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Aspectos jurídicos da Era Vargas e do Estado Novo

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Agenda 01/08/2024 às 08:06

Aspectos jurídicos da Era Vargas e do Estado Novo

Eppur si muove!

Resumo: Existiram tentativas de transformação do Poder Judiciário e do ordenamento jurídico durante o Estado Novo1. A doutrina jurídica centrada em juristas alinhados com o regime de Vargas apresentou seus entendimentos sobre a administração da Justiça.

Palavras-chave: Estado Novo. Poder Judiciário. Estado de sítio. Constituição Brasileira de 1937. STF.

Muitas questões são relevantes como a questão da independência e da autonomia da magistratura, o papel do Supremo Tribunal Federal, os limites do controle de constitucionalidade, a reformulação da hermenêutica jurídica e a relação existente entre Poder Judiciário e Poder Executivo. Os debates da Era Vargas no que se refere aos esforços de controle e dominação da Justiça no constitucionalismo autoritário então reinante.

O constitucionalismo2 da Era Vargas paira numa incógnita sobre o que fazer com o Judiciário e o próprio sistema legal e, desde a Revolução de 1930, existia tensão na relação do Chefe do Governo Provisório e a elite judiciária do Supremo Tribunal Federal. Aliás, tradicionalmente, a Corte Suprema era o locus naturalis para pacificação de questões controvertidas e polêmicas, de cunho político da República brasileira.

Foi com o movimento revolucionário e suas mutações ocorridas entre 1930 e 1945, o STF restou como protagonista a sofrer diversos influxos e fora redimensionado através do golpe de Estado de 1937.

A tensão sobre o que se fazer com a Justiça e o ordenamento jurídico não é recente, basta lembrar da reação de repulsa dos revolucionários franceses diante da magistratura do Ancien Regime, com as consequentes dificuldades em basear um ordenamento jurídico sem confiança na magistratura.

Enfim, o Judiciário varguista se apresentava num lugar próprio dentro das elites tradicionais brasileiras e, não em um campo livre para haver ingerências por parte dos revolucionários de 1930, até chegar à pulverização da Justiça nos Estados da federação brasileira. Os ideólogos da época de Vargas sempre sofreram grandes dificuldades em conquistar as diferentes ramificações da Justiça e impor a hegemonia de Vargas nas esferas judiciais brasileiras.

O momento histórico do país havia posto em segundo plano a clássica separação de Poderes, e procurava-se uma nova forma de diálogo exclusivo entre o empoderado Poder Executivo e o Judiciário. A ideia de unidade da jurisdição surgiu como um dos imperativos do regime em seu momento mais duro.

Os quinze anos de afirmação política do varguismo, destacaram-se algumas tentativas de readequar a Justiça à realidade do Estado autoritário. Mesmo o autoritarismo latente de Francisco Campos admitia os obstáculos – teóricos e práticos – de transformar o sistema legal e a Justiça (CAMPOS, 1942).

Sua acusação principal contra o sistema jurídico brasileiro estava centrada na convicção de que a Justiça democrática brasileira anterior ao Estado Novo apenas fomentava a formação de uma “atmosfera propícia à conservação e perpetuação de hábitos, ritos e tradições”, e que não proporcionavam soluções às demandas coletivas, pois ainda estavam fundadas em “técnicas de processos obscuros”.

A remodelação do Supremo Tribunal Federal, do sistema jurídico e do Poder Judiciário abrangem uma série de questões. Uma das constantes do regime foi a tentativa de “alinhar” o Supremo Tribunal Federal à ideologia oficial do Estado (RODRIGUES, 2002), o que significa ingerência na composição da Corte e a reformulação profunda do controle de constitucionalidade no Estado Novo (MOURA, 1942).

Tais questões envolvem, naturalmente, outro debate extremamente importante: a polêmica em torno da independência do Poder Judiciário e da autonomia da magistratura no Estado Novo.

Entre 1930 e 1945, houve a criação de três novos tipos de magistratura especial, a Justiça Eleitoral (1932), o Tribunal de Segurança Nacional (1936) (NUNES, 2014) e a Justiça do Trabalho (1941), cada uma com características próprias e naturalmente criadas em contextos diversos.

Um dos passos ousados dos intelectuais ligados ao autoritarismo varguista foi a tentativa de estabelecer novos métodos de interpretação judicial antiformalistas, dissociados, portanto, do que se considerava como excesso individualista da tradição liberal e seu formalismo jurídico.

Tal empreitada está registrada nas obras de doutrina, mas, ao final, permaneceu como edifício inacabado da aventura autoritária. Ou seja, o ideário antiformalista no campo da hermenêutica teve alguma penetração naqueles anos, mas prevaleceram as dificuldades teóricas de pôr em prática a “maleabilidade” hermenêutica.

Logo que os revolucionários chegaram ao poder em 1930 – dentre eles muitos tenentes que tiveram sucessivos habeas corpus negados pelas Suprema Corte em virtude das revoltas de 1922, 1924 e 1927, houve a aposentação compulsória de seis ministros do STF e a diminuição geral dos vencimentos. Foram exonerados pelo Decreto n. 19.656, de 18 de fevereiro de 1931, os ministros Godofredo Cunha3 (Presidente), Edmundo Muniz Barreto, Antônio Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque, Pedro Afonso Mibieli, Pedro dos santos e Geminiano Franca.

A revolta dos magistrados do Supremo Tribunal com a arbitrária aposentação compulsória se tornou célebre nos textos de resistência de Hermenegildo de Barros (BARROS, 1941) e de Pires e Albuquerque (ALBUQUERQUE, 1931), publicados originalmente nos jornais de grande circulação.

Em 25 de março de 1931, foi aprovado apenas mero “voto de saudade” pelos ministros remanescentes pelo afastamento dos seis que foram demitidos da Corte. Hermenegildo de Barros preferiu lavrar sozinho seu protesto contra a arbitrariedade de Vargas.

Anos posteriores, por ocasião da entrada em vigência da Constituição brasileira de 1937, a idade de aposentadoria compulsória baixou de 75 (setenta e cinco) para 68 (sessenta e oito) anos, ocasionando a situação de aposentadoria imediata para o próprio Hermenegildo de Barros4, Edmundo Lins5 e Ataulfo de Paiva.

Observou-se reações tão díspares diante da arbitrariedade do governo de Vargas Em 1937, o Ministro Edmundo Lins cordialmente agradeceu os elogios recebidos dados por Vargas, manifestando apreço por seus colegas do Tribunal com direito as citações de clássicos gregos. E, o combativo Ministro Hermenegildo barros, redigiu uma seca resposta para o Presidente da Corte, declarando que não mais iria ao STF.

Enfim, o Supremo Tribunal Federal acabou seguindo a ideologia oficial, inclusive comungando da guerra contra os inimigos da pátria, notadamente o comunismo, simbolizado pela Intentona Comunista de 1935.

Nos casos que envolviam a batalha contra o internacionalismo comunista, a marca da Corte foi o formalismo, não se opondo à institucionalização das medidas de combate aos inimigos do regime, mesmo que isso significasse seguir a Lei de Segurança Nacional (1936), que recebeu a alcunha de Lei Monstro6, redigida por Vicente Ráo.

É fato que o STF não possuía em sua plenitude as características que só veio adquirir nas derradeiras décadas7, de Corte Constitucional dirigida para a concretização e efetivação de direitos fundamentais e, ainda, à proteção das liberdades e garantias individuais.

Assim, a Primeira República, o papel crucial do STF no sistema era o de domesticar as infindáveis contendas existentes entre os membros da federação brasileira, interferindo e mediando as questões como o estado de sítio e a intervenção federal8.

A República Velha, também conhecida como Primeira República, é a primeira fase da república brasileira e estendeu-se de 1889 a 1930. Esse período ficou profundamente marcado na história brasileira por ter sido quando as grandes oligarquias controlavam a política do Brasil por meio de esquemas de troca de favores.

Esse controle enfraqueceu-se na década de 1920, motivando grandes movimentos de contestação. O resultado do enfraquecimento do sistema oligárquico levou à Revolução de 1930, levante armado que resultou na subida de Getúlio Vargas à presidência do Brasil.

A criação do estado de sítio9 ocorre no constitucionalismo francês como forma de poder militar, mas logo passou a ter conteúdo marcadamente político. E, decorre daí a distinção entre état de siège militarie o effectif e o état de siège o politique10, ou, respectivamente: o estado de sítio militar ou real de um lado e, de outro lado, o estado de sítio fictício ou político.

Ambos foram teorizados e aplicados nos momentos posteriores à Revolução Francesa, sendo que a principal diferença entre ambos é que enquanto o primeiro pressupõe uma ameaça militar, no segundo basta uma ameaça política.

É figura bastante controvertida e cujo principal questionamento reside na tentativa de diferenciar um estado de sítio que sirva aos propósitos democráticos de um uso no qual se serve das restrições impostas aos direitos individuais para estabelecer ditadura.

Houve ampla utilização do estado de sítio pela república brasileira nascente e pode ser visualizada quando somente os presidentes Campos Sales, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Delfim Moreira não invocaram em nenhum momento esse instituto.

Entre o período de 1891 a 1926, com destaque dado ao governo do Marechal Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro que foi quem primeiro usou do mecanismo e ao governo de Artur Bernardes11, quem mais utilizou o estado de sítio, além de se valer de envio maciço ao campo de internamento na fronteira da Guiana Francesa.

Seu governo (1922-1916) tece incrível marca de 1.287 dias em estado de sítio, de forma que não parece exagerado considerar que esse foi marcado pela excepcionalidade12.

A introdução do controle judicial de constitucionalidade das leis no Brasil estava muito mais associada à necessidade de manutenção das prerrogativas e das competências constitucionais da União por causa do novo modelo federalista.

A noção de imprescindível efetivação de direitos individuais que se tem hoje não necessariamente refletia o papel e a índole do Supremo Tribunal Federal nos anos 1930 e 1940 (CONTINENTINO, 2018).

Por um lado, tinha-se a defesa da autoridade da Constituição (e a preocupação com o cumprimento das decisões emanadas pela Corte), que deveria servir como foco de legitimidade para debelar momentos de crise política aguda, preservando a unidade nacional e a Federação.

A força do Supremo Tribunal Federal advinha, portanto, de marcar posição dentro do difícil equilíbrio com Executivo e Legislativo. O Tribunal Supremo certamente representava, durante a primeira metade do século XX, o elemento mais fraco e insipiente dentre os três poderes. Com a dissolução do Legislativo, restou ainda mais fragilizada a posição do STF, e não causa surpresa que a Corte tenha jogado papel de subserviência e omissão durante o Estado Novo.

O Supremo Tribunal Federal funcionou por décadas, essencialmente, como última instância de revisão. O lento amadurecimento do controle de constitucionalidade difuso13 no começo da República significou uma mudança de paradigma sobre como o Brasil enxergava sua Constituição.

Nos anos 1930, quando emergiam alguns consensos sobre o papel da Corte na domesticação de questões políticas e na estabilização do sistema, houve a ascensão de doutrinas abertamente autoritárias e a fragilização do Poder Judiciário de um modo geral.

As inovações do controle de constitucionalidade abstrato, baseadas em Kelsen e na experiência austríaca, tenham sido recepcionadas no Brasil nos anos 1930, o que prevaleceu foram as novas formas constitucionais autoritárias (MIRANDA, 1932).

Na Constituição de 193714, o Parlamento Nacional perdeu a competência para legislar, ao mesmo tempo em que foi autorizado a convalidar normas julgadas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal, quando pedido pelo Presidente da República (art. 96, CF/37).

Foi instituído verdadeiro “autocontrole” de constitucionalidade que, para Araújo Castro, era o “processo de racionalização do poder” da Constituição de 1937 que apenas atinge seu acabamento “lógico” nas “Constituições novas”, pois o controle de constitucionalidade das leis era visto como “garantia suplementar das liberdades individuais”.

Como Getúlio Vargas evitava a todo custo a institucionalização da própria Constituição de 1937, o “anticontrole” não foi aplicado pelo Parlamento do modo que a Constituição previa, e sim através dos tradicionais decretos do Presidente.

Havia o apoio doutrinário de Francisco Campos para a remodelação do controle de constitucionalidade. A acusação de Campos era clara: não cabia aos juízes propalarem diferentes interpretações sobre questões que lidavam com interesses primeiros da nação, uma vez que “a interpretação não dispõe de processos objetivos e infalíveis”.

Ao Poder Judiciário, portanto, não caberia mais a função de árbitro irrecorrível da constitucionalidade, pois o processo de transformação do mundo moderno, e seu caráter eminentemente dinâmico, era, na visão de Campos, frequentemente obstado por “uma interpretação orientada por critérios puramente formais, ou inspirados na evocação de um mundo que já morrera” (CAMPOS, 2001a).

Sob a interpretação, e dissimulados pela sua aparelhagem técnica e dialética, o que existia, muitas vezes, era uma doutrina, um dogma, ou um ponto de vista preconcebido, ou uma atitude filosófica em relação à vida econômica, política ou social.

Acontecia, assim, que, na frase de Oliver Holmes15, os tribunais transformavam a Constituição na Estatística Social de Spencer, lendo-a e interpretando-a através dos seus preconceitos filosóficos.

Ora, a interpretação não dispõe de processos objetivos e infalíveis e, por isto mesmo, está sujeita à influência do coeficiente pessoal do juiz. Não há, portanto, nenhuma razão para aceitar como decisiva ou definitiva, no plano em que se acham em jogo os maiores interesses da nação, uma interpretação que não dá nenhuma garantia objetiva do seu acerto.

Aos juízes não será, em consequência, permitido, a pretexto de interpretação constitucional, decretar como única legítima a sua filosofia social ou a sua concepção do mundo, desde que essa filosofia ou concepção obstrua os desígnios econômicos, políticos ou sociais do governo, em benefício da nação (CAMPOS, 2001a).

O novo controle de constitucionalidade do Estado Novo tenha sido implementado sem sequer ser acionado o Parlamento Nacional, em mais uma demonstração da precária institucionalização dos preceitos normativos da Constituição de 1937.

O corajoso voto do ministro Carlos Maximiliano, em mandado de segurança de 1939, simboliza a hipertrofia do Poder Executivo, e o consequente enquadramento da cúpula do Judiciário. O caso em questão é o MS n. 62316, relativo à incidência de imposto de renda sobre os vencimentos pagos pelos cofres públicos estaduais e municipais, julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Ocorre que o Decreto-Lei n. 1.564, de 5 de setembro de 1939, confirmou os textos de lei decretados pela União que haviam sido declarados inconstitucionais pelo STF, deixando sem efeito quaisquer decisões judiciais em contrário. A elegante reação de Carlos Maximiliano em seu voto demonstra a posição delicada e desconfortável a que estava submetida a Corte.

Evocando a frase célebre atribuída a Galileu Galilei no julgamento perante o Tribunal do Santo Ofício – e pur si muove (“e ainda assim se move”) , Eppur si muove! E, contudo, move-se. Segundo a lenda terá sido a frase murmurada por Galileu Galilei (1564 – 1642) após ter renegado a sua teoria heliocêntrica perante o tribunal da inquisição. Seja a frase verdadeira ou não, certo é que o legado científico de Galileu mudou o pensamento científico.

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Maximiliano deu o tom dramático da posição do Supremo Tribunal Federal na separação de Poderes do Estado Novo.

A lógica de sua crítica seca era a de que o eclipse não nega a existência do Sol. Ou seja, para o jurista gaúcho se tratava de um momento em que a concepção liberal do direito se encontrava em estado de hibernação, até quando durasse o processo autoritário.

O fato curioso é que Carlos Maximiliano era egresso das rígidas fileiras do positivismo gaúcho17, tendo desempenhado uma série de funções associadas ao castilhismo, especialmente ligado a Pinheiro Machado, enquanto sua história de vida durante o Estado Novo foi marcada por independência de posições quanto ao autoritarismo oficial.

O positivismo gaúcho, de matriz castilhista, não foi aquele construído por Comte, mas uma versão pragmática e instrumentalmente adaptada à realidade do Brasil e, principalmente, do Rio Grande do Sul, com um poder executivo forte e dotado de extensos poderes (ditadura republicana), com uma câmara de representantes que era apenas um órgão de assessoramento encarregado de votar os tributos e o orçamento, e liberdade de expressão restrita ou praticamente inexistente.

Tudo para garantir a supremacia oligárquica dos estancieiros e a permanência perpétua do Partido Republicano Riograndense (PRR) à frente dos destinos do Estado.

Maximiliano publicou “Hermenêutica e aplicação do Direito” em 1925, obra que logo se tornou um clássico da hermenêutica e da Teoria do Direito, estabelecendo as bases da evolução do campo no Brasil ao enfrentar uma série de questões espinhosas.

A terceira edição aumentada veio em 1941, contudo não se verifica pendor em direção às diretrizes antiformalistas do Direito, típicas do autoritarismo entre guerras. Nomeado ministro do Supremo Tribunal em 1936, Carlos Maximiliano foi aposentado compulsoriamente em 1941, aos 68 anos de idade, quando atingiu o limite de idade previsto na Constituição de 1937 (MAXIMILIANO, 1925; MAXIMILIANO, 1941).

Admitia-se o caráter controvertido do novo controle das leis, mas era taxativa a negação à tradição norte-americana do controle difuso, pois “a prática norte-americana não adquiriu prestígio universal” (MOURA, 1942). A exaltação ao plenipotenciário Chefe de Estado, portanto, era notória: Carl Schmitt18 foi mesmo entusiasta do Chefe de Estado, como guarda da Constituição.

E, é notável que o eminente escritor haja desenterrado do pó dos arquivos, para elogiá-lo calorosamente, como cousa digna de ser revivida, o pouvoir neutre, intermédiaireou modérateur, preconizado por Constant19 e acolhido pela Constituição brasileira de 1824 e pela Carta portuguesa de 1826. Que muito é, portanto, que o Brasil haja instituído uma guarda constitucional tríplice, por parte do Judiciário, do Executivo e do Legislativo? (MOURA, 1942).

Carta de 10 de novembro era encarada como um “sistema mixto”, ao mesmo tempo “rígida e flexível”. A visão que Almeida Moura estava centrada em um novo mito nacional, em que o Brasil, com a Constituição de 1937, estava a “sair de uma nebulosa”, através da estruturação de uma nova ordem, “que pode não ser tão esquemática como as que se descrevem nos velhos compêndios”, mas que era “mais realista” e “mais consentânea com o deslocamento, em favor do Executivo, do centro de gravitação dos poderes políticos” (MOURA, 1942).

O peculiar controle de constitucionalidade consagrado na Carta de 1937 não era necessariamente um controle das leis típico de um regime autoritário. Sem par no direito comparado, o controle de constitucionalidade feito Parlamento poderia, naturalmente, possuir formatação eminentemente democrática.

O controle do controle de constitucionalidade a ser exercido pelo Poder Legislativo acabaria por representar emenda à Constituição, ao negar uma decisão do Supremo Tribunal Federal, e assim referendar com firmeza um entendimento dos representantes do povo.

Obviamente, toda lei está inserida em um contexto histórico específico e, no caso do contexto autoritário do Estado Novo, o novo controle de constitucionalidade representava o rebaixamento do Supremo Tribunal Federal como órgão político e sua subordinação ao Presidente da República.

Ao despojar o Poder Judiciário de uma prerrogativa que lhe era essencial, Campos defendia que a Constituição de 1937 conferia “ao Parlamento é a faculdade de remover a inconstitucionalidade, mediante nova votação da lei, o que equivale, praticamente, a emendar a Constituição, tornando compatível com esta a lei impugnada”, quando se tratasse de “interesse nacional de alta monta”. Seu realismo dava mostras de como ele enxergava as engrenagens do jogo político e como assumia o Estado Novo como algo efetivamente revolucionário.

Ao negar a tradição norte-americana de controle de constitucionalidade, na verdade, estava execrando o que ele enxergava como o “governo dos juízes”, afirmando que nos Estados Unidos a “ideologia conservadora encontrou, assim, no Poder Judiciário, o instrumento destinado a moderar ou inibir os ímpetos democráticos da Nação. A Constituição passava, por um processo metafísico, a incorporar a filosofia dos juízes” (CAMPOS, 2001d).

Campos in litteris: “essa filosofia, que se confundia com a Constituição, tornava-se filosofia obrigatória no país”, e “só era constitucional a concepção do mundo dos juízes, o seu ponto de vista preconcebido em relação à sociedade, aos direitos individuais e aos interesses da nação”. É interessante notar que no pensamento campiano o controle de constitucionalidade inspirado nos norte-americanos era visto como “artifício”, que transferia o poder “dos órgãos de delegação popular enxergava a Corte Suprema como “órgão que não se origina do povo, e que não se encontra sujeito à sua opinião”, e Campos tinha como alvo principal atacar a “supremacia do Judiciário”, que na sua visão estava apenas disfarçada de “método jurídico”, de “caráter puramente lógico e objetivo”. Campos investia contra essa “ingênua doutrina”, que na sua visão fomentava a supremacia arbitrária do Judiciário (CAMPOS, 2001d).

O controle judicial das leis, portanto, era visto como “expediente sabiamente engendrado para o fim de impedir ou moderar as reivindicações populares”, atacando fatalmente a soberania popular.

Em resumo, Campos defendia a ilimitada soberania política do Chefe do Poder Executivo, que iria defender o povo dos interesses escusos dos grupos que continham o espírito de facção e o caráter individualista do decadente liberalismo político. Francisco Campos taxava o poder do Supremo Tribunal como “sobrevivência do Poder Moderador da Monarquia”, como “resíduo monárquico que se enquistou nas instituições democráticas, com o fim de embaraçar os seus movimentos, naturalmente orientados no sentido das inovações, das experiências e de uma concepção criadora e liberal da vida”, e isso iria de encontrar à vocação democrática do regime estado-novista;

Tratava-se, portanto, de não idealizar o controle de constitucionalidade norte-americano, que havia transformado “a Constituição no baluarte do conservantismo” (CAMPOS, 2001).

Campos se ancorava em livro de pouco impacto e limitada circulação à época, de Allen Smith, intitulado “The Growth and Decadence of Constitutional Government”, um membro da corrente progressista do pensamento jurídico norte-americano, que escreveu ácida crítica à democracia americana, publicada postumamente em 1930 (CAMPOS, 2001d).

Mais uma vez, se verifica o uso de autores do movimento progressive legal thought pelos pensadores autoritários brasileiros para fundamentar a concentração de poder autoritária.

Enquanto os norte-americanos muitas vezes criticavam os desvios do Poder Judiciário nos Estados Unidos – ou seja, as anomalias da Justiça em um sistema democrático –, o autoritarismo brasileiro usava com frequência como fundamentação e justificava para centralizar os Poderes da República na Presidência da República as críticas do progressismo jurídico norte-americano.

Segundo Campos, então, “a modificação introduzida pela Constituição de 10 de novembro teve por fim repor na Nação o controle do Governo, submetendo-o ao juízo do povo”. A concentração autoritária servia como modo se fazer o “governo do povo” (CAMPOS, 2001d).

O caso, por exemplo, do ministro Castro Nunes que aderiu abertamente ao regime do Estado Novo. Ainda que se possa argumentar que suas decisões foram técnicas e ponderadas naquele tempo (NUNES, 1943), sua aproximação com o governo na fase mais dura do varguismo foi celebrada inclusive em seus escritos doutrinários (NUNES, 1941).

Castrou Nunes foi nomeado ministro do Supremo Tribunal em 1940 e desde logo se mostrou à vontade em representar os interesses do Estado Novo, afirmando sem rodeios que “é que o crescimento do princípio da autoridade, o primado do Executivo, é, nas democracias débeis, um produto do instinto conservador da própria Nação”, e sua conclusão era de que tais democracias “vivem na alternativa permanente de escolherem entre a ditadura e a anarquia”.

Sua justificativa consistia que a “profundidade histórica do fenômeno está indicando que o presidencialismo, com a feição autoritária que só agora lhe demos, é uma constante de nossa evolução constitucional”.

E que o presidencialismo é “unidade na direção administrativa, administração estável, segura de sua róta, coordenada nos seus movimentos e controlada nos seus átos por meios adequados”, o que significava isolar o Poder Executivo do jogo político e da influência dos partidos políticos (NUNES, 1938).

Castro Nunes talvez seja o arquétipo do tipo de juiz que Oliveira Vianna definia como a “Oligarquia da Toga”, ou seja, aquele magistrado alinhado ao regime, que integra um Poder Judiciário aparelhado pelo novo Poder Executivo.

O escrito enigmático de Vianna que trata da ideia da “Oligarquia da Toga” foi publicado pela primeira vez em 1930 em Problemas de política objetiva, depois republicado em 1947 após a queda do Estado Novo.

Tanto Vianna quanto Castro Nunes aderiram à narrativa do governo que buscava a todo custo conter as “influências do espírito de facção”.

Isso significava que o Supremo Tribunal Federal deveria organizar a si próprio e as demais judicaturas do país, consagrando a imposição institucional sobre o “arbítrio” dos diversos tipos de oligarquia que o Brasil estava sujeito (VIANNA, 1947,).

No Estado Novo20, havia o ideal de que a aproximação entre Executivo e Judiciário seria o vetor da renovação nacional. Nesse esquema, existia certa confusão entre as atribuições e os limites de cada um dos três poderes, e, naturalmente, o “primado do Executivo” era sempre a expressão do tempo.

Castro Nunes defendia que a primazia do Poder Executivo não era a “negação dos outros poderes ou a concentração nas mãos do Chefe de Estado de todos os poderes constitucionais”, pois o Executivo apenas representava, com a Constituição de 1937, o “poder de direção política, com atribuições legislativas que lhe são próprias e mais as atribuições outrora reservadas ao Poder Moderador” (NUNES, 1943).

A discussão sobre os rumos do Poder Judiciário no Estado Novo passava por uma série de detalhes técnicos de organização institucional, e uma das pautas, que já se arrastava por muitas décadas, desde a Primeira República (SCHWAITZER, 2012 ), era o debate entre a forma unitária e a forma dualista da jurisdição.

A chamada Justiça Ordinária (CAVALCANTI, 1938), consagrando a forma unitária da jurisdição dentro do plano estadual, dissolvendo-se a primeira instância da Justiça Federal. Fixou-se, dessa maneira, a competência privativa da União para legislar sobre Direito Civil, Direito Comercial, Direito Aéreo, Direito Operário, Direito Penal e Direito Processual, abolindo-se, então o dualismo judiciário na primeira instância. Castro Nunes resumiu a questão: “um só Código, uma só justiça, esta estadual, aquele federal” (NUNES, 1943).

A discussão sobre a dualidade da Justiça teve diversos contornos e contextos entre 1930 e 1945 e foi extensamente debatida na doutrina, tanto na época do Governo Provisório (NUNES, 1931) quanto na reconstitucionalização que antecedeu o Estado Novo (CARNEIRO, 1934).

Em certo sentido, a Justiça Federal não se compatibilizava com a propositura de Estado realizada pelo autoritarismo da época, não tendo sido prevista pela Constituição de 1937 (apenas a primeira instância da Justiça Federal, contudo, foi extinta).

São ainda hoje nebulosas as razões pelas quais se realizou a anacrônica “unificação pela estadualização” da Justiça, que de certa forma caminhava na rota antagônica da concentração de poder do Estado Novo (SCHWAITER, 2012).

Independentemente dos detalhes em torno da unificação da Justiça, estava patente no pensamento de Francisco Campos a definição categórica de “crise do nosso Direito Judiciário”, que não seria algo apenas técnico, mas institucional, ligado à “velha aparelhagem judiciária” que não estava capacitada para alcançar as questões daqueles dias.

Sua acusação era a de que o “processo em vigor, formalista e bizantino, era apenas um instrumento das classes privilegiadas”, e Campos ia além, afirmando que as elites brasileiras “tinham lazer e recursos suficientes para acompanhar os jogos e as cerimônias da justiça, complicados nas suas regras, artificiosos na sua composição e, sobretudo, demorados no seu desenlace”.

Ou seja, para Campos, do modo como o Judiciário estava disposto, não seria possível acompanhar as transformações políticas do país e se impunha um novo regime de administração da Justiça.

Sentenciava Campos: “Responsável pelos bens públicos, o estado não pode deixar de responder pelo maior deles, que é precisamente a Justiça, e à sua organização e ao seu processo há de imprimir os traços da sua autoridade” (CAMPOS, 2001b).

Francisco Campos defendia que “à concepção dualística do processo haveria de substituir-se a concepção autoritária do processo”. Dessa forma, o processo não era mais encarado por Campos como “instrumento de luta entre particulares”, mas sim como “concepção do processo como instrumento de investigação da verdade e de distribuição da Justiça”.

Havia a propaganda do regime de que as reformas judiciárias e processuais estavam destinadas a “pôr sob a guarda do estado a administração da Justiça, subtraindo-a à discrição dos interessados, tem um sentido altamente popular”.

A revolução forense proposta por Campos tinha por objetivo centralizar ainda mais a tutela das disputas sociais, propalando o “sentido popular do novo sistema” (CAMPOS, 2001b).

Um manuscrito de Oliveira Vianna que não foi publicado durante a Era Vargas e restou inédito até 1991 joga luz sobre como os intelectuais autoritários encaravam o Poder Judiciário, o Direito Constitucional e os métodos de interpretação jurídica. Vianna defendia que os campos do Direito Público, Constitucional e Administrativo deveriam estar sujeitos a “critérios mais largos e livres do que os estritos critérios da escola clássica de interpretação”. Isso significava a proposta de uma “exegese construtiva” (VIANNA, 1991).

A adequação da magistratura ao regime autoritário estava calcada no artigo 177 da Constituição de 1937, que consagrava o arbítrio do Presidente da República para aposentar e afastar funcionários públicos (atingindo até mesmo ministros do Supremo Tribunal Federal) por conveniência do regime.

O argumento de Vianna era o de que se deveria seguir no Brasil os “fecundos critérios da Escola de Jurisprudência Sociológica dos modernos constitucionalistas americanos”, a exemplo de Holmes, Cardozo Llewellyn, Brandeis e Frankfurter.

Ao abandonar os clássicos da hermenêutica jurídica brasileira de Almeida Souza e Francisco de Paula Baptista, Vianna adotava um modo próprio de realismo jurídico que confiava nas inovações – democráticas – do progressismo americano para alicerçar sua leitura peculiar da “democracia autoritária” brasileira.

Partindo dos escritos do jurista italiano Arnaldo Volpicelli21, Vianna defendia a “tendência moderna de afirmação do Estado como entidade imanente à sociedade e não transcendente a ela, como nos regimes da democracia liberal ou parlamentar” (VIANNA, 1991).

Os superpoderes do Presidente da República sobre os magistrados eram definidos como “poder de expurgo”, em sintonia com as modernas tendências constitucionais, que sacralizava o Leader, o Duce ou o Führer como sinônimos de progresso.

A resolução do “problema da obediência do funcionalismo” ao Chefe do Executivo era vista como essencial para liderar a nação, e atacar a autonomia do Poder Judiciário se encaixava no pleno funcionamento do mecanismo de controle do Estado (VIANNA, 1991).

Oliveira Vianna, como se sabe, era um mestre da retórica. Ao mesmo tempo em que fazia defesa intransigente do fim da independência da magistratura e da autonomia do Poder Judiciário, colocava-se como defensor histórico e “insuspeito” da Justiça. Vianna se portava como alguém acima de qualquer crítica, que poderia defender o aparelhamento do Judiciário, pois havia defendido no passado sua autonomia: É lamentável que assim seja; mas, inevitável.

Ninguém menos suspeito do que eu para este julgamento. Sempre fui um partidário da independência do Poder Judiciário, da sua insubmissão às influências do Poder Executivo. Em dois livros de doutrina política – “Problemas de política objetiva” e “O idealismo da Constituição” – este de 1924, aquele de 1930 – afirmei este meu respeito à majestade deste grande poder humano.

Há dez anos, em 1932, quando membro da Comissão de Revisão da Constituição de 1891, reunida no Itamarati – pela passagem da magistratura estadual para a União, problematizei, então, a necessidade de esguardarmos, a todo preço a independência da magistratura em face dos poderes políticos (VIANNA, 1991)

Em resumo, Vianna havia defendido maior autonomia à Justiça em seus escritos de 1924 e 1930, e agora no endurecimento dos mecanismos de controle do Estado Novo sequer achava uma incongruência defender a sujeição do Poder Judiciário à centralização autoritária.

Esse texto não foi publicado à época e é possível que sequer tenha circulado nos meios forenses e intelectuais. Contudo, através desse material se percebe algumas das inclinações da ideologia autoritária no campo do Direito Constitucional, as nuances do autoritarismo jurídico: a ideia de Vianna consistia, inclusive, em passar a chamar o Poder Judiciário de Ordem Judiciária, pervertendo realmente as fundações da tradição de separação dos poderes no país (VIANNA, 1991).

A questão da interpretação antiformalista que os pensadores autoritários tentaram implantar no direito brasileiro não obteve o êxito pretendido.

Apesar das tentativas de alargar os métodos de interpretação jurídica através de conceitos de “maleabilidade” e “flexibilidade”, que seriam voltados a minar as bases formalistas que eram ligadas à tradição liberal e individualista, tal tentativa teve sucesso limitado.

Foram criadas instituições corporativas (VIANNA, 1937) e se estabeleceram jurisdições especiais com metodologias efetivamente novas, especialmente no que se refere à repressão dos crimes políticos e contra a segurança nacional (BRANCO, 1940)

Talvez o lugar onde tenha sido possível efetivamente aplicar o “novo” Direito foi no Tribunal de Segurança Nacional, que foi criado exatamente para defender o Brasil da ameaça do comunismo (NUNES, 1943). Sua formatação como Justiça Especial (a segunda criada por Vargas, a primeira foi a Justiça Eleitoral, criada em 1932, e a terceira foi a Justiça do Trabalho, de 1941) se deu em 1936, e logo foi remodelada de acordo com as diretrizes do Estado Novo.

Com a estabilização do novo regime, houve a preocupação de “normalizar” o Tribunal de Segurança Nacional como instituição adequada à Constituição e seu caráter de instituição permanente de Estado. E com isso se transformou uma jurisdição de exceção em instituição judiciária (MACHADO, 1943).

De um modo geral, a quebra da tradição com as leis de segurança e o novo modo de encarar a própria ideia de jurisdição restou patente durante todo o percurso da Era Vargas, seja antes ou depois do Estado Novo (NUNES, 2014).

Foi criada de modo polêmico em 1936, a Lei de Segurança Nacional22 regulou os draconianos procedimentos para os crimes contra a ordem política.

Atualmente, a Lei nº 7.170 de 1993 define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e a social, e prevê que quem praticar os atos descritos na mesma, por discordar do sistema político; ou com objetivo de obter dinheiro para manutenção de organização clandestina ou ilícita.

Dentre as condutas delituosas previstas na lei estão os atos de devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo.

O artigo 20 da referida lei enumera diversos atos criminosos que quando praticados com intuito de inconformismo político ou para obter fundos para manter organização ilícita, são passíveis de pena de reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos. A pena pode ser dobrada se o resultado for lesão corporal grave, e triplicada se resultar em morte.

O intuito da norma é proteger a segurança nacional, mais especificamente, a integridade territorial e a soberania nacional; o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; bem como as autoridades que representam os Poderes da União.

Com a reforma do Tribunal de Segurança Nacional23 já durante o Estado Novo, tal projeto era visto por Francisco Campos como um “modelar aparelho repressivo”, destinado a combater “o fantasma que tolhia quaisquer iniciativas proveitosas para o País” com “rapidez, serenidade e isenção de ânimo” (CAMPOS, 2001e).

O paraibano Raul Machado, juiz do Tribunal de Segurança Nacional, pontificava que se podia julgar com liberdade alicerçado em quaisquer provas e com “independência”: no novo sistema de repressão judicial se colocava que não “existia palavra mais vazia de sentido que liberdade”, e na verdade havia uma alteração radical de postura para se julgar com rapidez extrema os réus (MACHADO, 1940).

Conclui-se, pois, que o arcabouço de repressão judicial aos inimigos da pátria foi apenas a parte mais destacada do projeto varguista de sujeição da Justiça.

O Estado de Sítio está previsto nos arts. 137 a 141 da Constituição Federal de 1988: art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:

I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;

II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

Parágrafo único. O Presidente da República, ao solicitar autorização para decretar o estado de sítio ou sua prorrogação, relatará os motivos determinantes do pedido, devendo o Congresso Nacional decidir por maioria absoluta.

O Estado de Sítio pode ser declarado nas seguintes situações:

1.Comoção grave e extrema de repercussão nacional;

2.Insucesso das medidas adotadas no Estado de Defesa;

3.Declaração de Guerra ou resposta à agressão armada de outro país.

O Estado de Sítio pode durar por até 30 (trinta) dias. Porém, se for declarado em razão de guerra, pode se dar por prazo indeterminado.

Durante o Estado de Sítio, o Poder Executivo ganha papel mais relevante que os demais poderes (Legislativo e Judiciário), na sua declaração, devem ser indicados quais os direitos e garantias constitucionais serão suspensos, bem como quais as demais medidas que serão tomadas.

Dentre as medidas de exceção que podem ser adotadas, estão as seguintes:

Proibição de deslocamento para fora de determinada localidade;

Detenção em prédios comuns – e não em delegacias/presídios;

Restrições referentes à quebra de sigilos (correspondência, comunicações etc.);

Restrições à liberdade de imprensa;

Suspensão da liberdade de reunião e associação;

Requisição de bens e intervenção em empresas públicas ou privadas.

O Brasil já decretou Estado de Sítio quatro vezes, a saber:

Período Vargas (1930-1945) - Getúlio Vargas usou este mecanismo em várias ocasiões durante seu governo para controlar a oposição política24.

Governo Dutra (1946-1951) - O presidente Eurico Gaspar Dutra também usou o estado de sítio em 1948, por exemplo, para combater movimentos comunistas e sindicais.

Ditadura Militar (1964-1985) - Durante o regime militar, os Atos Institucionais funcionavam de maneira similar a um estado de sítio, dando amplos poderes ao governo para suprimir a dissidência.

Administração Collor (1990-1992) - Durante o governo de Fernando Collor de Mello, houve uma tentativa frustrada de decretar estado de sítio em 1992, como uma medida desesperada para se manter no poder em meio a um processo de impeachment.

O estado de defesa tem alcance e duração limitados, podendo ser decretado pelo Presidente da República para lidar com crises locais e temporárias.

O estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa”. Essas foram as palavras utilizadas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, dando a entender que a atual situação do Brasil poderia fazer com que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) decretasse o regime excepcional do “estado de defesa”25, um mecanismo previsto na Constituição Federal, mas que nunca foi utilizado no país.

Na avaliação de Cassio Casagrande apud Cerioni e Freitas, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), a forma com que o PGR se manifestou dá a entender que seria possível decretar o estado de defesa26 em âmbito nacional, o que não é possível. “O artigo é claro em estabelecer que ele só pode vigorar em locais restritos e determinados. Em princípio, não é possível decretar em todo o território”, afirma.

Além disso, o constitucionalista pontua que não há uma definição se uma situação pandêmica se enquadraria em uma calamidade de grandes proporções na natureza. “Acredito que não há hipótese nenhuma para decretar o estado de defesa hoje. Talvez se houvesse uma insurreição civil, mas não estamos vivendo isso hoje”, completa.

Daniel Sarmento apud Cerioni e Freitas, advogado e professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), diz que “de modo algum” há justificativa para decretar estado de defesa no Brasil. “Se as medidas de calamidade pública adotadas não estão surtindo todos os efeitos, em boa parte é por culpa do próprio executivo federal, atuando de maneira sistemática contra as medidas de saúde pública. Então, não faz nenhum sentido, para combater o que seria a situação de calamidade pública que é a pandemia, aumentar os poderes do Executivo, do então presidente Jair Bolsonaro”27, disse.

O estado de sítio tem um escopo mais amplo, requer aprovação do Congresso e é reservado para situações de extrema gravidade nacional. Ambos restringem direitos civis, mas o estado de sítio é mais abrangente nesse aspecto.

Segundo a Dra. Flávia Danielle Santiago Lima, a constante afirmação da “supremacia judicial” sobre a Constituição ou do poder de dar a “última palavra” sobre a interpretação do seu texto – numa manifestação aproximada ao maximalismo judicial – também gera censuras.

É de se destacar, todavia, que essa avaliação ocorre a partir de um conjunto de decisões polêmicas - ou seja, ativismo imputável a determinados julgados – que gera uma conclusão inegável.

Não se pode negar a relevância e repercussão destes julgados, de consequências por vezes inimagináveis, sobretudo pelo impacto que as decisões do STF geram num sistema que parece se encaminhar para a concentração de competências neste tribunal – e mais, que lhe assegura instrumentos para impô-las sobre demais poderes e órgãos jurisdicionais.

Mas a afirmação de que o STF é ativista, com amparo em decisões pontuais, sem a identificação de temas ou aspectos em que essa tendência é mais forte, mais que colaborar, pode obstaculizar o debate. Compromete, ainda, o inevitável aspecto descritivo da Teoria Constitucional, a partir do qual constrói suas prescrições.

Há um elemento comum entre ambas as sugestões – ativismo ou autocontenção: a possibilidade de invalidação dos atos dos demais poderes não é aprioristicamente rejeitada.

Como toda interação, há recuos e avanços. Convivem paradoxalmente progressos e retrocessos. Assim, cada diagnóstico oferecido espelha uma descrição contingente. E, isto ocorre na Corte, mas também na doutrina, cuja busca pela “categorização de caminhos aceitáveis” para o exercício da jurisdição constitucional – sobretudo do STF - mostra a necessidade de “adequação” da sua atuação aos parâmetros da CF/1988 e do arranjo democrático, mas tem dificuldade de oferecer uma resposta sobre o modo em que essas exigências podem ser viabilizadas no caso concreto.

Estando munido om poderes ditatoriais, Getúlio prosseguiu governando28. O clima de insegurança gerado pela Segunda Grande Guerra Mundial dava-lhe fortes argumentos para afastar qualquer possibilidade de retorno à democracia.

Foi apenas com a vitória dos aliados, aos quais ele se aliou após indecisão ao início, que foi editada a Constituição democrática de 1945. Deixando o poder e a ele retornando pelo voto popular em 1950, em plena democracia, não teve Vargas maior protagonismo nas questões de Direito e Justiça.

Através dos fatos colhidos de obras esparsas da ação de Getúlio Vargas na esfera jurídica e judicial. Mostrou-se que a personalidade desta importante figura da vida nacional, muito bem resumida por Luiz Octavio de Lima ao dizer: ‘”com sua aparência pouco imponente, pouco mais de 1,60 metro de altura, gordinho, de ar bonachão, em 1930 Getúlio Vargas já havia se acostumado e dosar gestos de camaradagem com demonstrações de autoridade para não parecer fraco ou manipulável”.

Em 1937, retomando poderes ditatoriais, Getúlio Vargas impôs nova Constituição, a chamada "Polaca", por sua semelhança à então vigente na Polônia desde 1935. Escrita por Francisco Campos, ela, realmente, impôs severas limitações ao Poder Judiciário. Além de extinguir a Justiça Federal, sem que contra isto pudesse haver qualquer questionamento, a Carta de 1937 não incluiu o mandado de segurança entre as garantias constitucionais, consequentemente excluindo-o do ordenamento jurídico29. No art. 94 proibia-se ao Poder Judiciário "conhecer de questões exclusivamente políticas.

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Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

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