão da população pobre para as regiões afastadas das cidades, tendo em vista os altos preços das moradias nos centros das cidades (PEQUENO, 2008). Entretanto, a dinâmica das cidades permite a constante ressignificação dos espaços e locais antes habitados pelas camadas menos abastadas da sociedade, podem ser transformadas em áreas nobres:

Com a globalização, a especulação imobiliária vai expandindo e melhorando as estruturas da periferia, aquela área que anteriormente era a opção mais barata para essa população, passa a ser um local caro para se viver, forçando estes a se deslocarem novamente e cada vez mais para lugares mais distantes, mantendo-se na ilegalidade, que é a única opção que tem, na medida em que a legalidade é vista como sendo algo caro e financeiramente não sustentável (HOLSTON, 1993 apud FISCHER; OLIVEIRA, 2017, p. 12-13).

Esse é o fenômeno da gentrificação, no qual os centros da cidade são revitalizados e melhorados pelas empresas imobiliárias, e consequentemente há um aumento no preço das residências desses locais, os quais passam a ser ocupados pelos ricos em substituição aos antigos moradores (BATALLER, 2012, p. 15). Portanto, as classes baixas são, constantemente, expulsas das cidades, o que aumenta as ocupações irregulares, subnormais, construídas com materiais inadequados, em regiões sem saneamento básico e infraestrutura, o que traz sérios riscos à saúde e integridade física dessa população.

Muitas residências são construídas nas encostas dos morros, em regiões com risco de desmoronamento, as quais cedem e transformam-se em tragédias em períodos de chuvas abundantes. Desse modo, são vítimas da invisibilidade social pois são lugares desassistidos pelo poder público, que permitem essas construções irregulares enquanto deveriam fornecer a possibilidade desse grupo ter acesso a moradias dignas.

Nesse descaso, essas ocupações não são consideradas como pertencentes às cidades, mas, como um território dotado de leis próprias, fato é, que são, em sua grande maioria, dominados pelas facções criminosas e torna-se um território autárquico, com linguagem própria e indominável. Os traficantes são responsáveis pela demarcação dos locais resididos pelas classes baixas e possuem as classes médias e altas como os maiores consumidores de seus produtos, enquanto os moradores dos bairros ricos se utilizam do aparato policial estatal para reprimir a presença dos pobres, considerados uma ameaça ao status quo, nesses logradouros; (FERNANDES, 2005, p. 14-15), atitude incoerente que demonstra apenas a utilização do aparato estatal para perpetua a distinção social e a apagamento social da população em vulnerabilidade social sob o discurso de combate à criminalidade.

Na realidade, a classe dominante busca promover a segregação e dominação sobre os despossuídos, os seus valores sobre os demais, por meio da violência simbólica, um mecanismo de poder que opera de forma oculta (BOURDIEU, 1989, p. 12). Por meio da violência simbólica as classes ricas consideram superiores e únicas merecedoras das cidades, como meio de manter o status quo de distinções das classes sociais e imposição da ideologia deles (BOURDIEU, 1989, p.9). Ou seja, a cidade seria apenas para alguns.

O entendimento de que uma classe é superior a outra consiste em uma manifestação do darwinismo social, no qual um grupo de indivíduos é considerado superior ao outro em virtude da capacidade econômica, fator transformado em política de estado em governos fascistas ao diminuírem os programas de assistência social e aumentar a disparidade social (COELHO, 2022, p. 9). Portanto, entre avanços e retrocessos, a cidade continua sendo um ambiente de disputas pelo seu uso, pois o Estado Democrático de Direito é destinado apenas a um grupo.

Esse sentimento de superioridade é demonstrado por meio dos discursos de ódio contra o próximo, em virtude da sua classe social, orientação sexual, gênero, os quais são respaldados pelos governantes de uma nação que possuem o mesmo alinhamento ideológico de afronta aos direitos humanos. Portanto, a linguagem do poder que deveria proteger os vulneráveis, fornece respaldo social para que formas discriminatórias operarem à nível nacional.

A discriminação aumenta quando se trata da população em situação de rua, pois em um sistema capitalista voltado ao lucro e de valorização do trabalho, aqueles que não estão inseridos como força de trabalho são vistos como um estorvo, e, no caso, um empecilho visual à beleza das cidades, enquanto deveriam ser tratados como um problema social e terem acesso à saúde, moradia e dignidade. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a população de rua, em 2022, totalizava 281.472 pessoas (BRASIL, p. 15-16).

Estima-se que 10.000 pessoas dormem nas ruas da região metropolitana de São Paulo, enquanto 2.500 são sem-teto na cidade do Rio de Janeiro. Esses sem-teto são na maioria migrantes do interior pobre e da região nordeste. O Relator Especial recebeu inúmeros depoimentos de pessoas sem teto que foram vítimas de abuso por parte da polícia e de extrema exclusão social. A ausência de documentação adequada quase sempre impede que os moradores de rua utilizem serviços públicos de saúde e serviços sociais (BRASIL, 2004, p. 14).

São inúmeros os fatores que levam uma pessoa a morar nas ruas, além da pandemia de coronavírus, um caso atípico vivenciado globalmente estão a pobreza, o desemprego, vício em drogas e problemas familiares, e, resta como alternativa para obtenção de renda a prestação de serviços informais, pois, a falta de um ensino superior e preconceito são fatores impeditivos para a aquisição de um emprego com carteira assinada (GONDIM; PINTO, 2017, p. 14).

Por estarem em um extremado nível de desumanização perante a sociedade, são considerados pela comunidade como um estorvo, assim, ironicamente, enquanto aumenta-se os organismos de proteção aos animais com a destinação de vasilhames com água e comida em frente às lojas para os animais de rua, a população em situação de rua é expulsa desses locais, pois podem espantar a freguesia. Há a humanização dos animais e retirada da dignidade das pessoas, o que denota o avanço quanto ao aumento de dispositivos legais que protegem os direitos dos animais, mas, houve um enorme retrocesso quanto à aplicabilidade da dignidade humana.

A desumanização pode ser percebida no cotidiano, enquanto alguns comerciantes consideram as pessoas em situação de rua um empecilho visual e odorífico, em virtude do odor fétido causado pela falta de higiene pessoal dos moradores de rua e por urinarem nas proximidades das suas lojas, o que afugenta a clientela (FARIA, 2020, p. 63). Ademais, muitos ficam pedindo esmolas nas portas das lojas como meio de obter dinheiro para comprar comida ou drogas. Por isso, há a instalação de mecanismo de exclusão desses indivíduos nas cidades:

Procedimentos de expulsão e contenção através de “ajustes arquitetônicos” e demais tecnologias materiais permanecem atualmente na cidade de São Paulo, promovidos por comerciantes, proprietários de imóveis e a limpeza urbana executada pela Prefeitura. Ou seja, os artefatos antimendigos não são apenas uma prerrogativa de políticas públicas, mas também iniciativas do mundo privado. (...) A justificativa parece ser sempre o mau cheiro dos mendigos, o incômodo visual de sua presença ou a ameaça de maculação dos pontos turísticos e a destruição do patrimônio histórico. A conjunção de procedimentos arquitetônicos de expulsão e de medidas policiais de deslocamento desses habitantes leva-os à contínua circulação por ruas e cantos da cidade. Cria-se o tal círculo vicioso: o morador de rua, sem acesso a banheiros públicos e sem moradia, usa os vãos, as ruas, os bancos de praças, as árvores, para dormir e fazer sua higiene pessoal. O efeito visual e odorífico desse uso gera na população uma atitude de repúdio à sua presença e aciona o poder público, que força a sua supressão na cidade. Quando não é o poder público diretamente, são os artefatos construídos paulatinamente que, perversamente, tentam empurrar o habitante de rua para o “lugar nenhum” (FRANGELLA, 2005, p. 202 - 203).

A pessoa em situação de rua resta, desse modo, o limbo, o não pertencimento a nenhuma esfera da sociedade à semelhança de um eterno nômade, non grato, que irá perambular pelo infinito sem nenhuma aceitação ou piedade dos seus iguais. A insegurança nas ruas, para a população em situação de rua é grande, pois as organizações que deveriam protegê-las não o fazem, um exemplo disso ocorreu no Rio de Janeiro na “Operação Cata-Tralha”, no qual os objetos pessoais das pessoas em situação de rua eram levados para os lixões, em ação conjunta da empresa pública de limpeza das cidades e órgãos de segurança pública municipal, os quais ainda empregavam força física contra essa comunidade (BRASIL, 2004, p. 14).

O projeto alcançou seu estopim no ano de 2003, com a criação do projeto “Zona Sul Legal” que consistia na retirada das pessoas em situação de rua dos bairros nobres do Rio de Janeiro e eram levadas para residirem em alojamentos comunitários insalubres, fator responsável pelo retorno dessa população às ruas (BRASIL, 2004, p. 14-15). E, apesar das denúncias junto à ONU e prefeitura municipal, a operação foi mantida (BRASIL, 2004).

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Diante do caso em tela, o Cadastro Único torna-se de extrema importância para servir de subsídio à implementação de medidas que visem a identificar o perfil social e econômico das pessoas em situação de rua, para, que as autoridades possam agir de forma direcionada a fim de atingir, de forma concreta, essa comunidade (NATALINO, 2022, p. 18- 19).

A moradia, portanto, apesar de ser um direito universal não é garantida a todos ou é garantida de forma precária, por isso, ocorre a inserção dos indivíduos com baixo poder aquisito nas regiões afastadas dos grandes centros das cidades, o que perpetua a marginalização e apagamento desses indivíduos quanto ao convívio social. Essa exclusão, por sua vez, torna- se uma política de estado quando é implementada nos espaços públicos por meio da arquitetura hostil.

2 ARQUITETURA HOSTIL

A arquitetura hostil consiste na inserção de artefatos nos espaços públicos que restrinjam a utilização desse por todos, por exemplo, com a inserção de divisórias no meio dos bancos públicos para evitar que as pessoas em situação de rua durmam neles. Entretanto, é um elemento presente no cotidiano dos citadinos, mas imperceptível para aqueles que desconhecem o tema ou não são afetados por ela, o que dificulta o seu combate.

2.1 DEFINIÇÃO DE ARQUITETURA HOSTIL

A arquitetura é a manifestação da identidade e cultura de uma época ao criar e modificar o espaço por meio de técnicas e métodos que a particularizam. Para Aldo Rossi (2001, p.1), consiste na materialização artística no ambiente e é construída coletivamente pela sociedade, sendo responsável por estruturar as cidades. Logo, toda forma de edificação é proposital e possui um significado e uma mensagem, seja de acolhimento ou afastamento. A arquitetura hostil, por sua vez, manifesta-se nos espaços públicos e privados, a fim de evitar que a permanência das pessoas em situação de rua, skatistas e pobres nesses locais (FARIA, 2020, p. 38).

Para os gregos antigos, as cidades eram responsáveis por reunir pessoas que compartilhavam a mesma origem (CACCIARI, 2010, p. 9-11), os cidadãos gregos - homens, filhos de gregos e possuidores de terras e escravos - realizavam debates públicos nas praças públicas, e, assim, exerciam influência na política local (COIRO-MORAES, FARIAS, 2017, p. 76-77). Na Roma antiga, por sua vez, o fator responsável por reunir os cidadãos nas cidades era a lei, tendo em vista que eles, não necessariamente, partilhavam a mesma orientação religiosa e étnica (CACCIARI, 2010, p. 9-11).

As cidades medievais, entretanto, eram alicerçadas pela economia e as praças possuíam a função de centros comerciais, um prelúdio ao sistema capitalista. Na cidade capitalista, em contiguidade, os centros permaneciam como um local entremeado pelo comércio, mas aprofundou o consumismo. Nesse sentido, quando Paris transforma-se uma cidade turística e símbolo do consumismo e entretenimento, as pessoas passam a comprar o excesso de produção, ou seja, a dinâmica da cidade opera em consonância ao sistema capitalista (HARVEY, 2014, p. 5).

Assim, percebe-se que o fator aglutinador da população nas cidades não é uníssono e varia conforme a civilização, mas mantêm-se inalterado a relação de atender aos interesses do grupo dominante, enquanto o restante da sociedade é segregado da urbe, o que causa disputas pelo uso da cidade. Essa exclusão pode ser percebida, fisicamente, por meio do fenômeno da arquitetura hostil:

A arquitetura hostil, arquitetura antimendigos, arquitetura do medo, arquitetura do pânico, arquitetura defensiva, arquitetura da violência, arquitetura penitenciária, design desagradável, dentre outros. Todas essas terminologias guardam relações com o medo do outro ou do crime, com a necessidade de vigilância e controle ou com a afirmação social de status, materializados em elementos de proteção patrimonial, mobiliários desconfortáveis, fortificações e de delimitação espacial, os quais geram segregação socioespacial, exclusão social e alterações estéticas na paisagem urbana. (FARIA, 2020, p. 31).

A materialização da arquitetura hostil ocorre, por exemplo, quando são colocados pinos sobre os bancos das praças, grades ao redor das praças públicas ou sobre as muretas que rodeiam as lojas para impedir que as pessoas em situação de rua se sentem ou durmam nesses locais. Tais medidas, entretanto, segregam toda à população que faz uso do espaço público, não apenas os destinatários da exclusão, pois todos ficam impedidos de usarem os bancos das praças de forma confortável, por exemplo.

Assim, o espaço urbano não será ocupado pelos indivíduos rechaçados do convívio social, os “sujeitos infames”, e promove um higienismo na aparência das cidades ao retirar as pessoas sem situação de rua, pois a presença delas causa incômodo aos habitantes (SOUSA, COSTA, 2021, p. 11-12). Isso significa que a cidade não pertence a todos, as edificações modernas são arcabouços herméticos que promovem a exclusão de certos indivíduos do convívio comum pois não possuem a intenção de promover união com os seus semelhantes (BAUMAN, 2021, p. 21).

As cidades são construídas para segregar e evidenciar a distinção em virtude das classes sociais, por isso, todo empecilho arquitetônico não está disposto no espaço de forma despretensiosa e possui como objetivo impedir a permanência de indivíduos indesejados, materializa o discurso opressor, pois a repressão aos grupos marginalizados é um fenômeno intrínseco do sistema capitalista. Entretanto, tais manobras arquitetônicas são infrutíferas, tendo em vista que a população em situação de rua possui como única alternativa abrigar-se debaixo das marquises das lojas e nas praças, pois possuem como residência as ruas.

Um exemplo dessas estruturas arquitetônicas ocorreu em 2021 quando foi instalado pedras embaixo dos viadutos na Zona Leste de São Paulo a fim de impedir que as pessoas em situação de rua dormissem naquele local (BRASIL, 2021). Como represália, o padre brasileiro Júlio Lancellotti, ativo nas causas sociais de defesa da população em situação de rua, quebrou às marretas as pedras colocadas embaixo dos viadutos Dom Luciano Mendes de Almeida e Antônio de Paiva Monteiro, na Zona Leste de São Paulo, pela prefeitura (BRASIL, 2021). Logo, infere-se pelo exemplo a irresponsabilidade e ofensa aos direitos humanos da prefeitura de São Paulo ao permitir a implementação da arquitetura hostil para excluir pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Assim, apesar da convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) (1969), promulgada pelo Brasil por meio do Decreto no 678, de 6 de novembro de 1992, consolidou a democracia e o direito de livre circulação (BRASIL, 1992). Ademais, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Assembleia Geral das Nações Unidas (1948), ratificada pelo Brasil, dispõe em seu Artigo 6º que “todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei” e o artigo 5º da Constituição Brasileira garante a igualdade de todos os seus cidadãos, de forma ampla e indistinta (ONU, 1948). Entretanto, pelo exemplo supramencionado, infere-se que esses direitos não são garantidos, pois excluem parcela da população de exercerem circularem livremente pelo espaço público, por serem considerados um problema de segurança pública, ocasionado pela aporofobia, mixofobia e Indústria do Mudo, que retire a dignidade humana desses indivíduos.

2.2 INDÚSTRIA DO MEDO E A SEGURANÇA PÚBLICA NOS CENTROS DAS CIDADES

O medo é próprio dos seres humanos e consiste em um temor perante casos de perigos reais ou imaginados (BAIERL, 2008, p. 142-142). Trata-se, portanto, de um mecanismo de defesa, advindo da evolução social para que o indivíduo no caso de ameaças reais, como, por exemplo, ser devorado por uma animal, sentimento de suma importância para a sobrevivência durante o período pré-histórico.

Entretanto, esse medo torna-se perigoso quando sai do âmbito da normalidade e começa a aprisionar o indivíduo nas suas atividades cotidianas, pois as notícias dos veículos de comunicação sobre à violência nas cidades gera um temor exagerado no indivíduo quanto à possibilidade de ser vítima da criminalidade. Nesse sentido, pesquisas na Cidade do México mostraram que apesar da diminuição em dados estatísticos dos casos concretos de crimes no ano 2000 nessa cidade, a população local ainda se sentia insegura, assim, percebe-se que a noção de criminalidade nem sempre condiz com a realidade, mas com a compreensão única do indivíduo sobre a violência, o que se amplia quando o indivíduo já foi alvo de algum delito (SAÚL, 2006, p. 20-21).

A Indústria do Medo exerce o controle de corpos e comportamento da sociedade pelos meios de comunicação, sejam eles o rádio, televisão e principalmente, redes sociais. O controle é exercido de forma sútil e por micro atos que, na maioria das vezes, passam despercebidos pelos consumidores desse tipo de conteúdo. Assim, cotidianamente, são veiculadas notícias sobre a violência que assola as cidades, bem como seus índices, por meio de relatos sensacionalistas que aumentam a esfera de medo do desconhecido e, a residência torna-se um refúgio dos perigos da cidade.

Portanto, repercute-se o falso ideário de que o espaço público é um ambiente caótico e sem lei, onde qualquer pessoa que nele transita está sujeita à assaltos, estupros e vandalismo. Entretanto, isso de fato ocorre, mas, a indústria do medo reforça esse estereótipo e hiperboliza o risco já existente, assim, as pessoas começam a desenvolver um pânico constante, tendo em vista que o desconhecido é entendido como uma fonte de ameaça.

Atrelado a isso, tem-se o forte preconceito incrustado na sociedade das aparências que rotulam uma pessoa pela condição física e social que possui, desse modo, o temor e medo será aumentado em relação às pessoas em situação de rua, tendo em vista que são espoliados da sociedade e taxados de “vagabundos”. Essas são as maiores vítimas da indústria do medo, tendo em vista que são poucos os indivíduos que o tratarão como um semelhante, detentor de direitos sociais e irão lhe oferecer algum tipo de amparo social.

Essa repulsa ao desconhecido, conforme entendimento de Robert Castel, teria origem no individualismo e diminuição da presença do Estado no controle da sociedade, no qual o indivíduo deveria, sozinho, buscar por proteção, em detrimento do anterior sentimento de pertencimento à uma comunidade e união (BAUMAN, 2021, p. 9-11). Por isso, o indivíduo terá suas atitudes pautadas na busca por segurança, desde a escolha do bairro no qual irá residir, a escola na qual seu filho irá estudar e até a trajetória de deslocamento até o local de trabalho.

Além disso, segundo o filósofo Bauman, há o fenômeno da mixofobia, traduzida como o “medo de se misturar” com os demais, e consiste na repulsa do indivíduo em relação ao forasteiro, ao estrangeiro, o que promove a marginalização desses (BAUMAN, 2021, p. 11). E o indivíduo por não saber lidar com o diferente, segrega-se em “condomínios” residenciais com altíssimos sistemas de segurança, para evitar qualquer tipo de ameaça a sua segurança advinda do desconhecido (BAUMAN, 2021, p. 11).

Sabendo disso, a mídia explora o medo para obter lucro, pois a maioria da população confia nas notícias nelas veiculadas e ao assistir cotidianamente os casos de violência nas cidades, acredita que a cidade é um ambiente perigoso (BAUMAN, 2021, p. 20). Para tanto, utilizam da dramaticidade na divulgação dessas notícias para aumentar a audiência (MAGALHÃES, 2009, p. 337).

Além disso, rotulam bairros como perigosos e, por consequência, reforçam o estereótipo sobre a criminalidade e marginalização daquele local, fortalecem preconceitos, ao relacionar o crime às camadas mais pobres da sociedade e aumentam a insegurança (SARAVÍ, 2008, p. 105). Esses locais passam a ser evitados pelas classes sociais mais altas e se reforça o estigma da criminalidade advinda das regiões mais pobres das cidades.

Entretanto, a mídia promove o temor do desconhecido na sociedade para aumentar a adesão da população quanto aos serviços de segurança, dos quais faz propaganda. Como resultado, aumenta a contratação de produtos de segurança privada, o que resta comprovado por meio de dados estatísticos expostos a seguir:

De acordo com relatório da SIA (Associação da Indústria de Segurança), o mercado brasileiro de segurança eletrônica totalizou R$ 591 milhões em 2012 e a previsão para 2017 é de R$ 1,8 bilhão. A presidente da Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança (ABESE), Selma Migliori, afirma que em 2015 o segmento registrou um crescimento de 6% em comparação a 2014, atingindo R$ 5,9 bilhões, e que a indústria nacional de sistemas de alarmes teve um crescimento de 15% em seu faturamento nesse mesmo período (BORÉM, 2017, p. 17).

Portanto, o indivíduo comum desacredita da segurança pública, por causa da veiculação dos casos de violência pela mídia e procura adquirir todo tipo de produto que forneça segurança a ele e sua família (BORÉM, 2017, p. 18-19). A constante espera por um episódio violento disseminado pela mídia fomenta, portanto, a busca por câmeras de segurança, gradeamento, cercas elétricas e concertinas nas residências (GROSS, 2021, p. 132 -138). Assim, a segurança, em sua plenitude, será fornecida apenas aqueles que possuem condições de adquiri-las, ou seja, apesar da segurança ser um serviço público e de todos ela é transferida para a esfera privada e de poucos (CARRIÓN, 2008, p. 18), o que fere a democracia e amplia a distinção entre classes sociais.

De fato, a segurança pública no Brasil é deficitária. O Brasil possui um sistema de segurança militarizado que subjuga os mais pobres, por não ter superado o passado escravocrata e permeado de conflitos agrários coloniais (WACQUANT, 2008, p. 60-61). Essas políticas foram reforçadas, por sua vez, durante o regime autoritário de Getúlio Vargas, no período de 1937 a 1945, e ditadura militar de 1964 a 1985, somado a hierarquia de classes, o preconceito racial endêmico e políticas higienistas (WACQUANT, 2008, p. 60-61).

Por consequência, os pretos e pobres eram tratados como uma fonte de problemas sociais, o que gerava medo perante a população e serviam de fundamento às ações policiais truculentas, narrativa que se perpetua (BATISTA, 2003, p. 51). No lugar das políticas higienistas passa a ser combatido à criminalidade, entretanto, essa é atribuído às classes baixas (FARIA, 2020, p. 44). Ou seja, mantêm-se o discurso de dominação e apagamento social que incentiva a exclusão.

Torna-se mais emblemático a atuação policial quanto essa precisa disputar por espaços de atuação em determinadas regiões com os traficantes e milícias paramilitares, responsável por instaurar-se um conflito quanto ao exercício da segurança (SOUZA, 2008, p. 146). Fator responsável por aumentar os níveis de insegurança perante a sociedade.

Portanto, a indústria do medo, financiada pelas indústrias de segurança privada e concebida como uma política de estado, associa a criminalidade aos sujeitos infames. E, desse modo, amplia a marginalização e discurso de aporofobia nas cidades.

2.3 POPULAÇÕES MARGINALIZADAS E APOROFOBIA NAS CIDADES

A população em situação de rua é composta por pessoas advindas de diferentes localidades e étnicas, os quais vivem em extrema miserabilidade, desvinculados do seu núcleo familiar, não possuem alternativa a não serem residem nas ruas (BRASIL, 2008, p. 9). É um dos grupos sociais mais discriminados pela sociedade e conforme estimativa da população em situação de rua no Brasil (2012-2022), divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), no ano de 2022 havia, aproximadamente, 281.472 pessoas em situação de rua no país, com 50% desses localizados na região Sudeste (BRASIL, 2022, p. 15-16).

Esses indivíduos não possuem residência fixa e precisam utilizar as calçadas, marquises, viadutos, parques, praças e rodoviárias para abrigarem-se (BRASIL, 2008, p. 4), por isso, não pertencem a nenhum lugar. Essa exclusão amplia-se com a instalação de design hostis nas cidades, até mesmo nos templos sagrados, os quais instalam mecanismos de segurança, como a instalação de grades para salvaguardar os bens das igrejas presentes no interior delas, logo, retiram até o exercício das crenças religiosas, direito constitucional, desse grupo (CADEMARTORI, STUMPF, 2022, p. 6). Desse modo, a ordem econômica se sobrepõe à social e gera exclusão e segregação.

Isso ocorre em virtude da aporofobia, palavra que junta os radicais gregos “áporos” que significa pobre e fobia, medo, ou seja, consiste no medo que um indivíduo sente de uma pessoa em vulnerabilidade econômica (MELO, 2022, p. 198). A aporofobia pode ser definida como um crime de ódio, pois possui destinatário definido, os pobres, que são objetificados, inferiorizados e marginalizados perante a sociedade civil, sendo-lhe, assim, imputados pelo senso comum fatos desabonadores, o que justificaria, desse modo, serem alvos de atos violentos (CORTINA, 2020).

Tal fenômeno, por sua vez, pode ser explicado pelos processos evolutivos, tendo em visa que os indivíduos tendem a se aproximar das pessoas que de alguma forma irão lhe oferecer algum tipo de retorno político, econômico ou social, logo, aproximar–se das pessoas pobres significaria perda de poder, pois isso, são excluídos do convívio social (CORTINA, 2020).

Isso se deve ao fato do indivíduo inserido dentro do capitalismo apenas será enxergado e terá dignidade humana quando for detentor dos meios de produção ou fornecer mão-de-obra, nesse viés, as pessoas em situação de rua estão excluídas desse sistema, pois não são capazes de gerar capital, logo, são expurgadas do convívio social (SOUSA, COSTA, 2021, p. 6). Por isso são descartadas pela sociedade e apagadas do convívio social (RESENDE, 2012, p. 447-448).

Por isso, as pessoas naturalizam o fato de ter pessoas morando nas ruas e passam a não se importar com a condição dessas, em virtude da habitualidade que vivenciam esse fato nas cidades, o que é incentivado pelas políticas estatais que promove o isolamento desse grupo social, por meio da arquitetura hostil que busca retirar de certos indivíduos da convivência nos espaços públicos (SOUSA, COSTA, 2021, p. 7).

As pessoas em situação de rua, entretanto, não é um problema atual. A Revolução Industrial que ocorreu na Europa foi responsável pelo aumento dessa, seja por não terem obtido emprego nas indústrias ou por não possuírem condições de financeiras para arcar com as custas de uma moradia, sendo excluídos da sociedade (CERQUEIRA, 2011, p. 51-60). No Brasil, por sua vez, esse grupo aumentou principalmente durante o período de 1930 a 1970, com o deslocamento para o Sudeste do país, em especial para São Paulo, a fim de obtenção de empregos nas indústrias e quem não conseguia, virava população em situação de rua, pois não possuía condições financeiras para retornar ao seu local de origem (CANO, 1985, p. 23).

Uma das personalidades que ganha destaque na luta pelo direitos das minorias, com destaque para as pessoas em situação de rua é o padre católico brasileiro Júlio Lancellotti, o qual atua nas ruas e nas redes sociais, na qual relata, por meio de postagens, as situações no qual esse grupo são submetidos, seja por meio de práticas proibitivas da mendicância ou mecanismos de arquitetura hostil e aporofobia, nas quais recebeu comentários que defendem a aversão a esse grupo, com posicionamentos que podem ser enquadrados nos domínios de avaliação de Charaudeau (MELO, 2022, p. 207-208).

Esses “domínios de valor” são responsáveis pela percepção que cada indivíduo possui, por exemplo, no domínio estético ocorre a diferenciação do que é considerado belo e feio (CHARAUDEAU, 2017, p. 588). Nesse sentido, em comentários nas redes sociais do Padre Lancellotti foi aduzido que as pessoas em situação de rua sujam as ruas, o que atrapalha o comércio local, ao, por exemplo, defecarem em frente as lojas, além disso, aduzem que esse grupo são responsáveis por atos criminosos (MELO, 2022, p. 208).

Em relação ao domínio pragmático, que avalia o útil e o inútil (CHARAUDEAU, s.d.), consiste nas implicações que esse grupo causa aos citadinos, pois são considerados um estorvo, por exemplo, ao dormirem nos pontos de ônibus e, desse modo, impedirem que os passageiros o utilizem enquanto esperam o transporte, além disso, precisam desviar deles e dos seus objetos que ficam no chão, impedindo o trânsito pelas calçadas (MELO, 2022, p. 208- 209).

Na ordem do ético, há a delineação do que é bom ou ruim (CHARAUDEAU, 2017, p. 588). Quanto a isso, houve incitação à aporofobia ao justificarem que as pessoas em situação de rua desestabilizam a ordem e sujam as proximidades dos pontos comerciais, sendo taxados de viciados em entorpecentes e promotores da criminalidade, o que reforça a estigmatização (MELO, 2022, p. 209 - 216).

Em relação ao domínio do hedônico, ocorre a diferenciação do que causa prazer ou desprazer (CHARAUDEAU, 2017, p. 588). Assim, as pessoas consideram desagradável ter que tolerar dejetos humanos nas ruas e calçadas da população em situação de rua, esse desprezo fomenta a realização de práticas sanitaristas contra esse grupo (MELO, 2022, p. 209 - 216).

Assim, por meio das análises dos comentários de teor aporofóbico nas postagens do Padre Júlio Lancellotti sobre a população de rua, percebe-se, quando analisada à luz dos domínios de avaliação de Charaudeau o discurso de ódio contra essa camada da sociedade. Por meio do preconceito, naturaliza-se a marginalização e desumanização das pessoas em situação de rua, por isso, é de suma importância a implementação de leis e medidas que busquem tutelar os grupos em vulnerabilidade social.

2.4 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA QUANTO À OCUPAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO URBANO

O Direito é responsável por fornecer normas para que o Poder Público possa promover a organização das cidades, bem como dos espaços rurais ocupados pelo indivíduo, com o fito de promover a humanização desses logradouros (SILVA, 1995, p. 34-37). A interferência do Poder Público na estruturação das cidades, entretanto, é responsável pela promoção de conflitos, tendo em vista a insubordinação dos proprietários privados quanto algumas regras de urbanização, as quais são necessárias, entretanto, para a manutenção da ordem social (SILVA, 1995, p. 35).

A organização e ordenação dos espaços habitáveis pelos indivíduos, por sua vez, cabe ao Direito Urbanístico, o qual é responsável pela criação de princípios e normas aplicáveis àqueles locais (SILVA, 1995, p. 38). Nesse sentido, assim preceitua José Afonso da Silva quanto ao enquadramento do Direito urbanístico como uma fonte de normas:

São, pois, normas do direito urbanístico todas as que tenham por objeto disciplinar o planejamento urbano, o uso e a ocupação do solo urbano, as áreas de interesse especial (como a execução das urbanificações, o disciplinamento dos bens urbanísticos naturais e culturais), a ordenação urbanística da atividade edilícia e a utilização dos instrumentos de intervenção urbanística (SILVA, 1995, p. 38).

As normas urbanísticas, por sua vez, podem ser classificadas como normas constitucionais, pois há artigos sobre direito urbanístico na Constituição e normas ordinárias, que consistem nas leis ordinárias sobre o tema, pois são várias as fontes no Direito brasileiro sobre o tema (SILVA, 1995, p. 63).

A Lei de Parcelamento do Solo (Lei nº 6.766/79), por sua vez, é responsável por estabelecer em seu artigo 2º que o parcelamento do solo urbano deverá ser feito por meio de loteamento ou desmembramento (BRASIL, 1979). E esse, conforme o seu artigo 3º ocorrerá para atender aos objetivos urbanos, de expansão urbana ou de urbanização específica, de acordo com o estabelecido no plano diretor ou aprovadas por lei municipal (BRASIL, 1979).

No que tange ao projeto de loteamento, caberá à Prefeitura Municipal ou ao Distrito Federal estabelecer as diretrizes para o uso do solo, traçado dos lotes, do sistema viário, dos espaços livres e das áreas reservadas para equipamento urbano e comunitário ao interessado antes da elaboração do referido projeto, conforme assevera o artigo 6º da Lei nº 6.766/79 (BRASIL, 1979).

Além disso, em consonância ao estabelecido no Artigo 24, inciso I da CF/88 quanto à competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal quanto ao direito urbanístico o artigo 1º, parágrafo único, da Lei de Parcelamento do Solo prevê que esses entes poderão estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo municipal a fim de atender às particularidade da cada lugar, assim, a União fixa as regras gerais, enquanto cabe ao Estado as regras regionais e ao Município as locais (BRASIL, 2008 p. 35).

Ademais, a Constituição de 1988 dispõe em seu artigo 21, inciso XX que é competência da União estabelecer as diretrizes para o desenvolvimento urbano, bem como dos Municípios, conforme dispõe o artigo 182 da CF/88, devendo esses orientarem suas condutas nas diretrizes gerais fixadas em lei, em observância à função social da cidade e promoção do bem-estar social da população (BRASIL, 1988).

Quanto aos planos urbanísticos, o artigo 21, inciso IX, da CF/88 atribui à União a competência para elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social (BRASIL, 1988). Além disso, foi conferida aos Municípios, no artigo 30, inciso VIII da CF/88 a organização do território urbano, por meio do planejamento, parcelamento e ocupação (BRASIL, 1988). No que tange ao Plano Diretor previsto no Art. 182, §§ 1º, 2º e 4º da CF/88 e usucapião especial urbana individual prevista no Art. 183 da CF/88 estão disciplinadas pelo Estatuto da Cidade (BRASIL, 1988).

O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988 e estabelece diretrizes gerais da política urbana (BRASIL, 2001). Além disso, a Lei nº 10.257/2001possui o intuito, de acordo com o artigo 1o, parágrafo único de estabelecer as normas de ordem pública e interesse social com a finalidade de regular o uso da propriedade urbana em favor do bem-estar e segurança de toda a comunidade, bem como do meio ambiente (BRASIL, 2001).

A referida lei também disciplina o artigo 182 da CF/88, o qual dispõe em seu caput que cabe ao Poder Público municipal disciplinar o ordenamento e desenvolvimento das cidades em consonância às diretrizes gerais fixadas em lei, a função social da cidade e promoção do bem-estar dos seus habitantes; e em seu § 1º traz a obrigatoriedade de implementação de um plano diretor nas cidades com mais de vinte mil habitantes, desde que aprovado pela Câmara Municipal (BRASIL, 1988). E no § 2º do artigo 182 da CF/88 resta configurado que a função social da propriedade urbana será garantida por meio do cumprimento das exigências fundamentais de ordenação da cidade previstas no plano diretor (BRASIL, 1988). Nesse sentido, o Estatuto da Cidade correlaciona, em seu artigo 39, caput, o cumprimento da função social da propriedade urbana ao atendimento do plano diretor, e, assim será possível aumentar a qualidade de vida da população, promover justiça social e desenvolvimento da economia (BRASIL, 2001).

As diretrizes desse plano diretor estão presentes em seu artigo 40, e no caput é ressaltado a importância desse como um instrumento para o desenvolvimento e expansão urbana, desde que aprovado por lei municipal (BRASIL, 2001). Em seu § 1o, o artigo 40 do Estatuto da Cidade dispõe que o plano diretor está inserido no planejamento municipal e que o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual devem incorporar as diretrizes e as prioridades nele presentes; para tanto, o plano diretor deve ser implementado em todo o Município (art. 40, § 2o do Ecid) e a lei que o institui deve ser revista, pelo menos, a cada dez anos (art. 40, § 3o do Ecid), a fim de acompanhar a evolução da sociedade e do Direito (BRASIL, 2001).

Esse plano, conforme prevê o artigo 41 do ECid, é obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes (artigo 41, inciso I do ECid); para as regiões metropolitanas e aglomerações urbanas (artigo 41, inciso II do ECid); nos locais em que o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4o do art. 182 da Constituição Federal (artigo 41, inciso III do ECid); em regiões turísticas (artigo 41, inciso IV do ECid) ou que possuam empreendimento ou atividades que promover impacto ambiental à nível regional ou nacional (artigo 41, inciso V do ECid); áreas incluídas no cadastro nacional de Municípios suscetíveis à deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos semelhantes a esses (artigo 41, inciso VI do ECid) (BRASIL, 2001).

Com relação à Constituição Federal, essa traz em seu artigo 182, § 3º a questão das desapropriações de imóveis urbanos, os quais geram prévia e justa indenização em dinheiro ao proprietário (BRASIL, 1988). E, conforme o seu § 4º (artigo 182, § 4º da CF/88) é atribuído ao Poder Público municipal, exigir do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, promover o aproveitamento desse, nos termos de lei específica para área incluída no plano diretor, caso não o faça, será necessário cumprir penas sucessivas (BRASIL, 1988). Inicialmente, solicita-se o parcelamento ou edificação compulsórios (artigo 182, § 4º, inciso I da CF/88), caso não o efetue, será incidido sobre o território o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo (artigo 182, § 4º, inciso II da CF/88) e como última medida será instituído a desapropriação mediante pagamento de títulos da dívida pública, cuja emissão deve ser anteriormente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de dez anos para que seja promovido o resgate, por meio de parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurando o valor real da indenização e os juros legais (artigo 182, § 4º, inciso III da CF/88) (BRASIL, 1988).

O art. 183 da CF/88, por sua vez, institui a usucapião especial urbana a quem possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, durante o período de cinco anos, de forma ininterrupta e sem oposição, desde que a utilize para sua moradia ou de sua família e não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural, assim, obterá o domínio sobre esse (BRASIL, 1988). Esse é reproduzido no art. 9º do Estatuto da Cidade e prevê, em adicional ao texto constitucional, a possibilidade de ocorrer em edificação urbana, enquanto o artigo 183 da CF/88 dispôs apenas à área urbana (BRASIL, 2001).

Além disso, o Estatuto da Cidade prevê em seu artigo 2o, caput que a política urbana deve observar a função social da cidade e da propriedade urbana, com a promoção, o qual será possível, conforme o inciso I desse artigo, por meio de cidades sustentáveis, que permitam aos seus habitantes o direito à terra urbana, moradia, saneamento ambiental, infraestrutura, transporte, serviços públicos, trabalho e lazer (BRASIL, 2001).

Outra lei de suma importância no que tange às cidades é o Estatuto da Metrópole (Lei nº 13.089/2015) em virtude existência de inúmeras regiões metropolitanas brasileiras, conforme estatísticas a seguir expostas:

Dados recentes do Ipea (2019) apontam que existem atualmente no Brasil 76 regiões metropolitanas (RMs), 3 regiões integradas de desenvolvimento (Rides) e 5 aglomerações urbanas (AUs), totalizando 84 unidades territoriais urbanas legalmente institucionalizadas, compostas por 1.423 municípios (25,5% do total) – 1.306 metropolitanos, 56 em Rides e 61 em AUs – onde vivem mais de 121 milhões de pessoas (IBGE, 2018), o que equivale a cerca de 58,2% da população estimada no país (BRASIL, 2020, p. 51).

Nesse sentido, o Estatuto da Metrópole estabelece, em seu artigo 1º, as diretrizes gerais para o planejamento, gestão e execução das funções públicas de interesse comum a serem implementadas nas regiões metropolitanas e em aglomerações urbanas assim instituídas pelos Estados, além de normas gerais sobre o plano de desenvolvimento urbano integrado, para, desse modo, garantir o desenvolvimento urbano, o qual deve estar em consonância com vários artigos constitucionais, desde eles o artigo 182 da Constituição Federal (BRASIL, 2015).

O artigo 1, § 1º, inciso I do Estatuto da Metrópole, por sua vez, estabelece que além das regiões metropolitanas e das aglomerações urbanas, esse Estatuto será aplicado nas microrregiões instituídas pelos Estados, sob o argumento de funções públicas de interesse comum com características predominantemente urbanas; e às unidades regionais de saneamento básico (artigo 1, § 1º, inciso II do Estatuto da Metrópole) (BRASIL, 2015).

Insta salientar que o Estatuto das Metrópoles prevê o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI), instrumento de planejamento e ordenação territorial, conforme segue:

O referido Plano de Desenvolvimento Urbano integrado, aprovado por lei estadual, será (...) hierarquicamente superior aos Planos Diretores dos municípios que compuserem a respectiva região metropolitana, nos exatos termos do Art. 10, § 3º, do Estatuto da Metrópole, o qual deixa claro que em regiões metropolitanas os municípios deverão compatibilizar seus respectivos e correspondentes Planos Diretores com o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado. Da mesma forma com o que acontece com os Planos Diretores, a partir de previsão contida no Art. 40, § 3º, do Estatuto da Cidade, deverá o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado ser revisto, pelo menos, a cada dez anos, de acordo o Art. 11 da Lei 13.089/2015 (BONIZZATO, 2016, p.1882-1883).

O PDUI possui como objetivo estabelecer parâmetros para a ordenação da ocupação das cidades, com a promoção de um meio ambiente equilibrado, saneamento básico, diminuição da desigualdade social, bem como outros problemas afetos à urbanização. Ademais, deve-se pautar nos Planos Diretores dos municípios, e assim, em conjunto, promover melhorias para as metrópoles (BRASIL, s.d.).

Nesse sentido, deve-se promover o Direito à Moradia, a fim de beneficiar a população em vulnerabilidade social. Para tanto, está previsto no artigo 23, inciso IX da CF/88 estabelece como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a promoção de programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; tal competência, por sua vez, será concorrente entre a União, aos Estados e ao Distrito Federal no que tange ao direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico, conforme expresso no inciso I do artigo 24 da CF/88 (BRASIL, 1988). Ademais, o § 3º do artigo 25 da CF/88 estabelece que “os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum” (BRASIL, 2015).

Importante mencionar também a Lei do SNHIS (Lei Federal nº 11.124/05) que surgiu por iniciativa popular é foi pioneira no que tange a reforma urbana e universalização do acesso à moradia digna e sustentável (BRASIL, 2008, p. 8). Essa dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), criou o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e instituiu o Conselho Gestor do FNHIS (BRASIL, 2005). O SNHIS deve observar, conforme estabelece o artigo 4º, inciso I, item c da Lei nº 11.124/05 os princípios da democratização, descentralização, controle social e transparência dos procedimentos decisórios, além disso, inovou ao trazer, pela primeira vez, em seu artigo 4º, inciso I, item b a moradia digna como direito e vetor de inclusão social (BRASIL, 2005).

Em relação à urbanização destaca-se o Ministério das Cidades, bem como o Conselho Nacional das Cidades (DOMINGUES, ROCHA, 2021, p. 12). Esse Ministério foi responsável por promover a colaboração entre a sociedade e os poderes públicos na elaboração da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (BRASIL, p. 15, 2012). Em relação ao Conselho Nacional das Cidades, esse pode ser assim definido:

A criação do Conselho das Cidades (ConCidades), no ano de 2004, representa a materialização de um importante instrumento de gestão democrática da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano - PNDU, em processo de construção. Ele é um órgão colegiado de natureza deliberativa e consultiva, integrante da estrutura do Ministério das Cidades e tem por finalidade estudar e propor diretrizes para a formulação e implementação da PNDU, bem como acompanhar a sua execução (BRASIL, 2021).

Entretanto, a Lei nº 13.844/2019, por sua vez, juntou o Ministério da Integração Nacional ao Ministério das Cidades, o que resultou no Ministério do Desenvolvimento Regional, ao qual se integrava, além disso, Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano, antigo Conselho das Cidades (DOMINGUES, ROCHA, 2021, p. 17). Entretanto, tais disposições foram revogadas por meio da Medida Provisória nº 1.154, de 2023, com a mudança de presidente no país, de Bolsonaro para Lula, a qual foi responsável pelo ressurgimento do Ministério das Cidades (DOMINGUES, ROCHA, 2021, p. 11-12).

Mesmo com tais positivações a arquitetura hostil ainda enfrenta desafios. Para tanto, faz-se necessário a efetiva implementação de políticas públicas para incluir os indivíduos excluídos do exercício do Direito à Cidade, da recente Lei nº 14.489 de 2022, proíbe a manifestação da arquitetura hostil nas cidades e para alcançar a plena eficácia é preciso que haja a plena eficácia quanto a sanção nos casos de descumprimento dessa, fato desafiador em virtude do recente debate sobre o tema e da lei.

3 POSSÍVEIS SOLUÇÕES

O combate as manifestações da arquitetura hostil e amparo aos grupos em vulnerabilidade social, em primeiro plano, ocorre por meio políticas públicas que buscam incluir os grupos marginalizado na vida em comunidade e combater os instrumentos que impedem o pleno acesso do espaço público. Nesse sentido, insta salientar a recente Lei nº 14.489 de 2022 que proíbe a arquitetura da violência nas cidades e para que obtenha plena eficácia é necessário que o poder público fortaleça as sanções no caso de desobediência a essa lei e combater as causas ideológicas que promove a segregação.

3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INCLUSÃO SOCIAL DOS GRUPOS MARGINALIZADOS NAS CIDADES E A LEI Nº 14.489 DE 2022

As políticas públicas consistem na implementação e análise das ações governamentais, propostas em consonância ao plano governamental de quem a institui, com o objetivo de gerar impactos positivos na sociedade, para tanto, são suscetíveis às adaptações e, desse modo, promover o Estado Democrático de Direito (SOUZA, 2006, p. 26). Para a elaboração de uma política pública, por sua vez, é necessário que inicialmente haja o reconhecimento da existência de uma adversidade e como essa poderia ser solucionada e então é debatido se a implementação é cabível e viável (MULLER, SUREL, 2002, p. 25). Depois de estabelecida, deve ser analisado o efeito que ela causou na sociedade e então proceder a conclusão dela (MULLER, SUREL, 2002, p. 25-26).

As políticas públicas, por sua vez, estão previstas na Constituição, em leis e em normas infralegais (BUCCI, 2006, p. 11). Quanto as políticas na constituição, o artigo 182 da CF/88 disciplinou a política urbana ao instituir o Estatuto da Cidade, o qual estabelece as diretrizes gerais da política urbana, apesar disso, a constitucionalização das políticas públicas pode ser nociva quando essas não acompanham as transformações sociais e se limitar a governabilidade (BUCCI, 2006, p. 16-20).

Quanto a isso, é importante mencionar que as políticas públicas criadas para serem aplicadas desde logo, tendo em vista que fazem parte da estratégia do governo vigente, enquanto as políticas de estado são projetadas para serem concretizadas em um momento mais distante da linha do tempo (BUCCI, 2006, p. 19). Mas, para uma política ser eficaz não precisa, necessariamente, que lhe seja destinada vultuosas verbas públicas para a sua manutenção, tendo em vista que o impacto dessas não está condicionado aos recursos financeiros, mas a dimensão simbólica que ela possui, com a mudança na percepção sobre o ambiente no qual está situado, apesar de ser difícil mensurar a sua repercussão na sociedade (MULLER, SUREL, 2002, p. 24).

Um exemplo de política pública voltada para os indivíduos em vulnerabilidade social ocorre por meio do Cadastramento das pessoas em situação de rua no Cadastro Único dos Programas Sociais (CadÚnico), o qual é coordenado pelo Ministério da Cidadania e possui extrema relevância na tutela dos direitos desses indivíduos, sendo uma das prioridades do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) (BRASIL 2015, p. 23-25). Esse é responsável pela gestão descentralizada dos serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social, conforme previsto no art. 12-A da Lei Orgânica de Assistência Social (Lei nº 8.742/93) (BRASIL, 1973). Para tanto, a SUAS deverá:

Identificar e cadastrar no CadÚnico 70% das pessoas em situação de rua em acompanhamento pelo Serviço Especializado ofertado no Centro-POP. Implantar 100% dos Serviços para população de rua (Serviço Especializado para Pop Rua, Serviço de Abordagem Social e Serviço de Acolhimento para pessoa em situação de rua) nos municípios com mais de 100 mil habitantes e municípios de regiões metropolitanas com 50 mil ou mais, conforme pactuação na CIT e deliberação do CNAS (BRASIL, 2015, p. 25).

O CadÚnico, então, possui como função a identificação do quadro socioeconômico da população em situação de rua, sua composição étnica, escolar, as áreas de maior concentração desses grupos nas cidades, quanto tempo o indivíduo está nessa condição, para com esses implementarem políticas sociais efetiva e direcionadas (BRASIL, 2023, p. 13). Entretanto, possuem como empecilho o sub-registro dessas pessoas no CadÚnico, além da diversidade de fatores que levam uma pessoa à essa situação, o que dificulta a realização de uma política única voltada para esse grupo (BRASIL, 2023, p. 13).

Em virtude disso, percebe-se que apesar da relevância do CadÚnico como meio de transformação social esse possui sua abrangência reduzida em virtude do sub-registro dessa população. Mas, apesar de incompletos podem ser utilizados para a implementação da locação social, que consiste em uma política desempenhada em conjunto com ministérios, governos municipais e estaduais, a fim de conceder bolsas aluguel ou moradias compartilhadas (BRASIL, 2008, p. 17).

Tal política foi implementada na Finlândia, país pioneiro quanto a retirada das pessoas em condição de rua com a oferta de moradias, por meio de programas sociais previsto no relatório do orçamento quadrienal 2019-2022 (OLIVEIRA, 2021). Para tanto, uma empresa do país denominada A-Kruunu é responsável pela construção de moradias de baixo custo, as quais estão em constante expansão, tendo em vista que o governo da Finlândia disponibiliza verba pública para o fomento do aluguel social e consequente diminuição do quantitativo de pessoas que residem nas ruas (OLIVEIRA, 2021). Além disso, faz parte das políticas do governo ações a seguir expostas:

Diante desse desafio, pretende aumentar as subvenções ao investimento “para grupos especiais” em 20 milhões de euros no quadriênio. “O dinheiro será direcionado para a aquisição no mercado de apartamentos para sublocação a moradores de rua em condições de viver com independência. Além disso, abrigos de emergência serão substituídos por apartamentos”, diz o documento, que registra a intenção do governo de adotar outras medidas de política habitacional, entre as quais o aproveitamento de terrenos não estratégicos em distritos ferroviários adequados à construção de moradias (OLIVEIRA, 2021).

Outras alternativas para a resolução do problema podem ser vislumbradas por meio das propostas presentes no Projeto de Lei do Senado n° 65, de 2014, a qual, entretanto, foi arquivada em 2018, o que demonstra a falta de interesse das autoridades políticas na resolução desse problema (BRASIL, 2014). Caso aprovada iria permitir que os municípios requisitassem imóveis abandonados para “regularização, prevenção e recuperação de áreas insalubres, de risco ou atingidas por desastres” (BRASIL, 2014) e possuía como exemplo o caso do Japão que reconstruiu cidades atingidas por desastres ambientais (OLIVEIRA, 2021). Além disso, seria realizado um fundo de ações nos quais os proprietários anteriores teriam uma cota, a qual poderia vender trocar por outro residência reformada no processo de revitalização da região atingida pelas catástrofes naturais (OLIVEIRA, 2021).

Outro Projeto de Lei que merece destaque é a PL 6.905/2017 na Câmara dos Deputados que está aguardando designação de Relator na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) (BRASIL, s.d.). Essa possui como objetivo a desapropriação destinada ao reparcelamento do solo e, com isso, reurbanizar áreas degradadas das cidades e reconstruir imóveis abandonados. Serviria para conferir agilidade na aplicação das normas de desapropriação, com o favorecimento do acordo e mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos, a fim de conceder celeridade ao processo por meio do pagamento inicial de vultosas quantias aos donos dos imóveis, e, desse modo, permitir, desde já, o processo da reurbanização (OLIVEIRA, 2021).

Ademais, a Lei nº 14.489/22, denominada Lei Padre Júlio Lancellotti, também atua na promoção da inclusão social ao alterar o Estatuto da Cidade ao incluir o inciso XX no artigo 2º dessa (BRASIL, 2022), tendo em vista que cabe ao Poder Público Municipal promover a urbanização em consonância à função social da cidade e o bem-estar de seus habitantes, conforme o artigo 182, caput, da CF/88 (BRASIL, 1988), as quais devem ser pautadas nas diretrizes da União para o desenvolvimento urbano quanto a habitação (artigo 21, inciso XX da CF/88) e erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (artigo 3º, inciso III da CF/88) (BRASIL, 1988). Em virtude disso, a Lei nº 14.489/22 quando estava na fase de projeto (PL n° 488/2021), assim justificava a sua importância:

Nesse sentido, o desenvolvimento urbano está umbilicalmente ligado à redução da marginalização e qualquer ação em sentido contrário deve ser repudiada pelo Estado. Não estamos advogando pela fixação das pessoas em situação de rua nesses espaços, pois acreditamos que a solução está na criação de políticas de habitação, responsabilidade de todos os entes federativos, nos termos do art. 23, IX, da Constituição Federal. O que defendemos é que a expulsão, através da chamada arquitetura hostil, não soluciona qualquer problema; pelo contrário, agrava a desigualdade social. Por todos os motivos expostos, apresentamos este projeto de lei que altera o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001), a fim de proibir a arquitetura hostil nas cidades brasileiras (BRASIL, 2021).

Nesse sentido, percebe-se a correlação do desfazimento da arquitetura hostil em cumprimento à Constituição Federal. Para tanto, essa lei será plenamente eficaz caso haja uma fiscalização efetiva por parte das prefeituras municipais com a constatação dos casos de arquitetura hostil presentes em seus municípios (OLIVEIRA, 2021). Isso, por sua vez, só será possível com a abordagem do tema perante a sociedade, para que essa possa ter condições de entender o que é de fato a arquitetura da violência, como essa se manifeste, qual a causa e o motivo por qual deve ser combatida. Essa, por sua vez, só promoverá a função social nela prevista quando adquirir eficácia social, ou seja, a sociedade irá obedecê-la por conhecer a obrigatoriedade dessa lei e assim será produzido os efeitos pretendidos, bem como a manutenção da ordem e justiça social (CASTRO, 2005, p. 26).

Porém, ainda falta regulamentar os canais de denúncia da arquitetura hostil a fim de efetivar a Lei nº 14.489/22 (LEITE, 2023). Pois, cabe ao município fiscalizar o cumprimento do Estatuto das Cidades (LEITE, 2023), nesse sentido, devem ser implementadas ouvidorias municipais. As ouvidorias municipais servem de instrumento de denúncias da população e são pautadas na informalidade, o que desburocratiza o acesso à administração pública e permite a participação do cidadão na gestão pública da cidade (MARIO, 2006, p. 47-48).

Para tanto, é necessário que o cidadão tenha uma resposta rápida da ouvidoria (LYRA, 2004, p. 6), conferindo sigilo às denúncias recebidas; permitir acesso do ouvidor à informação para que eles possam resolver as demandas da melhor forma possível, bem como aos cidadãos, com a divulgação dos relatórios da ouvidoria (LYRA, 2004, p. 7-8). Além disso, deve-se promover a autonomia financeira por meio de destinação de recursos próprio às ouvidorias e conceder aos ouvidores condições para que realize investigações necessárias para a análise do caso que foi denunciado (LYRA, 2004, p. 7-8).

Importante abordar, também, a Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua que propõe para a promoção dos direitos humanos desse grupo o “fortalecimento da Ouvidoria para receber denúncias de violações de Direitos Humanos em geral, e especialmente dos direitos das populações em situação de rua” (BRASIL, 2008, p. 16). Por isso, a importância já mencionada da criação de uma ouvidoria, dentro dos sites municipais, para as denúncias dos casos de arquitetura hostil que atingem, em sua grande maioria, à população em situação de rua; além de permitir que as denúncias sejam realizadas junto à própria Prefeitura Municipal ou mediante correio. Desse modo, haverá a democratização da participação popular na gestão da cidade e será concedida eficácia social à Lei nº 14.489/22.

O Ministério Público também atua na proteção das pessoas em vulnerabilidade social, promoção do Estado Democrático de Direito, por meio da fiscalização quanto a efetivação dos direitos sociais, para tanto, atua em conjunto com outras entidades, órgãos e sociedade social para que a justiça social em relação a esse grupo seja garantida (BRASIL, 2015, p. 25 - 28). Tal prerrogativa possui como fundamento o inciso III do artigo 1º da CF/88 que tutela a dignidade da pessoa humana e um dos seus objetivos fundamentais, conforme o inciso III do artigo 3º da CF/88 é erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (BRASIL, 1988).

Ademais, conforme preceitua o artigo 129, inciso III da CF/88 o Ministério Público possui como uma de suas funções institucionais promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção dos interesses difusos e coletivos (BRASIL, 1988), além do termo de ajustamento de conduta. O inquérito civil público, por sua vez, possui como finalidade investigar qual direito coletivo foi descumprido (BRASIL, s.d.). E de acordo com o § 1º do art. 8º da Lei 7.347/85 o Ministério Público poderá também requisitar certidões, informações, exames ou perícias, de organismos públicos ou particulares (BRASIL, 1985), realizar inspeções, produção de prova testemunhal e documental, com o fito de auxiliar no processo de decisão do MP (BRASIL, s.d.).

A legitimidade do Ministério Público para ingressar com a Ação Civil Pública está prevista no inciso I do artigo 5º da Lei no 7.347/85 (BRASIL, 1985) e visa atender aos interesses coletivo diante do Poder Judiciário, a fim de tutelar os direitos difusos e coletivo, nesse sentido, cabe ao Ministério Público defender os interesses coletivos, pois acredita-se que os indivíduos sozinhos não conseguiriam tutelar os seus direitos (CALDEIRA, 2009). E Ministério Público é o principal defensor dos direitos metaindividuais, entretanto, suas ações possuem mesmo êxito em comparação as ingressadas pelas prefeituras e o Estado, fato problemático pois esses últimos não possuem grande atuação para a tutela desses direitos, conforme pesquisa de Violeta Sarti Caldeira, Doutora em Sociologia Política (CALDEIRA, 2009), o que dificulta a efetivação desses direitos.

Um exemplo é a Ação Civil Pública da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro contra o município de Nova Friburgo, aquela posteriormente ingressou como agravante em agravo de Instrumento nº 0081536-62.2022.8.19.0000 da Primeira Câmara De Direito Privado (Antiga 8ª Câmara Cível) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro contra a decisão que não concedeu a tutela provisória de urgência com o intuito de que o município de Nova Friburgo retirasse a arquitetura hostil que consistia em um "cemitério de pedras" sob o Viaduto Geremias de Mattos Fontes e, caso tal determinação não fosse cumprida, deveria ser aplicada multa diária, além disso, o município deveria firmar o compromisso de que não iria ser construído outras formas de arquitetura de violência no município (BRASIL, 2023).

O pedido possuía como fundamento o artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, no artigo 5º da Constituição do Estado do Rio de Janeiro segundo o qual o Estado deve pautar- se na dignidade da pessoa humana, na democracia, por meio da promoção de uma sociedade livre, justa, solidária e sem preconceitos (RIO DE JANEIRO, 1989), no artigo 2º, inciso III da Lei Orgânica do Município de Nova Friburgo (Lei Municipal nº 4.637/2018) que reconhece como valor do Município de Nova Friburgo o respeito à dignidade da pessoa humana e o artigo 581 da Lei Municipal nº 4.637/2018 o qual dispõe que o planejamento urbano respeitará os direitos humanos para a construção de uma cidade inclusiva [NOVA FRIBURGO (RJ), 2018]. Entretanto, o recurso não foi provido (BRASIL, 2023), o que demonstra o desafio quanto à implementação da Lei nº 14.489 de 2022 na realidade social.

Por sua vez, a ação civil pública sob o nº 5486344-77.2022.8.09.0051, movida pela Associação Estadual de Apoio à Saúde (AAS) face ao Município de Goiânia que tramitou na 3ª Vara da Fazenda Pública Municipal e Registros Públicos da Comarca de Goiânia foi proferida decisão judicial que acolheu o pedido de tutela provisória de urgência para que o Município de Goiânia cessasse a instalação de ofendículos, em forma de pedras, paus ou estacas em vias públicas, sobretudo em viadutos e promovesse, no prazo de 60 dias, a retirada das manifestações de arquitetura da violência então existentes; bem como que o Município apresentasse cópia do processo administrativo que determinou a instalação desses instrumentos nos espaços públicos urbanos (BRASIL, 2022). Além disso, questionou-se se havia sido analisado as consequência disso à população em situação de rua e se houve ações com o intuito de diminuir esses impactos, além da efetivação do direito à moradia e habitação para essa população; solicitou a apresentação do planejamento orçamentário destinado às políticas públicas para pessoas em situação de rua, o relatório da execução orçamentária destas nos últimos 4 anos, o censo da população em situação de rua de Goiânia e relatório dos CENTROS POP e da sua capacidade de atendimento (BRASIL, 2022).

Em virtude dessa decisão o Município de Goiânia ingressou com o agravo de Instrumento nº 5486344-77.2022.8.09.0051 e houve provimento parcial para a reforma da decisão recorrida e houve suspensão da retirada da intervenção no viaduto da "Cepal”, sob o argumento de que a intervenção possui com intuito reforçar a estrutura da obra e garantir a segurança dos transeuntes e da população em situação de rua (BRASIL, 2022). Assim, percebe- se que o município tentou justificar a arquitetura hostil o que foi acolhido sem a determinação de que fosse realizado no local um estudo pericial de que os ofendículos realmente serviam para conferir segurança ao viaduto.

O termo de ajustamento de conduta, por seu turno, é um acordo extrajudicial firmado pelo Ministério Público com o responsável por alguma ameaça ou violação de direitos transindividuais (BRASIL, s.d.). Possui como fundamento o art. 5º, § 6º da Lei 7.347/85 o qual atribui legitimidade ao MP e determina que o compromisso de ajustamento de sua conduta terá eficácia de título executivo extrajudicial (BRASIL, 1985), além do art. 14 da Recomendação do CNMP nº 16/10 (BRASIL, s.d.).

Para tanto, aqueles que acordam o TAC assumem o compromisso com os procuradores da República, com o fito de cessar o risco ou ilegalidade, bem como reparação do dano causado pela violação do direito (BRASIL, s.d.). Possibilita, desse modo, a resolução de problemas de forma mais célebre do que o ingresso ao judiciário (BRASIL, s.d.). Caso haja descumprimento, cabe ao MP ajuizar, perante o poder judiciário, uma ação de execução da obrigação acordada (BRASIL, s.d.). Mas, caso o não cumprimento seja justificável por motivo razoável, o MP poderá repactuar o prazo ou mudar algumas condições do TAC para adequá-la à realidade e possibilitar que o acordo seja efetivado (BRASIL, 2020, p. 6-7).

Um exemplo de aplicação do inquérito civil ou do termo de ajustamento de conduta nos casos de implementação de mecanismos de arquitetura hostil em espaços públicos pode ser visualizado na biblioteca pública Cassiano Ricardo localizada no bairro do Tatuapé em São Paulo, a qual é rodeada por pedras pontiagudas, o que promove afastamento, enquanto deveria servir como um espaço de leitura, lazer e acolhimento (CHIARELLI, FORNECK, GARCIA, KREBS, LANCELLOTTI, LOURENÇO, MAURÍCIO, OLIVEIRA, PORTELLA, ROCHA, SANTOS, 2023, p. 535). O Padre Júlio Lancellotti, um dos maiores expoentes no combate à arquitetura da violência, ao vislumbrar isso, conversou com os funcionários da biblioteca e ingressou com inquérito civil público e alternativamente, um termo de ajustamento de conduta a fim de que fossem eliminadas as pedras da biblioteca (CHIARELLI, FORNECK, GARCIA, KREBS, LANCELLOTTI, LOURENÇO, MAURÍCIO, OLIVEIRA, PORTELLA, ROCHA, SANTOS, 2023, p. 535).

É imperioso mencionar também o Decreto nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009, o qual institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, além de outras providências (BRASIL, 2009). Ela é “implementada de forma descentralizada e articulada entre a União e os demais entes federativos que a ela aderirem” (artigo 2º do Decreto nº 7.053/09); possui como uma das diretrizes a democratização do acesso e fruição dos espaços e serviços públicos (artigo 6º, inciso X do Decreto nº 7.053/09) e possui como objetivo assegurar o acesso, amplo e irrestrito dessa população às políticas públicas de assistência social, moradia e segurança (artigo 7º, inciso I do Decreto nº 7.053/09) (BRASIL, 2009), o que é de suma importância no que tange a inclusão dessa população às cidades.

Além disso, cabe à sociedade reconsiderar o modo como enxerga o espaço que a rodeia e não associar as cidades, apenas, como um ambiente caótico, o que é aprofundado pela veiculação nas mídias de notícias alarmistas e sensacionalistas sobre os casos de violência presentes nas ruas, o que é aprofundado pela mixofobia e aporofobia (OLIVEIRA, 2021). Além disso, para a pesquisadora Débora Raquel Faria, mestre em Arquitetura pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), caberia às pessoas dotadas de capital econômico, político e social reincidiram em favor das pessoas excluídas da urbanização. Desse modo, a arquitetura hostil tenderá a diminuir, ser desconstituída e reprimida.

3.2. SANÇÕES À MANUTENÇÃO DE ELEMENTOS DA ARQUITETURA HOSTIL

O Estado possui o papel de defesa dos direitos sociais e promoção da dignidade da pessoa humana e o Estado Democrático de Direito a todos, de forma ampla e irrestrita, entretanto, em decorrência da ideologia neoliberal, ocorre a diminuição da atuação estatal no que tange às questões sociais (ALMEIDA, SILVA, 2021, p. 10-11). O neoliberalismo, por sua vez, possui como fundamento a diminuição da influência do Estado na destinação de verbas voltadas para projetos de cunho social, os quais são responsáveis por tutelar direitos sociais de grupos em vulnerabilidade social e, desse modo, tentar diminuir as desigualdades sociais em virtude da exorbitante discrepância de distribuição de renda.

O neoliberalismo brasileiro esteve presente durante o governo Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 2002 e promoveu a transferência de empresas estatais para a economia privada e foi responsável pela realização de inúmeras reformas estatais (CUNHA, FECHINE, ROCHA, 2014, p. 9). Além disso, houve enorme descaso quanto às políticas sociais, em virtude da reduzida destinação de verbas para esses projetos que tutelam os direitos sociais e que seriam responsáveis pela promoção de efetivas mudanças sociais, o que pode ser demonstrado pelo veto integral à Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) que ocorreu em 1990 durante o período de governo de Fernando Collor de Melo (CUNHA, FECHINE, ROCHA, 2014, p. 9- 10).

Em virtude desse vácuo de poder, surge o protagonismo do terceiro setor para atuar na promoção dos direitos universais, principalmente no que tange às pessoas em vulnerabilidade social (ALMEIDA, SILVA, 2021, p. 10-11), com ações da sociedade civil, entidades filantrópicas e organizações não governamentais (ONGs) (ALMEIDA, SILVA, 2021, p.8). Mas, as ações promovidas por esses grupos serviram apenas como paliativos, tendo em vista que deve surgir do Estado políticas públicos eficazes para esses grupos, pois possuem o aparato estatal que permite maior destinação de verbas públicas para o cumprimento dos projetos sociais, além da fiscalização da efetivação desses direitos, bem como possibilitaria uma ampla pesquisa de cunho estimativo com estudo de caso, a fim de coletar dados quanto à eficácia desses projetos na realidade dos fatos.

Então, as ações do terceiro setor tornam-se as únicas com efetiva expressão dentro da sociedade o que causa adesão e concordância da população em relação às medidas realizadas por esse setor (ALMEIDA, SILVA, 2021, p. 10-11), pois, as verbas destinadas às ações sociais não são mais advindas do Estado, em virtude da política neoliberal, mas de ações privadas (CUNHA, FECHINE, ROCHA, 2014, p. 12). Essas atuam de modo a evitar o retrocesso social e garantir os direitos fundamentais dos indivíduos.

O neoliberalismo também é responsável pela monetarização e financeirização da política social, em virtude da maior importância dada ao capital financeiro (CARDOSO, 2023, p. 4). A primeira consiste na destinação de recurso ao indivíduo que irá gozar do benefício e aos prestadores de serviços, tendo em vista que o serviço não é ofertado, de modo direto, pelo Estado (CARDOSO, 2023, p. 4), enquanto a financeirização é a influência dos mercados financeiros, instituições financeiras e intervenientes financeiros na economia em geral (EPSTEIN, 2005, p. 1), em virtude do enriquecimento dessas instituições mediante os juros sobre os serviços (CARDOSO, 2023, p. 4). Pois, devido ao neoliberalismo a resolução dos problemas de ordem social é transferida para os setores privados (BRETTAS, 2017, p. 67).

Em virtude disso há um repasse das verbas das políticas sociais do Estado às elites bancárias, o que se estende ao destinatário desses programas, tendo em vista que para ter acesso ao seu benefício social precisa realizar movimentações financeiras bancárias, as quais são taxadas, logo, parte da verba social fica com os bancos, fenômeno denominado de bancarização (CARDOSO, 2023, p. 4). Assim, aproveitam-se de uma parcela considerável da sociedade que já se encontra em estado de vulnerabilidade social (BRETTAS, 2017, p. 71-72). Desse modo, a monetarização, financeirização e bancarização são responsáveis pelo aumento da relevância do capital na sociedade (CARDOSO, 2023, p. 4).

Um exemplo de programa social responsável pelo aumento da bancarização é o Programa Bolsa Família (PBF), pessoas de baixa renda, que antes não tinha acesso aos sistemas bancários, precisam movimentar esse dinheiro nas suas contas bancárias, assim, amplia-se a quantidade de clientes no banco que utilizam seus serviços (BRETTAS, 2017, p. 68). Assim, uma política social que possuía como objetivo diminuir a desigualdade social, amplia o crescente enriquecimento dos bancos (BRETTAS, 2017, p. 68), pensamento sintetizado no trecho seguinte:

Foi possível, portanto, ao mesmo tempo, elevar a Assistência Social ao status de política social – já que até a Constituição, as ações eram, em geral, pautadas na filantropia e no corporativismo –, mas ao mesmo tempo, garantir que ela funcionasse de modo a alimentar o capital portador de juros ao permitir a canalização de recursos do fundo público e de famílias de baixa renda em sua direção (BRETTAS, 2017, p. 68).

Esse endividamento também pode ser acarretado por meio de políticas públicas sociais, como é o caso do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) que, por sua vez, deveria ter um cunho social de promoção a educação de maneira ampla e irrestrita, bem como, consequentemente, ascensão social por meio do ingresso ao mercado de trabalho formal como decorrência do diploma em nível superior (GENTIL, LAVINAS, 2018, p. 18-19). Mas em 2019 a dívida que os estudantes tinham com o FIES era de aproximadamente R$ 11,2 bilhões (BRASIL, 2019), tendo em vista que as parcelas das faculdade particulares que aderem ao programa aumentam mensalmente em virtude dos juros exorbitantes, assim, um estudante termina o ensino superior, na maioria dos casos desempregados e com uma enorme dívida para quitar, o que amplia o abismo social e esse precisará, em alguns casos, contrair junto às instituições privadas linhas de crédito para sanar a dívida junto ao governo, o que aumenta o endividamento (GENTIL, LAVINAS, 2018, p. 18-19).

Os indivíduos em vulnerabilidade social também são reprimidos nas cidades por meio da arquitetura hostil, a qual é promovida na maioria dos casos pelo próprio poder municipal, tendo em vista que as prefeituras municipais são responsáveis pela construção e manutenção dos espaços públicos, sendo eles as ruas, calçadas, praças e parques. Alguns exemplos de manifestação da arquitetura hostil nesses espaços consistem, por exemplo, na presença de pinos nos corrimãos presentes nos parques que são utilizados pelos skatistas para a realização de suas manobras (QUINN, 2014). Além da presença de pinos metálicos nas muretas ou no chão das praças e nos bancos servem para impedir que as pessoas se sentem nesses locais e neles permaneçam para descansarem ou dormirem nesses espaços (FARIA, 2020, p. 93-94); além de grades entre espaços vazios nas fachadas de construções de prédios públicos ou cercando as praças e parques (FARIA, 2020, p. 105).

Nesse sentido, o Poder Público para resolver os problemas sociais acaba promovendo medidas higienistas a fim de impedir a ocupação dos espaços públicos por skatistas, população em situação de rua e pobres, aos quais são retirados o direito de convívio social. Isso ocorre pois esses são estigmatizados pela sociedade e tratados como pessoas de conduta desviante e suspeita, atrela a criminalidade pelos estereótipos de seu estilo de vida e vestimenta. Assim, a exclusão torna-se uma política municipal, por isso, primeiramente, deve haver a responsabilização dos municípios que instalem mecanismo de arquitetura hostil nas cidades.

Outro grupo responsável pela implementação de mecanismos de arquitetura hostil são os comerciantes, com o objetivo de impedir a permanência, principalmente, das pessoas em situação de rua próximas aos seus estabelecimentos. Eles possuem como justificativa ao repúdio desse grupo o fato de que esses indivíduos afastam a clientela, tendo em vista a permanência dessas nas calçadas, além dos pedidos de esmolas às pessoas que transitam nesses locais (MELO, 2022, p. 213). Além disso, as pessoas em situação de rua, durante à noite, urinam e defecam na calçada desses estabelecimentos, o que obriga os comerciantes a todos os dias, pela manhã, antes de abrirem os seus estabelecimentos lavarem o local (MELO, 2022, p. 213).

Assim, como justificativa, muitos comerciantes instalam pinos, gradis (FARIA, 2020, p. 92-99), arcos de ferros (FARIA, 2020, p. 96), canteiros e vasos de plantas nas soleiras, muretas ou janelas das lojas para impedir que as pessoas utilizem esses espaços para descanso ou para se sentarem, além de restringir a visão dos clientes do que ocorre do lado de fora, nas ruas, como uma política de higienismo (FARIA, 2020, p. 100-103). Essas manifestações podem ser vislumbradas no município de Ituiutaba (MG) nos arcos de ferros nas janelas da Farmácia Pague Menos (Figura 1), os quais não estavam presente em julho de 2011 (Figura 2) e ao redor dos canteiros de plantas da Caixa Econômica Federal (Figura 3), a qual apesar de ser uma empresa pública afixou arcos de ferro para impedir das pessoas sentarem-se ao redor dos canteiros, entretanto, isso não impede que ambulantes vendam, de maneira informal, seus produtos nas calçadas e entrada lateral do estabelecimento. A partir disso infere-se a ineficácia quanto a expulsão pretendida com a instalação dos arcos de ferro.

Figura 1 – Arcos de ferro em soleiras na Farmácia Pague Menos, localizada na Rua 22 com as Avenidas 11 e 13, nº 504, Centro, Ituiutaba (MG)

Fonte: elaborada pela autora (2023)

Figura 2 – Fachada da Pague Menos de Ituiutaba (MG), em julho de 2011, antes da instalação dos arcos de ferro nas janelas

Fonte: Google Street View (2011)

Figura 3 – Arcos de ferro em soleiras na Caixa Econômica Federal de Ituiutaba, localizado na Rua 22 com as Avenidas 11 e 13, nº 540, Centro, Ituiutaba (MG)

Fonte: elaborada pela autora (2023)

As grades e arcos de ferros nos canteiros da Superintendência Regional da Fazenda Uberlândia e Administração Fazendária Ituiutaba (Figura 4), por sua vez, é uma instalação recente tendo em vista que não estavam presentes quando o local era ocupado pela 54º Batalhão de Polícia Militar de Ituiutaba (MG) (Figura 5). Além disso, o Edifício Executivo no qual está localizado o Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis de Ituiutaba (Figura 6) possui barras de ferros afixadas nos canteiros de plantas, também com a finalidade de impedir a permanência de pessoas naqueles locais, disfarçado com o aformoseamento promovido pelas plantas, o que pode ser percebido também nos arcos de ferro instalados nos canteiros do Shopping Pátio Cidade (Figura 7), sobre os quais, anteriormente, as pessoas que frequentavam o estabelecimento se sentavam (Figura 8).

Figura 4 – Grades e arcos de ferro nos canteiros da Administração Fazendária de Ituiutaba, localizado na Rua 22, nº 780, Centro, Ituiutaba (MG)

Fonte: elaborada pela autora (2023)

Figura 5 – 54º Batalhão de Polícia Militar de Ituiutaba (MG), em janeiro de 2019, quando localizado na Rua 22, nº 780, Centro, Ituiutaba (MG)

Fonte: Google Street View (2019)

Figura 6 – Condomínio do Edifício Executivo, onde funciona o Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis de Ituiutaba, localizado na Rua 20, nº 880, Centro, Ituiutaba (MG)

Fonte: elaborada pela autora (2023)

Figura 7 – Arcos de ferro no canteiro do Shopping Pátio Cidade, localizado na Rua 24 com as Avenidas 13 e 15, nº 878, Centro, Ituiutaba (MG)

Fonte: elaborada pela autora (2023)

Figura 8 – Shopping Pátio Cidade de Ituiutaba (MG), em janeiro de 2019, antes da instalação dos arcos de ferro

Fonte: Google Street View (2019)

E na Rodoviária de Ituiutaba (Figura 9) foram instaladas grades ao seu redor com o fito de impedir a permanência de usuários de drogas em seu interior, entretanto, tal medida não conseguiu alcançar o seu intento, tendo em vista que ainda é possível vislumbrar esses indivíduos, até mesmo no período da tarde, no local e nas redondezas. Assim, além de não alcançar o seu objetivo, cria uma paisagem ameaçadora frente a um ambiente aberto e receptivo ao convívio social, o qual era vislumbrado na Rodoviária antes das instalações das grades (Figura 10). Por consequência, tenta evitar a permanência de pessoas na fachada do comércio, com o objetivo de manter o local esteticamente em ordem e aprazível para os consumidores.

Figura 9 – Rodoviária de Ituiutaba, localizada na Rua 36, nº 1386, Centro, Ituiutaba (MG)

Fonte: elaborada pela autora (2023)

Figura 10 – Rodoviária de Ituiutaba (MG), em julho de 2011, antes da instalação das grades

Fonte: Google Street View (2011)

Tais medidas ferem o Plano Diretor Urbano (PDU) de Ituiutaba, o qual dispõe que a política urbana do município possui como princípios fundamentais o respeito a função social da cidade (artigo 4º, inciso I do PDU), o que equivale a garantir a todos os seus habitantes o Direito à Cidade (artigo 5º, caput do PDU), além de promover a gestão democrática da cidade (artigo 4º, inciso IV do PDU) (ITUIUTABA (MG), 2018, p. 1-2). Além disso, os espaços públicos de Ituiutaba deveriam promover o desenvolvimento social e fortalecer a coletividade, conforme previsto no artigo 33, inciso V do PDU (ITUIUTABA (MG), 2018, p. 15), entretanto, as arquiteturas hostis acima elencadas estão em discordância a esses artigos e promovem o afastamento e exclusão social.

As políticas sociais desse município, por sua vez, tutelam a promoção da justiça social (artigo 33, inciso I do PDU) e diminuição da desigualdade socioespacial (artigo 33, inciso II do PDU), mas ao inserir a questão da reabilitação das pessoas em estado de risco social por meio da reinserção delas na sociedade (artigo 44, inciso VI do PDU) na seção de segurança pública, reforça o estigma social de que as pessoas em vulnerabilidade social promovem a criminalidade nas cidades (ITUIUTABA (MG), 2018, p. 15 e 21).

Entretanto, isso não evita a permanência dos não consumidores, tendo em vista que adolescentes que utilizam o Shopping Pátio Cidade como um espaço de encontro e socialização, em fenômeno semelhante aos "rolêzinhos", aglomeram-se, preferencialmente, na calçada e em frente à entrada do shopping. Em relação a farmácia, as pessoas, mesmo com os arcos, ainda se sentam nas muretas para descansarem, principalmente os comerciantes informais que vendem frutas na esquina do local em uma confluência do afastamento e aproximação, tendo em vista que o comércio informal é uma prática antiga que reforça os laços de solidariedade na comunidade, pela proximidade do vendedor com o consumidor.

Desse modo, esses mecanismos são utilizados para excluírem e impedirem a entrada ou permanência de pessoas que não irão consumir os produtos ou serviços prestados pelos comerciantes, logo, o acesso é livre apenas aos detentores do capital social, o que manifesta a exclusão social higienista durante o período de funcionamento. Pois, os clientes não podem ter o desprazer de dividirem o mesmo espaço com pessoas em situação de rua, por exemplo.

Fato estendido, também, quando as lojas se fecham, pois os obstáculos arquitetônicos são colocados para que ninguém utilize as calçadas em frente às lojas como local de descanso durante à noite. O que não ocorre, tendo em vista que aos moradores de rua, independente da arquitetura hostil, irão utilizar aquele espaço, pois não lhe resta outra alternativa. Com base nesses exemplos percebe-se que a arquitetura não consegue impedir aqueles que querem permanecer em determinados espaços e podem, de maneira refletida ou não, utilizarem da sua presença como uma manifestação simbólica contra as formas de silenciamento social impostas por esses estabelecimentos.

Quanto aos particulares, esses procuram, a qualquer custo, protegerem-se em fortes enclausurados, dotados de alto sistema de segurança, grades, cercas elétricas e concertinas, e contratação de vigilantes privados, além da busca por residências afastados da cidade, tudo isso pela busca da segurança, segregação e, no último caso, distinção social, tendo em vista que apenas pessoas com poder aquisitivo semelhantes poderão conviver naquele espaço e, os que estão de fora, com a devida autorização. Isso ocorre em virtude do constante medo da violência difundido pela indústria do medo e mixofobia. Assim, diminui-se o convívio com o próximo e a tolerância com a diferença. Nesse caso, há legitimidade para a implementação de todos os elementos de arquitetura hostil em virtude da autonomia privada, pois esses ambientes não são logradouros públicos.

Assim, cabe a quem causou danos à urbanização reparar ou compensar o dano causado, por meio da responsabilidade civil (NETO, 2010, p. 12). Pois, quem viola direitos e causa danos a outrem, por meio de ação, comete ato ilícito, conforme o art. 186 do Código Civil (CC), do qual cabe responsabilização civil (MONTEIRO, 2021). Logo, quem causar dano a outrem por meio de ato ilícito é obrigado a repará-lo, de acordo com o artigo 927 do CC e essa indenização será medida conforme a extensão do dano, conforme o artigo 944 do CC (BRASIL, 2002).

Logo, quem promove a arquitetura hostil deve ser responsabilizado pois causa danos, principalmente, a população em situação de rua ao descumprir o estabelecido na Lei 14.489/22. Nesse sentido, quando houver o descumprimento do artigo 2º, inciso XX do Estatuto da Cidade e for instalado algum mecanismo de arquitetura hostil na cidade, não será necessário a comprovação da culpa de quem introduziu esse elemento no espaço público, pois ocorrerá a responsabilidade objetiva, tendo em vista que essa é manifestado quando houver a contrariedade à norma jurídica e independe da vontade do agente (MONTEIRO, 2021).

Entretanto, por ser o Direito à Cidade um direito difuso e coletivo a todos os que habitam a urbe, a cidade precisa promover a inclusão e democracia (AMANAJÁS, KLUG, 2018, p. 1). Então, caso esses direitos sejam violados, quem os violou precisa indenizar, independentemente da ilicitude da conduta, apenas por meio da identificação do nexo de causalidade da conduta do agente e o resultado danoso (HORTÉLIO, 2009, p. 10), por meio da implementação de técnicas da arquitetura da violência.

Em relação às residências particulares, o Estado só poderia atuar na tentativa de mudança da percepção da sociedade quanto ao outro como semelhante e sujeito de direitos, a fim de diminuir a discriminação e segregação social responsável pela transformação do espaço das cidades. Para isso, deve-se, inicialmente, buscar combater o preconceito, tendo em vista que a manifestação dessa exclusão possui como origem a discriminação e não reconhecimento do outro como semelhante e sujeito de direitos.

Assim sendo, os municípios em conjunto com o Ministério Público e seccionais da OAB precisam elaborar campanhas de respeito ao Direito à Cidade e combate à exclusão e marginalização nos espaços públicos da cidade manifestado pela arquitetura hostil nesses ambientes, com a destinação à população de cartilhas que discorrem sobre a importância da alteridade e da cidade como um espaço plural e de convívio comum. Essas ações devem ser estendidas principalmente nos ambientes escolares, mas voltadas a toda comunidade, por meio de palestras sobre o tema, com o objetivo de evitar que o nascimento da discriminação e formar indivíduos mais solidários.

Além disso, os municípios em conjunto com arquitetos e faculdades estaduais de arquitetura podem realizar projetos com o intuito de gerar maior acolhimento nas cidades, com espaços de interação e convívio da comunidade nas praças e parques, além da retirada imediata de qualquer elemento da arquitetura da violência. Desse modo, o problema será sanado na sua origem, com o combate ao preconceito excludente e construção de uma cidade acolhedora.

Como meio de combate à essa prática nos estabelecimentos comerciais e propriedades privadas, resta como solução que os municípios advirtam as lojas que promovam arquitetura hostil, pois, de acordo com o art. 2º, inciso XX do Estatuto da Cidade, introduzido pela Lei Padre Júlio Lancelotti (Lei nº 14.489/2022) é proibido a implementação de estruturas construtivas hostis que possuem como objetivo a segregação dos sujeitos infames das cidades (BRASIL, 2001).

Ademais, cabe aos governos municipais a fiscalização do cumprimento do Estatuto das Cidades, os quais devem definir as multas a serem aplicadas às construções em desacordo com o artigo supracitado, com a imediata retirada desses objetos hostis, além do fomento, já abordado, da discussão com a população sobre a empatia com os grupos em vulnerabilidade social, principalmente no que tange a população em situação de rua. Assim, seria promovido o Direito à Cidade e dignidade da pessoa humana, com respeito ao Estado Democrático de Direito, entretanto, não cessará, tão cedo, no plano fáctico o preconceito e exclusão contra os sujeitos infames, sendo a arquitetura hostil uma manifestação da uma cultura que valoriza o indivíduo conforme a sua capacidade financeira, portanto, só haverá mudanças efetivas no que tange a arquitetura hostil com a mudança de consciência social dos indivíduos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cidade é um direito de todos que permite a socialização entre os seus habitantes e é estruturada conforme o sistema capitalista, com a extensão às cidades da divisão da sociedade em classes econômicas, o que opera na desigualdade social e no descumprimento da função social da cidade e do Direito à Cidade, previsto no Estatuto da Cidade e na Constituição Federal Brasileira. Assim, promove-se a exclusão de determinados indivíduos do espaço público urbano e, por conseguinte, do convívio em sociedade.

Ademais, é conferido a todos o Direito à moradia, com fundamento constitucional, de modo amplo e irrestrito, o que não ocorre no Brasil, o qual possui ampla desigualdade quanto a distribuição de propriedade privada dentre a sua população. Entretanto, apenas garantir ao indivíduo uma moradia não é necessário, pois essa precisa ser digna e dotada de sistemas de saneamento e infraestrutura básicos que garantam a dignidade da pessoa humana.

A cidade, pelo que se infere, não é um direito de todos e tal fato pode ser constatado por meio da inserção nas cidades de mecanismos que geram a exclusão de determinados indivíduos desses espaços, fenômeno denominado de arquitetura hostil. Essa consiste, por exemplo, na instalação de pedras sob os viadutos e pinos nos bancos de praças públicas para evitar a permanência de indivíduos marginalizados pela sociedade em locais de convívio comum, dentre eles os pobres, skatistas e pessoas em situação de rua.

Essa política estatal e privada, tendo em vista que pode ser instalada em prédios e espaços públicos ou em comércios particulares, possui como fundamento a “Indústria do Medo”, a aporofobia e mixofobia. Assim, o medo é difundido por meio de notícias alarmistas sobre os casos de violência na cidade pelos veículos de comunicação, os quais são financiadas pelas empresas de segurança privadas, o que aumenta os seus lucros tendo em vista que a população irá comprar seus produtos para instalarem em suas residências e sentirem-se seguras.

A violência, em virtude do preconceito, por sua vez, será relacionada aos indivíduos marginalizados e em vulnerabilidade social da sociedade, dentre eles, a população em situação de rua que são, pelo senso comum, associadas à falta de higiene e criminalidade. Esse comportamento também possui como causa a aporofobia, que é a aversão que parcela da sociedade possuem dos pobres.

Esse espaço público urbano, por sua vez, fonte de tantos conflitos, é regulamentado por diversas leis no ordenamento brasileiro. Dentre elas destaca-se a Lei de Parcelamento do Solo; Lei nº 9.785/99; a Constituição Federal de 1988; o Estatuto da Cidade; o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI); a Lei do SNHIS (Lei Federal nº 11.124/05) que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), criou o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e instituiu o Conselho Gestor do FNHIS (BRASIL, 2005); o Ministério das Cidades e o Conselho Nacional das Cidades.

Entretanto, essas legislações mostram-se insuficientes quanto à resolução da arquitetura hostil e promoção de uma cidade receptiva quanto às pessoas em situação de rua, o que deve ser promovido pela atuação do Ministério Público ao utilizaram-se da Ação Civil Pública, Inquéritos Civis e Termo de Ajustamento de Conduta para promover a retirada da arquitetura hostil. Além disso, deve haver o fortalecimento do CadÚnico para a identificação do quadro socioeconômico dessa população e permitir a implementação de políticas públicas efetivas além da promoção de locação social, a fim de impedir a desse grupo dos espaços públicos.

Quanto à Lei Padre Júlio Lancellotti, com os recentes julgados no Tribunal de Justiça de Goiás e do Rio de Janeiro percebe-se que apesar da proibição legal de arquitetura hostil o Judiciário ainda não conseguiu combater de fato essas manifestações e possui tendência em beneficiar os municípios frente à população em vulnerabilidade social. Por isso urge a implementação de ouvidorias nas prefeituras municipais para que a população identifique os instrumentos arquitetônicos de segregação, o que só será possível por meio da identificação pela população de como a arquitetura da violência se manifesta, pois ela é nociva para a sociedade.

Assim, deve-se sancionar os agentes responsáveis pela manutenção de elementos da arquitetura hostil nas cidades e, desse modo, conferir eficácia à Lei nº 14.489 de 2022. Para tanto, faz-se necessário que os agentes responsáveis pela implementação de instrumentos arquitetônicos segregadores os retirem das cidades, sob pena de pagamento de multa além do fortalecimento das ouvidorias para a denúncia dos casos de arquitetura hostil.

Logo, mesmo diante da sua recente normatização, a arquitetura da violência ainda persiste como um problema de difícil resolução. O acesso à cidade continua restrito, em virtude da falta de planejamento dos municípios quando a democratização dos espaços públicos, observância ao Estatuto das Cidades e a Lei nº 14.489 de 2022 e a falta de eficácia e abrangência das políticas públicas para inclusão da população em situação de rua. Por isso, é preciso que haja maior fiscalização do município quanto a aplicabilidade de ações sociais e apoio social da sociedade para reivindicar o cumprimento dessas ações sociais.

Para tanto, faz-se necessário expurgar o individualismo capitalista a fim de construir a alteridade e perceber que a cidade deve ser ocupada por todos e que as pessoas em estado de vulnerabilidade social precisam de cuidados especiais a fim de restaurar a dignidade e condição humana que o estado de mendicância lhes retira. Além de eliminar o preconceito aporofóbico e a mixofobia com a divulgação e debate sobre o tema como meio de mitigar esse preconceito institucional e combater a arquitetura hostil, pois as cidades são construídas para acolher a todos, sem nenhum tipo de distinção e distanciamento e, portanto, será possível construir um espaço de convívio pautado na pluralidade.

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Sobre a autora
Valkíria Silva de Souza

Advogada e Pós-graduanda em Direito de Trânsito.

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