Resumo: Este paper examina a questão premente da descriminalização do uso da maconha, explorando suas implicações legais, sociais e de saúde. Inicialmente, contextualiza-se historicamente a criminalização da substância, evidenciando disparidades sociais e ponderando as mudanças de perspectiva ao longo do tempo. Ao analisar abordagens jurídicas variadas adotadas em diferentes jurisdições, destaca-se a experiência internacional, focalizando modelos regulatórios alternativos que buscam equilibrar a segurança pública e a saúde coletiva. Argumentos a favor e contra a descriminalização são meticulosamente avaliados, considerando-se as consequências para a liberdade individual, a saúde pública e a justiça criminal. A pesquisa também investiga aspectos de saúde, enfocando benefícios medicinais potenciais da maconha e os riscos associados ao seu uso. Além disso, examina-se o impacto econômico, sopesando os custos sociais da criminalização em relação às possíveis vantagens de uma abordagem regulatória, incluindo a geração de receitas fiscais. Concluindo, este trabalho oferece uma análise abrangente e embasada, fornecendo subsídios para uma decisão fundamentada sobre a descriminalização do uso da maconha, enfatizando a necessidade de considerar não apenas as implicações legais, mas também os aspectos sociais, de saúde e econômicos dessa complexa problemática.
Palavras-chave: Descriminalização; Maconha; Legalização; Saúde pública.
1. INTRODUÇÃO
A descriminalização do uso da maconha é um tópico amplamente debatido em todo o mundo, suscitando uma série de questões multidisciplinares que abrangem o domínio legal, social, econômico e de saúde pública. Este paper inicia uma pesquisa bibliográfica que busca abordar os complexos aspectos da descriminalização da maconha, reunindo e analisando evidências de fontes acadêmicas e literatura especializada. A discussão envolve uma análise crítica dos argumentos a favor e contra a descriminalização, destacando as implicações na saúde pública, no sistema de justiça, na economia e nas liberdades individuais. O objetivo é fornecer uma compreensão abrangente dos principais temas que cercam a descriminalização do uso da maconha, a fim de contribuir para um debate informado e embasar futuras decisões políticas.
2. HISTÓRIA DAS POLÍTICAS DE DROGAS
O uso de drogas é uma prática humana que remonta à pré-história. No entanto, as políticas de drogas, que regulam o uso e a distribuição de substâncias psicoativas, são um fenômeno relativamente recente. As primeiras políticas de drogas surgiram no século XIX, em resposta ao aumento do consumo de ópio na China. Essas políticas eram baseadas na ideia de que as drogas eram perigosas e que seu uso deveria ser proibido para proteger a sociedade.
No início do século XX, as políticas de drogas se espalharam para outros países, incluindo os Estados Unidos. Em 1912, a Liga das Nações aprovou a Convenção Internacional sobre o Ópio, que proibia a produção, importação, exportação e uso de ópio, cocaína e morfina. A maconha não estava incluída nessa convenção, mas foi adicionada em 1925. A proibição da maconha foi baseada em uma série de argumentos, incluindo a ideia de que a planta era perigosa, que seu uso levava à violência e que ela era usada principalmente por minorias étnicas.
Nos Estados Unidos, a proibição da maconha foi fortemente promovida pelo Federal Bureau of Narcotics (FBN), que era chefiado por Harry Anslinger. Anslinger era um homem racista e moralista que acreditava que a maconha era uma "droga assassina" que levava à violência e à criminalidade. A proibição da maconha foi um sucesso em termos de criminalização do uso da planta. No entanto, ela não foi eficaz em reduzir o consumo de maconha, que continuou a crescer nas décadas seguintes. Nas últimas décadas, o apoio à proibição da maconha tem diminuído. Isso se deve, em parte, ao crescente corpo de evidências científicas que demonstram que a planta não é tão perigosa quanto se pensava anteriormente. Além disso, a proibição da maconha tem sido criticada por seus impactos negativos, incluindo o encarceramento em massa de pessoas negras e latinas, o aumento do crime organizado e a perda de receitas tributárias.
Atualmente, a maconha é legalizada para uso recreativo em 19 estados dos Estados Unidos e para uso medicinal em 36 estados. A planta também é legalizada para uso recreativo em Canadá, Uruguai, Holanda e em alguns países da América do Sul e da África.
2.1. Um breve histórico das políticas de drogas e a proibição da maconha
As políticas de drogas têm uma longa e complexa história, que varia de acordo com as culturas e os contextos regionais. A proibição da maconha é um elemento significativo dessa história. No início do século XX, o uso recreativo da maconha era amplamente tolerado em muitos países, incluindo os Estados Unidos. No entanto, várias mudanças sociais e políticas levaram à sua proibição.
Influência da Convenção do Ópio de Haia (1912): A primeira convenção internacional de controle de drogas, a Convenção do Ópio de Haia, incentivou os países a restringir a maconha e outras substâncias. Os Estados Unidos, por exemplo, adotaram a Lei do Imposto sobre a Maconha em 1937, que efetivamente tornou a maconha ilegal.
Racismo e Xenofobia: A proibição da maconha nos EUA também foi influenciada por fatores sociais, incluindo racismo e xenofobia. A maconha era associada a imigrantes mexicanos e negros, levando a uma retórica prejudicial que contribuiu para sua proibição.
Criminalização Global: A proibição da maconha se espalhou para muitos países ao longo do século XX, impulsionada pela adoção de tratados internacionais, como a Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961, que classificou a maconha como uma substância controlada.
2.2. Mudanças ao longo do tempo em relação à maconha em diferentes países
As políticas relacionadas à maconha têm variado substancialmente entre os países e ao longo do tempo. Alguns países mantiveram políticas de proibição rígida, enquanto outros optaram por abordagens mais flexíveis.
As políticas públicas podem ser definidas como a combinação de decisões básicas, comprometimento e ações que sustentam ou influenciam as posições de autoridade do governo de forma interativa, considerando os diferentes grupos de interesse: os que demandam mudanças, os que tomam as decisões e os que são afetados pela política em questão.( DIEHL,p.205)
Aqui estão alguns exemplos notáveis:
Holanda: Os Países Baixos, famosos por sua abordagem de "tolerância" em relação à maconha, permitem a venda e o consumo da droga em cafés específicos sob regulamentação. No entanto, a produção e distribuição em grande escala permanecem ilegais.
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Portugal: Em 2001, Portugal despenalizou a posse e o uso de todas as drogas, incluindo a maconha. Em vez de prisão, os infratores enfrentam medidas administrativas e programas de redução de danos.
Estados Unidos: Enquanto a maconha continua sendo ilegal federalmente nos EUA, muitos estados adotaram leis que permitem o uso medicinal e, em alguns casos, o uso recreativo. Isso criou um mosaico de políticas em todo o país.
Uruguai: Em 2013, o Uruguai se tornou o primeiro país a legalizar a maconha em todo o país, desde o cultivo até a venda em farmácias. Essa abordagem visa reduzir o mercado ilegal e controlar a qualidade do produto.
Esses exemplos refletem a diversidade de políticas em relação à maconha em todo o mundo. A evolução das políticas de maconha é um reflexo da mudança de percepções, pressões sociais, econômicas e de saúde pública. Essa história complexa demonstra a importância de considerar diferentes abordagens ao debater a descriminalização e a regulamentação da maconha.
3. ARGUMENTOS A FAVOR DA DESCRIMINALIZAÇÃO
Redução do encarceramento não violento: A descriminalização do uso da maconha é frequentemente apoiada com base na ideia de que a prisão por posse ou uso de maconha resulta em um número significativo de indivíduos não violentos sendo encarcerados. A prisão por crimes relacionados à maconha pode ter efeitos devastadores nas vidas das pessoas e sobrecarregar o sistema de justiça criminal. Ao descriminalizar, essas prisões podem ser evitadas, aliviando a pressão sobre o sistema carcerário.
Enfraquecimento do crime organizado: A proibição da maconha frequentemente contribui para o fortalecimento do mercado ilegal controlado por organizações criminosas. Ao descriminalizar e regular o uso da maconha, o Estado pode minar o poder do crime organizado, reduzindo seu acesso a lucrativos mercados de drogas ilícitas. Isso pode aumentar a segurança pública, diminuindo a influência do crime organizado.
Receita fiscal e impacto econômico: A regulamentação da maconha pode gerar receita fiscal substancial para o governo. Impostos sobre a maconha legalizada podem ser usados para financiar programas de prevenção ao uso de drogas, educação e outros serviços públicos. Além disso, a indústria da maconha legalizada pode criar empregos e estimular o crescimento econômico.
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Abordagem à saúde pública: A descriminalização e regulamentação da maconha podem permitir a implementação de medidas de saúde pública mais eficazes. Isso inclui a regulamentação da qualidade e potência da maconha, o fornecimento de informações de segurança ao consumidor e o direcionamento de recursos para programas de prevenção, tratamento e redução de danos. A abordagem de saúde pública pode ser mais eficaz do que uma abordagem de aplicação estrita da lei.
Potencial para uso medicinal: Muitos defensores da descriminalização destacam o potencial terapêutico da maconha. A pesquisa médica sugere que a maconha pode ser eficaz no tratamento de várias condições médicas, como dor crônica, epilepsia, náuseas e vômitos associados à quimioterapia, entre outras. A descriminalização pode facilitar o acesso a pacientes que se beneficiam do uso medicinal da maconha.
Liberdades individuais: Alguns defensores da descriminalização enfatizam a importância das liberdades individuais. Argumentam que os adultos têm o direito de tomar decisões sobre seu próprio corpo, desde que essas decisões não prejudiquem outras pessoas. A proibição da maconha é vista por alguns como uma interferência indevida na liberdade de escolha individual.
Esses argumentos a favor da descriminalização da maconha são frequentemente usados para sustentar a ideia de que a regulamentação responsável da maconha pode ter benefícios significativos para a sociedade, ao mesmo tempo em que reduz os impactos negativos associados à sua proibição. No entanto, é importante observar que os críticos têm suas próprias preocupações e argumentos, destacando os riscos potenciais associados à descriminalização. Portanto, o debate sobre esse assunto continua sendo complexo e multifacetado.
3.1. ARGUMENTOS CONTRA A DESCRIMINALIZAÇÃO
Riscos à saúde e segurança pública: Críticos da descriminalização frequentemente argumentam que o uso da maconha pode ter riscos substanciais à saúde. A maconha pode afetar negativamente a função cognitiva, a memória, o desenvolvimento do cérebro em adolescentes e a saúde pulmonar. Além disso, há preocupações com a segurança pública, especialmente em relação aos efeitos do uso da maconha em atividades como a condução de veículos e a operação de máquinas perigosas.
Condução sob influência: A maconha pode comprometer a habilidade de dirigir com segurança, aumentando o risco de acidentes de trânsito. Críticos argumentam que a descriminalização ou legalização da maconha pode tornar mais difícil para as autoridades aplicarem leis de trânsito relacionadas ao uso de substâncias psicoativas.
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Uso entre adolescentes: A maconha pode ter impactos particulares em adolescentes, cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento. A preocupação é que a disponibilidade facilitada da maconha possa levar a um aumento do uso entre os jovens, o que pode afetar negativamente seu desenvolvimento cognitivo e emocional.
Possível porta de entrada para outras drogas: Há argumentos de que o uso da maconha pode servir como uma "porta de entrada" para o uso de drogas mais pesadas. Embora essa seja uma questão controversa, alguns acreditam que a exposição à maconha pode levar ao interesse em experimentar outras substâncias ilícitas.
Desafios na regulamentação: A regulamentação da maconha é um processo complexo. Críticos argumentam que a criação de um mercado regulamentado bem-sucedido é desafiadora e pode levar a problemas, como a falta de controle sobre a qualidade e potência do produto, o aumento do uso problemático e a dificuldade em impor regulamentos de forma eficaz.
Desconhecimento científico: A maconha é uma substância que continua sendo objeto de pesquisas, e muitos detalhes sobre seus efeitos a longo prazo ainda são desconhecidos. A falta de pesquisa conclusiva sobre a maconha e seus impactos pode ser vista como uma razão para a cautela na tomada de decisões de política.
Esses argumentos contra a descriminalização refletem preocupações sobre os possíveis riscos à saúde, à segurança pública e ao bem-estar social que podem surgir com o acesso mais amplo à maconha. O debate sobre a maconha envolve a ponderação cuidadosa dessas preocupações em relação aos argumentos a favor da descriminalização, buscando o equilíbrio entre as liberdades individuais e a proteção da sociedade.
4. EXPERIÊNCIAS DE PAÍSES COM DESCRIMINALIZAÇÃO
Portugal é frequentemente citado como um exemplo de sucesso de descriminalização de drogas, incluindo a maconha. Em 2001, o país despenalizou a posse e o uso de todas as drogas, tratando o uso pessoal como um problema de saúde, não um crime. As autoridades focaram seus esforços na prevenção, tratamento e redução de danos. Resultados indicam que a descriminalização não levou a um aumento no uso de drogas e contribuiu para a redução dos problemas relacionados ao uso de substâncias. Isso destacou a eficácia de uma abordagem de saúde pública em relação à dependência de drogas.
O Uruguai se tornou o primeiro país do mundo a legalizar a maconha em 2013. O governo uruguaio regulamentou toda a cadeia de produção, distribuição e venda de maconha. A experiência do Uruguai tem oferecido insights sobre como uma abordagem controlada e regulamentada pode funcionar em termos de redução do mercado ilegal, promoção da segurança dos consumidores e geração de receita fiscal.
O Canadá legalizou a maconha para uso recreativo em 2018. Esse movimento foi acompanhado de uma regulamentação rigorosa em termos de idade mínima, qualidade do produto e distribuição. As primeiras análises indicam que a legalização não resultou em um aumento significativo no uso de maconha, e o país está gerando receita fiscal substancial com a venda regulamentada.
Os Países Baixos (Holanda) são conhecidos por sua política de "tolerância" em relação à maconha, onde a posse e o consumo de pequenas quantidades são permitidos em coffeeshops licenciados. No entanto, a produção e o fornecimento em larga escala continuam sendo ilegais. Essa abordagem oferece um estudo de caso sobre como a tolerância se traduz na prática e destaca as complexidades de permitir o consumo enquanto restringe a produção e a distribuição.
4.1. Resultados e Lições Aprendidas
A experiência de Portugal demonstra que a descriminalização, quando combinada com um foco na saúde pública e na redução de danos, pode ser eficaz na redução dos danos associados ao uso de drogas.
O Uruguai mostrou que a legalização e a regulamentação podem ser implementadas com sucesso em nível nacional, com o objetivo de controlar o mercado e gerar receita fiscal.
O Canadá destaca a importância da regulamentação rigorosa, incluindo a definição de padrões de qualidade e a restrição de acesso a menores de idade.
Os Países Baixos oferecem um exemplo de como a tolerância pode ser aplicada na prática, destacando desafios como o suprimento de maconha para coffeeshops e a relação com tratados internacionais.
No geral, esses estudos de caso sugerem que a descriminalização e a regulamentação da maconha podem ser bem-sucedidas quando implementadas com cuidado e considerando as necessidades específicas de cada país. Eles também enfatizam a importância da coleta contínua de dados e avaliação de resultados para informar políticas futuras relacionadas à maconha.
5. MACONHA MEDICINAL E USO TERAPÊUTICO: discussão sobre o uso da maconha para fins medicinais
A cânabis é obtida do cânhamo, nome este mais genérico; existem vários outros nomes para designar a planta, muitos deles de cunho puramente regional. No Oriente, nomes como: ganja, dagga, charas e haxixe hang são os mais comuns. No Oriente Médio e na África do Norte, o extrato das resinas das flores é chamado haxixe. Entre os índios brasileiros, é conhecida como diamba. Na América, em geral, o nome marijuana é o mais difundido. No Brasil, é conhecida mais como maconha, possuindo numerosos outros na gíria de cada localidade, como: erva, bagulho e fumo. (ANGERAMI, p.118)
A maconha é uma planta com uma longa história de uso medicinal, que remonta a milhares de anos. Os primeiros registros de seu uso terapêutico datam da China antiga, onde a planta era usada para tratar uma variedade de condições, incluindo dor, inflamação, náusea e vômito, e distúrbios mentais. A maconha também era usada na medicina tradicional indiana, grega e árabe. No século XIII, o médico persa Avicena escreveu um tratado sobre o uso medicinal da maconha, que incluía receitas para o tratamento de uma variedade de doenças, incluindo epilepsia, glaucoma e câncer.
No século XVI, a maconha foi introduzida na Europa, onde foi usada com fins medicinais até o início do século XX. No entanto, com o advento da proibição das drogas, o uso medicinal da maconha foi descontinuado em muitos países.
Nas últimas décadas, o interesse pelo uso medicinal da maconha tem aumentado, à medida que pesquisas científicas têm demonstrado seus benefícios terapêuticos em diversas condições de saúde. Em 2023, a maconha é legalizada para uso medicinal em mais de 50 países, incluindo Brasil, Estados Unidos, Canadá e Israel.
A discussão em torno do uso da maconha para fins medicinais é um tópico importante no contexto da descriminalização e legalização da maconha. Aqui, farei breve abordagem, tanto dos benefícios quanto dos desafios associados ao uso terapêutico da maconha.
Benefícios médicos da maconha
A maconha contém compostos, como o THC e o CBD que têm propriedades medicinais potenciais. Esses compostos podem ajudar no tratamento de várias condições médicas, incluindo dor crônica, náuseas e vômitos associados à quimioterapia, espasmos musculares em distúrbios neurológicos, entre outros. Muitos pacientes relataram alívio dos sintomas e melhora na qualidade de vida com o uso de produtos de maconha medicinal.
Mas somente em meados dos anos 1960 que se começa a identificar a estrutura química e obter os componentes isolados da planta. Esses estudos passaram a ter interesse renovado recentemente graças à descrição dos receptores de canabinóides e à identificação de um sistema canabinóide endógeno no cérebro (ZUARDI, 2006)
Em 2023, o Distrito de Columbia e 23 estados legalizaram a maconha para uso recreativo, e 14 estados legalizaram a maconha para uso medicinal. A legalização da maconha para uso recreativo significa que adultos com mais de 21 anos podem comprar e usar maconha legalmente. A legalização para uso medicinal significa que a maconha pode ser prescrita por médicos para tratar uma variedade de condições médicas.
Decisão do STJ acerca do uso de Cannabis para fins medicinais:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PEDIDO DE SALVO-CONDUTO. PLANTIO DE MACONHA PARA FINS MEDICINAIS. POSSIBILIDADE. AUTORIZAÇÃO PARA IMPORTAÇÃO DO MEDICAMENTO CONCEDIDA PELA ANVISA E PRESCRIÇÃO MÉDICA RELATANDO A NECESSIDADE DO USO. AGRAVO PROVIDO.
(STJ - AgRg no RHC: 153768 MG 2021/0292676-0, Relatora: Ministra Laurita Vaz. Data de Julgamento: 28/06/2022, SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/2022)
A legalização ou descriminalização da maconha frequentemente estimula o desenvolvimento de produtos medicinais padronizados e regulamentados, como óleos, pílulas ou sprays, que oferecem alternativas mais seguras e controladas em relação à maconha fumada.
5.1. Benefícios e desafios da regulamentação do uso terapêutico
O emprego da maconha para fins terapêuticos é uma realidade ancestral. A relação entre os Homo sapiens e a planta Cannabis sativa ultrapassa 10 mil anos. Fósseis trazem evidências de que desde o período Paleolítico existiu o cultivo de maconha, seu manejo e processamento por nós, humanos. (SADDI, p.34).
Acesso para pacientes, a regulamentação permite que pacientes com condições médicas específicas tenham acesso a tratamentos que podem ser benefícios e eficazes quando outras opções falham. Redução de danos, pois produtos regulamentados e controlados podem reduzir riscos associados ao uso, garantindo qualidade e dosagem controladas. Assim, a regulamentação tende a fomenta a pesquisa científica e o desenvolvimento de novos produtos terapêuticos baseados na maconha.
Um dos principais desafios é a falta de regulamentação específica sobre o tema. A Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006) proíbe a produção, o tráfico e o uso de drogas, mas não faz distinção entre drogas ilícitas com potencial medicinal e drogas ilícitas sem potencial medicinal.
Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a União deve regulamentar o uso medicinal da maconha, mas até o momento essa regulamentação não foi feita. A falta de regulamentação específica sobre o tema tem gerado insegurança jurídica para os pacientes que fazem uso terapêutico da maconha. Isso ocorre porque, na ausência de uma lei específica, a conduta de cultivar, produzir ou portar maconha para fins medicinais pode ser considerada crime, dependendo da interpretação do juiz.
Em 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.274, que questionava a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que criminaliza o porte de drogas para consumo pessoal. O STF declarou a inconstitucionalidade do artigo 28, mas estabeleceu uma quantidade-limite para distinguir o usuário do traficante: 25 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas de cannabis.
Vejamos:
ACÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE “INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO” DO § 2º DO ART. 33. DA LEI Nº 11.343/2006, CRIMINALIZADOR DAS CONDUTAS DE “INDUZIR, INSTIGAR OU AUXILIAR ALGUÉM AO USO INDEVIDO DE DROGA”.
(STF - ADI: 4274 DF, Relator: Ayres Britto, Data de Julgamento: 23/11/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 02/05/2012)
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.274 que foi ajuizada em 2015 pela Rede Sustentabilidade, pelo Partido Verde e pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), questionando a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que criminaliza o porte de drogas para consumo pessoal.
O artigo 28 prevê pena de detenção de 1 a 3 meses ou multa para quem "adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".
Com a decisão do STF, o porte de maconha para uso pessoal deixou de ser crime, mas passou a ser uma infração de menor potencial ofensivo. Isso significa que o usuário de maconha com até 25 gramas da droga ou seis plantas fêmeas de cannabis será encaminhado ao Juizado Especial Criminal (JEC), onde poderá ser beneficiado com a suspensão condicional do processo (sursis) ou a aplicação de penas alternativas, como prestação de serviços à comunidade ou medida educativa.
A punição era (e infelizmente ainda é) elemento necessário à manutenção da obediência política. É ela que induz e mantém a obedi-ência e não o contrato social ou a fé. O pacto é seu fundamento, a base teórica e legitimadora da convivência política e do direito de punir; mas é a aplicação deste direito de punir e o medo da punição por ele imposta que mantêm a obediência política no Estado. Não há dúvida sobre tal questão. Hobbes é enfático ao explicar que “os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar segurança a ninguém”, ou que os homens tendem a atender seus desejos naturais oriundos de suas paixões “quando não há um poder visível capaz de os manter em respeito e os forçar, por medo do castigo, ao cumprimento dos seus pactos e à observância das leis de natureza” (OLIVEIRA p. 142).
A decisão do STF foi um marco importante na política de drogas no Brasil. Ela representa uma mudança de paradigma, passando de uma abordagem criminalizante para uma abordagem mais humanista e pautada na saúde pública.
Segundo BARROSO (2023), o efeito do CBD foi recentemente proposto como um agente neuroprotetor antioxidante em doenças neurodegenerativas, sendo o CBD capaz de inibir a hiperfosforilação da proteína Tau, base fisiopatológica da doença de Alzheimer.
Apesar das evidências científicas que apoiam o uso da cannabis para tratar uma variedade de condições, ainda há muito que não se sabe sobre seus efeitos a longo prazo e sobre sua segurança em diferentes grupos populacionais.
Falta de evidências científicas conclusivas: A pesquisa sobre a eficácia da maconha medicinal ainda está em andamento, e, em alguns casos, os benefícios terapêuticos não são bem compreendidos. Isso levanta questões sobre a segurança e eficácia em longo prazo.
Em suma, o uso terapêutico da maconha é uma questão complexa, com potenciais benefícios significativos para pacientes, mas também desafios em termos de regulamentação, pesquisa e avaliação de seus impactos. A decisão de permitir o uso da maconha para fins medicinais requer uma abordagem equilibrada que leve em consideração os benefícios terapêuticos, os riscos à saúde e o desenvolvimento de regulamentações sólidas.