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O incentivo à implementação de programas de integridade em contratações públicas

Agenda 31/07/2024 às 17:00

RESUMO

O objetivo geral deste artigo é analisar o incentivo à implementação de Programas de Integridade em contratações públicas. O objetivo específico é examinar como esse incentivo está previsto nas legislações atuais. Para tanto, iniciou-se a análise da Lei 12.846/2013, conhecida como “Lei Anticorrupção”, e de seu Decreto nº 11.129/2022. Analisou-se a definição de “atos lesivos à administração pública”, bem como as sanções aplicáveis. Em seguida, foram descritos os critérios que devem ser adotados pelos Programas de Integridade, assim como os parâmetros de avaliação desses Programas. Posteriormente, analisou-se a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/2021), que estabelece a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor em contratações de grande vulto e prevê que o Programa de Integridade poderá ser utilizado como critério de desempate em licitações, como atenuante em casos de sanções, além de ser um requisito para a reabilitação de empresas em licitações.

Palavras-chave: Compliance, Programas de Integridade, Contratações Públicas, Lei Anticorrupção, Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

ABSTRACT

The general objective of this article is to analyze the incentive to implement Integrity Programs in public procurement. The specific objective is to examine how this incentive is provided for in current legislation. To this end, we began by analyzing Law No. 12.846/2013, known as the “Anti-Corruption Law”, and its Decree No. 11.129/2022. The definition of “acts harmful to the public administration” was analyzed, as well as the applicable sanctions. Next, the criteria that must be adopted by Integrity Programs were described, as well as the parameters for evaluating these Programs. Subsequently, the new Law on Bids and Administrative Contracts (Law 14.133/2021) was analyzed, which establishes the mandatory implementation of an integrity program by the winning bidder in large-scale contracts and it provides that the Integrity Program may be used as a tie-breaking criterion in bids and as a mitigating factor in cases of sanctions, as well as being a requirement for the rehabilitation of companies in bids.

Key-words: Compliance, Integrity Programs, Public Procurement, Anti-Corruption Law, Bidding Law.

1. INTRODUÇÃO

O termo Compliance, traduzido para o português, significa “cumprir” ou “estar de acordo”. Os Programas de Compliance estabelecem um conjunto de ações com o objetivo de minimizar os riscos de descumprimento de regras de conduta, promovendo uma operação em conformidade com as normas e diretrizes estabelecidas.

Os Programas de Compliance podem ser aplicados e formatados de diversas formas, de modo a atender diferentes diretrizes e legislações, como é o caso do Programas de Compliance Tributário e Fiscal, Programas de Compliance Trabalhista, Programas de Compliance Ambiental, Programas de Compliance Digital, entre outros.

O Programa de Integridade se popularizou como o Programa de Compliance destinado à mitigação de atos relacionados à corrupção e, por meio da Lei 12.846/2013, conhecida como “Lei Anticorrupção”, ganhou notoriedade, por ter se tornado uma causa de redução de penalidade, como se verá a seguir.

2. A LEI ANTICORRUPÇÃO E OS CRITÉRIOS PARA ADOÇÃO DE PROGRAMAS DE INTEGRIDADE

A Lei Anticorrupção, em seu artigo 5º, estabelece que os atos lesivos à administração pública são aqueles praticados por pessoas jurídicas que atentem contra o patrimônio público, contra princípios da administração pública ou contra compromissos internacionais assumidos pelo país.

Para além da previsão dos atos lesivos à administração pública, também foram previstas, na referida Lei, as sanções a serem aplicadas às pessoas jurídicas responsáveis por tais atos. O artigo 7º, por outro lado, trata sobre os aspectos que serão considerados na aplicação de sanções, sendo um deles a implantação de Programas de Integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades, demonstrada pela aplicação de códigos de ética e de conduta.

Assim, com a regulamentação da Lei 12.846/2013 feita através do Decreto de nº 11.129/2022, foram estabelecidos os critérios que devem ser adotados por um Programa de Integridade. Veja-se:

Art. 56. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes, com objetivo de:

I - prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira; e

II - fomentar e manter uma cultura de integridade no ambiente organizacional.

Parágrafo único. O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e os riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual, por sua vez, deve garantir o constante aprimoramento e a adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.

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Resta claro a partir da leitura do Parágrafo único destacado acima que a estruturação e implementação de um Programa de Integridade variará em decorrência das especificidades da pessoa jurídica, não sendo possível seguir a mesma estrutura para todas as Companhias e Sociedades.

O artigo 57 do mencionado Decreto, elenca os parâmetros de avaliação dos Programas de Integridade, trazendo a necessidade de participação e comprometimento da alta administração da sociedade ou companhia, de forma a evidenciar o apoio ao Programa, com a destinação dos recursos adequados. Além disso, há o destaque para a realização de treinamentos acerca do Programa e estabelecimento de padrões de conduta, através de códigos de ética e de conduta, políticas e procedimentos de integridade aplicáveis a todos os colaboradores e, quando necessário, a terceiros, fornecedores e/ou prestadores de serviços.

Dessa forma, percebe-se que, sem o comprometimento de todos os colaboradores, sendo eles da alta administração ou não, bem como do estabelecimento de códigos e políticas que possam balizar o comportamento de cada um, o Programa de Integridade não terá efetividade.

Para além dos parâmetros frisados acima, acerca da avaliação de Programas de Integridade em contratações públicas, o Decreto estabeleceu o seguinte:

Art. 57. Para fins do disposto no inciso VIII do caput do art. 7º da Lei nº 12.846, de 2013, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:

(...) VIII - procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e certidões; (...)

Sendo assim, na execução de contratos administrativos, o Programa de Integridade deverá não só conter procedimentos específicos para prevenção de fraudes e ilicitudes na licitação, mas também deverá manejar e controlar as condutas de seus colaboradores e demais envolvidos, em quaisquer interações com o setor público. Nesse ínterim, o inciso XII do mesmo artigo elenca as diligências apropriadas para que haja gestão de riscos em contratações com participação de terceiros.

Em decorrência do descrito nos parágrafos anteriores, o Decreto no que tange às questões relativas ao Compliance e à implementação de Programas de Integridade dispôs de especial atenção às contratações públicas, observando as interações entre órgãos públicos e entidades privadas, de modo a estabelecer procedimentos específicos e características basilares para a apuração da efetividade do Programa em caso de atos lesivos ao erário.

3. A NOVA LEI DE LICITAÇÕES E O INCENTIVO AOS PROGRAMAS DE INTEGRIDADE

A nova lei de licitações e contratos administrativos, a Lei 14.133/2021 em seu artigo 25, § 4º dispõe que nas contratações de obras, serviços e/ou fornecimentos de grande vulto, o edital do certame deverá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de seis meses, contado da celebração do Contrato Administrativo.

Além disso, conforme artigo 60 da Lei 14.133/2021, em caso de empate no certame, entre duas ou mais propostas, serão utilizados alguns critérios de desempate, sendo um deles, como última hipótese, o desenvolvimento pelo licitante de programa de integridade (art. 60, IV, Lei 14.133/2021).

De modo a promover o incentivo à adoção de Programas de Compliance, a Lei de Licitações e Contratos Administrativo previu em seu artigo 156, §1º,V, a possibilidade de redução da penalidade na hipótese de implantação ou o aperfeiçoamento de Programa de Integridade. Nesse viés, o art. 163, Parágrafo único, estabelece como condição de reabilitação do licitante, a implementação ou aperfeiçoamento de Programa de Integridade.

Em que pese não ter sido previsto na referida legislação, a obrigatoriedade de implementação do Programa de Integridade para contratações que não sejam de grande vulto (que são aquelas com valor superior a R$ 200 milhões), é válido ressaltar que tal obrigação foi estabelecida em legislações estaduais, haja vista a competência normativa suplementar dos demais entes federativos, como na Lei nº 7.753 de 17 de outubro de 2017, do Estado do Rio de Janeiro e na Lei nº 15.228/2018, regulamentada pelo Decreto nº 55.631/2020, do Estado do Rio Grande do Sul.

No Estado do Rio de Janeiro, de acordo com o art. 1º da Lei 7.753/2017, os Programas de Integridade são obrigatórios para as contratações cujos limites em valor sejam superiores a R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) para obras e serviços de engenharia e R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais) para compras e serviços. Nota-se que o critério monetário estabelecido pelo Estado do Rio de Janeiro engloba mais possibilidades de contratações do que a Lei 14.133/21 que restringiu tal exigência às contratações de grande vulto.

A Lei carioca traz ainda os objetivos que embasam a exigência da implantação de Programa de Integridade:

A exigência da implantação do Programa de Integridade tem por objetivo:

I - proteger a administração pública estadual dos atos lesivos que resultem em prejuízos financeiros causados por irregularidades, desvios de ética e de conduta e fraudes contratuais;

II - garantir a execução dos contratos em conformidade com a Lei e regulamentos pertinentes a cada atividade contratada;

III - reduzir os riscos inerentes aos contratos, provendo maior segurança e transparência na sua consecução;

IV - obter melhores desempenhos e garantir a qualidade nas relações contratuais;

Note-se que os objetivos estão pautados na proteção à desvios de ética e de conduta, atinentes ao combate à corrupção, como os atos elencados no art. 5º da Lei Anticorrupção. Neste mesmo sentido, o art. 4º da Lei 7.753/2017, traz os parâmetros de avaliação de Programas de Integridade muito similares aos previstos no art. 57 do Decreto Federal n° 11.129/2022.

É válido destacar que a Lei 14.133/21 carece de regulamentação, até o presente momento e, por essa razão, ela não detalha as características primordiais de um Programa de Integridade. Contudo, para os Estados que dispõem de legislação específica acerca da exigência do Programa de Integridade em contratações administrativas regionais, estas permanecem válidas, como o exemplo do Rio de Janeiro mencionado acima.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

À vista do exposto, conclui-se que a Lei 14.133/21 estabeleceu papéis relevantes para a implementação de Programas de Integridade, tendo, por exemplo, atuação notória para concessão de benefícios, como critério de desempate em licitações, conforme art. 60, IV da Lei, bem como como atenuante para os casos em que poderão ser aplicadas sanções, nos termos do §1º, art. 156 da Lei 14.133/21. Ademais, o Programa de Integridade também é requisito para reabilitação de uma empresa em licitações, de modo que, após a implementação do Programa e cumpridas as demais exigências do artigo 163, a empresa poderá voltar a participar de licitações.

Desse modo, apesar de ainda não possuir a devida Regulamentação, a Nova Lei de Licitações trouxe para o ordenamento jurídico uma valiosa contribuição no que tange a implementação de Programas de Integridade. No entanto, a restrição da obrigatoriedade às contratações de grande vulto (art. 25,§4º), foi alvo de críticas, porém, haja vista que a implantação de Programas de Integridade gera custos às empresas, inserir a obrigatoriedade a todas as contratações públicas, poderia acarretar na criação de Programas para “inglês ver” e, ainda, poderia gerar um prejuízo à competitividade, por limitar a competição às empresas que conseguem arcar com a implementação e manutenção do Programa quando, na verdade, objetiva-se incentivar a difusão do Compliance e a internalização de suas normas.

Assim, para que a Administração Pública evite danos à concorrência ou disseminação de Programas de Integridade ineficazes, é necessário que a obrigatoriedade de implementação seja realmente direcionada às contratações com maior risco de corrupção, como nas de grande vulto. Portanto, a Lei 14.133/21 atendeu ao propósito dos programas de integridade, como ferramenta de combate à corrupção nas contratações públicas, servindo, de forma geral, como um incentivo à implementação e à adoção de condutas em conformidade e, em casos excepcionais, como obrigatoriedade, de acordo com a criticidade do risco.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Decreto nº 11.129, de 11 de julho de 2022. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/decreto/d11129.htm. Acesso em: 12 de julho de 2024.

________. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Lei Anticorrupção. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 12 de julho de 2024.

________. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm. Acesso em: 12 de julho de 2024.

Compliance como instrumento de integridade e combate à corrupção nas contratações públicas: uma análise do tema à luz da Lei n° 14.133/2021. Revista da CGU, [S. l.], v. 15, n. 27, 2023. DOI: 10.36428/revistadacgu.v15i27.575. Disponível em: https://revista.cgu.gov.br/Revista_da_CGU/article/view/575.. Acesso em: 14 jul. 2024.

FURTADO, Madeline. A Lei Anticorrupção, o Compliance e a Nova Lei de Licitações e Contratos – Breves comentários. Disponível em: https://www.novaleilicitacao.com.br/2023/08/04/a-lei-anticorrupcao-o-compliance-e-a-nova-lei-de-licitacoes-e-contratos-breves-comentarios/. Acesso em: 11 de julho de 2024.

GAMBA, Giovanna. O compliance na nova lei de licitações. São Paulo: Schiefler Advocacia, 2022. Disponível em: https://schiefler.adv.br/compliance/ Acesso em: 09 jul. 2024.

RIO DE JANEIRO. Lei n° 7.753, de 17 de outubro de 2017. Dispõe sobre a instituição do programa de integridade nas empresas que contratarem com a administração pública do estado do rio de janeiro e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, de 18 out. 2017. Disponível em: https://gov-rj.jusbrasil.com.br/legislacao/511266335/lei-7753-17-rio-de-janeiro-rj. Acesso em 14 de julho de 2024.

RIO DE JANEIRO. Decreto Rio n° 49.415, de 17 de setembro de 2021. Institui a Política de Relacionamento da Administração Pública Municipal com fornecedores e colaboradores externos e o Protocolo de Avaliação de Integridade e Transparência - PAIT, e dá outras providências. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/rj/r/rio-de-janeiro/decreto/2021/4942/49415/decreto-n-49415-2021-institui-a-politica-dre-elacionamento-da-administracao-publica-municipal-com-fornecedores-e-colaboradores-externos-e-o-protocolo-de-avaliacao-de-integridade-e-transparencia-pait-e-da-outras-providencias. Acesso em 14 de julho de 2024.

Sobre a autora
Alessandra Dantas Silva

Advogada. Pós-graduanda em Advocacia Empresarial no CEPED/UERJ.︎

Informações sobre o texto

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