Mandado de Segurança em Matéria Criminal
Aspectos Notáveis
Sumário. Na tutela de seus direitos e interesses, conta o indivíduo, entre outros, com dois clássicos remédios jurídico-processuais de grande peso e alcance: o “habeas corpus” (para conjurar os atos restritivos da liberdade de locomoção) e o mandado de segurança (para a proteção de direito líquido e certo). Confirma a excelência desses institutos importante característica: têm ambos dignidade constitucional (art. 5º, ns. LXVIII e LXIX, da Const. Fed.). Do mandado de segurança trata, em especial, a Lei nº 1.533, de 31.12.51.
I. Mandado de segurança, conforme a lição de graves autores, é ação de rito sumário especial, destinada a afastar a ofensa a direito subjetivo líquido e certo.1
Não importa se individual ou coletivo, privado ou público; o ponto está em que o direito seja “líquido e certo”, ou “sobranceiro a qualquer dúvida razoável e maior do que qualquer controvérsia sensata”, como elegantemente afirmou Orosimbo Nonato, insigne Ministro do Supremo Tribunal Federal.2
Atento seu caráter de remédio jurídico de rito sumário especial, não admite o processo de mandado de segurança dilação probatória. Pelo que, as alegações do impetrante deverão acompanhar-se de prova pré-constituída, capaz de gerar, por si mesma, convicção desenganada da existência do direito que se afirma violado.
A faltar a satisfação desse requisito — pedra angular do instituto —, será, por força, indeferida não só a medida liminar senão ainda a segurança pleiteada.
Mas, se o impetrante se esmerou em instruir, com elementos cabais e argumentos sólidos, o pedido de concessão de segurança, não entra em dúvida que, à luz da experiência comum, será sempre bem despachado.
II. Faz ao nosso propósito o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, abaixo transcrito:
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Quinta Câmara – Seção Criminal
Mandado de Segurança nº 1.054.939-3/3-00
Comarca: Viradouro
Impetrante: FMLPG
Impetrado: MM. Juízo de Direito da Comarca de Viradouro
Voto nº 8180
Relator
– Mandado de segurança é “remédio judicial restrito à proteção daqueles direitos cuja certeza e liquidez sejam manifestas e que resistam a uma contestação razoável” (Themistocles Brandão Cavalcanti, Do Mandado de Segurança, 1957, p. 123).
– Indiciado, em bom direito, é só aquele a quem se imputa, no inquérito policial, a prática de ilícito penal (cf. Julio Fabbrini Mirabete, Processo Penal, 2a. ed., p. 88).
– Dar indiciado ao mero suspeito da prática de delito, sobre ser atecnia jurídica e impropriedade vocabular, constitui violação grave do princípio da dignidade da pessoa humana, que a Constituição Federal consagrou em seu art. 1º, nº III, pois que ao referido termo é inerente a ideia aviltante de infrator. Apelidar alguém de indiciado, portanto, será o mesmo que lhe dilacerar a reputação e detrair a honra, a qual o portentoso Antônio Vieira afirmou que era “mais preciosa e mais amável que a mesma vida” (Sermões, 1710, t. XIV, p. 121).
1. FMLPG, assistido de advogado, impetra a este Egrégio Tribunal de Justiça Mandado de Segurança contra ato do MM. Juízo de Direito da Comarca de Viradouro, que, a seu aviso, lhe violara direito líquido e certo.
Afirma, na petição de fls. 4/10, elaborada por talentoso e renomado patrono (Dr. Alberto Zacharias Toron), que “é vítima de grave violação de direito”, uma vez que seu nome foi inscrito na capa de autuação de 14 inquéritos policiais como indiciado, ao passo que neles figurava apenas como investigado.
Alega mais que, assessor jurídico da Prefeitura Municipal
de Viradouro, foi ouvido em declarações em 14 inquéritos policiais, instaurados para “investigar supostas irregularidades na contratação de empresa pela Prefeitura”.
Acrescenta o impetrante que, embora jamais indiciado, corriam debaixo de seu nome 14 inquéritos policiais no Distribuidor Criminal da Comarca de Viradouro, com essa designação.
Aduz ainda que a ilegalidade de tal situação lhe estava a infligir sério constrangimento, máxime pelas circunstâncias pessoais do impetrante, veterano advogado que, obra de 50 anos, se dedicava “à prestação de serviços públicos (professor, diretor de escola, supervisor de ensino, Delegado de Ensino em Bebedouro, Diretor Regional de Ensino em Ribeirão Preto e, atualmente, assessor jurídico da Prefeitura de Viradouro desde fevereiro de 1992, aprovado por concurso público)”.
Asseverou que esclarecia, a bem da verdade, ter sido uma só vez ouvido em declarações, cujo termo, após reprodução, a autoridade policial mandou juntar a 14 inquéritos.
Rematou que, intentando pôr cobro à manifesta coação ilegal, o impetrante requereu ao MM. Juiz de Direito se dignasse ordenar a exclusão do termo indiciado “na capa do inquérito”, pedido que Sua Excelência considerou “impossível”, atentas as “peculiaridades do caso” (fl. 24).
Instruiu o pedido com cópias de documentos de interesse do processo (fls. 11/30).
Malcontente, comparece perante esta Corte de Justiça com
o fito de alcançar o que lhe denegou o MM. Juízo de Direito de Primeiro Grau, a saber: a exclusão da referência ao nome do impetrante “como indiciado na capa de Inquéritos Policiais em que figura apenas como investigado” (fl. 26).
O despacho de fls. 32/36 deferiu a medida liminar pleiteada.
A mui digna autoridade impetrada prestou as informações de praxe (fls. 41/40), nas quais esclareceu que “o impetrante figura como averiguado, e não indiciado, nos referidos inquéritos” (fl. 41).
Remata que já oficiara à autoridade policial para exclusão do termo “indiciado” das capas das autuações dos inquéritos policiais em que o paciente figura como investigado.
O ofício de informações acompanha-se de numerosas peças dos autos da ação penal (fls. 43/49).
A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em firme e escorreito parecer do Dr. Ailton Cocurutto, opina pela concessão da segurança (fls. 51/55).
É o relatório.
2. A pretensão do impetrante cifra-se em obter, mediante mandado de segurança, decisão que lhe permita expungir a designação indiciado das capas de autuação dos inquéritos policiais em que figurou como investigado.
A alegação de que o termo indiciado consta da capa de inquéritos policiais (nos quais foi ouvido o impetrante) não se estriba em prova documental: presume-se, no entanto, já pela idoneidade e rara inteireza de seu advogado (que o afirma), já porque não se lhe opôs formal contradita.
Ora, indiciado, em bom direito, é só aquele a quem se imputa, no inquérito policial, a prática de ilícito penal (cf. Julio Fabbrini Mirabete, Processo Penal, 2a. ed., p. 88).
Mas o impetrante “foi ouvido tão somente em declarações nas investigações” (fl. 5).
Logo, não lhe cabe a qualificação de indiciado senão com afronta da terminologia jurídica e de seu “status dignitatis”.
Destarte, ainda que possa, lá para o diante, ser o impetrante indiciado em inquérito policial (“quod avertat Deus”!), dar-lhe ora esse tratamento constitui violação grave de seu direito à honra objetiva.
O subscritor do parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, com sua peculiar clarividência e abalizado bom-senso, tratou de maneira magistral a questão e deu-lhe a solução que melhor dizia com as regras de Direito: o impetrante, “embora sujeito de investigação em procedimento administrativo policial (inquérito), não foi formalmente indiciado (fls. 49), de modo que qualquer registro de seu nome, nessa qualidade, afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana” (fl. 53)
Realmente, dar indiciado ao mero suspeito da prática de delito, sobre ser atecnia jurídica e impropriedade vocabular, constitui violação grave do princípio da dignidade da pessoa humana, que a Constituição Federal consagrou em seu art. 1º, nº III, pois que ao referido termo é inerente a ideia aviltante de infrator. Apelidar alguém de indiciado, portanto, será o mesmo que lhe dilacerar a reputação e detrair a honra, a qual o portentoso Antônio Vieira afirmou que era “mais preciosa e mais amável que a mesma vida” (Sermões, 1710, t. XIV, p. 121).
Em suma — e isto mesmo pareceu à douta Procuradoria-Geral de Justiça —, “os efeitos dessa providência administrativa de registro do nome do paciente como indiciado deverão ser obstados, ressalvando-se, evidentemente, os casos em que de modo concreto se tenha o oferecimento da denúncia e a instauração da competente ação penal (…)” (fl. 53)
3. Pelo exposto, concedo a segurança para determinar a exclusão do termo indiciado com relação ao impetrante, nas capas de autuação dos inquéritos policiais em que figura como investigado, confirmada a medida liminar.
São Paulo, 30 de março de 2007
Des. Carlos Biasotti
Relator
III. Mandado de segurança. Excertos de doutrina e ementas de jurisprudência.
1. Conforme o sentimento comum dos melhores intérpretes, o direito líquido, certo e incontestável — pressuposto da impetração de mandado de segurança —, “é aquele contra o qual se não podem opor motivos ponderáveis, e sim meras e vagas alegações cuja improcedência o magistrado pode reconhecer imediatamente sem necessidade de detido exame” (cf. Themistocles Brandão Cavalcanti, Do Mandado de Segurança, 1957, p. 128).
2. Mandado de segurança é “remédio judicial restrito à proteção daqueles direitos cuja certeza e liquidez sejam manifestas e que resistam a uma contestação razoável” (Idem, ibidem, p. 123).
3. “A expressão direito líquido e certo tem alcance próprio de direito manifesto, evidente, que exsurge da lei com claridade” (Carlos Alberto Menezes Direito, Manual do Mandado de Segurança, 4a. ed., p. 66).
4. Em obséquio à segurança jurídica — objetivo a que devem atender, por princípio, as decisões da Justiça —, só há conceder mandado de segurança em face de direito líquido e certo, que, na expressão memorável de Hely Lopes Meirelles, “é direito comprovado de plano” (Mandado de Segurança, 24a. ed., p. 36).
5. “Mandado de segurança é ação civil, ainda quando impetrado contra ato de juiz criminal, praticado em processo penal. Aplica-se, em consequência, ao recurso extraordinário interposto da decisão que o julga o prazo estabelecido no Código de Processo Civil” (STF; RTJ, vol. 83, p. 255).
6. “Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição” (Súmula nº 267 do STF).
7. Admite a Jurisprudência mandado de segurança para alcançar efeito suspensivo ao recurso interposto de decisão que o não tenha, desde que prove o impetrante, além da certeza e liquidez do direito violado, a ilegalidade do ato e os requisitos com que se autoriza a tutela de urgência no processo penal (“fumus boni juris” e “periculum in mora”).
8. Desde que ofensivo de direito líquido e certo do impetrante, é passível de mandado de segurança todo ato judicial.
9. Cabe mandado de segurança para obter efeito suspensivo à correição parcial, desde que de sua não concessão possa advir lesão grave e difícil de reparar a direito do impetrante.
10. Em linha de princípio, o mandado de segurança não se presta a substituir recurso previsto na lei processual para o caso concreto.
11. À luz da melhor orientação jurisprudencial, carece o Ministério Público de legitimidade para impetrar mandado de segurança com o intuito de alcançar efeito suspensivo a agravo em execução, que o não tem; falece-lhe a pertinência subjetiva “ad causam”.
12. Não se conhece da impetração de mandado de segurança que desatende a um dos cânones principais a que está subordinada: a indicação correta da autoridade coatora.
13. “(…) parece-nos, portanto, mais consentâneo com o espírito da Constituição entender-se não ser aplicável a limitação temporal de cento e vinte dias para o exercício da garantia constitucional do mandado de segurança (…)” (Nelson Nery Jr., Código de Processo Civil Comentado, 9a. ed., p. 1.300).
14. Incorre na “sanctio juris” de carecedor da ação de mandado de segurança o impetrante que indica por autoridade coatora sujeito que lhe não violou direito algum, porque parte ilegítima. “É preciso ter atenção para que seja corretamente identificada a autoridade coatora. É ela, sempre, aquela que ordena ou omite a prática do ato responsável pelo ato lesivo” (Carlos Alberto Menezes Direito, op. cit., p. 101).
15. No que toca ao meio de que se valeu a impetrante para assegurar seu direito à tutela jurisdicional do Estado, foi o que lhe deparou a lei: o mandado de segurança. De feito, “o remédio primeiro, de que se pode valer quem sofre apreensão de seu veículo por ordem de autoridade policial em inquérito para apuração de crime, é o pedido de restituição, fundado no art. 120 do Cód. Proc. Penal, observados, no mais, se for o caso, os parágrafos desse mesmo dispositivo. Nada impede, porém, que o prejudicado se valha do remédio heroico do mandado de segurança, evidenciando, desde logo, direito líquido e certo à restituição” (Rev. Tribs., vol. 510, p. 86; rel. Sydney Sanches).
16. “Perde o objeto o mandado de segurança quando a própria autoridade revoga o ato atacado” (STJ; MS nº 6.377/MG; rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito; j. 15.10.96).
17. É o mandado de segurança via judicial própria a impugnar decisão que, na órbita da Lei nº 9.271/96 (que deu nova redação ao art. 366 do Cód. Proc. Penal), indefere produção antecipada de prova testemunhal. Trata-se de corolário da teoria geral do instituto: “(…) é cabível mandado de segurança contra ato judicial de qualquer natureza e instância, desde que ilegal e violador de direito líquido e certo do impetrante, e não haja possibilidade de coibição eficaz e pronta pelos recursos comuns” (cf. Hely Lopes Meirelles, Mandado de Segurança, 17a. ed., p. 36).
18. Que o Promotor de Justiça tenha “legitimatio ad causam” e capacidade postulatória para impetrar mandado de segurança perante os Tribunais é questão superior a toda a dúvida, segundo o magistério da Jurisprudência. Nisto de produção antecipada de prova (art. 366 do Cód. Proc. Penal), é mister atender ao requisito primordial da urgência. Consideram-se urgentes, para os efeitos do mencionado dispositivo legal, as provas que, por circunstâncias pessoais das testemunhas, primeiro que pela tirania implacável do tempo (“sepultura de todas as coisas”), se devam produzir desde logo, aliás poderão perder-se para sempre.
19. “O mandado de segurança só é idôneo se o direito pleiteado for escoimado de qualquer dúvida razoável” (Carlos Alberto Menezes Direito, op. cit., p. 72).
20. É da natureza especial do mandado de segurança “proteger direito líquido e certo malferido por ilegalidade ou abuso de poder” (cf. Carlos Alberto Menezes Direito, op. cit., p. 51).
21. A impetração de mandado de segurança pressupõe liquidez e certeza do direito que se afirma violado (art. 1º da Lei nº 1.533/51).
22. “Direito líquido e certo é o que resulta de fato certo, e fato certo é aquele capaz de ser comprovado de plano” (Theotonio Negrão, Código de Processo Civil, 26a. ed., p. 1.117).
23. Aquele que renuncia ao direito de recorrer não pode, ao depois, sem manifesta ofensa da lei, impugnar os efeitos da decisão mediante mandado de segurança (art. 5º, nº II, da Lei nº 1.533/51).
24. É o mandado de segurança meio idôneo para obter a liberação de coisas irregularmente apreendidas em inquérito policial (cf. Rev. Tribs., vol. 749, p. 675).
25. Em caráter excepcional, por evitar dano de difícil reparação, admite-se mandado de segurança contra decisão impugnável mediante recurso ordinário.
26. Ao contrário do “habeas corpus” — que “poderá ser impetrado por qualquer pessoa” (art. 654 do Cód. Proc. Penal) —, somente poderá requerer mandado de segurança quem detiver o “jus postulandi”, isto é, o advogado no exercício pleno de seu múnus.
27. Remédio jurídico-processual de rito sumário e eficaz, é sobretudo ao mandado de segurança que recorre o titular de direito líquido e certo para protegê-lo contra ilegalidade ou arbítrio de autoridade pública, ou obter-lhe a restauração quando violado (art. 5º, nº LXIX, da Const. Fed.),
28. Ato lesivo que é ao direito de propriedade e ao franco exercício de atividade econômica, assegurados a todos pela Constituição da República (arts. 5º, caput e nº XXII, e 170, parág. único), a diligência de busca e apreensão de máquinas de diversão eletrônicas, regularmente importadas, instaladas e em funcionamento segundo as prescrições legais, pode impugnar-se e resolver na esfera do mandado de segurança, instrumento judicial rápido e específico à reparação do direito violado por ato manifestamente ilegal de autoridade pública.
29. Constitui cerceamento de defesa desatender o Juízo ao pedido, formulado pelo patrono do réu, de juntada aos autos de documento de notória importância para a elucidação dos fatos. Em verdade, “só merece o nome de defesa a que for livre e completa” (J. Soares de Mello, O Júri, 1941, p. 16).
30. “O direito de defesa é, entre todos, o mais sagrado e inviolável” (Sobral Pinto; apud Pedro Paulo Filho, A Revolução da Palavra, 2a. ed., p. 168).
Notas