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O impacto da utilização de conteúdo protegido por direitos autorais pela inteligência artificial: Certificações, Leis brasileiras e Responsabilidade legal

Agenda 27/05/2024 às 11:41

A ascensão da inteligência artificial (IA) trouxe consigo diversas questões éticas e legais, especialmente no que diz respeito ao uso de conteúdo protegido por direitos autorais para treinamento de modelos generativos.

Recentemente, nos Estados Unidos, a organização Fairly Trained introduziu um selo de certificação para identificar modelos de IA que respeitam os direitos autorais dos criadores de conteúdo. Essa iniciativa visa diferenciar as empresas que solicitam autorização para o uso de dados protegidos daquelas que não o fazem, marcando um passo importante na regulamentação dessa prática.

Essa certificação é fundamental para impedir que os usuários sejam responsabilizados, mesmo sem saber, pelo uso indevido de conteúdo protegido por direitos autorais. O selo indica que a elaboração e desenvolvimento do conteúdo é exclusivo da plataforma desenvolvedora da Inteligência Artificial.

Direitos Autorais e Certificação

O selo de certificação emitido pela Fairly Trained, chamado de Certificação de Modelo Licenciado, é concedido às empresas que não utilizam dados protegidos sem a devida autorização dos proprietários. Isso destaca a importância de obter permissão antes de utilizar conteúdos criativos para treinamento de modelos de IA. As licenças podem ser personalizadas de acordo com o tipo de uso, mas a certificação não será concedida a desenvolvedores que alegam "uso justo" para seus treinamentos.

Até o momento, nove empresas de IA generativa receberam o selo Fairly Trained, incluindo nomes como Beatoven.AI, BRIA AI, LifeScore e Tuney.

Essas startups oferecem ferramentas inovadoras, como geração de imagem por descrição textual, música e voz, respeitando os direitos autorais em suas abordagens de treinamento.

Legislação nos Estados Unidos e Propostas em Tramitação

Embora as leis americanas atualmente não exijam que os desenvolvedores informem a fonte dos conteúdos utilizados para treinamento de IA, propostas de mudanças estão em tramitação. O debate sobre a necessidade de regulamentações mais rigorosas tem ganhado destaque à medida que cresce a insatisfação dos criadores de conteúdo em relação ao uso desenfreado de suas obras.

Impacto Legal no Brasil

No contexto brasileiro, a legislação de direitos autorais é regida pela Lei nº 9.610/1998. Essa legislação estabelece que a utilização de obras protegidas sem autorização do titular dos direitos autorais configura violação desses direitos.

Dessa forma, a aplicação de modelos de IA que fazem uso não autorizado de conteúdo protegido poderia resultar em processos judiciais e penalidades.

Você sabe quais sãos as obras intelectuais protegidas pelos direitos autorais?

Conheça as obras / criações / invenções protegidas por direitos autorais de acordo com a Lei 9.610/1998 (Direitos Autorais):

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;

II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;

III - as obras dramáticas e dramático-musicais;

IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;

V - as composições musicais, tenham ou não letra;

VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;

VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;

VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;

IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;

X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;

XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;

XII - os programas de computador;

XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.

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Por outro lado, a mesma legislação dispõe sobre os objetos que NÃO são protegidos por direitos autorais, veja:

Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:

I - as ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;

II - os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;

III - os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções;

IV - os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais;

V - as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas;

VI - os nomes e títulos isolados;

VII - o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras.

Isto não significa que, as criações / invenções excluídas da apreciação da lei de direitos autorais, não sejam objeto de direito conservado por outra legislação, como por exemplo, no caso dos sistemas e métodos que são regulados pela Lei da Propriedade Industrial.

Agora que está claro quais são os tipos de obras/criação protegida pelos direitos autorais, a questão que não quer calar é, se a inteligência artificial utiliza de uma base de dados para elaborar suas respostas e conteúdo (imagens, sons, vídeos e etc.) como ele poderia ser original e se esquivar de reproduzir conteúdo autoral de terceiros.

A verdade é que no nível de desenvolvimento humano atual, muito raramente se cria essencialmente algo, na maioria das vezes são adaptações, modificações e/ou alterações.

Essa reflexão nos conduz à célebre afirmação de Antoine Lavoisier, formulada em 1785: "Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma." Um aspecto intrigante é que, ao longo do tempo, mesmo a enigmática expressão do químico francês passou por modificações, mantendo sua relevância no senso comum e sendo adaptada para a conhecida versão popular: "Nada se cria, tudo se copia!"

Obviamente, em razão de sua subjetividade, estas reflexões não podem ser aplicadas em um tribunal, por isto, as desenvolvedoras de I.A adotam as mais variadas estratégias para tentarem diversificar suas produções e impedir que seus “filhos” cometam ilícitos, mas mesmo assim, não é sempre que conseguem...

Responsabilidade Legal e Processos por Violação de Direitos Autorais

O aumento no número de processos judiciais nos Estados Unidos evidencia a preocupação dos criadores de conteúdo em relação à utilização não autorizada de suas obras em sistemas de IA generativa. Um caso notório envolve a OpenAI, desenvolvedora do ChatGPT, que está sendo processada pelo The New York Times por alegada utilização não autorizada de materiais de sua autoria.

A responsabilidade legal recai sobre as empresas desenvolvedoras de IA, como a OpenAI, e, em alguns casos, sobre investidores relevantes. A defesa muitas vezes alega a necessidade de utilizar conteúdos criados por humanos para treinar os modelos, mas os tribunais devem considerar a legitimidade dessas alegações à luz das leis de direitos autorais.

Conclusão

Sem dúvidas a proposta da Fairly Trained (certificação de autenticidade) representa uma abordagem inicial para lidar com as questões éticas e legais relacionadas à utilização de conteúdo protegido por direitos autorais em IA generativa.

No contexto brasileiro, como ainda não há nenhum órgão ou empresa expedindo estes selos (certificados), as pessoas, empresas e desenvolvedores devem atentar-se à legislação vigente para evitar processos judiciais e garantir o máximo respeito aos direitos autorais.

Por fim, à medida que a tecnologia avança, a harmonização entre o desenvolvimento de IA e o respeito aos direitos dos criadores de conteúdo torna-se essencial para uma convivência ética e legal nesse novo cenário tecnológico. Por esta razão, sempre será imprescindível a elaboração de mecanismos que emanam segurança aos usuários, de que ao utilizarem a IA não estarão cometendo nenhuma ilegalidade, seja através de sistemas autenticadores ou através de uma legislação bem definida, capaz de responsabilizar adequadamente quem ou o que realmente violou a legislação.

Sobre o autor
Roberto Henrique Favaram Bianchini

Sócio fundador da @youconsultdigital - Consultoria jurídica especializada em direito digital, atuante nas áreas do direito gamer / E-sport, direitos dos influencers e direito dos YouTubers / Streamers. Nosso foco é o pleno desenvolvimento das atividades e negócios do mundo digital, com ênfase na manutenção e reivindicação dos direitos das pessoas e entidades que a exploram.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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