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Imóvel sem matrícula no RGI, sem IPTU, sem qualquer documento anterior. Mesmo assim será possível Usucapião Extrajudicial?

Agenda 12/06/2024 às 15:24

NÃO CONSEGUIMOS precisar o percentual exato porém, sem medo de arriscar, é possível afirmar que não serão raros os casos de USUCAPIÃO onde o imóvel objeto da regularização possa estar desprovido de MATRÍCULA individualizada no RGI assim como inscrição predial (IPTU). Isso por si só já revela a importância da Usucapião na regularização de imóveis na medida em que, comprovados os seus requisitos, com o êxito da demanda (judicial ou extrajudicial) se tornará possível ao interessado/posseiro retirar o imóvel da irregularidade, trazendo-o para a luz, para o fólio registral, para o cadastro da prefeitura EM SEU NOME. Quem não está familiarizado com esse tipo de procedimento (que envolve não só o Direito Imobiliário mas também o Direito Notarial e o Direito Registral) pode achar que o fato de o imóvel não ter nem matrícula nem IPTU pode representar um óbice ao procedimento, porém não é bem assim, como veremos.

A bem da verdade, a Usucapião por se tratar de evidente ferramenta para regularizar imóveis necessita, por óbvio, da individualização do bem a ser tratado. Nada mais imediato que se imaginar como necessária para essa finalidade como a CERTIDÃO DA MATRÍCULA DO IMÓVEL, porém a falta de origem registral não pode significar a impossibilidade da regularização do bem, sendo um claro ERRO a extinção do processo com base na ausência desse documento. Deve ficar claro que, no lugar da Certidão "positiva" atestando os dados do imóvel deverá ser juntada, nesse caso, a Certidão "negativa" atestando NADA CONSTAR sobre o imóvel no acervo imobiliário. Ademais, o imóvel pode (e deve) ser individualizado por outras formas, como por exemplo PLANTA e MEMORIAL que serão encartados no procedimento, seja ele judicial ou extrajudicial, exceto nas hipóteses em que sua dispensa é autorizada. Como já não temos no cenário atual toda a regulamentação específica que tínhamos antes no CPC/1973 quanto à Usucapião Judicial (art. 941), para ela servirão as regras do procedimento comum e - especificamente a Usucapião será tratada pelo art. 216-A da Lei de Registros Publicos referindo como USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL a regra - o que não afasta nem um pouco a via judicial como opção para regularizar imóveis via usucapião. Dessa forma, sobre a necessidade da Certidão de Matrícula esclarece o artigo 400 da atual regulamentação do procedimento (Provimento CNJ 149/2023):

"Art. 400. O requerimento de reconhecimento extrajudicial da usucapião atenderá, no que couber, aos requisitos da petição inicial, estabelecidos pelo art. 319 do Código de Processo Civil ( CPC), bem como indicará:

(..)

IV - o número da MATRÍCULA ou a transcrição da área em que se encontra inserido o imóvel usucapiendo ou a informação de que NÃO SE ENCONTRA MATRICULADO matriculado ou transcrito;"

Com muito acerto o ato normativo é claro ao informar da possibilidade de o imóvel não ter matrícula, como já fazia o revogado Provimento CNJ655/2017 que regulamentava até então a matéria. A abalizada doutrina exarada pelo Desembargador Aposentado do TJSP, hoje Advogado, Dr. BENEDITO SILVERIO RIBEIRO (Tratado de Usucapião. 2012), Especialista no assunto é categórica:

"Se o imóvel não se acha transcrito, a omissão NÃO PODE IMPEDIR A AÇÃO DE USUCAPIÃO. A citação pessoal daquele em cujo nome está transcrito o imóvel é obrigatória quando o imóvel está transcrito em nome de alguém. Não é a hipótese dos autos. A certidão negativa seria assim dispensável e suprida pela citação edital. A exigência feita pelo recorrente não tem apoio legal e não se poderia decretar a nulidade do processo quando não ocorreu infração da lei (TJSP, RT, 448:109-110)".

Com todo acerto o referido mestre explica que o objeto da Usucapião pode ser um imóvel transcrito em nome de alguém (com origem registral) ou um imóvel que não está transcrito em nome de ninguém (sem origem registral, portanto). Em quaisquer dos casos, não será óbice ao processo regularizatório o fato da Certidão Cartorária atestar que NADA CONSTA sobre o imóvel naquele acervo registral, lembrando oportunamente que no êxito da ação de Usucapião uma NOVA MATRÍCULA será criada "do zero", como também deixa claro o art. 417 da regulamentação:

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"Art. 417. O registro do reconhecimento extrajudicial da usucapião de imóvel implica ABERTURA de nova matrícula".

Da mesma forma, com muita frequência poderá ocorrer de o imóvel não possuir inscrição de IPTU, o que também não pode mesmo representar qualquer obstáculo ao procedimento, sendo certo que o interessado deve ter ciência que a Municipalidade poderá cobrar IPTU do possuidor retroativamente - observada a prescrição quinquenal - o que está em perfeita consonância com o art. 34 do CTN, senão vejamos:

"Art. 34. Contribuinte do impôsto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu POSSUIDOR a qualquer título".

POR FIM, é importante não perder de vista que, dada seu explícito caráter DECLARATÓRIO, o reconhecimento da propriedade em favor do usucapiente que advém do processo de Usucapião (judicial ou extrajudicial) não revela qualquer característica de "aquisição derivada" criando liame de transmissão entre o eventual titular anterior e o novo proprietário/usucapiente, mas na verdade nítida "aquisição originária", razão pela qual, com muito mais razão se vê a irrelevância do fato de o imóvel não ter matrícula ou mesmo inscrição predial. Nesse sentido o acerto da jurisprudência do TJRJ que ANULA sentença do juízo de piso que indeferia a petição inicial:

"TJRJ. 00000723819898190205. J. em: 10/10/2022. APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. ÁREA USUCAPIENDA DESPROVIDA DE REGISTRO IMOBILIÁRIO. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, COM FULCRO NO ART. 485, VI, DO CPC, POR FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO QUE CONSTITUI A VIA ADEQUADA AO ALCANCE DA PRETENSÃO. INTERESSE PROCESSUAL VERIFICADO. AUSÊNCIA DE MATRÍCULA INDIVIDUAL DO IMÓVEL QUE NÃO É SUFICIENTE A IMPEDIR, POR SI SÓ, O REGISTRO DA USUCAPIÃO RECONHECIDA EM JUÍZO. DIREITO DE PROPRIEDADE QUE NÃO SE CONFUNDE COM A CERTIFICAÇÃO DO DOMÍNIO QUE EMERGE DO REGISTRO NO RGI. ANULAÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARA DESCONSTITUIR A SENTENÇA TERMINATIVA E DETERMINAR O REGULAR PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA, COM A REABERTURA DA FASE INSTRUTÓRIA".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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