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Derrida, Direito e Justiça

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Agenda 25/05/2024 às 08:51

Referências

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Notas

1 A desconstrução causa uma cisão salutar ao direito quando refuta as teses utilitaristas e reducionistas que relegam a ele uma função teleológica de aplicação das leis. Isso contribuí com o fomento de discussões. O debate amplo e irrestrito é necessário, pois agrega valor ao direito e ajuda a mudar o paradigma de que o profissional do direito é um ‘operador’, uma ‘máquina de calcular’ do Estado.

2 Segundo nossa Carta Magna, em um estado democrático de direito. E a democracia é o regime político mais propício para a condução da experiência da justiça. Assim como a justiça, a democracia não se realiza no presente. Ela também é uma possibilidade aberta, futura. Democracia e justiça se inter-relacionam representando um, nas palavras de Derrida, porvir. Portanto a justiça permanece porvir, ela tem povir, ela é por-vir, ela abre a própria dimensão de acontecimentos irredutivelmente porvir. Ela o terá sempre, esse porvir, e ela o terá sempre tido. Talvez seja por isso que a justiça, na medida em que ela não é somente um conceito jurídico ou político, abre ao porvir a transformação, a refundição ou a refundação do direito e da política.

3 Emmanuel Lévinas foi um filósofo francês nascido numa família judaica na Lituânia. Bastante influenciado pela fenomenologia de Edmund Husserl, de quem foi tradutor, assim como pelas obras de Martin Heidegger e Franz Rosenzweig, o pensamento de Lévinas parte da ideia de que a Ética, e não a Ontologia, é a Filosofia primeira. É no face-a-face humano que irrompe todo sentido. Diante do rosto do Outro, o sujeito se descobre responsável e lhe vem à ideia o Infinito. Nascido Emanuelis Levinas no seio de uma família judaica, sendo o pai um livreiro, Lévinas logo teve contato com os clássicos da literatura russa, como Dostoiévski – tão citado em suas obras. Aos doze anos, na Ucrânia, assistiu à revolução de Outubro (1917). Mais tarde, estabeleceu-se na França (1923) e iniciou seus estudos de filosofia em Strasbourg. Dirigindo-se a Friburgo (1928-1929), tornou-se aluno de Edmund Husserl e Martin Heidegger, dos quais seria um dos primeiros a introduzir o pensamento na França. No ano seguinte, apresentou sua tese de doutorado sobre “La Théorie de l’Intuition dans la Phénoménologie de Husserl” (1930) e continuou escrevendo artigos sobre os dois autores, alguns recolhidos mais tarde em seu En découvrant l’existence avec Husserl et Heidegger (1949).

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4 O Direito, por seu turno, é uma invenção humana, um fenômeno histórico e cultural concebido como técnica para a pacificação social e a realização da justiça. Em suma, enquanto a Justiça é um sistema aberto de valores, em constante mutação, o Direito é um conjunto de princípios e regras destinado a realizá-la. A Justiça, na filosofia antiga, significava virtude suprema, que tudo abrangia, sem distinção entre o direito e a moral. Segundo este entendimento, é a expressão do amor ao bem e a Deus. Considerando as quatro virtudes básicas do sistema de Platão, a Justiça é uma espécie de eixo gravitacional, em torno do qual circundam as outras três: autodomínio, coragem e sabedoria. A Justiça é "a virtude moral que rege o ser espiritual no combate ao egoísmo biológico, orgânico, do indivíduo."

5 Essas questões de fundo postas por Derrida também nos permitem uma aproximação com a problemática da Lei e das leis. Das Leis não escritas - sejam as primeiras representadas pela lei da castração, isto é, a lei do interdito do incesto e do parricídio, que nos obriga à dívida com a linguagem que nos fez humanos, sejam as leis divinas das quais fala Antígona -, e da sua tensão com as leis particulares do direito, sempre insuficientes e, por isso mesmo, transformáveis (porque desconstruíveis, reinterpretáveis). Mais adiante, esta tensão entre a Lei e as leis surgirá em toda sua nudez na tragédia de Antígona, de Sófocles. Esta tragédia - tão trabalhada por Lacan no Seminário da Ética - é a tragédia da justiça como experiência impossível, uma vez que na experiência da aporia encarnada por Antígona e Creonte, através do embate entre as Leis não escritas defendidas por Antígona e as leis da cidade sustentadas por Creonte, inaugurando o direito da polis grega, pratica-se o indecidível entre duas posições. Neste indecidível mora apenas o apelo infinito por justiça. E não a justiça.

6 Em 2004, Derrida falou em público pela última vez num colóquio em sua homenagem no Rio de Janeiro. Escolheu como tema o perdão, tendo em vista sua vontade de contribuir para a discussão do lugar dos afrodescendentes latino-americanos, a partir de sua experiência na África do Sul. Sua vinda ao Brasil foi um ato de coragem, pois devido às suas condições de saúde já não deveria viajar. Num último esforço, pudemos ouvi-lo dizer, num ambiente de muita emoção, que o perdão não deve ter nenhuma finalidade, pois seus laços essenciais o unem ao amor.

7 "Como conciliar o ato de justiça, singular, com a regra, a norma, a lei que tem necessariamente uma forma geral? Eu poderia agir conforme o direito objetivo, mas não seria justo" (Derrida, 2007, p.31). Não teria agido por amor à Lei - no caso, à justiça -, poderia dizer um Derrida fiel a Kant.

8 Para Derrida, o perdão não pertence à esfera política ou jurídica. Ele se opõe à simetria entre punir e perdoar, não admite que sejam colocados lado a lado. Também se opõe à confusão entre perdão e conceitos jurídicos como o da anistia e da prescrição. Para ele, só é possível perdoar o imperdoável. O perdão não pode ser banalizado, deve sempre ser excepcional. Para avaliar essas proposições é necessário rever em que contexto Derrida passou a se interessar pelo tema. O seu interesse pelo assunto se acentuou devido ao que ele chamou de “mundialização do perdão”.

9 Derrida quer pensar uma justiça que não seja o resultado da aplicação das leis ou do próprio direito como um ordenamento legal. Para Derrida, não se poderia falar diretamente da justiça, tematizar ou objetivar a justiça sem traí-la imediatamente.

10 O Direito, na atualidade, é visto como uma ciência histórico-cultural e compreensivo-normativa. É uma ciência normativa ética. Não há como depurar os aspectos fáticos e valorativos na ciência jurídica, eis que são aspectos significativos da experiência humana que devem ser considerados na argumentação e na fundamentação das decisões. Desta forma, os elementos normativos, sociológicos e axiológicos são essenciais para a interpretação e aplicação do Direito.


Derrida, Law and Justice.

Résumé: «La loi n'est pas la justice. Le droit est l'élément de calcul, il est juste qu'il y ait un droit, mais la justice est incalculable, elle exige que les incalculables se calculent; Et les expériences apératiques sont aussi improbables que les expériences nécessaires de la justice, c'est-à-dire où la décision entre juste et l'injuste n'est jamais garantie par une remise. Jacques Derrida. Le discours juridique, au sens large, apporte avec lui la possibilité de sa transformation et de sa déconstruction est le rôle de l'opposition aux dogmes légaux qui tentent d'identifier la loi à la justice, ou de les séparer complètement, en tant que concepts indépendants, et non liés.

Mots-clés: philosophie. Sociologie. Droite. Philosophie de droit. Droit et justice.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Gisele. Derrida, Direito e Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7633, 25 mai. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109462. Acesso em: 24 dez. 2024.

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