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SecexConsenso e a Nova Era da Resolução de Conflitos no TCU

Agenda 27/08/2024 às 18:07

Resumo:

Este artigo aborda a criação da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso) pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Instituída pela Instrução Normativa TCU nº 91/2022, a SecexConsenso representa uma mudança significativa de paradigma na administração pública, promovendo a autocomposição na resolução de conflitos. A nova unidade busca soluções ágeis e juridicamente seguras para obtenção de consenso em processos colaborativos entre TCU, órgãos públicos e sociedade. Embora a iniciativa tenha sido em geral bem recebida, enfrenta críticas e questionamentos, especialmente sobre a constitucionalidade da norma que a criou. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 1183 reflete preocupações sobre a ampliação dos poderes do TCU. O futuro da SecexConsenso dependerá do desfecho desse debate jurídico, que poderá influenciar o modelo de resolução de conflitos na administração pública brasileira.

Palavras-chave:

SecexConsenso, Tribunal de Contas da União, Instrução Normativa TCU nº 91/2022, resolução de conflitos, administração pública, autocomposição, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), constitucionalidade, controle externo, gestão pública.

1. Breve introdução

Com a promulgação da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015, ganhou impulso na administração pública a utilização da autocomposição como método de resolução de conflitos. Essa mudança sinalizou a transição de um modelo jurídico que tradicionalmente defendia a indisponibilidade do interesse público para um paradigma mais moderno, que reflete a busca por maior eficiência, rapidez e adaptabilidade na gestão governamental. Órgãos como a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) têm se destacado na adoção bem-sucedida dessas práticas1.

Em dezembro de 2022, o Tribunal de Contas da União (TCU) aderiu a essa tendência ao instituir a Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso), com o objetivo de aprimorar a efetividade das políticas públicas e garantir soluções ágeis e juridicamente seguras por meio de um processo colaborativo entre sociedade e entes públicos. A SecexConsenso, criada pela Instrução Normativa TCU nº 91/20222, iniciou suas atividades em 2023.

O papel da SecexConsenso é multifacetado. Entre suas funções estão a construção de soluções consensuais na administração pública, o diálogo institucional com foco na prevenção de conflitos, o compartilhamento de informações durante as negociações de acordos de leniência, a elaboração de estratégias de participação cidadã e a articulação das ações de controle externo com os Tribunais de Contas do Brasil. O TCU assegura que o funcionamento da SecexConsenso não substitui outros procedimentos de fiscalização da corte, mas formaliza práticas que já eram realizadas de maneira informal em auditorias e acompanhamentos3.

2. O procedimento previsto na Instrução Normativa TCU nº 91/2022

A Instrução Normativa TCU nº 91, de 22 de dezembro de 2022, estabelece o procedimento para a solução consensual de controvérsias e prevenção de conflitos no âmbito do TCU, envolvendo órgãos e entidades da administração pública federal. A seguir, traçaremos um panorama do procedimento previsto na norma.

O processo se inicia com a apresentação de Solicitação de Solução Consensual (SSC), que poderá ser formulada pelas seguintes autoridades: presidentes da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal; Procurador-Geral da República; Advogado-Geral da União; presidente de comissão do Congresso Nacional ou de suas casas; presidentes de tribunais superiores; ministros de Estado ou autoridades do Poder Executivo federal de nível hierárquico equivalente; comandantes das Forças Armadas; dirigentes máximos das agências reguladoras; e relator de processo em tramitação no TCU.

A solicitação será registrada e encaminhada à SecexConsenso para uma análise prévia de admissibilidade. Em seguida, será submetida ao presidente do TCU, que avaliará a conveniência e a oportunidade de dar seguimento ao trâmite da solicitação de solução consensual, tendo em consideração o teor da análise prévia realizada.

Se o processo for considerado admissível, será então encaminhado à Secretaria-Geral de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (Segecex). Após ouvir a SecexConsenso, a Segecex designará os membros da Comissão de Solução Consensual (CSC).

A CSC será composta por servidores do TCU e por representantes dos órgãos ou entidades da administração pública federal que tenham solicitado a solução consensual ou manifestado interesse na solução. A participação de representantes de particulares envolvidos na controvérsia também poderá ser permitida, conforme avaliação da Segecex.

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O prazo para que a CSC elabore sua proposta de solução é de noventa dias, contados de sua constituição. O referido prazo poderá ser prorrogado, a critério do presidente do TCU, por mais trinta dias. Caso não seja possível elaborar a proposta de solução no prazo estabelecido, o presidente do TCU determinará o arquivamento do processo.

Caso todos os membros externos ao TCU na Comissão de Solução Consensual (CSC) concordem com a proposta de solução, juntamente com pelo menos uma das unidades representativas do TCU na comissão, o processo será encaminhado ao Ministério Público de Contas, que terá até quinze dias para se manifestar. Após esse parecer, o processo será encaminhado à presidência do TCU para sorteio de um relator entre os ministros. O relator deverá submeter a proposta à apreciação do plenário em até trinta dias, podendo solicitar prorrogação por, no máximo, igual período.

O plenário, por meio de acórdão, poderá sugerir alterações, acatar integralmente ou rejeitar a proposta da comissão, a qual deve se manifestar sobre as sugestões recebidas. Caso haja discordância dos representantes dos órgãos ou entidades da administração pública participantes da comissão, o processo será arquivado. Se houver concordância, a solução será formalizada por meio de termo firmado pelo presidente do TCU e pelos dirigentes dos órgãos e entidades envolvidos.

3. Resultados obtidos pela SecexConsenso

A SecexConsenso tem sido elogiada por parcela substancial dos gestores e vista como uma mitigação do problema do “apagão das canetas”4. A iniciativa representa uma mudança fundamental, substituindo a tradicional abordagem punitiva que sempre caracterizou a Corte de Contas por uma lógica centrada em acordos. Com essa nova postura do tribunal, gestores sentem-se mais confiantes e capazes de desempenhar plenamente seu papel: buscar as melhores soluções, em vez de optar apenas por aquelas que são mais convenientes e facilmente justificáveis. De acordo com informações divulgadas pelo Tribunal de Contas da União5 em 15 de agosto de 2024, cerca de 30 pedidos de soluções consensuais foram recebidos e estão sendo analisados, evidenciando uma forte adesão à busca por acordos. Os principais casos resolvidos incluem:

  1. Contratos de Energia de Reserva: soluções para usinas de energia resultaram em economias significativas e benefícios ambientais, com alterações que reduziram custos e ajustaram a geração de energia.

  2. Ferrovia Malha Paulista: alterações nas obrigações de investimento foram aprovadas, incluindo investimentos adicionais e pagamento extra à União.

  3. Ferrovia Malha Sul: definição de parâmetros para indenização pela devolução de um trecho ferroviário não operacional.

  4. Aeroporto de Cuiabá: ajustes no contrato, que resultaram em uma redução de tarifas e novos investimentos, mantendo a segurança operacional.

  5. Telefonia Fixa da Oi: acordo que garante investimentos e cobre lacunas de comunicação em áreas isoladas.

  6. Compra e Venda de Trens: acordo de mais de R$ 1 bilhão entre Mato Grosso e Bahia para aquisição de trens e equipamentos, solucionando litígios e viabilizando projetos de transporte.

O Tribunal de Contas da União destaca que, ao buscar soluções consensuais, valoriza diálogo como ferramenta fundamental para a construção de acordos duradouros e eficazes. Além disso, em todas as negociações o TCU assegura que o interesse público permanece como prioridade6. Assim, ao equilibrar diálogo, cooperação e defesa do interesse público, o TCU cria um ambiente de governança colaborativo e seguro, capaz de responder de forma ágil às demandas da sociedade.

4. Controvérsias sobre a SecexConsenso

Apesar dos avanços, a implementação da SecexConsenso não está isenta de controvérsias. Em 29 de julho de 2024, o Partido Novo apresentou, perante o Supremo Tribunal Federal, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 1183, questionando a constitucionalidade da Instrução Normativa TCU nº 91, de 22 de dezembro de 2022. Além do reconhecimento da inconstitucionalidade, foram formulados pedidos para que secretaria seja extinta, os acordos celebrados sejam anulados e o TCU seja impedido de criar novos órgãos com essa competência.

De acordo com o partido político, o ato normativo impugnado ampliou demasiadamente os poderes do presidente do TCU, permitindo que o tribunal participe da formatação de políticas públicas, extrapolando assim as atribuições constitucionais da Corte de Contas. Diversos governos estaduais solicitaram seu ingresso como amici curiae na ação. No momento em que este texto foi escrito, a ação não teve julgamento.

Frise-se ainda que a homologação de negociações entre ente privados e administração pública é vista com reservas pelo corpo funcional do TCU. Segundo pesquisa realizada pela Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AudTCU), 62,8% dos respondentes expressaram opinião no sentido de que o TCU não deveria realizar negociações entre o privado e a administração pública. Nos comentários, os respondentes afirmam haver preocupação com o fato de que o modelo não tem previsão na Lei Orgânica do TCU (Lei nº 8443, de 16 de julho de 1992), com uma possível confusão entre os papéis de controlador e gestor, e com possível entrelaçamento de interesses públicos e privados (“politização” do controlador)7.

Ademais, o modelo também é criticado por concentrar muito poder no presidente da Corte de Contas, por não exigir unanimidade entre as unidades técnicas do TCU, por possível falta de transparência (acesso público aos registros em vídeo) e por não contar com a participação institucional da Advocacia-Geral da União em todas as fases da formulação do acordo. Acrescente-se também a necessidade de um regramento mais rigoroso dos conflitos de interesses, uma vez que auditores do TCU não estão impedidos legalmente de exercer a advocacia ou de atuar como árbitros nas esferas estadual e municipal, por exemplo, e ministros da Corte de Contas podem participar de eventos patrocinados por interessados potenciais em suas decisões. A nosso ver, tais críticas devem ser levadas em consideração no futuro aprimoramento do marco normativo que rege a SecexConsenso. Afinal, a integridade não é apenas uma questão de ser honesto e verdadeiro, mas também de parecer honesto e verdadeiro aos olhos dos outros. Disso deriva a grande credibilidade que o TCU construiu perante a sociedade.

5. Conclusão

A criação da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso) pelo Tribunal de Contas da União (TCU) marca, portanto, uma tentativa significativa de modernizar e aprimorar a resolução de conflitos na administração pública. Por meio da Instrução Normativa TCU nº 91, de 22 de dezembro de 2022, a Corte de Contas busca oferecer soluções consensuais e ágeis para controvérsias, promovendo maior eficiência e colaboração entre os órgãos públicos. Noutras palavras, a SecexConsenso simboliza uma nova era na resolução de conflitos no TCU.

Para que se tenha uma dimensão da importância da recém-criada secretaria, cabe enfatizar que, conforme o ministro Bruno Dantas, foram recebidos “pedidos [de solução de controvérsia], dos mais diversos setores regulados, como energético, rodoviário, ferroviário, portuário, aeroportuário e de telecomunicações”, sendo que “a soma dos valores em disputa é da ordem de 220 bilhões de reais”8. Trata-se, assim, de novo arranjo institucional que poderá ter grande impacto no modelo de funcionamento da máquina pública, sobretudo se for futuramente replicado por tribunais e conselhos de contas estaduais e municipais.

No entanto, a criação dessa unidade técnica não ocorreu sem controvérsias. A ADPF nº 1183, movida pelo Partido Novo, questiona a constitucionalidade da norma, alegando que a SecexConsenso expande excessivamente os poderes do TCU e sua influência na formulação de políticas públicas, violando princípios constitucionais como a separação de Poderes e a legalidade administrativa.

O julgamento da ADPF poderá definir se o modelo de resolução consensual adotado pelo TCU será mantido, modificado ou mesmo extinto. O debate em curso ressalta a tensão entre inovação na administração pública e a preservação dos limites constitucionais das instituições, refletindo um momento crucial na evolução do controle e da gestão pública no Brasil.


  1. NASCIMENTO, Bruno Dantas. Um ano de SecexConsenso e a mediação técnica no TCU. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/direito-e-justica/2024/02/6796046-bruno-dantas-um-ano-de-secexconsenso-e-a-meditacao-tecnica-no-tcu.html. Acesso em 24 de agosto de 2024.

  2. Com as modificações realizadas pelas Instruções Normativas TCU nºs 92/2023 e 97/2024.

  3. Secom TCU. Você conhece a nova sistemática de decisões consensuais do TCU? Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/voce-conhece-a-nova-sistematica-de-solucoes-consensuais-do-tcu.htm. Acesso em 24 de agosto de 2024.

  4. KELMAN, Jerson. Apagão das canetas e papel do TCU na busca de consenso. Disponível em: https://brasilenergia.com.br/energia/opiniao/apagao-das-canetas-e-papel-do-tcu-na-busca-de-consenso. Acesso em 24 de agosto de 2024.

  5. Secom TCU. Acompanhe os pedidos de soluções consensuais que chegaram ao TCU desde 2023. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/acompanhe-os-pedidos-de-solucoes-consensuais-que-chegaram-ao-tcu-desde-2023.htm. Acesso em 24 de agosto de 2024.

  6. Secom TCU. Você conhece a nova sistemática de decisões consensuais do TCU? Ibidem.

  7. AudTCU. Saiba como os Auditores-CE do TCU responderam a Pesquisa sobre Solução Consensual no TCU. Disponível em: https://www.audtcu.org.br/comunicacao/noticias/1360-saiba-como-os-auditores-ce-do-tcu-responderam-a-pesquisa-sobre-solucao-consensual-no-tcu. Acesso em 24 de agosto de 2024.

  8. NASCIMENTO, Bruno Dantas. Idem., ibidem.

Sobre o autor
Marcus Paulo da Silva Cardoso

Graduado em Direito. Especialista em Direito Público.

Informações sobre o texto

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