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Ata Notarial para Usucapião Extrajudicial e para Adjudicação Compulsória Extrajudicial: é tudo a mesma coisa?

Agenda 12/08/2024 às 16:05

ATAS NOTARIAIS são instrumentos lavrados por Tabelião de Notas que servem como meio de prova (apenas mais um deles), nos termos do art. 384 do Código de Processo Civil. Sua utilização pode se dar tanto dentro como fora dos processos judiciais e, com o advendo do novo Código de Processo muita gente passou a conhecê-la (já que não há no CPC de 1973 um artigo expresso, em que pese podermos enxergá-la no artigo 364 daquele Código), todavia importa salientar que as Atas Notariais também já estavam previstas, por exemplo, na Lei de Notários e Registradores (inc. III do art. 7º) como competência exclusiva do Tabelião de Notas. O atual CPC de 2015 estabelece:

"Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.

Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial".

A doutrina especializada assinada pelos ilustres FERREIRA e RODRIGUES (Ata Notarial - Doutrina, prática e meio de prova. 2023) conceitua o instrumento da seguinte forma:

"Ata Notarial é o instrumento público pelo qual o tabelião, ou preposto autorizado, a pedido de pessoa interessada, constata fielmente os fatos, as coisas, pessoas ou situações para comprovar a sua existência, ou o seu estado".

A Ata Notarial como meio de prova ganhou relevo com o advento de dois importantes instrumentos extrajudiciais de regularização de imóveis: a USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL e a ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL, constando expressamente como itens obrigatórios e, portanto, indispensáveis na instrução do referidos procedimentos cartorários conforme as respectivas regulamentações (Provimentos CNJ 149/2023 e 150/2023).

Como sempre esclarecemos aos interessados a necessidade da Ata Notarial e seus elevados custos devem ser sopesados no momento da escolha entre a via judicial e a via extrajudicial já que na via judicial a ATA NOTARIAL não é item obrigatório para instrução processual, tanto para a Usucapião quanto para a Adjudicação Compulsória. Sua dispensa pode representar uma despesa a menos, em que pese ela possa também ser obtida com total isenção de custas e emolumentos conforme ato normativo local (no caso do Rio de Janeiro consulte o Ato Normativo Conjunto TJ/CGJ nº. 27/2013 e artigo 206 do atual Código de Normas Extrajudiciais).

Outro ponto que merece destaque no que diz respeito às Atas Notariais é que o atual Código de Normas Extrajudiciais do CNJ deixa claro que o comparecimento ao local do imóvel para sua lavratura não é obrigatório e nem a regra (inclusive na Usucapião), mas uma faculdade. Confira-se, tanto na Usucapião Extrajudicial quanto na Adjudicação Compulsória Extrajudicial:

NA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL:

"Art. 402. A ata notarial de que trata esta Seção será lavrada pelo tabelião de notas DO MUNICÍPIO em que estiver localizado o imóvel usucapiendo ou a maior parte dele, a quem caberá alertar o requerente e as testemunhas de que a prestação de declaração falsa no referido instrumento configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei.

§ 1.º O tabelião de notas PODERÁ comparecer ao imóvel usucapiendo para realizar diligências necessárias à lavratura da ata notarial".

NA ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL:

"Art. 440-F. A ata notarial será lavrada por tabelião de notas de escolha do requerente, SALVO SE ENVOLVER DILIGÊNCIAS NO LOCAL DO IMÓVEL, respeitados os critérios postos nos arts. 8º e 9º da Lei n. 8.935, de 18 de novembro de 1994, e observadas, no caso de ata notarial eletrônica, as regras de competência territorial de que trata este Código Nacional de Normas".

Efetivamente não parece mesmo ser o comparecimento ao local que vai definir exatamente, no caso da Usucapião que há a "posse alegada" (e isso só ratifica sua desnecessidade desde sempre no Processo de Usucapião Judicial onde "diligência" ao local não é regra condutora para a procedência do pedido, exatamente). Nessa linha de intelecção a doutrina especializada mais uma vez assinada pelo ilustre Registrador Imobiliário, FRANCISCO NOBRE (Manual da Adjudicação Compulsória Extrajudicial. 2024):

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"A par do conceito geral referido no item anterior, a lei concebeu diversos tipos de atas notariais especiais, nas quais o tabelião necessariamente desenvolve atividade cognitiva que não se limita a mero relato dos fatos. Assim ocorre, por exemplo, na ata notarial de usucapião, em que o fato atestado é de IMPOSSÍVEL PERCEPÇÃO direta pelo tabelião. A ata notarial de usucapião se destina a atestar a existência, as características e o tempo de posse ad usucapionem, conforme estabelece o art. 216-A, inciso I, da Lei de Registros Publicos. Considerando que o tempo de posse se prolonga por vários anos, é INVIÁVEL SUA PERCEPÇÃO sensorial direta pelo tabelião. (...) A cognição do tabelião, nas atas notariais especiais, importa precisamente em concluir a respeito da existência de fatos não presenciados, CONTRARIANDO o conceito geral de ata notarial".

Ademais, já tivemos caso onde mesmo em Usucapião Extrajudicial já foi autorizada a lavratura sem a diligência ao local do imóvel, por se tratar de local de alta periculosidade, por exemplo (Proc. Adm. CGJ/RJ 2021-0681027). De toda forma, como se disse, continuam sendo instrumentos obrigatórios para a instrução tanto da Usucapião Extrajudicial quanto da Adjudicação Compulsória Extrajudicial e ambas serão instrumentos considerados atos com valor econômico, por isso considerando o valor do bem em discussão (inc. I do art. 423 e art. 440-AM do CN/CNJ).

Como se viu, temos que a regra é clara com relação à competência para a lavratura: em consonância com a LNR (arts. 8º e 9º), na Adjudicação Compulsória Extrajudicial caso haja necessidade de comparecimento ao local do imóvel, a competência será do Tabelião de notas do município em que estiver localizado o imóvel ou a maior parte dele; já na Usucapião Extrajudicial, com ou sem comparecimento ao local, a competência será sempre do Tabelião de notas do município em que estiver localizado o imóvel ou a maior parte dele;

No que diz respeito aos objetivos, na Ata Notarial para Usucapião Extrajudicial a ideia será - ainda que não sendo possível diretamente ao Tabelião como aponta a doutrina que acompanhamos - que o mesmo ateste o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e circunstâncias (como aponta o inc. I do art. 216-A da LRP) além dos requisitos do art. 401 do CN/CNJ de modo a dar embasamento e mais segurança ao Registrador para que reconheça o direito pretendido pelo usucapiente; por tais razões nos parece muito recomendável a DILIGÊNCIA ao local até mesmo para "perceber" as nuances da posse alegada, o que se faz com a esperada SUTILEZA do Tabelião experiente (e se roga para que seus prepostos também a tenham, já que o Tabelião pode delegar a realização desse ato a seus prepostos). Já na Ata Notarial para Adjudicação Compulsória, como se viu, a diligência ao endereço do imóvel pretendido não é a regra já que essa Ata Notarial (que inclusive nem mesmo foi editada inicialmente com a Lei 14.382 como item obrigatório) deverá apenas analisar a documentação apresentada (mera instrução procedimental de forma documental)- ou seja, diligência ao local é dispensável porque a "POSSE" é algo que não se discute e investiga no procedimento de Adjudicação Compulsória, ao contrário da Usucapião.

POR FIM, como sempre destacamos, se efetivamente a via judicial - tanto para a Usucapião quanto para a Adjudicação Compulsória - for opção das partes (especialmente considerando que nela haverá maior possibilidade de dilação probatória, capacidade e envergadura para solução de casos mais complexos e sofisticados e, principalmente menos custos - como a DESNECESSIDADE DE ATAS NOTARIAIS de custos elevados) não deve ser a via judicial negada aos interessados, o que com toda razão configuraria atentado ao disposto no inciso XXXV do art. 5º da CONSTITUIÇÃO FEDERAL, como reconhece a jurisprudência recente do TJTO:

"TJTO. 0003929-87.2018.8.27.0000. J. em: 17/11/2021. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO EM RAZÃO DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DA PARTE AUTORA DECORRENTE DO NÃO ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. NULIDADE. ERRO DE PROCEDIMENTO (ERROR IN PROCEDENDO). USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL QUE NÃO É CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE PARA A AÇÃO JUDICIAL DE USUCAPIÃO. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. 1. O pedido de usucapião extrajudicial é uma FACULDADE conferida ao possuidor que visa adquirir o domínio sobre determinado bem, antes do ajuizamento de ação judicial. 2. Implementado pelo art. 1.071 do novo CPC (lei n. 13.105/2015), o procedimento de usucapião extrajudicial visa imprimir celeridade à obtenção do direito real, mormente em razão da supressão do procedimento especial de usucapião até então previsto no CPC/1973. Entretanto, a inobservância do procedimento extrajudicial NÃO OBSTA a propositura de ação judicial de usucapião. 3. Em se tratando de MERA OPÇÃO conferida ao usucapiente, a usucapião extrajudicial NÃO PODE SER IMPOSTA COMO CONDIÇÃO para a propositura, em Juízo, e/ou para o prosseguimento da ação judicial de usucapião. Entender de modo contrário resultaria em malferimento do DIREITO DE AÇÃO e do princípio constitucional de inafastabilidade do controle judicial. 4. Apelação cível conhecida e provida. Sentença desconstituída por erro de procedimento (error in procedendo), decorrente da inobservância do disposto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

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