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A interpretação equivocada de alguns municípios e a incidência do ITBI na integralização de bens ao capital social

Agenda 05/08/2024 às 11:22

Imunidade assegurada pela Constituição e no Código Tributário Nacional

O artigo 156, §2º, inciso I, da Constituição Federal1 assegura a imunidade do ITBI sobre a transmissão de bens ao patrimônio de pessoa jurídica destinados à incorporação de capital social. O artigo 36 do Código Tributário Nacional2, está em sintonia com disposição constitucional, o qual reforça a impossibilidade de incidência de ITBI nessas situações.

Diante da imunidade plena do art. 156, § 2º, I, da CF, os municípios não têm competência para dispor sobre o ITBI na transmissão de bens ou de direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, pois a imunidade decorre da Constituição e, logo, não se admite restrição, pois ela exclui a incidência do imposto.

Contextualização do Tema 796 do STF

Em agosto de 2020, o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário 796.376/SC, sob a sistemática de Repercussão Geral, e fixou a tese do Tema 796, do seguinte modo: "A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado". No caso concreto, a imunidade não foi aplicada ao valor destinado a reserva de capital.

No julgamento, o Ministro Relator Marco Aurélio defendeu a imunidade integral ao ITBI, argumentando que a incorporação de imóvel ao patrimônio de pessoa jurídica deveria ser imune, mesmo que o valor excedesse o limite do capital social a ser integralizado. Divergindo, o Ministro Alexandre de Moraes, em voto vencedor, afirmou que a imunidade do ITBI não se aplica ao valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado. Moraes destacou que considerar imóveis destinados a outros fins, como reserva de capital, sob a imunidade, seria uma interpretação extensiva e indevida.

A interpretação dos municípios

Os municípios, agindo em descompasso com o texto constitucional e com o CTN, passaram a cobrar o ITBI sobre a diferença entre o valor arbitrado pelo Fisco e o valor declarado pelo contribuinte ao integralizar o capital social, sendo que este último, quando utilizado, é idêntico ao constante da declaração de imposto de renda, conforme autorizado pelos artigos 23 da Lei nº 9.249/953 e 142 do Decreto nº 9.580/20184.

Esse equívoco resulta de uma ausência de interpretação assertiva do Tema 796, sendo que o entendimento correto, conforme a decisão do Supremo, é que a imunidade não alcança o valor destinado a reserva de capital, não se referindo à diferença entre o valor declarado pelo contribuinte e o valor de “mercado” arbitrado pelo Fisco municipal.

O valor atribuído pelo Fisco municipal, na verdade, é irrelevante para a empresa, pois não impacta em sua operação e sequer pode ser mencionado no contrato social, ou seja, não agrega qualquer diferença em seu patrimônio e não constitui reserva de capital.

Destaca-se que, embora o acórdão do STF mereça críticas, em momento algum ele autorizou que os municípios passassem a cobrar ITBI sobre a diferença entre o valor declarado pelo contribuinte e o valor arbitrado pelo Fisco municipal. O caso julgado pelo STF tratou especificamente da incorporação de imóveis que não foram destinados à integralização, por superarem, na declaração feita pelo contribuinte, o valor do próprio capital social, configurando uma reserva de capital (ágio), que tem outro conceito contábil, razão pela qual o STF entendeu não ser imune.

É imprescindível que se tenha em mente a distinção entre as contas de capital social e de reserva de capital. O capital social representa a participação dos sócios ou acionistas na propriedade de uma empresa e estabelece os direitos e obrigações de cada um, é o montante utilizado para determinar a parcela de lucros e perdas que cada sócio ou acionista terá direito ou obrigação, bem como a distribuição de dividendos. Por outro lado, a reserva de capital não afeta diretamente a participação societária, mas tem o escopo de fortalecer a estrutura financeira da empresa, servindo como uma reserva para futuros investimentos, expansões ou absorção de prejuízos, ela se origina por meio de ágio na emissão de ações, doações, ganhos de capital não realizados, entre outros.

Portanto, a interpretação adotada por alguns municípios e tribunais viola nitidamente a imunidade constitucional prevista, além de contrariar o próprio julgamento proferido pela Suprema Corte e, ainda, como se não bastasse, afronta o disposto no artigo 23 da Lei Federal nº 9.249/1995, em consonância com o artigo 142 do Regulamento do Imposto de Renda, Decreto nº 9.580/2018, os quais permitem a transferência do imóvel pelo valor declarado no imposto de renda, deferindo o ganho de capital para o futuro.

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Fato é que, na integralização do capital social por meio da transferência de bem imóvel, o contribuinte pode fazê-lo pelo valor constante da declaração do IRPF ou pelo valor de mercado, sendo uma faculdade da parte escolher um ou outro.

Necessidade de uniformização

A limitação imposta pelo STF referiu-se tão somente ao valor (parte do imóvel) que excedeu o limite do capital integralizado, ao contrário do que querem os Fiscos municipais, que apresentam a distinção entre o valor declarado pelo contribuinte e o arbitrado por eles. Frisa-se que o valor arbitrado pelo Município, denominado de valor de mercado, não foi objeto de análise de constitucionalidade no julgamento.

Registre-se, por fim, que não se aplica, em hipótese alguma, o Tema 1.113 do STJ5 (REsp nº 1.937.821/SP) aos casos em questão, pois a avaliação é inócua; não se discute sua forma, se foi ou não por processo administrativo próprio, mas sim se o imóvel foi incorporado pelo seu todo ou apenas parte dele. Na incorporação integral do imóvel, não há incidência, e a exigência de ITBI sobre a diferença de valores extrapola a competência da municipalidade, pois as imunidades excluem do Ente Tributante o poder de tributar.

Diante das divergências interpretativas, é imperioso que essas questões sejam submetidas à Suprema Corte, para que esta estabeleça, de uma vez por todas, a forma correta que deve se dar à interpretação do Tema 796, a qual precisa respeitar a imunidade garantida pela Constituição, bem como distinguir claramente a integralização dos imóveis ao capital social das outras reservas, a fim de uniformizar a jurisprudência, assegurando a segurança jurídica e a coerência tributária, impedindo que a tributação indevida onere operações societárias legítimas.

  1. Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...) § 2º O imposto previsto no inciso II: I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

  2. Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior: I - quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito; II - quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra. Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.

  3. Artigo 23 da Lei nº 9.249/1995: As pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado.

  4. Art. 142 do Decreto nº 9.580/2018: As pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos, pelo valor constante da declaração de bens ou pelo valor de mercado.

  5. Tese Firmada no Tema 1.113 do STJ: a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN); c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.

Sobre as autoras
Alice Grecchi

Advogada, sócia-fundadora do escritório Grecchi Advogados Associados, mestre em Direito Tributário, Juíza no Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais – TARF/RS.. Auditora Fiscal da Receita Estadual do RS (aposentada). Mestre em Direito Tributário. Graduada em Administração de Empresas e Direito. Ex-Conselheira do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Ex-Defensora do TARF – Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais. Professora em cursos de Pós-graduação e de Graduação. Conselheira do Conselho Curador da FESDT – Fundação Escola Superior de Direito Tributário. Membro do IET – Instituto de Estudos de Direito Tributário. Vice Presidente do IARGS – Instituto dos Advogados do Estado do Rio Grande do Sul. Ex-Presidente da ACISE – Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Esteio.

Vitória De Bona

Advogada, sócia do escritório Grecchi Advogados Associados, pós-graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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