Os docentes e TAEs (técnico-administrativos em Educação) das universidades e institutos federais que estão em greve há quase 2 meses, em 2024, buscam recomposição do orçamento para a educação pública federal, a reestruturação das carreiras e um necessário reajuste salarial diante de anos de defasagem com aumento da inflação e queda no poder de compra.
As reivindicações são justas.
Por sua vez, o governo federal vem realizando mesas com propostas que, conforme apontam os sindicatos, como o SINASEFE, ignoram indicações do GT formado pelos próprios sindicatos, pelo MEC e pelo MGI para traçar essas mesmas propostas. Basta verificarmos o que o GT indicou para os TAEs (https://sinasefe.org.br/site/carreira-tae-confira-o-relatorio-final-do-gt-reestruturacao/ ) e o que o governo está propondo para esta mesma categoria (https://sinasefe.org.br/site/carreira-tae-nova-rodada-de-negociacao-nao-apresenta-avancos-significativos/), com um retumbante reajuste zero em 2024, por exemplo.
Há estudantes e seus responsáveis legais, no entanto, que veem com apreensão a greve, pois dizem querer aulas. Aulas a qualquer custo, mesmo diante de um grave desinvestimento na área educacional, que pode significar a perda de um prédio histórico, como o Campus Centro do Colégio Pedro II, de 1837, localizado no Rio de Janeiro (https://oglobo.globo.com/google/amp/rio/noticia/2024/05/02/reitora-do-pedro-ii-revela-medo-de-campus-centro-pegar-fogo-tragedia-anunciada.ghtml ) ou prédios da UFRJ (https://www.metropoles.com/brasil/sem-recursos-reitoria-diz-que-predio-da-ufrj-tem-risco-de-incendio ) na mesma cidade, que já sofreu o traumático incêndio de seu Museu Nacional há poucos anos.
Esses estudantes e responsáveis não deveriam sofrer tamanha apreensão, pois enquanto os docentes e TAEs estão lutando por seus direitos, na intenção de seguir, na condição de atividade do Estado, promovendo os direitos fundamentais na oferta de serviços públicos, de acordo com a perspectiva de um jurista administrativista como Marçal Justen Filho, assegurando o desenvolvimento nacional sustentável e concretizando as determinações da Constituição de 1988, eles estão educando em Direitos Humanos. Estão dando aula. E não poderia haver aula mais fulcral (e que pode ser dada, diferente das aulas curriculares, também pelos TAEs, que, aliás, são também EDUCADORES mesmo fora do contexto de greve, desde o momento em que chegam ao trabalho e passam o expediente aperfeiçoando a administração estatal, visando assegurar o protagonismo do cidadão: qual lição pode ser mais profunda do que a promoção efetiva da cidadania diariamente?).
Afinal, educam em Direitos Humanos os docentes e TAEs em greve porque o direito à greve é um dos mais importantes direitos humanos defendidos nessas circunstâncias, de uma deflagração de greve propriamente dita. Direito fundamentado em princípios como a liberdade de expressão, a liberdade de associação e os direitos trabalhistas reconhecidos internacionalmente, como aqueles estipulados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
No Brasil, o direito à greve é reconhecido como direito fundamental, garantido pela Constituição Federal de 1988 no artigo 9º, que estabelece que é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o direito de greve dos servidores públicos. Em 2007, o tribunal decidiu no Recurso Extraordinário (RE) n° 693456 que estes trabalhadores têm direito à greve, ainda que devam seguir as regras estabelecidas na Lei nº 7.783/89, que regula o exercício do direito de greve pelos trabalhadores em geral, incluindo a necessidade de negociação prévia, a manutenção de serviços essenciais e o desconto dos dias parados, que podem ser negociados com reposição.
E a doutrina do Direito do Trabalho - de que são referências autores como Maurício Godinho Delgado, Alice Monteiro de Barros e Amauri Mascaro Nascimento - sempre entendeu o direito de greve como um dos principais instrumentos de pressão e negociação coletiva entre empregadores e trabalhadores, reconhecendo o direito dos trabalhadores de se organizarem e de exercerem coletivamente sua força de trabalho para defender seus interesses, incluindo questões salariais, condições de trabalho e outros direitos laborais.
Enfim, uma greve é um momento em que estudantes e seus responsáveis legais podem ver, na prática, trabalhadores defendendo ao menos um (ou, melhor diria, vários) de seus direitos fundamentais, ou seja, de seus direitos humanos, aquele que diz respeito ao direito ao trabalho, à renda e à dignidade da pessoa humana do art. 1°, inciso III da Constituição de 1988.
Assim como há diversos outros direitos humanos a serem defendidos com muita luta, como o direito a uma educação de qualidade, com profissionais qualificados e bem remunerados, à saúde, à alimentação sadia, ao meio ambiente, à moradia, ao transporte público, à cultura, à previdência, à infância, à maternidade, à democracia, à ampla defesa, à própria vida, etc. Todos tutelados pela nossa Constituição de 1988 (vide os tantos incisos do art. 5°, o art. 6°, o art. 14, o art. 225. e vários outros dispositivos constitucionais que dispõem sobre esses direitos) e com respectivos e atuantes movimentos sociais em nossa sociedade lutando por sua efetivação.
Fazer valer nossos direitos é a maior lição portanto, que uma escola ou universidade pode ensinar a seus estudantes e à sociedade, da qual eles e suas famílias fazem parte. Uma sociedade que não reconhece isso está fadada a sofrer inúmeras violações aos Direitos Humanos, sempre naturalizando a barbárie, identificando a luta pelos Direitos Humanos, tal qual já vimos ocorrer por aqui (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44148576 ), como uma defesa de criminosos, como se as próprias pessoas que cometeram crimes não merecessem condições dignas de cumprimento de suas penas. Porém, os Direitos Humanos asseguram muito mais do que uma luta por um sistema prisional que não cometa violações contra seus detentos e que também é justa e fundamental.
A liberdade de ensino, a liberdade de crença e consciência, a liberdade de expressão, a possibilidade da produção científica sem constrangimento, as adequadas condições materiais de existência, a igualdade de gênero e a igualdade étnico-racial, a segurança, o lazer, etc, tudo isso diz respeito à efetivação dos Direitos Humanos. E são direitos dispostos na Constituição de 1988 e em normas infraconstitucionais, mas precisando de lutas para serem efetivados de fato e não constarem apenas como garantias formais de normas que não encontram sua realização.
E se a escola e a universidade, constituindo a educação, devem servir, constitucionalmente (art. 205), à formação para a cidadania e a qualificação para o trabalho (o que não exclui a excelência acadêmica que o seu rigor teórico deve exigir de discentes), nada mais importante do que escola e universidade (para além de aulas, em especial as aulas das disciplinas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas na escola, nas graduações e pós-graduações, como a Filosofia, a Sociologia e a Antropologia, que eventualmente tragam conteúdos que permitem discussão sobre tais temas) poderem se prestar ao papel de educar em Direitos Humanos com a intensidade e a força dos exemplos que poucos eventos, como as greves, podem nos oferecer.
A greve educa em Direitos Humanos e educar em Direitos Humanos é o papel mais importante que instituições educacionais podem desempenhar em uma democracia. Se a greve continua, a aula ainda não acabou. Que possa chegar ao fim com a conquista dos trabalhadores de suas reivindicações.