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A não incidência dos impostos indiretos em operações de venda realizadas por entidades imunes

Agenda 14/02/2008 às 00:00

A discussão sobre a incidência de impostos indiretos, como o IPI e ICMS, em operações mercantis praticadas por sujeitos imunes sempre suscitou polêmicas. Como será demonstrado, a jurisprudência histórica do Supremo Tribunal Federal é pendular e evidencia o quão controvertido é o tema.

Por serem tributos sobre o qual incide o fenômeno da repercussão, com a conseqüente translação do encargo econômico-financeiro para o adquirente da mercadoria, o pano de fundo da discussão é a adoção da interpretação de cunho substancial ou formal.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, já na década de 70 esta polarização científica foi encarnada pelos ministros Alioomar Baleeiro e Bilac Pinto.

Com efeito, à interpretação substancial, ou econômica, defendida pelo ministro Aliomar Baleeiro, a perspectiva da análise deve privilegiar a realidade econômica. Diante disso, em caso de o sujeito que suporta o ônus financeiro do imposto, o contribuinte de fato, ser a entidade beneficiada pela imunidade, não haverá incidência. Em outras palavras a imunidade prevalece na aquisição dos bens. Esta orientação não prevaleceu à época, sendo inclusive editada, em 15 de dezembro de 1976, a Súmula 591 em sentido contrário. Entretanto, a mesma veio a prevalecer no Pretório Excelso de 1996 a 1999 [01].

Já a interpretação formal, defendida pelo ministro Bilac Pinto, entende anódina a consideração econômica para fins de verificação da incidência. Para o direito, somente o contribuinte de direito, aquele elencado pela lei como sujeito passivo, pode ser imune. Assim, para o método formal, a imunidade prevalece na venda dos bens e não na compra, irrelevante o sujeito que suportará de fato o encargo. Esta posição é, por exemplo, adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, no sentido da ilegitimidade passiva do contribuinte de fato à repetição do indébito [02].

À época do debate, a interpretação formalística, encarnada por Bilac Pinto, restou consagrada e reproduzida na Súmula 591 [03].

O Supremo Tribunal Federal, em 2003 [04], reviu sua jurisprudência, de 1996 a 1999, para entender, ao reencontro da Súmula 591, que a imunidade tributária prevista pelo artigo 150 VI, c, abrange o ICMS sobre comercialização de bens produzidos por entidade beneficente, desde que o produto da venda seja revertido às finalidades essenciais do ente.

Tal orientação, embora sofra críticas de criar condições artificiais e desleais de concorrência em benefício das entidades imunes, assegura a realização do elemento teleológico da imunidade no sentido da viabilização do desenvolvimento destas entidades.

Com isso, resta pacificado no Pretório Excelso, inclusive com a corrobaração de um julgado em 2006 [05], a interpretação formalística escudada pelo ministro Bilac Pinto, confirmada pela Súmula 591: as pessoas imunes vendedoras não têm a incidência dos impostos, ainda que indiretos.

Tal posição implica, pelo caráter dúplice ou ambivalente da discussão, a incidência do imposto na compra das mercadorias pelas entidades imunes. Assim, decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça [06].

Nota-se, com isso, que, na hipótese de aferição de imunidade em relação a impostos indiretos, o Supremo Tribunal Federal não acolhe a interpretação que privilegia a valoração da realidade econômica subjacente à relação jurídica.

Vê-se, portanto, que a teoria da preponderância do conteúdo econômico do fato gerador, de Enno Becker, permissiva do alcance de isonomia substancial em detrimento da forma jurídica, embora presente em alguns dispositivos do Código Tributário Nacional, como o 116, parágrafo único, 118 e 126, não foi albergada pelo guardião da Constituição, na hipótese analisada, senão no curto período de 1996 a 1999.


Notas

01 São exemplos da adoção da tese esposada por Aliomar Baleeiro os seguintes julgados do Supremo Tribunal Federal: RE 164162-SP,, r. Ministro Ilmar Galvão DJU 13.09.96 ; RE 191.067-4, r. Ministro Moreira Alves, j. 26.10.99; RE 189.912-3-SP, r. Ministro Ilmar Galvão, DJU 25.06.99

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02 Seguem um exemplo do entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ICMS. TRIBUTO INDIRETO.CONSUMIDOR. "CONTRIBUINTE DE FATO". ILEGITIMIDADE ATIVA. APELOPROVIDO.

1. Os consumidores de energia elétrica, de serviços de telecomunicação e os adquirentes de bens não possuem legitimidade ativa para pleitear a repetição de eventual indébito tributário doICMS incidente sobre essas operações.

2. A caracterização do chamado contribuinte de fato presta-se unicamente para impor uma condição à repetição de indébito pleiteadapelo contribuinte de direito, que repassa o ônus financeiro do tributo cujo fato gerador tenha realizado (art. 166 do CTN), mas nãoconcede legitimidade ad causam para os consumidores ingressarem em juízo com vistas a discutir determinada relação jurídica da qual não façam parte.

3. Os contribuintes da exação são aqueles que colocam o produto em circulação ou prestam o serviço, concretizando, assim, a hipótese deincidência legalmente prevista.

4. Nos termos da Constituição e da LC 86/97, o consumo não é fato gerador do ICMS.

5. Declarada a ilegitimidade ativa dos consumidores para pleitear a repetição do ICMS.

6. Recurso especial provido.

REsp 983814 / MG, r. Ministro CASTRO MEIRA, j. 04/12/2007

03 Alguns julgados, do Supremo Tribunal Federal, que antecederam a Súmula 591 (a imunidade ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, contribuinte do imposto sobre produtos industrializados.) e consagraram, na década de 70, a interpretação formalística capitaneada pelo ministro Bilac Pinto: RE 68215, r. ministro Carlos Thompson Flores, DJ de 16/4/1971, RE 67625, r. ministro Carlos Thompson Flores, DJ de 20/11/1970; RE 68868, r. ministro Carlos Thompson Flores, DJ de 20/11/1970; RE 71300, r. ministro Bilac Pinto, DJ de 30/4/1971; ; RE 76826, r. ministro Xavier de Albuquerque DJ de 25/4/1975, RE 69080, r. ministro Antônio Neder, DJ de 26/3/1976

04 EdivRE 210251-SP, r. ministro Gilmar Mendes, j. 26.02.2003 (informativo 299)

05 RE 186175, r, ministra Ellen Gracie, j. 23/08/2006 (informativo 437)

06 TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL – ICMS – ENERGIA ELÉTRICA –TELECOMUNICAÇÃO – MANDADO DE SEGURANÇA – SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO TRIBUTO – ART. 150, INCISO VI, ALÍNEA "A", DA CF – SUPOSTA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA – INEXISTÊNCIA.

1. Restringe-se a controvérsia acerca da imunidade tributária recíproca entre o município e o Estado membro no que tange à incidência do ICMS.

2. A imunidade recíproca ou intergovernamental recíproca decorre daessência do sistema federativo pátrio. Por certo, depreende-se da Constituição da República que os entes de Direito Público, quais sejam, União, Estados, Distrito Federal e Municípios não podem instituir impostos sobre diversas entidades, serviços ou renda unsdos outros. (Art. 150, inciso VI, alínea "a", da CF).

3. Na hipótese dos autos, o ICMS não incide sobre o patrimônio a renda ou os serviços do Município, mas, incide sobre o fornecimento dos serviços de energia elétrica e de telefonia por ele consumidos, descaracterizando, por conseguinte, a suposta imunidade recíproca doart. 150, inciso VI, alínea "a", da Constituição da República.Recurso em mandado de segurança improvido.

RMS 19711 / SC, r. Ministro HUMBERTO MARTINS, j. 27/02/2007

Sobre o autor
Ilan Presser

Procurador da Fazenda Nacional.bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo,Ex-Bolsista do DAAD no Programa "Zertifikat" da Universidade Ludwig-Maximilians-Universität München

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRESSER, Ilan. A não incidência dos impostos indiretos em operações de venda realizadas por entidades imunes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1688, 14 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10947. Acesso em: 23 dez. 2024.

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