INTRODUÇÃO
O Direito Penal brasileiro encaminha-se aceleradamente a um movimento de alteração substancial da aplicação da pena privativa de liberdade, tendente ao abrandamento por meio de processos alternativos e modelos prisionais suficientes à repressão, calcado na constatação de que o delinqüente não se reabilita com a severidade que lhe é imposta, antes, torna-se absolutamente corrompido, desviando-se em definitivo dos fins e utilidades da sanção a que está sendo submetido.
Contudo, cometido o ilícito, o exercício da acusação concretiza-se na ação penal, que tem por escopo a aplicação da pena, por si só aflitiva, como meio retributivo pelo mal provocado à sociedade como um todo, ou a seus cidadãos. A paga, no entanto, não deve ser objeto de escárnio; deve, sim, objetivar a prevenção e a recuperação, para que se materialize a ressocialização.
O regime de cumprimento da pena tornada obrigatória ao condenado, levando-se em conta a complexidade de nossa legislação, sofre profundas influências oriundas do poder discricionário dos juízes na apreciação dos dispositivos legais atinentes à espécie sob julgamento. Neste sentido não há uma unicidade de entendimento, capaz de solidificar a justiça de acordo com a verdade e os valores inerentes à humanização.
Para que se possa verificar a posição da doutrina e da jurisprudência no que diz respeito ao regime inicial de cumprimento da pena reclusiva ao reincidente, necessário que se faça a explanação de temas que circundam e que se relacionam diretamente com a proposição deste trabalho.
Com esse objetivo, premente a apresentação da visão histórica da pena, seus fins, utilidade e características, bem como do conceito de crime e seus principais elementos.
O Direito Penal e as etapas que o marcaram, desde a vingança privada aos períodos humanitário e criminológico ou científico, também será tratado em capítulo especial de maneira a dar uma idéia de sua transformação no tempo.
Concebida esta passagem histórica, torna-se imperioso expor as principais escolas penais, oriundas de idéias e teorias políticas, filosóficas e jurídicas sobre os problemas relacionados com o fenômeno do crime e, em particular, sobre os fundamentos e objetos do sistema penal.
Desde a Antigüidade à Idade Moderna as instituições penais foram merecedoras de especial atenção. Para compreender a chaga que ainda se esvazia, importante trazer à baila a história das prisões e os sistemas carcerários, a partir dos tempos de maior crueldade aos de abrandamento.
No início da colonização do Brasil vigoravam em Portugal as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, mas aqui somente esta última teve efetiva aplicação. As transformações relevantes do Direito Penal brasileiro serão explanadas em capítulo que trata do período após a independência.
O nosso sistema punitivo, abarcado no Capítulo VI, contém estudos dirigidos ao direito de punir, ao Direito Penal mínimo, à aplicação da lei penal , à lei penal no tempo e às espécies de pena, temas reunidos num mesmo conjunto pela significação e também porque será a guia orientadora do entendimento do complexo conjunto de elementos formadores da sistemática penal vigente.
Todas as questões até aqui propostas são de suma importância para a compreensão do derradeiro capítulo, no qual será analisado o tema principal desta monografia.
Trata-se de uma pesquisa exploratória, cuja finalidade não é outra senão estudar, esclarecer, discorrer e transcrever conceitos e idéias de diversos autores que se dedicaram ao tema. Para tanto, recorre-se, por vezes, à citação direta, com o intuito de realçar as posições da doutrina e da jurisprudência.
Neste contexto, imperativo o estudo minucioso dos artigos 33, 59 e 63 do Código Penal circunstâncias judiciais, regimes prisionais e reincidência, respectivamente , porque tratam de todos os cuidados a que se deve ater o juiz na aplicação da pena e, conseqüentemente, na fixação do regime inicial de seu cumprimento.
Para fins de delimitação, a análise do tema principal será restringida aos crimes dos artigos 129, § 1º, I a IV; 155 e 155, § 4º, I a IV, quais sejam, lesão corporal de natureza grave, furto e furto qualificado, devidamente.
CAPÍTULO I Visão global da história da pena e o crime
1.1 Fins e
utilidade da pena;
1.2 Características da
pena;
1.3 O crime;
1.3.1 A conduta e suas
teorias.
[...] Carrara: Três fatos constituem a essência de nossa ciência: o homem, que viola a lei; a lei, que exige que seja castigado esse homem; o juiz, que comprova a violação e dá o castigo. Crime, pena e juízo.
Antônio José Miguel Feu Rosa.
O homem e a história do crime datam de uma mesma época e, apesar dos milênios que se foram, desde os primeiros registros, das primeiras civilizações organizadas ao longo dos rios Tigre e Eufrates, na antiga Mesopotâmia, quando foi descoberta a fundição e a utilização dos metais, o uso das primeiras técnicas agrícolas, do solo e de organização das cidades, gênese da civilização caldéia que formulou a primeira lei penal, a de Talião, e a primeira codificação legal com o Código de Hamurabi, passando pelo Código de Manu, na antiga Índia, o Decálogo hebraico, a Lei das XII Tábuas, na velha Roma, essas legislações e codificações expressaram a preocupação de seus povos com a questão criminal, ao estabelecerem com menor ou maior precisão os tipos penais.
A convivência com o ilícito penal e a declaração da culpa do agente foram sempre resolvidas de maneira satisfatória, sob o ponto de vista punitivo. A solução ainda rebuscada, ao longo dos séculos da história da civilização humana, diz respeito ao que fazer com o criminoso após a declaração formal de sua culpa.
Até mesmo a Bíblia, nos seus conjuntos mitológicos, ao apresentar o primeiro homicídio do gênero humano, o de Abel, e o primeiro homicida, Caim, entregou o encargo do conhecimento do fato criminoso, o julgamento do agente, a aplicação da pena e a sua execução a Deus, que sumariamente promoveu um julgamento, precedido de breve interrogatório do acusado, aplicando-lhe a pena de banimento do convívio da única família existente: a sua.
As codificações antigas, imponentes à solução dos problemas, instituíram, primeiramente, as retaliações: o criminoso sofria o mesmo suplício infligido a sua vítima. Mas, em seguida, a pena capital era aplicada a quase todos os delitos. Essa situação drástica evoluiu com a inclusão dos castigos corporais, o confisco do patrimônio do criminoso e a perda da sua cidadania, reduzindo-o, definitiva ou temporariamente, à condição de escravo, ao abandono em ilhas desabitadas ou em alto-mar em pequenas embarcações e sem alimentos ou água.
Imperavam as forças da punição penal, impostas sem piedade e com crueldade requintada os condenados eram trancafiados em ergástulos, enxovias, masmorras, vestíbulos dos pelourinhos e em depósitos de câmaras de suplício, e morriam atenazados, fustigados, esquartejados, enforcados e queimados, num espetáculo cujo ritual macabro realizava-se em espetáculos.
1.1 Fins e utilidade da pena
Genericamente, a pena tem por fim prevenir o homem quanto à prática da infração penal. Entretanto, no decorrer da história, várias teorias foram-se formando, dentre as quais destacam-se: a) Teorias absolutas ou retributivas: o fim da pena era a retribuição, o castigo, a expiação, isto é, o pagamento pelo mal praticado. O crime era infração a preceitos divinos e o homem, detentor do livre arbítrio, podia fazer o bem ou o mal. Este último retribuía-se com ele próprio, para possibilitar a purificação do pecador. A sanção nada mais era do que a conseqüência do delito e tinha por objetivo o restabelecimento da ordem pública alterada, não havendo preocupação, em momento algum, com a pessoa do condenado; b) Teorias relativas de prevenção ou finalistas: davam à pena um fim exclusivamente prático e útil, e em especial o de prevenção. Por isso classificavam-se em dois grupos: as teorias preventivas e as reparadoras. Com as teorias relativas a pena começou a ser vista como uma oportunidade de ressocialização e não mais como somente um castigo.
Cesaria Beccaria(1), clássico e adepto da Teoria Relativa, entendia que a finalidade da pena não consistia em atormentar e afligir um ser sensível, nem tampouco desfazer um delito já cometido, mas em impedir que o réu causasse novos danos aos seus concidadãos, dissuadindo outros de fazer o mesmo. Para tanto, seria necessário que se aplicassem penas capazes de causar uma impressão mais eficaz e duradoura no espírito dos homens. Por outro lado, afirmava que quanto mais rápida fosse a aplicação da pena mais útil e justa ela seria. Mas dizia que seria preferível prevenir a precisar punir os delitos, e isso por meio da educação.
Precursor da defesa e do respeito aos direitos humanos, Beccaria(2) conclui o seu livro com estas palavras, condizentes com a atualidade:
De quanto se viu até agora pode tirar-se um teorema geral e muito útil, mas pouco conforme ao uso, esse legislador ordinário das nações, a saber: para que cada pena não seja uma violência de um ou de muitos contra um cidadão privado, deve ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima possível nas circunstâncias dadas, proporcional aos delitos e ditada pelas leis.
É de suma importância para a utilidade da pena sua proximidade do delito, porque quanto mais curto o tempo decorrente entre este e aquela mais estreita e durável será a associação dessas duas idéias (delito e pena) no espírito humano, considerando-se dessa forma um como sendo a causa e o outro como sendo o efeito necessário e indefectível.
O contraste que deve existir entre o impulso ao delito e a repercussão da pena faz com que o espírito se afaste e se conduza a um fim oposto àquele para o qual procura encaminhá-lo a idéia sedutora da infração da norma.
A utilidade da pena dá-se pelo fato de que, a partir de sua imposição, o indivíduo desista de praticar determinado delito. Porém, a melhor maneira de evitar que delitos sejam praticados, como já dizia Beccaria, é a prevenção e não a punição.
As leis humanas não têm o poder de impedir as perturbações e a desordem. Mas não será proibindo uma grande quantidade de ações diferentes que se prevenirão os delitos. A probabilidade de ocorrência é diretamente proporcional ao número de motivos, e ampliar a esfera dos delitos é aumentar a probabilidade de que sejam cometidos. Para preveni-los de fato é preciso que as leis sejam claras, simples, e que toda a força da natureza concentre-se em defendê-las. Elas devem fazer com que os homens as temam.
Hodiernamente, a pena representa uma sanção aflitiva (constrangimento) imposta pelo Estado mediante uma sanção penal ao autor de uma infração penal como retribuição de seu ato ilícito consistente na diminuição de um bem jurídico, cujo fim é evitar novos delitos.
Celso Delmanto(3), ao analisar a pena e suas espécies, traz o seguinte conceito:
Pena é a imposição da perda ou diminuição de um bem jurídico, prevista em lei e aplicada, pelo órgão judiciário, a quem praticou ilícito penal. Ela tem a finalidade retributiva e preventiva. Retributiva, pois impõe um mal (privação de bem jurídico) ao violador da norma penal. E preventiva, porque visa a evitar a prática de crimes, seja intimidando a todos, em geral, com o exemplo de sua aplicação, seja, em especial, privando da liberdade o autor do crime e obstando que ele volte a delinqüir.
Pode-se dizer, como bem acentuou Maurício Kuehne(4), que a pena tem como fins a preservação de bens jurídicos, a defesa social, a ressocialização do condenado, a regeneração do preso, a reincorporação ou reinserção social, a punição retributiva do mal causado e a prevenção da prática de novas infrações.
Transcreve-se o seguinte excerto do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul,(5) que prescreveu:
Nunca é demais lembrar que o fim último da pena não é o de eternizar e muito menos infernizar a situação do apenado; para reintegrá-lo ou reinseri-lo ao meio social torna-se fundamental dinamizar o tratamento prisional estimulando o homem apenado e preparando-o necessariamente para o retorno. A esperança de momentos mais fáceis e menos rigorosos, de liberdade ainda distante, é inerente ao complexo tema da recuperação do condenado.
1.2 Características da pena
A sociedade organizada, inspirada pela idéia do coletivo, que compreende todos os indivíduos, sem exceção de qualquer gênero ou espécie, estruturou-se no sentido de editar regras disciplinadoras de sua vida, visando ao fortalecimento do convívio. O legislador, no desempenho de suas funções, sempre se preocupou em fixar limites às condutas individuais, com direcionamento à proteção societária.
O direito, pois, surge inspirado pelo ideal de preservação dos valores humanos e, via de conseqüência, destina-se a disciplinar uma vida comunitária harmônica, orientada pela finalidade do bem comum, sendo o homem o principal personagem da cena social.
Entretanto, violado o pacto comum de convivência, quebrada a harmonia da vida societária, seus valores essenciais, não se pode abstrair a atuação das normas legais pertinentes, que devem incidir diretamente na pessoa do infrator. Sempre que o Estado interferir na vida social, buscando o disciplinamento, deverá fazê-lo de molde a preservar, com a lei, a conformidade desta com seu verdadeiro finalismo, isto é, não poderá ser nem insuficiente nem excessivo em sua tarefa punitiva, concretamente.
Como bem assinalou Paulo Roney Ávila Fagúndez(6), O Estado necessário deverá se manter enquanto instrumento imprescindível para a defesa dos interesses coletivos e para a criação de leis justas. E, ao agir em prol do interesse coletivo, é dever do Estado, por intermédio de sua função jurisdicional, aplicar a pena em face da violação do bem juridicamente consolidado, mas ela deve ser, sempre, proporcional à infração cometida e nos limites da culpabilidade, a fim de que seja justa e não encontre, o castigo, arbitrariedade.
Antônio José Miguel Feu Rosa(7), ao decompor as características essenciais da pena, consolida o entendimento de que ela deve ser proporcional ao crime, pessoal, legal, igual para todos e o máximo possível correcional. Assim discorre sobre cada uma delas:
1) A pena deve ser proporcional ao crime Acabaram-se aquelas crueldades inomináveis e absurdas de condenações à morte por delitos insignificantes; a falta de critério que existia para estabelecer qualquer tipo ou espécie de castigo, bem como o tempo de duração da pena.
2) Deve ser pessoal A individualização da pena representou o mais importante avanço em sua concepção científica. Ao fixar a pena o juiz deverá examinar as condições pessoais de cada criminoso: [...] Não pode passar da pessoa do criminoso [...].
3) Deve ser legal Só tem valor a pena quando decorrente de uma sentença proferida por juiz competente, através de processo regular, obedecidas as formalidades legais. Todas as penas têm que estar expressamente prescritas em lei, não pode haver pena por analogia, a critério do julgador.
4) Deve ser igual para todos [...] os condenados devem receber o mesmo tratamento, sujeitando-se aos mesmos regulamentos e à mesma disciplina carcerária [...].
5) Deve ser, o máximo possível, correcional [...] Cumpre ao Estado exercer todos os esforços para tentar corrigir o criminoso, criando-lhe novos hábitos e vocação para o trabalho.
Desse contexto depreendem-se duas funções importantes do Estado: uma, pelo poder legiferante, pois dele é que emanam as normas jurídicas disciplinadoras dos conflitos sociais; outra, pela prestação jurisdicional, por seus agentes, ao apreciarem os casos concretos.
1.3 O crime
Um fato merecedor de reparação, no direito romano, denominava-se nox ou noxia, que significava dano, ou seja, indicava o resultado o comportamento causador da reparação. Várias outras expressões, no entanto, são encontradas como indicadoras de fato digno de ressarcimento pela transgressão à norma jurídica, como, por exemplo: crimen, delictum, facimus, flagitium, fraus, malefitium, peccatum ou probum. As duas primeiras são as mais utilizadas.
O crime ou delito, definidos como a contrariedade aos preceitos da lei penal, em nossa legislação são conceitos sinônimos.
Decorre então que o crime ou delito pode ser definido, mais precisamente, como sendo a transgressão às normas sociais, da moral, das regras de conveniência cristalizadas no ambiente cultural, merecendo réplica específica, qual seja, a pena.
Como violação da norma moral, caracteriza-se pela contrariedade à moralidade (ou no mínimo à ética), de um povo, portanto, oposto ao direito.
O conceito de crime relaciona-se diretamente ao conceito jurídico, predominantemente, pois a maioria dos tratadistas não concebe o fenômeno fora do direito, porque, segundo entendem, é resultante do desrespeito à preceituação normativa. Fora dessa concepção, o crime implica apenas violações que devem ser colocadas em outros ramos, cujas sanções têm outros fins e fundamentos.
Formalisticamente, o crime é a contrariedade à lei penal, cuja conseqüência é a pena. Mas isso não chega a inteirar o seu amplo significado, fazendo-se necessário completá-lo com maior abrangência.
Para esse desiderato, levando-se em conta que se trata de lesão ou de perigo de lesão suscetível de ser imputada, de um bem jurídico ou de interesses protegidos pelo direito, deve-se conceituá-lo não só juridica, mas também sociologicamente.
Os positivistas criminológicos, contrapondo-se à concepção de crime estritamente relacionado ao conceito jurídico, entendem-no como um fenômeno natural, qual seja, ofensa aos sentimentos altruísticos fundamentais de piedade e de probidade que existem em determinado grupo.
Já os dogmáticos vêem o crime como sendo uma criação da lei, e como tal deve ser estudado. Para eles, o crime contém vários elementos e conseqüências. É ação, negativa ou positiva, por ser um comportamento causal de um resultado (tipicidade), e, sendo um fato típico, advém a valoração, isto é, a sua qualificação jurídica: antijuridicidade. A punibilidade é conseqüência desta e a culpabilidade indica um pressuposto necessário: a imputabilidade. Ser formalmente antijurídico significa ser contrário à lei penal e ser substancialmente antijurídico quer significar que, além da contrariedade formal, requer-se a existência de uma efetiva lesão, ou perigo de lesão, de um bem protegido juridicamente. Assim, tem-se como elementos fundamentais do crime: fato típico, culpabilidade e antijuridicidade.
1.3.1 A conduta e suas teorias
A conduta é a ação ou omissão humana dirigida a determinada finalidade. Tem como principais características: o sujeito ativo do delito só pode ser uma pessoa física, pois a pessoa jurídica não é capaz de delinqüir; só as condutas corporais externas constituem ações; só tem importância para o Direito Penal quando voluntária; o comportamento consiste num movimento ou abstenção do movimento corporal.
Os elementos da conduta são, portanto, um ato de vontade dirigido a uma finalidade, e uma atuação positiva ou negativa dessa vontade no mundo exterior.
A vontade abrange o objetivo pretendido pelo sujeito, os meios usados na execução e as conseqüências secundárias da prática. A conduta é a manifestação de vontade, ou seja, a atuação. É o movimento ou abstenção do movimento corpóreo.
O resultado não se insere no conceito de conduta, pois é conseqüência dela. A conduta é a simples manifestação da vontade; o resultado corresponde à alteração do mundo exterior causada por ela. A conduta não se confunde com o ato, que é um momento daquela. Se um indivíduo fere outro com vários golpes de faca, há vários atos, mas apenas uma conduta.
Nullum crimen sine conducta não há crime sem ação. É sobre o conceito de ação, ou conduta (a ação tem sentido amplo, que é o fazer, e a omissão, que é o não fazer), que se estabelece a divergência entre os penalistas. Conforme o sentido que se dê à palavra ação modifica-se o conceito estrutural do crime. As teorias mais divulgadas são a causalista, a finalista e a social da ação.
A Teoria Causalista (naturalista, tradicional, clássica, causal-naturalista) tem a conduta como um comportamento humano voluntário no mundo exterior, que consiste em fazer ou não fazer. Considera-a como um processo mecânico, muscular e voluntário, em que se prescinde do fim a que essa vontade se dirige. Basta que se tenha a certeza de que o agente atuou voluntariamente para se afirmar que praticou a ação típica, sendo irrelevante o que realmente queria. Os causalistas entendem que para se concluir pela existência de uma ação típica deve-se apreciar o comportamento sem qualquer indagação a respeito da sua ilicitude ou da sua culpabilidade. Consideram que a ação é a manifestação da vontade sem conteúdo finalístico (fim da conduta), que deve ser apreciado na culpabilidade, como elemento dela. Unem-se esta teoria: Aníbal Bruno, Basileu Garcia, Costa e Silva, Frederico Marques, João Bernardino Gonzaga, Magalhães Noronha, Nelson Hungria e Salgado Martins.
Para a segunda teoria, a Finalista, ou da ação finalista, como todo comportamento do homem tem um fim, a conduta é uma atividade derradeira humana e não um comportamento causal. Como ela é um fazer ou um não fazer voluntário, implica obrigatoriamente numa finalidade. A conduta, portanto, efetiva-se pela manifestação da vontade dirigida a um fim. O conteúdo da vontade está na ação e integra a própria conduta e assim deve ser apreciada.
Quando se trata de crime doloso, o fim da conduta é a intenção de concretizar o fato ilícito. Quando for culposo, a finalidade da conduta não está dirigida ao resultado lesivo, mas o agente é autor de fato típico por não ter empregado em seu comportamento os cuidados necessários para evitar que o evento ocorresse. Aderem a esta teoria: Damásio E. de Jesus, Francisco de Assis Toledo, Heleno Cláudio Fragoso, José Henrique Pierangelli, Juarez Tavares e Manoel Pedro Pimentel.
A Teoria Social da ação ou da ação socialmente adequada, da adequação social ou normativa emergiu para ser um elo entre as teorias causalista e finalista. Para essa teoria a relevância social da ação é o critério conceitual comum a todas as formas de comportamento. Como o Direito Penal só comina pena a condutas socialmente danosas, e como socialmente relevante é toda conduta que afeta a relação do indivíduo com o seu meio, sem relevância social não há relevância jurídico-penal. Só haverá fato típico segundo a relevância social da ação. Juntam-se a esta teoria: Everaldo da Cunha Luna, Miguel Reale Júnior, Nilo Batista e Paulo da Costa Júnior.