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Técnicas decisórias no processo constitucional

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Agenda 28/06/2024 às 19:06

Examina-se o alcance argumentativo de técnicas interpretativas que estão em voga e são bastante criticadas no controle de constitucionalidade.

Resumo: Há técnicas decisórias no processo constitucional, especificamente no controle de constitucionalidade, que viabilizam o enquadramento de determinadas normas polissêmicas e que precisam ser classificadas a fim de se conferir um melhor entendimento mais abrangente do tema. O presente trabalho se utiliza, então, de significados expostos pela jurisdição constitucional pátria reunidos em um só texto, a partir de problemas práticos trazidos pela jurisprudência.

Palavras-chave: Técnicas decisórias. Classificação. Processo Constitucional.


Introdução

Pretende-se com esse trabalho expor as técnicas decisórias utilizadas em sentenças de controle de constitucionalidade. Essas técnicas oriundas do direito estrangeiro são importantes instrumentos de aplicação da jurisdição constitucional às causas de interesse da sociedade, principalmente diante de um cenário de crise democrática e de um Poder Legislativo ineficaz.

O objetivo, portanto, é situar cada método em uma topografia que traga fácil e ampla visualização sobre o tema, em cotejo com as decisões dos Tribunais Constitucionais de outros países e com as do próprio Supremo Tribunal Federal. Essa classificação traz discussões acirradas de (in)viabilidade da aplicação do procedimento decisório aos Estados Democráticos de Direito em circunstâncias específicas e genéricas.

Salienta-se que há estudos e categorizações dispersos em doutrinas constitucionais e processuais constitucionais que, além de escassos, não se coadunam em fornecer uma rotulagem intuitiva e didática. Portanto, este texto se justifica a fornecer à sociedade acadêmica mais subsídios que possam tornar o estudo mais denso e unificado.

Nesse cenário, propõe-se a visualização de que, tanto as decisões interpretativas em sentido estrito, a aplicação direta de hermenêutica, quanto as decisões manipuladoras, que consistem em uma atuação da Corte Constitucional como legislador, exercendo funções típicas do Poder Legislativo, é providencial aos interessados jurisdicionados uma aplicação de sentido das normas polissêmicas com objetivo de aplicação da justiça.

Portanto, em prática, esse debate argumentativo é uma reflexão aos leitores da necessidade ou não de limitações das Cortes Constitucionais no controle de constitucionalidade e, caso necessária uma delimitação, quais são os parâmetros imprescindíveis à separação da atividade típica e atípica do Poder Judiciário. Tudo isso pode ser sopesado às circunstâncias históricas e sociais do movimento de um ativismo judicial democrático.


1. Direito Comparado

Na Itália, a Corte Constitucional exerce um papel relevante, em função da contratualização que existe no poder político e a interação entre as camadas sociais, tais como sindicatos, empresários, minorias políticas. Esse tipo de situação gera uma insegurança na aplicação de direitos fundamentais, menosprezando princípios basilares, como aquele proveniente da segunda onda de direitos fundamentais – igualdade.

A título de exemplo, há uma decisão da Corte Constitucional italiana que estende, no sentido de garantias fundamentais propriamente ditas, a uma categoria de profissionais de saúde não citada expressamente em lei, objeto do controle de constitucionalidade, o direito à indenização diante do contágio ocorrido no manuseio de sangue e derivados.

Além desse exemplo, menciona-se a inclusão de obrigatoriedade da presença do defensor no interrogatório do réu em processo penal cuja lei só previa expressamente a presença do Ministério Público.

Um exemplo oferece a Decisão 476, de 2002, da Corte Constitucional italiana, que trata da indenização de trabalhadores da saúde infectados por doenças contagiosas no desempenho de suas funções. A lei dava direito à indenização por contágio do funcionário ocorrido na ocasião de vacinação obrigatória ou de transfusão de sangue e derivados. A Corte analisou o caso de instrumentadora contaminada ao manipular instrumentos cirúrgicos. Pela literalidade da lei a funcionária não tinha direito à indenização. A Corte considerou que não havia razão para excluir a instrumentadora dos benefícios da indenização. Se ela fosse excluída ocorreria uma violação do princípio da igualdade, pois a finalidade da lei era indenizar pessoas contaminadas no exercício de funções sanitárias em razão de contato com sangue, sendo irrelevante a situação e forma na qual ocorreu o contágio.60 Essa decisão foi aditiva de prestação, reconhecendo o direito social a uma categoria de titulares que a lei inexplicavelmente não indicou.

Assim sendo, em casos de inconstitucionalidade por omissão, a Corte italiana complementa a norma, sanando a violação do princípio da igualdade e permitindo que o dispositivo permaneça no sistema legislativo sem ferir a Constituição.

Uma decisão aditiva “de garantia” (relacionada a direitos de liberdade) é a 170, de 1970, que declarou inconstitucionais os arts. 303. e 304 do Código de Processo Penal na parte em que previam que nos interrogatórios era obrigatória só a presença de integrante do Ministério Público. A Corte Constitucional acrescentou a obrigatoriedade de presença do defensor do acusado.2

Também é possível se exemplificar uma técnica de pronúncia de inconstitucionalidade que delega a atividade de escolha de aplicação da norma conveniente ao caso concreto para o juízo da demanda. Em correspondência, encontra-se uma decisão italiana que, ao verificar a negativa da administração pública de concessão de reembolso médico de pessoa hospitalizada no exterior sem menção expressa da lei como beneficiário, entendeu que deve haver uma abrangência de pessoas beneficiárias não expressas. No entanto tal escolha, depende da análise do caso concreto feito pelo juízo.

A Corte considerou que há diferenças juridicamente relevantes entre quem se encontra no exterior para trabalhar ou estudar e quem viaja por variadas razões pessoais. Mas essa diferença não é suficiente para excluir o direito ao reembolso de despesas médicas do viajante independentemente da razão da internação e de sua situação financeira.

Por outro lado, a Corte considerou que invadiria as competências do legislador ao decidir quem teria direito ao reembolso. Assim sendo, declarou a inconstitucionalidade da omissão, considerando necessária a criação de outra norma e deixou subentendido que o juiz da causa poderia suprir a omissão do legislador no caso examinado (inconstitucionalidade “na medida que não…”). Dessa forma, a Corte enunciou o princípio da necessidade de criar nova norma, mas não a elaborou.3

No Direito da África do Sul, a Corte Constitucional ganhou um papel essencial de promoção da democracia, com decisões que repercutiram no mundo, e que intendem a igualdade em período posterior ao apartheid. Dessa forma, há um papel bastante criativo e argumentativo geralmente de caráter aditivo das sentenças naquele país. Como exemplo:

“A pena de morte tinha sido largamente utilizada pelo regime Apartheid, notadamente contra pobres e negros, de forma que a declaração de ilegitimidade seria paradigmática das transformações sociopolíticas que o país experimentava. Em Makwanyane,37 diante do silêncio legislativo e constitucional sobre o tema, a Corte definiu que era de sua inteira atribuição julgar a controvérsia e decidiu, de forma unânime, apoiada principalmente na dignidade da pessoa humana, “que a pena de morte não fazia parte do sistema normativo democrático da África do Sul”4.

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Na linha dessa decisão, a Corte decidiu em afronta ao que a maioria da sociedade coadunava em relação necessidade de manutenção da pena de morte. Mas, para amparar o princípio da dignidade humana a decisão foi assertiva. Aliás, por ter a Corte Constitucional da África do Sul exercido um papel construtivo da Carta Magna, existe um viés progressista de justiça social.


2. Sentença

A linha processual desenvolvida em consentânea com a história e desenvolvimento do conceito de processo chegou ao sincretismo processual e ao processualismo contemporâneo ou neoprocessualismo, este com a adoção explícita de princípio e fundamentos constitucionais.

Em relação ao processo de conhecimento ou ao processo de execução, a sentença põe fim a essa fase processual, de modo a ser irreparável, de modo geral. Diante disso, sentença é o ato processual do magistrado ou pronunciamento do juiz que coloca fim ao procedimento comum e extingue a sentença (art. 203, § 1º, Código de Processo Civil).

Extraindo o conceito processual civil, percebe-se que a sentença é o ápice do trâmite de um processo, conferindo efeitos entre as partes ou, a depender do processo, erga omnes ou além das partes. É a aplicação da premissa maior (a norma) a premissa menor (caso concreto). Nesses termos, “a sentença, do ponto de vista lógico, corresponde a um silogismo, em que a premissa maior é a norma legal a ser aplicada; a premissa menor é o fato ou a situação de fato; e a conclusão é a norma concreta que se extrai da submissão do fato à norma5.

Considerando o contexto do processo constitucional, a sentença ganha um papel ainda mais abrangente do que um mero ato processual com eficácia inter partes. Há uma superação subjetiva de efeitos que recai perante todos já que o processo é objetivo – não tem partes, não visa a um direito subjetivo, mas sim uma norma ou a sua ausência a partir do paradigma constitucional.


3. Sentença Manipulativa

3.1. Conceito

Além das técnicas de interpretação, as Cortes Constitucionais se utilizam de técnicas que se assemelham a um verdadeiro exercício da função típica do Poder Legislativo. Nessa esteira, essas decisões não se limitam a apenas interpretar ou julgar constitucional ou inconstitucional a lei, vão além – aplicam a norma legal, seja criando ou adicionando uma aplicabilidade, seja substituindo o sentido da lei.

Por certo, isso deve se coadunar com toda a Constituição, de modo que se vislumbre uma decisão que considere o ordenamento jurídico como um todo, o momento histórico e o anseio da sociedade ou parte dela por justiça social e alcance a direitos fundamentais amplamente difundidos. Logo, há que enfatizar que todas essas fontes precisam estar em um sentido convergente, utilizando-se do diálogo das fontes.

No contexto de prolação dessas sentenças, só é possível uma construção jurisprudencial a partir de normas polissêmicas, e que dependam de uma demanda social face a não atuação do Poder Legislativo ou a mora de criação de leis.

3.2. Espécies

3.2.1. Substitutiva

Algumas expressões ou sentidos de determinada norma necessitam ser trocados por um que garanta a aplicação da justiça. A sentença normativa, portanto, é a técnica decisória que substitui disposição legislativa por outra. Segundo Luís Roberto Barroso, “as decisões manipulativassubstitutivas caracterizam-se por abranger uma declaração de inconstitucionalidade do diploma legal pelo que dispõe (e não pelo que omite, tal como ocorre no caso da decisão manipulativa aditiva), com a substituição judicial da disciplina inconstitucional por outra”.6

Segundo Soraya Lunardi:

A decisão substitutiva é também utilizada em casos difíceis ou complexos, nos quais a simples anulação da lei inconstitucional não resolve o problema. O juiz anula a disposição inconstitucional e acrescenta um sentido normativo diferente: “são as decisões com as quais a Corte declara a ilegitimidade de uma disposição legislativa na parte que prevê X ao invés de Y. Com aquelas a Corte ‘substitui’ uma locução da disposição, incompatível com a Constituição, com outra, constitucionalmente correta”. Dito de maneira mais simples: “a Corte elimina uma parte do texto e substitui-a por outro fragmento de norma”.7

Há, portanto, uma extração de significado que não está explícito na norma, a qual a Corte procura modificar a substância para que essa significação se torne explícita de maneira em que há uma troca argumentativa. A doutrina é bastante escassa em relação a essa técnica interpretativa, já que, geralmente, é utilizada em casos difíceis ou complexos e que, por conseguinte, são polêmicos.

Ainda, paira bastante dúvida sobre os limites da aplicação da tese, como a possibilidade de uma mudança radical ou não, a necessidade de relação entre as teses argumentativas, e a limitação quantitativa. Como exemplo, é possível citar a modificação, em caso de violência doméstica, da condicionalidade da ação penal pública, considerando a Lei 9.099/95.

Referida lei previa o cabimento de ação penal condicionada à representação no caso de lesão corporal leve. O Supremo Tribunal Federal, considerando as questões sociológicas e morfológicas da norma, em um cenário em que a vítima sofre opressão e submissão pelo agressor, e levando em consideração a sua posição de insuficiência técnica e jurídica, passou a prever, modificando a norma, a ação penal pública incondicionada, conforme se verifica na ADI 4424/DF.

Outro exemplo, citado pela doutrina, é o caso da ADIn 1.127 que corrigindo a expressão de requerimento citado pelo art. 50. da Lei 8.906/94, a qual previa que os Presidentes dos Conselhos da OAB e das Subsecções poderiam requerer cópia de peças de autos e documentos a qualquer tribunal, magistrado, cartório e órgão da Administração Pública, por requisição. Desse modo, tais presidentes poderiam não requerer os documentos, mas sim requisitá-los.

Apesar de a técnica gerar uma insegurança jurídica ou certa dúvida doutrinária e jurisprudencial, há que se considerar que a utilização sentença manipulativa substitutiva é calcada em argumentos que devem ser expressamente delineados. Não há um exercício de legiferar sem um suporte técnico, jurídico e relacionado ao caso concreto.

3.2.2. Aditiva

Amplamente difundida pela doutrina, a decisão manipulativa aditiva é técnica de interpretação que, no caso de omissão legal, amplia o sentido da norma para readequá-la ao ordenamento constitucional. Na citação feita pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes:

Como anota Roberto Romboli, tratando das manipulativas, a “Corte modifica diretamente a norma posta ao seu exame, através de decisões que são definidas como ‘autoaplicativas’, a indicar o caráter imediato de seus efeitos, que prescindem de qualquer sucessiva intervenção parlamentar”. É fácil ver que se trata de técnica unilateral de supressão da inconstitucionalidade dos atos normativos.8

Além do Ministro Gilmar Mendes, o Ministro Luis Roberto Barroso define sentença manipulativa aditiva como:

Trata-se de técnica de decisão que procura adequar à Constituição um diploma normativo que se considera inconstitucional por omissão parcial, ou seja, que se tem por inconstitucional pelo que deixou de incluir em seu programa normativo, buscando-se ampliar o âmbito de incidência da norma.9

Nesse caso, a norma disse menos do que deveria ter dito, de modo que a decisão aditiva é uma decisão que supre a omissão legislativa. Há uma inovação legislativa feita na função atípica do Poder Judiciário. Interessante citar que há um contexto histórico, existencial e de eficácia na utilização dessa técnica. Como aponta a citação do Ministro Gilmar Mendes:

Nesse sentido, em lição perfeitamente adequada ao direito pátrio, Augusto Martín de La Vega ressaltou ser possível compreender a proliferação das decisões manipulativas de efeitos aditivos, levando-se em conta três fatores: a) a existência de uma Carta política de perfil marcadamente programático e destinada a progressivo desenvolvimento; b) a permanência de um ordenamento jurídico-positivo com marcados resquícios autoritários; e c) a ineficácia do Legislativo para responder, em tempo adequado, às exigências de atuação da Constituição e à conformação do ordenamento preexistente ao novo regime constitucional.10

Não há confusão entre sentença manipulativa de efeito aditivo com sentença manipulativa de efeito substitutivo. No primeiro, a norma elenca “X” e se adiciona um outro sentido, como se fosse X+Y. Diferentemente da sentença aditiva, a sentença substitutiva troca sentido da norma. A norma prevê “X” e há uma troca de “X” por “Y”. Essa última também é muito mais comum do que a primeira na jurisprudência, e apresenta um caráter menos polêmico.

Como modelo, a ADPF 54 de relatoria do Ministro Marco Aurélio discutiu a criminalização de aborto de anencéfalos. Na gestação de anencéfalos, a morte é caminho inevitável do feto e ainda pode submeter a gestante à situação de risco de morte. Por isso, o STF adicionou, em uma interpretação conforme a Constituição, como um legislador positivo, uma excludente de punibilidade. O artigo 128 do Código Penal excluía a punibilidade de aborto nos casos de aborto necessário e no aborto no caso de gravidez resultante de estupro. Desse modo, embora não expressamente, houve um incremento qualificativo de inclusão do aborto em caso de anencefalia.

Há ainda o caso de aplicação aos servidores públicos, cujo direito de greve até o momento não foi previsto infraconstitucionalmente, da lei de greve dos trabalhadores celetistas. No caso, a Lei 7.783/89 sofreu uma adição de aplicabilidade aos servidores públicos em uma nítida oportunidade de acesso a direito fundamental social previsto constitucionalmente. Além de acesso a esse direito constitucional, houve aplicações de princípios constitucionais basilares, como o princípio da igualde ou isonomia.

Além desses casos, existem muitos exemplos produzidos na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: a) RMS 22.307, que previu o reajuste para os servidores civis não contemplados por lei que concedeu aos militares; b) MS 26.602, 26.603 e 26.604, fidelidade partidária – o STF considerou que a fidelidade partidária é importante direito fundamental e no caso de eleição no sistema proporcional com mudança de partido sem justificativa, o eleito perde o cargo.

Elencados esses exemplos, o mais recente e polêmico foi o caso da ADO 26 e MI .4733, ações que enquadraram homofobia e transfobia como crimes definidos na Lei 7.716/89 – crimes de racismo. O estado de mora inconstitucional, verificável em um período superior a 10 anos, na situação de mortes crescentes e desrespeito a direitos fundamentais das pessoas LGBT, substancializou a atuação de legislador positivo do Supremo Tribunal Federal.

Esse exemplo contém um importante viés, porque primeiro o STF cientificou o Congresso Nacional a se manifestar e, como não houve resposta, ocorreu uma mora explícita. Diante dessa ineficiência e omissão dupla, tanto na mora não cientificada de inclusão social, quanto na mora cientificada, foi inevitável a proteção constitucional ao grupo LGBT.

No entanto, há uma verdadeira criação de uma conduta incriminadora não disposta em lei, em violação ao princípio constitucional penal - princípio da legalidade. Tal princípio é fundamento de toda a existência penal e se enquadra no conceito de crime. Determinou assim o Supremo Tribunal Federal que até que exista legislação pelo Congresso Nacional que criminalize as práticas transfóbicas, aplica-se a lei que defines os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

Perceba-se que não há uma previsão a um determina grupo social que não seja em relação a raça ou cor de crime. Sendo assim, adicionando uma expressão ao que se considera racismo, criou-se a expressão racismo social. As condições do caso concreto consagram que as pessoas LGBT estão em um grupo de segregação que também é inferiorizado pela sociedade.

Em sequência, importante se considerar que a decisão manipulativa aditiva não se confunde com a interpretação conforme a Constituição, nos termos de parte da doutrina:

Vale anotar, ainda, que a jurisprudência do STF, em diversas hipóteses, trata a decisão manipulativa aditiva como se constituísse mera interpretação conforme à Constituição. É importante ter em conta, contudo, que as duas técnicas não são equivalentes. Tal como já esclarecido, a interpretação conforme à Constituição é uma decisão interpretativa, que extrai ou afasta significado compatível com o próprio programa normativo do dispositivo sob exame e que tem por limite o seu teor literal. Já a decisão aditiva se caracteriza por ir além do texto da norma justamente com o propósito de ajustar o programa normativo ao conteúdo da Constituição. Há, portanto, no último caso, um plus em termos de atuação judicial construtiva e criativa.11

Frisa-se identicamente que o surgimento dessa técnica foi inaugurado a partir da edição da Lei 9.868/1999 e a sua institucionalização criou elementos jurídicos para a sua aplicação. O próprio sistema normativo já prevê a circulação e diálogo das fontes no que se relaciona o implemento de sentido. Diante da ineficácia constitucional e a mora legislativa, o Tribunal Constitucional Brasileiro se socorre de adicionar explicitamente ou implicitamente com eficácia erga omnes e efeito vinculante.

É forçoso reconhecer que essa técnica, assim como a sentença substitutiva, deve ser suportada pelo ordenamento jurídico e com fundamentação apta a conferir aceitavelmente uma adição. Entende-se que isso só é possível diante da ineficácia de outros recursos, uma vez que a função de legislador positivo não pode ser indiscriminadamente ao Supremo Tribunal Federal. Aliás, só se aplica a técnica nos casos em que o legislador realmente teve morosidade na edição da lei, e que há uma necessidade inegável e emergente de se socorrer à extensão do sentido a parte da sociedade ou determinado grupo em que houve uma omissão parcial ou total legislativa. O acesso aos direitos fundamentais deve ser garantido por essa técnica já que os próprios direitos fundamentais possuem eficácia interna que é extraída do próprio sistema normativo.

Toda essa aplicação adicional é dividida doutrinariamente pela doutrina em: a) de garantia ou de prestação; b) de princípio de ou de dispositivo genérico. Essa divisão é meramente didática, mas não se limita a isso.

A decisão aditiva de garantia oportuniza aos destinatários um direto fundamental e de liberdade ou poder. Está associada ao viés de cunho negativo. Aqui é possível citar os exemplos dados nas decisões italianas, há um complemento do dispositivo. Há ainda uma classificação que separa a sentença aditiva de garantia da de prestação, esta última amplia prestações a um grupo excluído.

Já a decisão aditiva de princípio ou de dispositivo genérico são decisões que oportunizam ao magistrado ou juiz da causa o suprimento de diante de uma ampla gama de interpretações de dispositivo. Aqui o próprio exemplo de aborto de anencéfalo se categoriza como decisão aditiva de princípio. Há também um interessante caso ocorrido na Itália que demonstra a possibilidade de o juiz da causa escolher o sentido do dispositivo:

Exemplo da Corte Constitucional italiana: a Decisão 309, de 1999, analisou caso no qual a Administração Pública negou o reembolso de despesas médicas de pessoa que foi hospitalizada no exterior em caso urgente, pois não pertencia às duas categorias que, segundo a lei, tinham esse direito: os trabalhadores e os estudantes com bolsa de estudo.

A Corte considerou que há diferenças juridicamente relevantes entre quem se encontra no exterior para trabalhar ou estudar e quem viaja por variadas razões pessoais. Mas essa diferença não é suficiente para excluir o direito ao reembolso de despesas médicas do viajante independentemente da razão da internação e de sua situação financeira.

Por outro lado, a Corte considerou que invadiria as competências do legislador ao decidir quem teria direito ao reembolso. Assim sendo, declarou a inconstitucionalidade da omissão, considerando necessária a criação de outra norma e deixou subentendido que o juiz da causa poderia suprir a omissão do legislador no caso examinado (inconstitucionalidade “na medida que não…”).Dessa forma, a Corte enunciou o princípio da necessidade de criar nova norma, mas não a elaborou.12

Já as decisões aditivas de princípios, é verificada nos momentos em que há apenas um estabelecimento de diretrizes que necessitam ser observadas pelo legislador. O enfoque então é a atividade judiciária em si. Nesse sentido:

Merece registro, todavia, a categoria designada decisão aditiva de princípio. No caso das aditivas de princípio, em lugar de acrescentar diretamente conteúdo à norma, as Cortes estabelecem diretrizes e parâmetros a serem observados pelo legislador e/ou pelas demais instâncias judiciais, no julgamento dos casos concretos, a fim de que supram a omissão parcial declarada inconstitucional. As decisões aditivas de princípio produzem menor resistência no Legislativo e no Judiciário do que as aditivas em sentido estrito e têm, ainda, o aspecto positivo de promover um diálogo institucional entre Corte Constitucional, Legislativo e demais instâncias judiciais.13

O exemplo citado pela doutrina é também interessante. Depreende-se que a Corte delega ao juiz da causa, que está mais próximo do caso concreto, a escolha do sentido mais adequado.

Exemplo da Corte Constitucional italiana: a Decisão 309, de 1999, analisou caso no qual a Administração Pública negou o reembolso de despesas médicas de pessoa que foi hospitalizada no exterior em caso urgente, pois não pertencia às duas categorias que, segundo a lei, tinham esse direito: os trabalhadores e os estudantes com bolsa de estudo.

A Corte considerou que há diferenças juridicamente relevantes entre quem se encontra no exterior para trabalhar ou estudar e quem viaja por variadas razões pessoais. Mas essa diferença não é suficiente para excluir o direito ao reembolso de despesas médicas do viajante independentemente da razão da internação e de sua situação financeira.

Por outro lado, a Corte considerou que invadiria as competências do legislador ao decidir quem teria direito ao reembolso. Assim sendo, declarou a inconstitucionalidade da omissão, considerando necessária a criação de outra norma e deixou subentendido que o juiz da causa poderia suprir a omissão do legislador no caso examinado (inconstitucionalidade “na medida que não…”). Dessa forma, a Corte enunciou o princípio da necessidade de criar nova norma, mas não a elaborou. 14

Todas essas decisões encontram algumas considerações de críticas, dentre as quais é possível se citar o princípio da democracia e da separação de poderes. O primeiro estabelece que não é cabível ao Poder Judiciário que não foi eleito diretamente pela sociedade a atividade legislativa. Apenas os representantes do povo podem, em representação dele, democraticamente criar lei que atenda a toda a sociedade.

O segundo é o mais apontado, há separação de poderes que não é dado a um se imiscuir na atividade típica principiológica. Nesse caso, há uma usurpação de poder e uma violação do princípio da legalidade.

Todos esses argumentos são rechaçáveis. O primeiro, justamente, é apontado como só utilizável nos casos em que sejam a única solução para o caso concreto. Há uma omissão que precisa ser sanada, porém com base argumentativa. Deve ser última opção a utilização da técnica interpretativa. Já o segundo, denota-se que não há uma violação, pois a atividade da Corte Constitucional é apenas indicar a norma que está implícita em todo o sistema constitucional. Além disso, a própria Constituição prevê instrumentos que são utilizáveis no caso de omissão – a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injução.

Tudo que foi exposto é uma forma de preservação da Carta Magna, sem desprezar e deixar sem acesso aos direitos fundamentais determinados grupos que não são atendidos pelas normas infraconstitucionais. Preservando a Constituição, é indene todo o sistema constitucional a que o legislador busca atender pela criação de leis.

Sobre o autor
Josmar Luiz Silveira Longo

Servidor Público do Ministério Público da União. Formado em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Estácio de Sá. Mestrando em Função Social do Direito na Faculdade de São Paulo - FADISP UNIALFA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LONGO, Josmar Luiz Silveira. Técnicas decisórias no processo constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7667, 28 jun. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109513. Acesso em: 23 dez. 2024.

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