Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A lógica socioeconômica do consumo na indústria da moda

Agenda 29/08/2024 às 15:56

A indústria da moda é estabelecida em formato de pirâmide. No topo estão as marcas renomadas, onde a originalidade atribui valor aos produtos, os chamados “bens posicionais”. É onde as tendências geralmente são criadas, cujas companhias assumem o maior risco do mercado.

Já a fast fashion, nome do segmento do qual fazem parte as empresas da base da pirâmide, o trabalho é voltado para a análise da popularidade das tendências e estratégias comerciais e não para criação e inovação. As tendências originais são copiadas pelas outras camadas, fazendo com que a criação de alta costura perca valor de mercado à medida que vai se popularizando [1].

Para Pierre Bourdieu, a moda é um meio pelo qual as pessoas distinguem-se, e tem por base o “gosto” dos indivíduos, o qual pode ser determinado pela classe social na qual o sujeito está inserido. Bourdieu afirma que o “gosto” surge por meio de experiências e valores, oriundos das rotinas criadas pela profissão, grau de instrução e condição financeira [2]. Em outras palavras, a moda é uma ferramenta de diferenciação entre classes, pois um indivíduo pode ser identificado como de tal classe por possuir determinado artigo de moda, e por isso as classes mais baixas buscam copiar ou almejam adquirir as marcas da moda, a fim de pertencer ao status social a elas atrelado [3].

Em estudo empírico, foi constatado que “através de práticas de consumo de bens posicionais ou hedônicos, indivíduos podem alterar sua sensação de poder e, ao mesmo tempo, a sua identidade (self)” [4]. Na indústria da moda, por “uma lógica econômica simples, quanto mais pessoas tiverem acesso a tal objeto, menor valor este terá, então será substituído para que outro possa aí atribuir nova noção de status” [5], pois para conferir tal alteração individual no sujeito a mercadoria precisa ter elevado grau na posição do mercado, conferindo exclusividade.

Uma das características do mercado de luxo é a exclusividade. Para tanto, as marcas de moda de luxo investem na criatividade, pesquisa, inovação e qualidade de suas peças. É notório que um designer de uma marca famosa, além de talento, deve realizar muito estudo e pesquisa para estar por trás de uma marca consagrada ou para lançar o seu próprio nome no mercado.

A criação de demandas constantes da moda são uma forma de manipulação do consumo por meio dos desejos ambiciosos dos consumidores [6]. E é por isso que todo o trabalho realizado pelas companhias de alta costura faz com que seja impossível (e que nem queiram) trabalhar com preços acessíveis e em comparação às empresas de fast fashion. Desta forma, empresas do mercado de luxo geralmente estabelecem edições limitadas de suas coleções e recolhem as peças que não são vendidas, efetuando promoções e bazares apenas para um seleto grupo de consumidores [7].

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Em um extremo, podemos citar quando, em 2017, o mundo ficou chocado ao saber que a Burberry destruiu mais de 28 milhões de libras em mercadorias com o objetivo de manter a exclusividade da marca [8]. Tal prática é comum no mercado de luxo, o que, principalmente nos dias de hoje, é bastante controverso diante de valores como sustentabilidade, consciência social e ambiental.

A boa notícia é que agora em 2024 cada vez mais a sustentabilidade tem sido pauta na moda, estando na vanguarda o consumo consciente, onde a qualidade voltada para a sustentabilidade está começando a ser priorizada em detrimento da quantidade, fazendo com que haja investimentos em peças sustentáveis e duráveis, tanto na criação, por parte das companhias, quanto na aquisição pelos consumidores.

Letícia Soster Arrosi, Doutora em Direito Comercial pela USP, mestre em Direito Privado e especialista em Processo Civil pela UFRGS, e advogada atuante em resolução de disputas e pesquisas referentes a consultas e litígios comerciais de Direito Civil, Análise Econômica do Direito e Propriedade Intelectual

Notas:

[1] MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito, 2015, p. 349.

[2] BOURDIEU, Pierre. A distinção – crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2007, p. 354 – 357.

[3] ZAKIA, J.V. P. O Mercado de Luxo diante do E-Commerce. In: CURY, M. F. (org.). ROSINA, M. S. G. (org.). Fashion Law, Direito e Moda no Brasil, RT, 2018, II Parte, cap. 7, p. 239-251.

[4] NASCIMENTO, Estefanie Silva do et al. Influência da Mudança de Status Econômico sobre o self Estendido. Revista de Administração IMED, Passo Fundo, v. 7, n. 2, p. 323-347, dez. 2017. Disponível em: <https://seer.imed.edu.br/index. php/raimed/arti cle/view/1955/1376>. Acesso em: 28 ago. 2024.

[5] ZAKIA, J.V. P. Op.cit. 2018.

[6] CAMPBELL, Colin. The Romantic Ethic and the Spirit of Modern Consumerism (Locais do Kindle 551-557)

[7] ARAÚJO, R. C., O Mercado de Luxo diante do E-Commerce ROSINA, In: CURY, M. F. (org.), ROSINA, M. S. G. (org.), Fashion Law, Direito e Moda no Brasil, RT, 2018, II Parte, cap. 1, p. 131 – 154.

[8] FERRIER, Morwenna, The Guardian, 20 jul. 2018, Disponível em https://www.theguardian.com/fashion/2018/jul/20/why-does-burberry-destroy-its-products-q-and-a Acesso em 26 ago. 2024.

Sobre a autora
Letícia Soster Arrosi

Doutora em Direito Comercial com ênfase em Propriedade Intelectual pela USP. Mestre em Direito Privado com ênfase em Direito Civil e Empresarial e Especialista em Processo Civil pela UFRGS. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS. Advogada atuante em resolução de disputas e pesquisas referentes a consultas e litígios comerciais de Direito da Moda, Direito do Entretenimento, Direito Cível Empresarial, Resolução de Disputas e Propriedade Intelectual

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!