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Advocacia Criminal: Excelsa Profissão

Agenda 09/06/2024 às 11:49

Advocacia Criminal: Excelsa Profissão 1

Sumário. Entre as profissões humanas uma sobreleva, à conta de sua dignidade e excelência: a Advocacia; em particular, a Advocacia Criminal, reputada ofício nobilíssimo porque as pessoas que a exercem defendem um bem supremo: o direito de liberdade.

Meus amigos, boa noite!

1. Tão grande é a honra de poder falar-vos, que peço licença para fazê-lo em pé!

Estou sendo sincero ao dizer que me honra sobremodo dirigir-vos a palavra. É que nenhum auditório tenho por mais interessado, esclarecido e sedutor que este, composto pela nobre milícia dos Advogados, máxime dos Advogados Criminalistas.

Quando me convidou o vosso Diretor da Escola de Advocacia Criminal — Dr. Carlos Alberto Manfredini — para estar convosco nesta encantadora noite, sob o patrocínio espiritual da querida Acrimesp e da Caasp, confesso-vos que, desde logo, se me quebrantaram todas as resistências do ânimo. Como poderia dar de mão ao generoso convite para estar em vossa companhia; do Dr. Ademar Gomes, o mais laborioso e intrépido de quantos presidentes já teve a Acrimesp (e quem o diz tem voz no capítulo: foi um deles); enfim, como renunciar ao prazer de privar outra vez do convívio destes altos espíritos, destes vultos da primeira esfera do Direito Criminal?!

Agradeço-vos, portanto, a gentileza do convite para vir dizer o que me parecia a respeito do belo tema: Advocacia Criminal: Excelsa Profissão.

2. Primeiro que me tornasse juiz do Tribunal de Alçada Criminal, tive a glória de ser, como vós, advogado criminalista. Sinto-me, pois — e isto vo-lo digo sem fazer injúria à modéstia — sinto-me alguma coisa abalizado a discorrer dessa a que sempre chamei a ínclita profissão: a Advocacia Criminal.

O renomado jurista Evandro Lins e Silva (a quem a Acrimesp outorgara o galardão O Jurista do Século), perguntado como conciliava, nos refolhos de sua alma, a quietude das funções de ministro do Supremo Tribunal Federal com os áureos e venturosos tempos de sua Advocacia Criminal, respondeu, sentidamente, com elegante metáfora: “Amo minha segunda mulher, mas choro todas as noites a perda da primeira!”.2

Disto resulta uma fortíssima indução em prol dos que sustentam que a Advocacia Criminal sói imprimir na fronte daqueles que a professam um caráter verdadeiramente imortal, eterno como a dor da saudade!

3. Mas, donde vem essa, porque assim o diga, primazia que a voz pública atribui ao Advogado Criminalista?!

Fico a acreditar que é do próprio alvo sagrado a que atiram os seus esforços: a liberdade, bem supremo, sem o qual a mesma vida parece não merecia os cuidados que lhe reservamos. Não é muito, portanto, que entre aqueles armados paladinos do Direito se distingam e sobrelevem os criminalistas!

José Soares de Melo, professor de Direito Penal da Faculdade do Largo de São Francisco e presidente do Tribunal do Júri da Capital, legou para a posteridade, num de seus preciosos livros, este expressivo conceito: “Quando o advogado se alça para falar, na tribuna do júri, ninguém o iguala. É que está em jogo a liberdade e a vida de um homem”.3

Ser criminalista, em suma, é viver o ideal do grande Malesherbes, um dos três defensores de Luís XVI, da França. Herói e maartir da profissão, teve o mesmo fim que o seu real constituinte: “(…) pagou com a vida a honra de haver defendido seu rei”.4

Esta é a vera efígie do advogado criminalista!

4. Não viria fora de propósito a pergunta, que parece está a cair dos lábios desta plêiade de garbosos e inteligentes acadêmicos de Direito:

— Como tornar-se advogado criminalista?

A primeira condição — naturalmente depois de tocado da centelha divina da vocação, que o intime a percorrer a estrada real do Direito — é interessar-se o jovem pelas coisas que respeitam à Advocacia Criminal. O primeiro passo para gostar de uma pessoa ou coisa, sabemos que é conhecê-la… É mister, pois, que o futuro criminalista se informe acerca dos negócios da Justiça Criminal. Portanto é de rigor que:

I – Leia, com mão diurna e noturna, os autores clássicos da literatura jurídica penal, “verbi gratia”: Dos Delitos e das Penas, de César Beccaria; A Luta pelo Direito, de Rudolf von Ihering; Comentários ao Código Penal, de Nélson Hungria; As Misérias do Processo Penal, de Francesco Carnelutti, etc.

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II – Assista às sessões do Tribunal do Júri e ouça, com espiritual fervor, seus mais notáveis tribunos.

Ontem, um deles iluminou esta assembleia com o fulgor de sua eloquência! Esteve aqui o famoso Waldir Troncoso Peres.

Sem menoscabo da galeria dos grandes nomes que, entre nós, resplandecem na abóbada do Tribunal do Júri — como J.B. Viana de Moraes, Raimundo Pascoal Barbosa, Paulo José da Costa Jr., Paulo Sérgio Leite Fernandes, Márcio Thomaz Bastos, Tales Castelo Branco, Antônio Carlos de Carvalho Pinto, José Carlos Dias e infinitos outros —, nenhum, nas últimas três décadas, granjeou maior nomeada e admiração que Waldir Troncoso Peres, em quem concorrem todas as partes e predicados para ser exaltado com o epíteto de Príncipe da Oratória Forense.

É força, pois, ouvir sempre a esses ilustríssimos artistas da palavra!

Deles, é certo, alguns já desceram à região do silêncio. Sobreviveram-lhes, contudo, as magníficas produções de seus engenhos: As Defesas que Fiz no Júri (Dante Delmanto); Os Grandes Processos do Júri (Carlos de Araújo Lima): A Beca Surrada (Alfredo Tranjan); Reminiscências de um Rábula Criminalista (Evaristo de Morais); Arrazoados e Estudos de Direito (Franklin Dória, Barão de Loreto); Discursos de Defesa (Henrique Ferri), etc. Nesta bibliografia releva citar A Defesa Tem a Palavra, de Evandro Lins e Silva, mercê de Deus ainda vivo!

A conversação diuturna com os livros especializados e com os homens de reonhecido saber é o mais seguro e eficiente instrumento de progresso na vereda imensa da Advocacia Criminal.

5. Para desempenhar com louvor seu múnus, ao advogado cumpre acrescentar sempre os seus cabedais de espírito, adquirindo sólida cultura humanística e literária.

Ler os clássicos da Língua ser-lhe-á tarefa necessária e impostergável, demais de aprazível.

Dentre os portugueses do séc. XVII (idade de ouro da literatura), ler, ao menos, Antônio Vieira, Manuel Bernardes, Luís de Sousa e Manuel de Melo; no séc. XIX, Camilo Castelo Branco, Antônio Feliciano de Castilho, Alexandre Herculano, etc.

No Brasil, o imortal Rui Barbosa. Haverá outros: Machado de Assis, Euclides da Cunha, Coelho Neto, Carlos de Laet, Matias Aires; mas Rui basta porque, sobre ter sido “o primeiro talento verbal da raça”, no juízo escorreito de Sílvio Romero5, é o mais primoroso escritor brasileiro e o maior de nossos jurisconsultos.

6. A palavra é a arma do advogado. Assim, falando ou escrevendo, deve empregá-la com propriedade e correção; destarte, é de rigor ponha toda a diligência no evitar os solecismos, que são os erros crassos de gramática.

O advogado polido escreverá, portanto:

a) Faz 81 dias que o réu está preso (e não “fazem”);

b) Houve testemunhas presenciais do fato (e não “houveram”);

c) O policial interveio na contenda (e não “interviu”).

Exceto se inteiramente hóspede na primeira instrução gramatical, deverá o advogado pronunciar:

a) Gratuito (ú), intuito (ú), fortuito (ú), fluido (ú);

b) Frustrar, superstição, perscrutar, prostrar, estupro;

c) Ínterim, avaro, aziago.

Deverá, igualmente, atender aos preceitos da topologia pronominal, ou exata colocação do pronome do caso oblíquo na frase:

a) Faça-me favor e não (“me faça”);

b) Este é o processo a que me referia (e não “a que referia-me”);

c) Dir-lhe-ei ou eu lhe direi um segredo (e não “direi-lhe”).

Conheceis o episódio daquele arrojado mancebo que, pretendendo conquistar uma jovem — por sinal bela como um soneto parnasiano —, ensaiou a seguinte arenga:

Vejo diante de mim a dama de meus pensamentos, minha princesa encantada… Por fim, expectorou a interrogação: “Enganarei-me”?

E a divina moçoila, sem hesitar:

“Enganarou-se”!

Passa o mesmo com as expressões latinas.

Por sua majestade e concisão, é o Latim empregado amiúde nos arrazoados forenses. Trata-se de justo preito ao idioma em que se perpetuaram os monumentos de nossa profissão.

Foi na língua do Lácio que Ulpiano definiu Justiça: “Justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuere” (em vulgar: Justiça é a constante e perpétua disposição de dar a cada um o que lhe pertence); Celso, o Direito: “Jus est ars boni et aequi”. Direito é a ciência do bom e do justo.

Foi nesse idioma que Cícero — “(…), cume da oratória, ao qual entre todos os mortais foi reservada a palma da humana eloquência”6 — cunhou a definição de Advogado (também atribuída a Catão): “Vir bonus, dicendi peritus”. Homem de bem, perito na arte de dizer.

“Data venia” (sem acento) – Com a devida vênia; com todo o respeito.

“Stricto sensu” (em sentido estrito); “lato sensu” (em sentido amplo”.7

“De cujus” — Primeiras palavras da expressão tradicional “de cujus successione agitur”. Aquele de cuja sucessão se trata. É o autor da herança, o falecido. Se mulher, será também “de cujus”: a “de cujus”. É para evitar o que praticou aquele bisonho advogado, em petição de inventário: O de cujus deixou uma “de cuja” e dois “de cujinhos”.

7. A petição bem elaborada sempre recomenda o advogado que a subscreve; por isso, ao deduzir a pretensão do cliente, deve dar atenção também à forma literária. Não esquecer que a forma é que dá vida à coisa. Na voz latina: “Forma dat esse rei”.

Como a sentença, a petição inicial (a que os praxistas chamavam libelo) há de conter a estrutura de um discurso lógico, para fácil inteligência daquele que a haja de ler e apreciar: o juiz.

Ninguém teria orgulho de exibir petição do jaez daquela, na qual o juiz — por lhe não haver penetrado claramente a “causa petendi” (isto é: os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido)8 e tampouco alcançado o objeto do pedido, ou petitório9, verdadeira algaravia, escrita num estilo de apocalipse —, despachou: “Indefiro até onde entendi!”.

8. Eis outro ponto a que deveis atender: não sejam vossas petições demasiado longas.

A linguagem da verdade — cuja pesquisa é a alma e o escopo do processo — é simples e direta, sem salvas nem rodeios.

Saibamos, pois, resistir à tentação de dilatar além da marca os arrazoados forenses, transformando-os em sesquipedais cartapácios literários. Dizer só o necessário (que o muito é muito, como rezava um adágio português).

Aquele que necessitar de vinte laudas para dizer o que pudera fazer em quatro ou cinco, esse parece arguir séria desconfiança das verdades que está enunciando. Numa palavra: estará atenuando a energia de seus argumentos.

Conheceis o conselho do poeta latino Horácio: “Esto brevis et placebis”10 (o que, tirado em linguagem, quer dizer: Sê breve e agradarás).

As extensas petições, “os memoriais longos e compostos” — advertia o clássico Manuel Bernardes — “até a Deus desagradam”.11

9. Da trilogia, que o velho Ulpiano gravou em lâminas de ouro para os que viessem a abraçar a carreira do Direito, o primeiro mandamento foi “Vivere honeste” (viver honestamente).

Sim, porque a grande força do advogado é de ordem moral, pertence ao domínio da Ética. “Pode-se viver sem talento, mas não se vive sem honra”.12

Seja para vós, portanto, dos mais caros o princípio da lealdade processual, que impõe ao advogado o dever de atuar sempre como um varão virtuoso.

Dizei-me, distintos amigos, quem de vós não gostaria de merecer aquele sublime elogio do Ministro Laudo de Camargo, do Supremo Tribunal Federal: “O nome de certos advogados debaixo de uma petição é meia prova feita do que está pedindo”?!13

Muito obrigado!

Notas:


  1. Texto, com ligeiras modificações, de conferência na Acrimesp, em 29.6.2000.

  2. Arca de Guardados, 1995, p. 41.

  3. O Júri e a Limitação dos Debates, 1941, p. 17.

  4. Romeiro Neto, Fora do Júri, 1970, p. 98.

  5. História da Literatura Brasileira, 1949, t. V., p. 448.

  6. Heitor Pinto, Imagem da Vida Cristã, 1940, vol. I, pp. 31-32; Livraria Sá da Costa – Editora; Lisboa.

  7. “Para guardar essas grafias corretas, e não escrever, ou dizer, strictu senso e latu senso, há um meio mnemônico. Basta lembrar que, no alfabeto, a letra o vem antes da letra u (Eliasar Rosa, Os Erros mais Comuns nas Petições, 6a. ed., p. 197; Livraria Freitas Bastos S.A.; Rio de Janeiro).

  8. Cf. José Frederico Marques, Instituições de Direito Processual Civil, 4a. ed., vol. II, p. 35).

  9. Idem, ibidem, vol. III, p. 46.

  10. Arte Poética, v. 355.

  11. Nova Floresta, 1726, t. IV, p. 420.

  12. Alfredo Tranjan, A Beca Surrada, p. 307.

  13. Apud Eliézer Rosa, A Voz da Toga, 1a. ed., p. 24.

Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Informações sobre o texto

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