A CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS é um negócio legítimo e plenamente reconhecido pelo ordenamento jurídico, podendo representar em vários casos, mesmo sendo um negócio de risco, uma excelente oportunidade de negócios. Encontra base legal no art. 1.793 e seguintes do Código Civil e pode ser cogitada depois de aberta a sucessão (ou seja, depois de ocorrido o ÓBITO do titular dos bens), devendo ser manifestada a transmissão dos direitos pelos herdeiros do autor da herança, com ou sem inventário aberto mas somente enquanto este ainda não tiver sido encerrado. Como já recomendamos em outros textos, é importante no momento da Cessão de Direitos Hereditários averiguar se também não é o caso de se falar em Cessão de Direitos de MEAÇÃO. A transação exige ESCRITURA PÚBLICA e pode ser feita em qualquer Cartório de Notas (independentemente da localização dos bens, último domicílio do falecido e local da abertura do Inventário), podendo inclusive ser feita de modo totalmente ON-LINE desde que observadas as regras do Provimento CNJ 149/2023 que substitiu o revogado Provimento CNJ 100/2020. Reza o caput do artigo 1.793 do Código Civil acerca da Cessão de Direitos Hereditários:
"Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por ESCRITURA PÚBLICA".
Realizada a Escritura de Cessão de Direitos Hereditários (inclusive sobre bem determinado, o que NÃO é proibido pelo Código, vide §§ 2º e 3º deste art. 1.793) pode o cessionário tomar posse do bem, todavia é importante que saiba que a regularização do bem só terá lugar depois do seu ingresso munido do título no INVENTÁRIO que pode se dar tanto pela via judicial quanto pela via extrajudicial, sendo oportuno recordar que o Cessionário tem inclusive legitimidade para iniciar o inventário, com base no inciso V do art. 616 do Código Fux.
Como já tratamos também em outros textos, excepcionalmente a Cessão de Direitos Hereditários pode servir de base para a regularização inclusive por Usucapião (vide inciso VII do art. 410 do Provimento CNJ 149/2023), porém apenas excepcionalmente. Com o advendo da ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL, fulcrada no art. 216-B da Lei de Registros Publicos pode o leigo cogitar, como tem ocorrido, a possibilidade de regularização do seu imóvel havido através de "Cessão de Direitos Hereditários" através dessa nova via, especialmente para se evitar um longo processo judicial dados os "prometidos" benefícios de celeridade e agilidade da via judicial. Será mesmo possível tal pleito?
Não nos parece possível utilizar da Adjudicação Compulsória Extrajudicial (da mesma forma que a via judicial) para regularizar a aquisição de imóveis entabulada com base em Cessão de Direitos Hereditários e a razão é singela: a bem da verdade, o processo adjudicatório se presta a cumprir a outorga de uma Escritura de Compra e Venda feita pelo TITULAR REGISTRAL em favor do adquirente. Aqui é visível que o título que poderá embasar a pretensão só poderá ser uma Promessa de Compra e Venda ou um Compromisso de Compra e Venda (e aqui não adentraremos na discussão sobre Promessa ou Compromisso já que despicienda para o enfoque desse ensaio). A Cessão de Direitos Hereditários, como explica o art. 1.793 do Códex, é transação feita por quem é HERDEIRO e não titular do bem, sem prejuízo da imediata transmissão operada nos termos do art. 1.784 do mesmo Código (Direito de Saisine). Nesse sentido, não pode mesmo a Cessão de Direitos Hereditários prestar para embasar a pretensão da Adjudicação Compulsória, como inclusive confirma a doutrina especializada exarada pelo ilustre Registrador Imobiliário FRANCISCO NOBRE (Manual da Adjudicação Compulsória Extrajudicial. 2024):
"A adjudicação compulsória extrajudicial se dirige, em princípio, aos contratos preliminares ONEROSOS sem arrependimento exercitável, pelos quais se ajusta transferir a propriedade imobiliária ou domínio útil. (...) O art. 440-B do Código Nacional de Normas (CNN/CN/CNJ-Extra) define que podem dar fundamento à adjudicação compulsória quaisquer atos ou negócios jurídicos que impliquem promessa de compra e venda ou promessa de permuta, de sorte que é indiferente a denominação do negócio jurídico, ou a cirucunstância de a promessa constar como cláusula de outro negócio. Excluem-se, porém, da órbita da adjudicação compulsória extrajudicial os negócios de natureza GRATUITA, como a promessa de doação, ou negócios cujo objeto não corresponda a bem imóvel registrável, como a CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS ou cessão de direitos possessórios".
De fato, com toda razão o ilustre colega cuja lição comungamos e encontra naturalmente amparo na melhor jurisprudência:
"TJGO. 5262042-41.2018.8.09.0072. J. em: 01/02/2023. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. BEM IMÓVEL. CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS. 1. Na ação de adjudicação compulsória o autor deve acostar aos autos instrumento hábil a embasar a transferência do domínio do imóvel, celebrada com aquele que detém a propriedade. 2. Por outro turno, a CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS atinge apenas a transferência dos direitos que o cedente possui em relação ao bem da herança, não perfazendo a propriedade, a teor do art. 1.793, do Código Civil. 3. No caso em apreço, o autor, ora apelante, possui apenas a titularidade dos direitos hereditários, conforme Certidão de Cessão de Direitos Hereditários, e não o efetivo domínio, não possuindo, portanto, o interesse de agir para a propositura da ação adjudicação compulsória. 4. Evidenciada a sucumbência recursal, é imperiosa a majoração dos honorários advocatícios de sucumbência anteriormente fixados, consoante previsão do artigo 85, § 11, devendo ser observada a previsão do artigo 98, § 3º, ambos do Código de Processo Civil. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA, MAS DESPROVIDA".