Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A verdade material no processo administrativo de trânsito

Exibindo página 1 de 2
Agenda 25/01/2023 às 17:31

RESUMO: O presente trabalho visa contribuir para a reflexão daqueles que direta ou indiretamente lidam com sistema punitivo do Código de Trânsito Brasileiro. Tem o condão de, trazendo um panorama sobre o processo administrativo para imposição de sanções, chamar atenção para incoerências legislativas e administrativas de uma realidade fática vivenciada. Traz à baila a falha existente no sistema processual administrativo que acarreta, por vezes, em evidentes injustiças. Aborda-se, ainda, avanços e retrocessos de algumas das diversas alterações legislativas realizadas ao logo dos últimos vinte e três anos, desde a edição do atual Código de Trânsito Brasileiro. Faz considerações sobre os efeitos resultantes da aplicação da lei tal como vem sendo realizada e sugere medidas para um trânsito mais seguro e justo.

PALAVRAS CHAVES: Poder de Polícia, Infração de Trânsito, Processo Administrativo de Trânsito, Verdade Material.

INTRODUÇÃO.

Ao longo dos séculos a humanidade sempre precisou se locomover para satisfação de seus desejos e necessidades. Essa locomoção, nas vias terrestres, na quase totalidade das vezes ocorria por caminhadas, individuais ou coletivas, ou por transportes em animais ou carroças. Não havia meio de transporte significativamente diversos desses.

Podemos dizer que há menos de duzentos e cinquenta anos isso começou a mudar, quando o primeiro automóvel foi desenvolvido pelo francês Nicholas Cugnot2 e, de lá para cá os meios de transportes nunca mais foi o mesmo.

Com a evolução do sistema automotivo, as ruas se enchendo de veículos, o Estado começou a estabelecer regras de uso das vias públicas, como ocorreu na Inglaterra em 1836 com a lei da “bandeira vermelha”, estabelecendo limite de velocidade das vias públicas e alerta aos pedestres.

No Brasil, o trânsito em vias públicas foi efetivamente disciplinado e sistematizado com o Decreto-Lei 2.994/41 com alterações do Decreto-Lei 3.671/41, estabelecendo ali regras para habilitação, veículos, infrações, dentre outras de interesse à época.

Com a evolução natural da humanidade, a chegada da tecnologia, a produção de veículos em grande escala, mais pessoas passaram a ter acesso a veículos automotores e, como consequência, problemas começaram a aparecer e, os já existentes, se acentuaram.

Atualmente, quase uma a cada quatro pessoas possui algum tipo de automóvel3, o que permite dizer, por aproximação que, cada família estabelecida no brasil possui um automóvel. Se, no entanto, considerarmos as demais modalidades, como motocicletas, caminhões, caminhonetes, ônibus, entre outros, chega-se a mais de cem milhões de veículos, e aproximadamente duas a cada cinco pessoas são habilitadas para conduzir algum tipo de veículo4.

Com tantas pessoas envolvidas e sendo usuárias do sistema viário, do trânsito e do transporte, plenamente legítima se faz a intervenção estatal para estabelecer limites à atuação humana, em respeito ao interesse público.

A violação dos limites legalmente estabelecidos implica, por vezes, em infrações previamente tipificadas, com sanções previamente estabelecidas.

O presente estudo, assim, tem como objetivo analisar a atuação estatal na imposição das sanções e medidas administrativas àqueles que, por inobservância das regras, violam o direito de trânsito em prejuízo ao interesse público.

Nesse viés, entende-se que a imposição de restrições estatais deve ser precedida de regular processo administrativo que assegure o direito de defesa e do contraditório ao acusado de violação das regras de trânsito.

Justifica-se, desta forma, que o tema tem especial relevância, pois, ao perseguir o acusado em processo administrativo a Administração Pública deve trabalhar na busca da verdade, para que a punição, se cabível, possa ser imposta de modo a alcançar o seu fim.

  1. SISTEMA NACIONAL DE TRÂNSITO.

O trânsito em vias terrestres, em todo território nacional, atualmente, vem disciplinado pelo Código de Trânsito brasileiro, que é a lei 9.503/97 e suas posteriores alterações.

Pretendeu o legislador pátrio organizar o trânsito de veículos e de pedestres em todo o território nacional sem deixar de fora a importante atuação federativa da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

Disciplinou o legislador que o sistema nacional de trânsito seria composto de órgãos consultivos, deliberativos, coordenadores e executivos, abrangendo a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal.

  1. Órgãos Consultivos, Coordenadores, Normativos e Deliberativos

Da leitura dos artigos 12 a 17, do Código de Trânsito Brasileiro identificamos o Conselho Nacional de Trânsito, os Conselhos de Trânsito dos Estados e do Distrito Federal e as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações. Os primeiros, da União e Estados e Distrito Federal, são órgãos consultivos, coordenadores, normativos e deliberativos, enquanto o último, de que grau federativo for, tem competências deliberativas, adstrita ao julgamento de recursos, exclusivamente.

  1. Conselho Nacional de Trânsito.

O Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, coordenador do Sistema Nacional de Trânsito – SNT, é o Órgão Máximo normativo e consultivo, sediado no Distrito Federal e presidido pelo dirigente do Órgão máximo executivo da União, composto por representantes de dez ministérios do governo federal.

Como órgão da União, o CONTRAN recebeu a competência de coordenar o sistema e de expedir normas regulamentares do código de trânsito, estabelecer a diretrizes da política nacional de trânsito, uniformizar procedimentos, dirimir os conflitos de competência e circunscrição entre os órgãos do sistema, dentre outras estabelecidas.

A competência normativa do CONTRAN tem o condão viabilizar a fiel execução da legislação de trânsito, padronizando procedimentos a serem seguidos pelos órgãos de trânsito dos entes federados. Podemos dizer, de certo modo, que o CONTRAN, na órbita administrativa, é o responsável por produzir a legislação de polícia, sem poderes para inová-la, embora isso por vezes aconteça.

Enquanto órgão consultivo que é, ao CONTRAN compete responder as consultas que lhe forem encaminhadas, relativas à aplicação ou interpretação da legislação de trânsito em aspectos gerais.

Compete ao CONTRAN também atuar como órgão julgador, quando interpostos recursos contra decisões de instâncias inferiores, quando existente decisões administrativas que necessitem de uniformização ou para dirimir conflitos de competência ou circunscrição.

  1. Conselhos Estaduais de Trânsito e do Distrito Federal.

Os Conselhos de Trânsito dos Estados e do Distrito Federal – CETRAN e CONTRANDIFE são Órgãos consultivos, normativos e deliberativos, a quem compete elaborar normas no âmbito de suas respectivas competências, responder a consultas relativas à aplicação da legislação de trânsito e procedimentos normativos e julgar recursos interpostos contra decisões da JARI e contra inaptidão física, mental e psicológica em matéria de trânsito, além de exercer outras competências similares as do CONTRAN, porém exclusivamente no âmbito do respectivo Estado.

A função consultiva do CETRAN tem especial relevância, pois é órgão estadual que possui competência para, no âmbito administrativo, dar interpretação às normas de trânsito, padronizando e uniformizando sua aplicação. Especial destaque merece à atuação do CETRAN de Santana Catarina que disponibiliza em seu sítio mais de trezentos pareceres sobre diversas questões ligadas a legislação de trânsito, servindo como norte àqueles que trabalham nessa seara.

A normatização também tem especial relevância, pois o CONTRAN não consegue atender em tempo e a contento as demandas de todo o território nacional, não tendo, inclusive, elementos suficientes para as demandas regionais. Neste ponto destacamos a Deliberação 141/2003 do CETRAN de São Paulo que, visando suprir a lacuna à época existente, deu orientações sobre o processo de suspensão e cassação do direito de dirigir, sobre a impossibilidade de retenção ou apreensão do documento de habilitação antes do esgotamento dos recursos administrativos, e também que o Detran não poderia restringir a renovação da habilitação pela simples existência de pontos no prontuário do condutor5.

Por último, porém não menos importante, os CETRANs e o CONTRANDIFE têm a competência para julgamento de recursos administrativos interpostos contra decisões proferidas pela JARI. Por ser a decisão final, a qual encerrará o processo administrativo de trânsito, disciplinou o legislador que todos os integrantes dos CETRANs e do CONTRANDIFE deveria ter reconhecida experiência em matéria de trânsito, com vistas à tentativa de assegurar decisões mais adequadas e justas.

  1. Juntas Administrativas de Recursos de Infrações.

Junto a cada Órgão ou Entidade executivo de trânsito ou rodoviário funcionarão Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARIs, órgãos colegiados responsáveis pelo julgamento de recursos interpostos contra penalidades por eles impostas.

As JARIs têm regimento próprio, observadas as diretrizes estabelecidas pela CONTRAN, recebendo apoio administrativo e financeiro do órgão ou entidade junto ao qual funcionem.

Junto a cada órgão de trânsito poderão existir uma ou mais JARIs, a depender da necessidade, sendo cada uma delas composta por três integrantes titulares, facultada a suplência. Um deles deverá ter no mínimo ensino médio e conhecimento na área de trânsito. Os outros dois serão: representante do órgão autuador e outro representante de entidade ligada a área de trânsito [associação, sindicato etc.]. A crítica que fazemos é que a norma não exige um mínimo de escolaridade para dois dos três membros, nem tampouco que tenham qualquer vivência com o trânsito.

Os membros das JARIs são investidos no mandato pelo período mínimo de um e máximo de dois anos, a depender da forma que dispor o regimento interno, podendo ainda ser reconduzido, se houver previsão para tanto, conforme diretrizes estabelecidas pelo CONTRAN na resolução 357/2010. O mandato garante estabilidades aos integrantes da JARI, de modo que não poderão ser destituídos por suas convicções e votos, salvo se comprovada ilicitude, dolo, fraude ou má-fé. Todavia, poderá o regimento interno prever a perda do cargo em caso de não comparecimento nas sessões ou quando houver conduta que torne o membro inidôneo para composição do colegiado.

Compete à JARI o julgamento de recursos interpostos pelos infratores, solicitar informações fáticas e técnicas ao órgão executivo de trânsito ou rodoviário informações complementares relativas aos recursos, objetivando uma melhor análise da situação recorrida e encaminhar ao órgão executivo de trânsito e executivo rodoviário os problemas mais recorrentes observado nas autuações, visando que sejam corrigidas.

  1. Colegiado Especial de Julgamento de Recursos.

O colegiado Especial de Julgamento de Recursos, tratado no artigo 289, I, do CTB6 é o órgão responsável pelo julgamento de recursos interpostos pelo vencido - autoridade de trânsito ou o infrator – contra a decisão proferida pela JARI.

A composição do colegiado é híbrida, a depender do contexto fático- jurídico de onde estiver instalada. Primeiro ponto a ser considerado é que o colegiado especial só tem lugar junto aos órgãos executivos de trânsito e executivos rodoviários da União. O segundo ponto é que se instalado junto ao órgão de trânsito onde funcione mais de uma JARI, o colegiado será integrado pelo coordenador das JARIs, pelo presidente da junta que tenha apreciado o recurso em primeira instância e pelo presidente de outra JARI instalada no âmbito daquele órgão executivo de trânsito. O terceiro ponto é que se existente uma única JARI instalada junto àquele órgão executivo de trânsito, o recurso será apreciado e julgado pelos mesmos integrantes que julgaram em primeira instância.

O julgamento realizado pelo Colegiado Especial tem natureza de decisão da segunda e última instância administrativa, mas, em verdade, porém, só terá natureza recursal, em sentido estrito, quando proferida pelo colegiado integrado pelo Coordenador das JARIs, pelo presidente da junta que proferiu a decisão de primeiro grau e pelo presidente de outra junta, pois, quando existente uma única junta, a reapreciação, pelos mesmos integrantes, tem natureza de natureza de pedido de reapreciação ou reconsideração7.

A decisão do colegiado especial, por sua natureza de instância final, equivale às decisões dos Conselhos de Trânsito dos Estados, do Distrito Federal e da União e, por isso, embora não tenha exigência expressa na legislação, devemos entender, pelo princípio da simetria, que os integrantes desse colegiado tenham reconhecida experiência em trânsito [artigo 15, §3º, CTB], sob pena de serem proferidas decisões administrativas finais injustas, ilegais e inadequadas à realidade.

  1. Órgãos Executivos.

    1. Da União.

No âmbito da União são três os órgãos executivos de trânsito e executivos rodoviários: o Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN [artigo 19], o Departamento de Polícia Rodoviária Federal - DPRF [artigo 20] e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte – DNIT [artigo 21].

O DENATRAN é o órgão máximo executivo de trânsito da União e, diferentemente de todos os demais órgão executivos ele não possui competências de fiscalização de trânsito, mas, ainda assim, é o órgão executivo que detém o maior número de competências, com especial destaque para adoção de medidas de supervisão, coordenação, correição dos órgão delegados, a articulação com órgãos de transporte e de segurança pública, apuração, prevenção e repressão de práticas de atos ímprobos, a coordenação e administração do sistema de arrecadação de multas interestaduais e do fundo nacional destinado à segurança e à educação de trânsito e ainda a possibilidade de intervir e assumir as funções dos órgãos de trânsito que sejam deficientes técnica ou administrativamente no combate aos atos de improbidade ou contra a Administração Pública.

O DPRF é o Órgão de Segurança Pública rodoviária da União, que atua nas rodovias federais a quem compete o patrulhamento ostensivo, com operações ligadas à segurança, inclusive segurança de trânsito. Diversas outras são as suas competências, mas o que importa para este trabalho são as competências de fiscalização de aplicação das sanções e medidas administrativas inerentes às infrações de trânsito.

As competências do DNIT, por sua vez, em muito se confundem com as competências da própria PRF, porém, se apresentam como ainda mais amplas, pois o artigo 21 do CTB faz ainda menção expressa à possibilidade de fiscalização de eventos não autorizados em vias públicas, excesso de peso, veículos superdimensionados ou superlotados.

  1. Dos Estados.

No âmbito dos Estados, como órgão temos os Departamentos de Estradas de Rodagens – DERs [artigo 21], os Departamentos Estaduais de Trânsito – DETRANs [artigo 22] e as Polícias Militares – PMs [artigo 23].

Os DERs são órgãos da Administração Pública direta ou Indireta, conforme organização administrativa da respectiva Unidade Federativa, responsável pelo planejamento e a operação do trânsito nas rodovias que estejam sob a custódia do Estado, devendo adotar ali as medidas necessárias para assegurar aos usuários um trânsito seguro. Em matéria de fiscalização detém competência ampla, podendo fiscalizar o cometimento de infrações de circulação, parada, estacionamento, superdimensionamento, superlotação, excesso de peso, entre outras previstas no artigo 21.

Os DETRANs são órgãos da Administração Pública direta ou Indireta, conforme organização administrativa da respectiva Unidade Federativa, que mais se aproxima do dia a dia do cidadão, em virtude das competências conferidas pela lei. É o responsável por registrar, vistoriar e emitir o licenciamento dos veículos e a habilitação dos condutores, bem como também pela restrição a esses direitos. O DETRAN é ainda responsável pela fiscalização de trânsito e autuação nas vias urbanas do respectivo Estado das infrações cometidas, excetuando-se aquelas descritas no artigo 24, VI e VIII.

Às Polícias Militares, em razão dos inúmeros vetos contidos no artigo 23, do CTB, compete executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes. A Polícia Militar, nesse viés, atua como agente credenciado de outro órgão de trânsito, conforme previsão contida no artigo 25 e 280, §4º, do CTB. Sem convênio não pode a Polícia Militar fiscalizar o trânsito, pois a existência de convênio é condição de validade de sua atuação8.

  1. Dos Municípios.

No âmbito dos Municípios disciplinou o legislador a possibilidade da criação de órgãos executivos de trânsito para exercício das competências previstas no artigo 24, que inclui, dentre elas, a fiscalização de trânsito e a imposição de penalidades.

As competências previstas no artigo 24 são exercidas no âmbito territorial do Município, exclusivamente nas vias de interesse municipal, excluindo-se, portanto, as vias públicas de interesse estadual ou da união, como as rodovias estaduais e federais.

Para exercício das competências municipais é necessário que o Município seja integrado ao Sistema Nacional de Trânsito, conforme previsto no artigo 24, §2º e artigo 333, ambos do CTB. A integração, por sua vez, está regulamentada pela resolução 560/15 do CONTRAN.

A integração do Município ao sistema nacional de trânsito ocorrerá após a aprovação de lei municipal que discipline internamente o assunto [artigo 30, I, CF], podendo o órgão de trânsito ser constituído como Órgão da Administração Direta ou da Administração Indireta. Se órgão da Administração Pública direta, estará vinculado e subordinado a organização administrativa da prefeitura local. Se constituída como ente da Administração Pública Indireta poderá fazê-lo como Autarquia, Empresa Pública ou Sociedade de Economia Mista. Todavia, quanto às duas últimas, parte da doutrina e da jurisprudência tem entendido que as empresas públicas e sociedades de economia mista, por serem constituídas como pessoas jurídicas de direito privado não poderiam impor sanções administrativas aos administrados9. Aliás, a Municipalidade de São Paulo encontrou saída bastante interessante colocando a Companhia de Engenharia de Tráfego - CET10 para operar e fiscalizar o sistema viário e o Departamento de Operações do Sistema Viário – DSV, como órgão Administração Pública que é, como órgão sancionador.

Ainda sobre a impossibilidade de Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mistas atuarem na fiscalização de trânsito, destacamos o recente julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 633.782/MG, com repercussão geral reconhecida, quando o Pleno, por maioria, reformou decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça nos Embargos Declaratórios no Recurso Especial 817.534/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/05/2010, fixando a tese que as referidas empresas podem exercer poder de polícia11.

  1. PODER DE POLÍCIA E POLÍCIA DE TRÂNSITO.

    1. Generalidades.

O Poder de Polícia, diferentemente do que o leigo pode pensar, não é o mesmo que o “poder da polícia”, embora esta, em regra, possua tal poder.

O Poder de Polícia é uma das atividades mais importantes da Administração Pública, sem a qual a Administração não teria meios para desenvolver grande parte das funções constitucionalmente atribuídas.

Em regra, os direitos que constitucionalmente possuímos sofrem limitações por parte da Administração Pública, sobretudo para preservar o interesse público. Assim, se não há interesse público na limitação desse direito, não haverá atuação do Poder de Polícia. Por outro lado, sempre que formos exercer um direito e seu exercício puder afetar de alguma forma a coletividade, esse direito estará sujeito às atividades de polícia.

  1. Conceito.

O Poder de Polícia, como definição legal, só possui aquela do art 78 do Código Tributário Nacional – CNT12, que, inclusive, cai muito bem para todas as áreas do direito administrativo, cujo conteúdo é abrangente e, quase a totalidade das vezes, dá ao administrador condições de atingir sua finalidade.

A doutrina conceitua o tema de forma muita próxima a própria definição legal, alguns de forma mais restritiva outros de forma mais abrangentes.

Diógenes Gasparini conceitua Poder de Polícia como sendo atribuição “que dispõe a administração pública para condicionar o uso, o gozo e a disposição da propriedade e restringir o exercício da liberdade dos administrados no interesse público ou social13”.

Hely Lopes Meirelles, por sua vez, traz o que podemos chamar de conceito mais técnico da noção poder de polícia, dispondo que “é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública, para conter os abusos do direito individual14”.

Caio Tácito, de forma mais ampla, explica que:

É o principal instrumento do Estado no processo de disciplina e continência dos interesses individuais, reproduz, na evolução de seu conceito, essa linha ascencional de intervensão dos poderes públicos. De simples meio de manutenção da ordem pública ele se expande ao domínio econômico e social, subordinando ao controle e à ação coercitiva do Estado uma larga porção da iniciativa privada15”.

Ainda o prof. Caio Tácito, noutra ocasião16, de forma mais simplificada ensinou que “o poder de polícia é, em suma, o conjunto de atribuições concedidas à Administração Pública para disciplinar e restringir, em favor do interesse público adequado, direitos e liberdades individuais”.

Por esses conceitos, sem necessidades de outros doutrinadores, entendemos que o poder de polícia tem em seu bojo a conjectura de proteger a coletividade, o interesse público, em seu sentido mais amplo possível. Ou seja, restringe-se o individual ou privado para assegurar o coletivo, o interesse sobreposto, o interesse público.

Atributos.

O Poder de Polícia administrativa tem atributos específicos e peculiares ao seu exercício, atributos esses que se prestam a dar eficácia aos atos de polícia, e tais são a Discricionariedade, Autoexecutoriedade e a Coercibilidade.

A discricionariedade, como bem vem ensinando a quase totalidade da doutrina, é justamente a faculdade que a Administração Pública tem para decidir entre os determinados parâmetros legais. Com essa discricionariedade a Administração Pública diante de casos concretos pode decidir, de acordo com as peculiaridades de cada caso, qual a medida ou sanção aplicar, dentre aquelas que a norma de direito permita.

O ato discricionário, até mesmo para não ser tido ou confundido como arbitrário, deve ser motivado, como regra geral. Caio Tácito em determinado momento chamou esta discricionariedade de “faculdade para apreciar o valor dos motivos e determinar o objeto do ato administrativo17”.

Assim, a discricionariedade possibilita à Administração Pública a faculdade para decidir em aplicar norma mais severa ou mais branda, dentre as quais a lei lhe permita, observando, para tanto, a gravidade do ato praticado, os antecedentes do suposto infrator, o dano concreto ou potencial que a prática da infração tenha causado ou poderia causar.

A Autoexecutoriedade é atributo de fundamental importância para o Poder de Polícia, pois se assim não o fosse, a Administração Pública precisaria do Poder Judiciário para dar cumprimentos às restrições ou sanções impostas, o que, por exemplo, inviabilizaria a atividade administrativa, além do que, sendo o Poder de Polícia próprio da Administração, sujeitá-los a autorização judicial para torná-los exequíveis18 seria o mesmo que negar a separação dos poderes19.

Parte da doutrina e jurisprudência20 também denomina como Autotutela administrativa a possibilidade de se executar diretamente os atos emanados do Poder de Polícia sem utilizar o judiciário.

Por força da Autoexecutoriedade, a Administração dispõe de possibilidade de, por meio de seus agentes credenciados, executar as decisões tomadas, sem apoio em título executivo expedido pelo juiz. Isso ocorre porque, pela simples razão de terem sido expedidos pela Administração Pública trazem em seu bojo presunção de legitimidade, que lhe é inerente21.

A coercibilidade é mecanismo que a Administração utiliza para, se necessário for, impor, ainda que à força, inclusive física, as vontades Estatais, que, pelo menos em tese, representa a vontade pública.

Por força desse instituto o Estado condiciona a expedição de autorizações, licenças ou permissões em geral ao cumprimento de determinadas exigências legais. Assim, por exemplo, o Estado para expedir a licença22 para conduzir veículos exige que o candidato se submeta à frequência e aprovação em cursos teóricos e práticos de direção veicular, ao pagamento de taxas e a submissão a exames, dentre outras exigências previstas em normas específicas. O mesmo acontece com a licença Anual de veículos automotores, cuja expedição está condicionada23 ao pagamento de todas as taxas, multas, impostos ao veículo.

Finalidade.

A finalidade do poder de polícia é a preservação da supremacia do interesse público legítimo24.

Quando a Administração Pública cria determinado órgão, autarquia, departamento, empresa pública, etc., cria para finalidades específicas.

Ao criar um órgão a administração estabelece a finalidade da criação do órgão, que deverá, ao exercer suas competências, buscar atingir as finalidades de sua criação.

Condição de Validade.

As condições de validade da prática de atos de polícia resumem-se em três, sendo elas, competência, finalidade e forma, acrescidas de razoabilidade, proporcionalidade e legalidade dos meios empregados.

Caio Tácito há sessenta anos já ensinava25 que:

A primeira condição de legalidade é a competência do agente. Não há, em direito administrativo, competência geral ou universal: a lei preceitua em relação a cada função pública, a forma e o momento do exercício da atribuição do cargo. Não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma do direito. A competência é sempre, um elemento veiculador, objetivamente fixado pelo legislador.

A finalidade, como já expusemos, visa preservar a supremacia do interesse público legítimo.

A forma de realização do ato de polícia, de maneira geral, consta na própria lei que estabeleceu a competência. Assim, se a lei estabelecer que aquele ato só pode ser realizado na presença de testemunhas, ou estando os agentes públicos fardados26, portando equipamento técnico ou com observância de certos meios, só assim o ato poderá ser realizado, sob pena de nulidade do ato27.

A forma consiste justamente na previsibilidade das etapas que serão seguidas para realização do ato. A exteriorização deste ato deve revestir-se de forma legal, o que é imprescindível à sua perfeição. Enquanto no direito privado a autonomia da vontade e a liberdade de forma é regra, no direito público é exceção28.

Espécies.

Dentre as inúmeras espécies de poder de polícia administrativa que conhecemos, as que mais se destacam são: trânsito, caça e pesca, florestal, sanitária, de costumes e edilícia.

Em regra, o ente político que possui competência para legislar sobre o assunto é quem exerce o poder de polícia naquela matéria, todavia, em muitos casos, por economia de recursos humanos, e até mesmo para induzir maior eficácia às ações da administração, o que acaba acontecendo é a delegação de algumas dessas funções, como ocorre no caso do trânsito, onde a competência em razão da matéria é da União, mas delegou aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios algumas funções, dentre elas as funções de fiscalização de trânsito.

Polícia de Trânsito.

O Poder de Polícia está clarividente em diversos momentos do Código de Trânsito Brasileiro, sendo certo que, consoante assentado na jurisprudência “as atividades que envolvem a consecução do poder de polícia podem ser sumariamente divididas em quatro grupo, a saber: (i) legislação, (ii) consentimento, (iii) fiscalização e (iv) sanção29”.

Podemos dizer claramente que o Código de Trânsito Brasileiro, enquanto lei em sentido formal e material, emanada o Poder Legislativo Nacional30 que, complementada pelas normas regulamentadoras emanadas do CONTRAN31 é a legislação de polícia. A cada lei aprovada pelo parlamento, ou a cada nova resolução do CONTRAN regulando ou normatizando determinado procedimento entendemos que estão ocorrendo adequações à legislação de polícia.

O consentimento de polícia, no CTB, está representado através da emissão da habilitação para dirigir32 ao condutor que se submete e é aprovado em todos os exames obrigatórios33, apresenta os documentos necessários34 e recolhe ao erário as taxas, tarifas ou emolumentos devidos. Preenchidos os requisitos legais não pode o Poder Público se negar à emissão do documento, pois trata-se de ato vinculado35, sob pena de incorrer em ilegalidade ou abuso de poder.

A fiscalização de polícia tem duplo aspecto36, um preventivo e outro repressivo. Quando um veículo é vistoriado como condição para expedição do licenciamento anual ou quando da transferência de propriedade, em regra o é para que o Detran ou da empresa credenciada, além de verificar a autenticidade do veículo e de seus documentos analisa as condições de segurança do veículo para trânsito em vias públicas está-se atuando preventivamente e, repressivamente, quando, em vias públicas os condutores de veículos são abordados, autuados, orientados e adotadas as medidas administrativas37 pelo agente fiscalizador, como retenção ou remoção do veículo que esteja estacionado irregularmente ou com o licenciamento vencido.

A sanção de polícia é o ato punitivo que o ordenamento jurídico prevê como resultado de uma infração administrativa38. A sanções previstas no CTB têm previsão essencial no artigo 256, que vão desde advertência39, passando pela sanção econômica40, pela restrição de direitos41, até chegar na obrigação de fazer42. Deve existir sempre proporcionalidade entre a infração administrativa cometida e a sanção aplicada. Nenhuma sanção poderá ser aplicada sem oportunidade de defesa. É possível, no entanto, adoção de medidas acautelatórias, quando prevista essa possibilidade, que não se confunde com a sanção, embora seus efeitos possam se assemelhar.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos
  1. PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA IMPOSIÇÃO DAS SANÇÕES DE TRÂNSITO.

    1. Do Auto de Infração de Trânsito.

O auto de infração é o documento, impresso ou eletrônico, destinado ao registro, pelo agente ou autoridade de trânsito competente, das infrações à legislação de trânsito vigente, consignando ali o tipo infracional identificado, a data, local e horário da infração cometida, os dados de identificação o veículo infrator, e do condutor do veículo sempre que possível. Tecnicamente o auto de infração é o ato administrativo decorrente do poder de polícia, de subespécie fiscalização que formaliza a constatação de uma ou mais infrações cometidas por quaisquer daquelas pessoas descritas no artigo 257 do Código de Trânsito Brasileiro.

Segundo Arnaldo Rizzardo43 “quem está fiscalizando ou controlando o trânsito, verificada conduta que contrarie a lei, tem a incumbência de lavrar o registro, isto é, de fazer o auto com anotação dos dados do veículo, do condutor e do fato”. Em regra, identificada a infração cometida a lavratura do auto de infração é obrigatória, pois se trata de ato vinculado. Ato vinculado, como assinalado pela doutrina, é aquele que não dá margem de escolha para o agente44.

  1. Competência.

O artigo 280, caput, do código de trânsito brasileiro prevê que ocorrendo a infração de trânsito lavrar-se-á auto de infração. É competente para lavrar o auto de infração o servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda policial militar designado pela autoridade de trânsito com competência para atuar sobre a via.

O servidor civil tratado no §4º, do artigo 280, do CTB, não é qualquer servidor. Independente do regime de contratação, se pelo regime geral - da consolidação das leis do trabalho, ou se pelo regime especial -estatutário, só será competente aquele tiver ingressado no serviço público mediante concurso de prova ou provas e títulos para cargos que, por força da lei do ente federado tenha, entre suas atribuições, atividades de polícia administrativa de trânsito.

O agente de trânsito – sentido estrito – é, hodiernamente, servidor público estatutário, da Administração Pública direta ou de suas Autarquias, com estabilidade constitucional após três anos do ingresso no serviço público, ou empregado público, contratado por Empresas Públicas ou Sociedade de Economia Mista, sem estabilidade45. Em sentido amplo, insere-se, no rol dos agentes de trânsito a figura do policial militar designado pela autoridade de trânsito.

A competência em matéria de trânsito para lavratura de auto de infração deve obedecer ao critério pessoal, territorial e material.

Por meio do critério pessoal afere-se se o agente autuador possui atribuições para fiscalização de trânsito. Estaria vinculado à natureza do cargo ocupado. Isto porque sabemos, a exemplo, que um profissional da saúde, ocupante de cargo dessa natureza não teria e nem poderia ter competências para fiscalizar o trânsito, nem tampouco poderia ser desviado a exercer funções de trânsito, com se agente fosse46.

Também sobre o critério pessoal é interessante trazermos à baila o quanto decidido pelo E.STF no julgamento do Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 658.570/MG, onde se discutiu sobre a competência das Guardas Municipais para fiscalização e imposição de sanções de trânsito. Naquela ocasião47, em decisão dividida o Pleno fixou a tese que “é constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive para imposição de sanções administrativas legalmente previstas”.

Em interessante e conhecido julgamento do Embargos Declaratórios no Recurso Especial nº 817.534/MG o C. STJ, ao decidir sobre a possibilidade das atribuições decorrentes do poder de polícia trânsito serem delegados à pessoa jurídica com natureza de direito privado da Administração Indireta, deu parcial provimento para fins de entender possível que as Empresas Públicas e de Economia Mistas poderiam sim consentir e fiscalizar o trânsito, vedando a imposição de sanções48. O entendimento esboçado pelo STJ, no entanto, ficou superado, tendo em vista que, em 25/10/2020, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário 633.782/MG, reformou o acórdão em questão, tendo fixado a seguinte tese jurídica:

É constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial.

O Policial Militar também pode exercer a fiscalização de trânsito, mas, somente poderá fazê-lo quando e conforme convênio firmado com o órgão executivo de trânsito ou executivo rodoviário. Embora pertencente ao sistema nacional de trânsito, a polícia militar não é órgão de trânsito. Sua atuação estará sempre condicionada a existência de prévio convênio com o órgão a que ela representará. A existência de prévio convênio é condição de validade de seus atos, na medida que será o convênio que estabelecerá os limites da atuação policial. O convênio, em verdade, como ensinado por Hely Lopes Meireilles49 tem traços característicos de cooperação associativa, sem cláusulas de permanência obrigatória, mas seu uso não pode ser dispensado quando os órgãos ou entidades forem cooperar uns com os outros e a lei estabelecer sua obrigatoriedade.

O segundo critério de competência a ser analisado, para fins de legitimar a lavratura do auto de infração é a competência em razão do território.

Como se sabe, o Estado brasileiro é federado e está organizado em três esferas de governo: União, Estados e o Distrito Federal e os Municípios, todos eles entes políticos federados com autonomia política, administrativa e financeira. A União exerce suas competências em todo território nacional, os Estados e o Distrito Federal nas suas respectivas Unidades Federativas e os Municípios em suas cidades.

A observância territorial visa preservar a autonomia do ente federado. A lei de um Município não gera efeito em outro, assim como também a lei de um estado-federado não gera efeito sobre o outro. De igual modo, o agente de trânsito municipal não pode exercer suas competências em outra cidade que não aquela para qual foi admitido. É possível, no entanto, que os órgãos e entidades de trânsito, visando otimizar os recursos humanos possam celebrar uns com os outros convênios para atuação conjunta, concomitante ou separada no planejamento, operação do sistema viário e de fiscalização.

O terceiro critério de competência a ser analisado, para fins de legitimar a lavratura do auto de infração é a competência em razão da matéria.

No âmbito da União, cabe à Polícia Rodoviária Federal – PRF e ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT, no âmbito das estradas e rodovias federais, a fiscalização de trânsito plena quanto à matéria.

No âmbito dos Estados a competência é plena dos Departamento de Estradas de Rodagens – DERs, nas estradas e rodovias estaduais, todavia, é restrita à fiscalização de veículos e condutores nas vias urbanas, onde os Municípios são competentes para fiscalizar as infrações técnicas de solo, como circulação, parada, estacionamento, carga e descarga, excesso de peso, dimensões e lotação de veículos. O CONTRAN, por sua vez, visando dirimir eventuais divergências que pudessem surgir quanto à competência material, por meio da resolução 66/98 instituiu a tabela de competências dos órgãos executivos de trânsito, equacionando o assunto e zelando por sua aplicação uniforme em todo território nacional.

Há muito Caio Tácito50 já ensinava que “A primeira condição de legalidade é a competência do agente. Não há, em direito administrativo, competência geral ou universal: a lei preceitua em relação a cada função pública, a forma e o momento do exercício da atribuição do cargo. Não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma do direito. A competência é sempre, um elemento veiculador, objetivamente fixado pelo legislador”.

Para todos os efeitos, se identificarmos, na leitura do auto de infração de trânsito, que o agente que o lavrou é incompetente em qualquer dos planos apresentados, sequer haverá necessidade de seguir-se com a análise dos demais elementos formadores do ato, eis que o ato será nulo de pleno direito, sem possibilidade de ratificação ou convalidação.

  1. Forma.

“Enquanto a vontade dos particulares pode manifestar-se livremente, a da Administração exige procedimentos especiais e forma legal para que se expresse validamente. Todo ato administrativo é, em princípio, formal. E compreende-se essa exigência, pela necessidade que tem o ato administrativo de ser contrasteado com a lei e aferido, frequentemente, pela própria Administração e até pelo judiciário, para verificação de sua validade51”.

O Código de Trânsito Brasileiro estabelece forma específica para lavratura do auto de infração de trânsito.

De início, consta do artigo 280 que “ocorrendo a infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará: tipificação da infração; data, local e horário do cometimento da infração; caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca, espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação; prontuário do condutor, sempre que possível; identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autuador ou equipamento que comprove a infração; assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração”.

O processo administrativo de trânsito, não só para imposição da multa de trânsito, mas também para as demais penalidades [suspensão, cassação, advertência etc.] tem início com a lavratura do auto de infração, daí porque essa peça administrativa é tão relevante e especial.

Em aspecto formal, optou o legislador pátrio pela adoção, em matéria de trânsito pelo princípio da tipicidade. Para cada conduta tida por irregular, contrária aos princípios norteadores do código de trânsito brasileiro, deve corresponder uma infração e sanção específica. Naturalmente, quando falamos em tipicidade em matéria de trânsito não estamos remetendo aos rigores técnicos próprios da legislação penal-criminal, que é a última ratio, mas o fato, naturalmente, deve guardar certa correspondência com as disposições da lei de trânsito em sentido formal.

A teoria da tipicidade foi bem trabalhada por Fábio Medina Osório52 ocasião que ensinou que “a teoria da tipicidade é um fenômeno peculiar ao Direito, sem uma necessária vinculação com a ideia dos tipos penais” e que “a tipicidade apenas desempenha funções de dar desdobramentos necessários à legalidade garantista do Direito Punitivo”.

“A aplicação de sanções administrativas, decorrente do exercício do poder de polícia, somente se torna legítima quando o ato praticado pelo administrado estiver previamente definido por lei como infração administrativa53”.

Nesse viés, ademais, o Supremo Tribunal Federal54, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.998, do Distrito Federal, que questionava diversos dispositivos do código de trânsito brasileiro fixou o entendimento de que por ato administrativo não é possível o estabelecimento de sanção e que as condutas típicas devem estar descritas em lei formal.

Não é possível, dessa forma, que infrações e sanções administrativas sejam criadas ou equiparadas a outras existentes por aproximação. Se a conduta praticada for contrária aos princípios do CTB, mas não encontrar enquadramento específico como infração de trânsito nenhuma restrição ou punição poderá sofrer o suposto infrator55.

Ao identificar a conduta tida por irregular, deve o agente de trânsito descrever o fato a que o infrator teria praticado e cotejá-lo assim com o dispositivo legal potencialmente violado e, em havendo enquadramento, deve então registrar a autuação.

A data, local e horário do cometimento da infração são outros requisitos que a lei considera como obrigatórios. A correta descrição é imprescindível para o exercício do direito de defesa do autuado, principalmente infrações de solo, que dizem respeito a infrações técnicas, de circulação, parada e estacionamento. É comum nos depararmos com autuações lavradas com esses dados incompletos ou inconsistentes.

Quando analisamos infrações pelo conhecido rodízio de veículos na capital paulista, cuja violação, em tese, é o artigo 187, I, do CTB, sabemos o quão relevante será a data, horário e local, pois a restrição de trânsito se dá em dias, horários e locais específicos para cada tipo de veículo.

De forma específica, quando falamos em local da infração de trânsito, deve ter ela ocorrido em vias terrestres abertas à circulação, cuja descrição deve corresponder aos exatos termos de registro no órgão público competente, a depender da organização administrativa municipal, sinalizando, no auto de infração, a que altura da via a infração teria ocorrido, citando o numeral oficial de referência ou qual monumento, obra de arte ou cruzamento ficaria nas respectivas proximidades.

A correta descrição da via, inclusive com o apontamento do logradouro [avenida, rua, rodovia, etc.] pode ser determinante para aferição da competência [urbana ou rural], para identificação se a área é pública ou privada e sujeita ao enquadramento de via pública. O numeral de referência ou a proximidade de cruzamento, monumento ou equivalente também permite estabelecer se seria possível o cometimento da infração naquele local, como ocorre, por vezes, em infrações de estacionamento onde não há proibição, ou de avanço do sinal vermelho onde não há semáforo.

A data e horário permitem saber sobre a possibilidade de cometimento das infrações, como também se o veículo infrator realmente esteve no local. Isto porque em certas ocasiões só é proibido estacionar em horários ou dias especificados pela sinalização, ou quanto ao vencimento da licença para dirigir.

A maior parte das infrações descritas no CTB são cometidas na direção do veículo ou em razão da propriedade deste. Em razão disso, quando da lavratura do auto de infração o agente deve consignar as informações do veículo com o qual a infração tenha sido cometida. A placa, marca e espécie do veículo são os requisitos mínimos, mas, somente esses, podem ser insuficientes para penalizar o infrator. Digo isso principalmente nas infrações lavradas à revelia, sem abordagem do veículo e de seu condutor. Caso ocorra, por vezes, a anotação equivocada de apenas um caractere da placa de identificação, a sanção administrativa poderá recair indevidamente sobre outro veículo. Por isso, é importante que o agente haja com diligência e anote, não somente os itens obrigatórios, mas também outros elementos julgados necessários à identificação do veículo, como o seu modelo e cor.

Como último requisito obrigatório, a identificação do órgão ou entidade de trânsito e a identificação do agente ou do equipamento que comprovar a ocorrência da infração. A identificação do órgão e da entidade visa legitimar a atuação estatal no que tange às competências institucionais e do agente ou equipamento que comprovar a infração quanto à materialidade delitiva.

Sempre que possível, o agente deve registrar, no auto de infração, o prontuário do condutor do veículo no ato da infração e colher a respectiva assinatura, valendo esta como ciência da infração anotada. Sabemos bem, no entanto, que a maior parte das autuações são registradas à revelia e, portanto, sem abordagem do condutor. A falta de abordagem, que só não conduz à invalidade56 da autuação, eis que permitida pela legislação, porém, particularmente somos incentivadores de que a regra deve ser sempre a abordagem e a exceção a revelia. Essa postura permite apenar o infrator com muito mais rigor e qualidade, eis que a prática infracional poderia ser obstaculizada de imediato com a adoção da medida administrativa apropriada, conforme o caso concreto, dentre as possibilidades legalmente autorizadas. Isso faria cessar também as sabidas transferências de pontuações moralmente fraudulentas.

A observância dos aspectos formais, quando da lavratura do auto de infração, gera, pelo menos em juízo perfunctório, presunção de legitimidade do ato administrativo praticado, com a consequente transferência do ônus probatório em sentido contrário ao suposto infrator57 e, até que a prova seja realizada e o ato invalidado ele continuará a produzir todos os efeitos que lhe forem próprios58. É de bom alvitre lembrar, no entanto, que os efeitos do ato administrativo poderão ser suspensos quando o Administrado suscitar dúvida razoável do quanto afirmado pela Administração, militando a seu favor o a presunção de vulnerabilidade e de boa-fé59.

Segundo entendimento do Conselho Estadual de Trânsito de São Paulo “Os erros formais no Auto de Infração de Trânsito – AIT só devem ensejar seu arquivamento ou o cancelamento da penalidade imposta se houver efetivo prejuízo ao exercício do direito à ampla defesa60”.

  1. Finalidade.

Em matéria de trânsito, a lavratura do auto de infração tem a finalidade mediata de viabilizar o registro da autuação e a instauração válida de processo administrativo sancionador para imposição das penalidades de trânsito capitulada no artigo 256, do CTB. Consiste na abertura de processo administrativo que visa alternativa ou cumulativamente, possibilitar a imposição de advertência por escrito, multa, suspensão do direito de dirigir, cassação do documento de habilitação, cassação da permissão para dirigir e frequência em curso de reciclagem. A finalidade imediata será a reeducação e conscientização do risco ou prejuízo à segurança e à fluidez do trânsito.

O sistema punitivo administrativo de trânsito existe para, em um primeiro momento, fazer que os infratores temam a punição e, em um segundo momento, aplicada a sanção, sejam conscientizados respeitar as normas de trânsito. A finalidade do auto de infração, ao final, visa possibilitar o trânsito em condições seguras, que é, em verdade, o interesse público, conforme artigo 269, §1º, do CTB.

  1. Objeto.

“Todo ato administrativo tem por objeto a criação, modificação ou comprovação de situações jurídicas concernentes a pessoas, coisas ou atividades jurídicas sujeitas a ação do poder público61”. No caso do auto de infração de trânsito, o objeto do ato é o registro da infração de trânsito constatada.

  1. Motivo.

O motivo do ato administrativo, como ensinado por José dos Santos Carvalho Filho62, “é a situação de fato ou de direito que gera a vontade do agente quando pratica o ato administrativo”. “O motivo, como elemento integrante da perfeição do ato, pode vir expresso em lei como pode ser deixado ao critério do administrador. No primeiro caso será um elemento vinculado; no segundo, discricionário, quanto à existência e valoração63”.

Do artigo 280, do CTB, extrai-se que ocorrendo a infração de trânsito lavrar-se-á auto de infração [...]. Identificada a ocorrência de infração de trânsito, não há margem para o agente escolher lavrar ou não o auto. O motivo da lavratura do auto de infração é a inobservância da legislação, da sinalização ou das ordens do agente de trânsito. Será nulo o auto de infração quando inexistente o motivo ou juridicamente inadequado ao resultado.

  1. Da Multa de Trânsito.

As penalidades ou sanções administrativas hão de estar previamente definidas em lei em sentido formal e material. Isto quer dizer que somente poderá ser imposta sanção administrativa que estiver previamente prevista na lei, emanada do Poder Legislativo.

A multa é, sem sombra de dúvidas, sanção administrativa por excelência, a ser imposta pela Administração Pública em geral aos seus servidores ou administrados, quando e conforme previsão, com gradação em diferentes patamares, segundo a gravidade da infração cometida, consistente na exigência de o infrator pagar e recolher aos cofres públicos.

A multa, ao mesmo tempo que pune o infrator, visa, de certo modo, indenizar a Administração Pública ou a sociedade pelo dano que a conduta infratora potencialmente causou. Por isso, é reconhecido como regra que as multas impostas e arrecadadas sejam revertidas e aplicadas em programas vinculados à recomposição do bem jurídico violado. No caso das multas de trânsito, dispõe o artigo 320 do CTB que a receita arrecadada será aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito.

Cabe ao órgão de trânsito que tenha aplicado a multa promover a sua arrecadação e aplicação desse recurso, dentro das hipóteses do artigo 320, observando critérios de oportunidade e conveniência.

As sanções pecuniárias têm gradação conforme a gravidade do ilícito administrativo cometido. São classificadas como leve, médias, graves ou gravíssimas, cujos valores são, respectivamente, R$ 88,38, R$ 130,16, R$ 195,23 e R$ 293,47. As multas gravíssimas, no entanto, em tipos específicos, recebem a rubrica de agravada, quando então, recebendo o fator multiplicativo 3, 5, 10 ou 20, podem chegar a R$ 586,94, R$ 880,41, R$ 1.467,35, R$ 2.934,70 e R$ 5.869,4064.

Tratamento punitivo diferenciado no valor de multa que merece especial atenção é aquele tratado no artigo 257, §8º, do CTB. Prevê o dispositivo em comento que, sendo a autuação lavrada à revelia, não realizada a indicação do condutor no prazo de quinze dias e, estando o veículo em nome de pessoa jurídica, será lavrada nova multa ao proprietário do veículo, mantida a originária, sendo a nova multa em valor idêntico ao da primeira infração, multiplicada pelo número de infrações iguais cometidas no período de doze meses. Por experiência, sabemos que essas multas, por vezes, chegam a valores surpreendentes, de mais de cinco, dez, vinte mil reais.

Imposta a multa, desde que observados todos os requisitos estabelecidos na legislação, o não pagamento no prazo de seu vencimento, importará em restrição ao licenciamento do veículo, cujo certificado só será emitido estando quitados os débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais vinculadas ao veículo.

  1. Da Notificação da Autuação.

Lavrado o auto de infração, como vimos linhas atrás, o agente de trânsito, sempre que possível, qualificará o condutor e ofertará a ele a possibilidade de assinar o auto e de receber a sua via, para, querendo, dar-se oficialmente ciente do registro da autuação. Nem sempre, no entanto, é possível a abordagem do condutor ou, mesmo nas hipóteses que ele é autuado e qualificado, acontece de o condutor assinar o auto de infração.

O código de trânsito prevê que a autoridade de trânsito, na esfera de sua competência e no âmbito de sua circunscrição, ao receber o auto de infração, lavrado por um de seus agentes deve realizar o exame preliminar de consistência e de regularidade do auto de infração. Não identificando, de pronto, nenhuma inconsistência ou irregularidade, vício formal ou material deve providenciar a remessa postal de notificação ao infrator. Se o auto de infração contiver qualquer vício a autoridade de trânsito deve determinar de ofício o arquivamento do auto.

A notificação de autuação deve ser encaminhada ao proprietário do veículo por remessa postal ou por meio eletrônico no endereço do proprietário do veículo. O encaminhamento dessa notificação pode se dar por meio físico ou eletrônico, mas sempre ao endereço fornecido pelo proprietário ao órgão executivo de trânsito do registro do veículo. Embora normalmente a notificação seja realizada por meio postal, nada impede que se dê por meio eletrônico, desde que previamente cadastrado para esse fim. Ademais, com constante evolução tecnológica, ao menos nos grandes centros, nas regiões metropolitanas brasileiras é de baixíssima probabilidade que proprietários de veículos não tenham acesso aplicativos de mensagens ou a correios eletrônico para receberem as notificações, desde que, claro, tenham realizado cadastro prévio para esse fim65.

Da leitura conjuga do artigo 281, II, do CTB, com o artigo 4º, §1º, da resolução 619 do CONTRAN extraímos que a notificação de autuação deve ser expedida ao proprietário no prazo de trinta dias, sob pena de ser tornada sem efeito. A expedição, no entanto, quando postal, será caracterizada pela entrega do objeto à empresa de correios. Muito se discute, no entanto, se bastaria mera expedição, por carta simples, para que o encargo legal pudesse ser considerado cumprido. A jurisprudência majoritária do Tribunal de Justiça de São Paulo é firme no sentido de que o CTB contempla a teria da expedição apenas, e não da recepção, de modo que, se o órgão autuador comprovar que as notificações foram emitidas e postadas nos correios no trintídio legal a lei terá sido cumprida. Aliás, foi nesse mesmo sentido que decidiu o C.STJ no julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei 372/SP. Embora respeitável o entendimento fixado pela Corte superior, ouso discordar dele, por entender que vai na contramão do Estado Democrático de Direito.

Em virtude da COVID19, que acabou motivando as autoridades governamentais a imporem uma série de restrições ao cotidiano da população nacional, o CONTRAN, enquanto órgão coordenador do sistema nacional de trânsito, editou a Deliberação 186/20, ratificada pela resolução 776/20, enquanto perdurasse a suspensão dos prazos do processo administrativo os órgãos de trânsito deveriam suspender o envio das notificações de autuação e de penalidade. O prazo para expedição da notificação de autuação é de trinta dias e, em virtude de sua natureza decadencial, não comporta suspensão ou interrupção, conforme já decidiu o STJ66 no julgamento do Tema 105 no regime dos Recursos Repetitivos. O poder judiciário ainda não foi chamado a se manifestar, mas, quando o for, provavelmente não decidirá diversamente do quanto decidido no julgamento do tema 105 do STJ.

A notificação de trânsito, tratada no artigo 281, II, do CTB deve ser analisada conjuntamente com outras disposições do próprio código de trânsito, da constituição federal e de outras normas aplicáveis à espécie.

A notificação de autuação está para o proprietário do veículo assim como a citação está para o réu em um processo. É a notificação de autuação que dá ciência ao proprietário do veículo sobre o registro de uma infração de trânsito. A notificação tem o objetivo de: a] dar ciência da autuação; b] possibilitar a indicação do real condutor; c] impugnar a autuação; e d] nas infrações possíveis, postular a não aplicação da multa com a imposição de simples advertência por escrito. A notificação dá ciência da abertura do processo administrativo de trânsito iniciado com a lavratura de auto de infração de trânsito.

Muito embora o monopólio estatal dos correios preste relevantes serviços à população e ao Estado Brasileiro, sabemos que o grau de confiança e de qualidade desses serviços vem caindo ano-a-ano. O índice de acerto ainda é grande, mas está longe da perfeição.

O fato de a notificação ser efetivamente entregue aos correios, para remessa ao destinatário não gera adequado grau de certeza de que efetivamente chegará em tempo hábil, nem tampouco que chegará ao destino, não havendo, pois, meios para que o proprietário do veículo produza prova negativa sobre o não recebimento. Ademais, se o serviço postal fosse de tamanha eficácia, como pregado por muitos, certamente o próprio judiciário poderia dispensar que as citações e intimações postais fossem realizadas com aviso de recebimento. Bastaria mera certificação nos autos, subscrita pelo servidor judiciário, afirmando ter expedido a citação ou intimação que esta já seria presumida como efetivada [?]

É manifestamente falsa a presunção relativa de que toda notificação expedida chega ao destinatário, e isso não é só em matéria de trânsito. Estamos falando também correspondências postais diversas, como as correspondências bancárias, de cartões de crédito e remessas em geral67.

Levando em consideração que a autuação de trânsito e, posteriormente, a sanção de trânsito são facetas do poder de polícia estatal, não podemos admitir que a simples remessa postal, sem garantias de que tenha efetivamente chegado ao destinatário, sirva com supedâneo a justificar a um processo democrático. Por processo democrático é indispensável que o acusado seja cientificado e a ele seja conferido o direito de falar e ser ouvido, de produzir provas e de contraditar as que lhe forem desfavoráveis.

Se por um lado não consta expresso no CTB que a notificação de autuação deve ser realizada, quando postal, com aviso de recebimento, é oportuno lembrar que o artigo 280, VI considera que a colheita da assinatura do condutor, no auto de infração, implica ciência inequívoca do cometimento da infração e que o artigo 282, caput, prescreve que a notificação deve ser expedida, por remessa postal ou eletrônica, mas sempre de modo que assegura a ciência ao infrator.

Solução bastante interessante é aquela tomada pelo Conselho Estadual de Trânsito de Santana Catarina em resposta à consulta formulada pelo DETRAN/SC, que resultou na elaboração do Parecer 354/2019, em que consignaram a não obrigatoriedade da expedição de notificações com aviso de recebimento, mas, havendo dúvidas quanto ao recebimento pelo destinatário, deveria ser aberto novo prazo para defesa68.

Por outro lado, em meio a tanta evolução tecnológica, é possível dizer que a controvérsia da necessidade de simples notificação postal, por carta simples ou com aviso de recebimento, poderia ser facilmente superada se o poder público já tivesse investido e implementado oficialmente a remessa de notificações de forma eletrônica. Tal procedimento já tem previsão no CTB e na resolução 619 do CONTRAN, necessitando apenas de execução pelos órgãos executivos. Ademais, a implantação dessa nova rotina só geraria benefícios, tanto ao poder público, pela celeridade e redução dos custos, como também ao infrator, que receberia as notificações mais rápida e seguramente.

Efetivada a expedição da notificação de autuação, postal ou eletrônica e recebida pelo proprietário do veículo, poderá preencher e assinar o formulário de indicação de condutor, juntamente com o condutor, a fim de apontá-lo ao órgão de trânsito como autor e responsável pela infração, conforme previsto no artigo 257, §7º, do CTB e resolução 619 do CONTRAN. A indicação de condutor deve ser enviada ao órgão autuador em quinze dias, a contar do recebimento da notificação, devidamente preenchida e assinada, com a cópia legível dos documentos solicitados.

No mesmo prazo da indicação de condutor o proprietário do veículo ou o condutor, a depender de quem seja o responsável pela infração, poderá apresentar defesa a fim de impugnar o auto de infração e/ou a notificação. Na defesa admite-se toda e qualquer matéria arguível, que deve ser acompanhada dos documentos obrigatórios e das provas das alegações. Alternativamente, se a infração for de natureza leve ou média, poderá o infrator buscar a aplicação benéfica da advertência ao invés da multa, nos termos do artigo 267, do CTB.

Com as alegações de defesa, a autoridade de trânsito que determinou a expedição da notificação deve apreciar toda a matéria que tenha sido arguida e, agora sim, realizar o juízo definitivo de validade do auto de infração e, se acatar as alegações do suposto infrator, determinar o arquivamento do auto de infração ou, se rejeitada a impugnação, aplicar a penalidade de multa.

  1. Da Notificação de Penalidade.

Superada a fase de admissibilidade do auto de infração, da expedição da notificação e de julgamento da impugnação caso interposta, pela autoridade de trânsito competente é imposta a penalidade de multa referente a infração cometida. Desta penalidade nova notificação deve ser encaminhada. É relevante destacar que, quanto à notificação de penalidade, prevê o artigo 282, caput, que a notificação será expedida ao proprietário do veículo ou ao infrator. Isso se dá porque nem sempre o proprietário é o infrator. No caso, infrator está ligado à pessoa do responsável pela infração, tal como as pessoas enumeradas no artigo 257, do CTB. Assim, será expedida notificação ao proprietário do veículo se a infração for referente a prévia regularização e preenchimento das formalidades e condições exigidas para o trânsito do veículo e outras prevista no §2º do artigo 257 ou quando, sendo de responsabilidade do condutor, o proprietário for o condutor; será expedida ao condutor se este tiver sido qualificado no auto de infração ou tiver sido indicado como condutor na forma do §7º, do artigo 257 e a infração for referente a atos praticados na direção do veículo; será expedida ao embarcador nas infrações por excesso de carga com um único remetente; será expedida ao transportador quando a carga transportada em excesso de peso se referir a mais de um embarcador.

Embora tecnicamente existam as diferenças sobre o infrator, em termos práticos a notificação de penalidade sempre é encaminhada ao proprietário do veículo, pouco importando quem de fato é o responsável. O próprio STJ69 já decidiu que "Sendo o condutor o infrator, é ele, e não o proprietário do veículo, quem deve receber notificação da penalidade."

A notificação só será considerada válida em duas hipóteses: quando efetivamente entregue ao destinatário ou quando devolvida por desatualização cadastral que inviabilize a notificação, eis que o CTB impõe como dever a atualização cadastral [artigo 123, §2º e artigo 241]. Noutras hipóteses não há previsão legal, como é o caso da notificação devolvida por informação ausente ou não procurado.

A falta de notificação ao infrator conduz à sua nulidade do auto de infração. As sumulas 127 e 312 do STJ sintetizaram o entendimento daquele tribunal no sentido de ser ilegal condicionar o licenciamento do veículo ao pagamento de multas das quais o infrator não tenha sido devidamente notificado e que, no processo administrativo para imposição da multa de trânsito são necessárias duas notificações, uma primeira, referente à autuação e à segunda, referente a penalidade.

A despeito dos posicionamentos que sustentam que o CTB trabalha com a teoria da expedição das notificações de trânsito, é relevante trazermos decisão proferida pelo STJ70, com relatório e voto do Ministro Paulo Galotti, ocasião em que a segunda turma assentou o entendimento da obrigatoriedade da ciência inequívoca.

Em homenagem aos princípios da ampla defesa e do contraditório, deve ser inequívoco o conhecimento das notificações relativas a infrações de trânsito não se mostrando razoável que o condutor ou proprietário do veículo tenha a obrigação de comprovar que não foi devidamente cientificado, cabendo essa demonstração aos órgãos de trânsito, estes cada vez mais aparelhados em sua estrutura funcional.

Sem sombra de dúvidas, em matéria de trânsito o tema ausência de notificação é a base de sustentação de parte significativa das ações movidas por condutores e proprietários de veículos. Isso porque, como regra processual do Estado Democrático de Direito não existe processo [administrativo ou judicial] sem citação válida, eis que, se não inexistente, fere por completo o direito de defesa e do contraditório.

É bem verdade, entretanto, que os órgãos administrativos e o poder judiciário estão abarrotados de processos com falácias no que tange a falta de notificação das infrações de trânsito. Sabidamente, não é de hoje que pessoas e profissionais, se valendo das lacunas que a legislação de trânsito acaba deixando, alegam não terem sido notificados da autuação, da multa, da suspensão ou da cassação do direito de dirigir. Nenhuma defesa de mérito é feita, podendo o julgador perceber de pronto se tratar de manobra jurídico-processual para não imposição da sanção administrativa.

  1. Dos Recursos Administrativos Cabíveis.

Partindo da premissa constitucional estabelecida no artigo 5º, LV, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o direito à ampla defesa e ao contraditório com os meios e recursos a ela inerentes. Nenhuma sanção administrativa pode ser aplicada sem antes oportunizar ao acusado o direito de se defender eficazmente.

A constituição democrática de 1988 assegura diversos direitos, individuais e coletivos, erigindo-os à qualidade de direitos fundamentais, de aplicação imediata e de eficácia plena. Dentre eles cita-se o direito de ser julgado por uma autoridade natural, competente e imparcial, com respeito a um processo previamente estabelecido que observe o direito de defesa, do contraditório, da presunção de inocência e da utilização provas legalmente admitidas.

Como já dissemos, a aplicação de sanção administrativa deve ser precedida de processo. Processo Administrativo é o conjunto de atos coordenados para obtenção de decisão sobre uma controvérsia no âmbito administrativo71. Para abertura de processo administrativo o ato de instauração deve observar os pressupostos de validade próprios do ato administrativo, que reconhecidos pela doutrina72 são: a competência, forma, finalidade, motivo e objeto.

A autoridade a quem compete a instauração do processo administrativo é, na maioria das vezes, a mesma competente para decidir. Admite-se, no entanto, que a competência para instaurar e para decidir seja delegada, exclusivamente nos limites da competência delegada. “A delegação só pode ocorrer quando autorizada em lei em sentido formal73”. A delegação tem caráter facultativo e transitório, apoiando-se em razões de oportunidade e conveniência e na capacidade do delegado74.

Após a instauração válida, tem início o direito de falar e ser ouvido, o direito de defesa, ampla, porém não irrestrita, e o direito do contraditório. O direito de defesa é a garantia que proporciona à pessoa a possibilidade de se defender e provar o contrário da acusação75. O objetivo dessa garantia é a proteção dos acusados em geral. O direito ao contraditório, por sua vez, intimamente ligado com o direito de defesa, possibilita ao acusado-processado o direito se contrapor aos argumentos e provas requeridas ou produzidas em seu desfavor. Se por um lado o direito de defesa organiza primordialmente a proteção da pessoa acusada, o princípio do contraditório facilita a resolução do litígio, pois permite ao julgador o sopesamento das razões e provas para sua tomada de decisão76.

Embora a instauração do processo administrativo sancionador seja, para todos os efeitos ato administrativo, que goza de presunção de legitimidade e veracidade, essa instauração, por si só, não permite a coerção punitiva estatal, eis que a instauração somente revela a abertura do processo. Isso não impede, entretanto que, pelo poder geral de cautela sejam adotadas as medidas administrativas reputadas urgentes com vistas a fazer cessar a prática tida por irregular [artigo 269, CTB].

Lavrado o auto de infração e cientificado o infrator, in locu ou mediante notificação, postal ou eletrônica, exercido o direito de impugnação do auto ou decorrido o prazo legal, imposta a penalidade, prevê o CTB que nova notificação será encaminhada ao proprietário ou ao infrator, conforme o caso, abrir-se-á prazo para recurso, que não pode ser inferior a trinta dias, a contar do recebimento da notificação.

O recurso que é cabível contra a notificação de imposição da penalidade de multa, prevista no artigo 282, caput, deve ser dirigido à JARI do órgão que impôs a penalidade [artigo 16]. A JARI, como já exposto, é o órgão colegiado formado por três pessoas a quem incumbe a apreciação e julgamento dos recursos interpostos pelos infratores [artigo 17]. No recurso admite-se toda matéria de defesa que for proveitosa ao infrator, seja quanto a forma ou quanto ao mérito.

O recurso dirigido à JARI, embora tenha esse caráter de recurso, pois questiona a decisão que validou a autuação lavrada, não prescinde de impugnação específica das razões que validaram o auto de infração e/ou rejeitaram a defesa do interessado. Pelo princípio do formalismo moderado77 entende-se que a Administração Pública deve adotar formas simples para facilitar o acesso dos administrados às respostas administrativas e deve ser sempre aplicado em favor do administrado78. Com isso, mesmo que o recurso interposto não tenha impugnado os fundamentos da decisão anterior e tenha apenas repisado literalmente os argumentos anteriores, ainda assim isso não impedirá que o recurso seja conhecimento e analisado seu mérito, na medida em que o Administrado não possui conhecimento técnico para demandar administrativamente, mas age com manifesta boa-fé.

O recurso à JARI deve ser interposto perante o órgão autuador que, recepcionando, fará a devida instrução, devendo remetê-lo em dez dias uteis ao colegiado, que deverá proferir decisão nos trinta dias seguintes. Na pendência do julgamento nenhuma restrição poderá incidir sobre o veículo, para fins de licenciamento ou transferência, ou sobre a habilitação, para fins de renovação, adição, mudança de categoria, suspensão ou cassação do direito de dirigir. Admitir-se o contrário estar-se-ia acarretando o cumprimento da sanção sem o devido processo legal e sem a formação da culpa do infrator em patente violação constitucional.

A decisão proferida pela JARI, embora possa ser concisa e resumida, não retira a obrigatoriedade de que seja devidamente motivada. Sempre que for indispensável para o contraditório e da ampla defesa, a motivação será obrigatória. A motivação deve ser clara, explícita e congruente79. A motivação integra, muito comumente, a legalidade do ato administrativo80. A motivação inexata não se confunde com falta de motivação, mas pode ser caracterizada como desvio de poder81.

Da decisão proferida pela JARI cabe recurso ao CETRAN ou ao CONTRANDIFE no caso de multas de Órgãos Municipais ou Estaduais ou do Distrito Federal, e no caso de multa de Órgão da União, pelo colegiado especial. O recurso poderá ser interposto pelo infrator no caso de desprovimento, ou pela autoridade de trânsito no caso de provimento82.

O recurso interposto ao CETRAN ou ao CONTRANDIFE devolve a esse órgão toda matéria discutida, debatida e decidida pela instância imediatamente inferior. O conteúdo que tenha sido arguido, mas não apreciado, não impede que seja conhecido e julgado. Não há também óbice sobre inovação recursal, desde que não seja contraditória com a apresentada anteriormente, na medida em que o que se persegue é a busca pela verdade material, observado o contraditório, sendo as decisões tomadas por câmaras ou pelo pleno, conforme dispuser o regimento interno.

Quando o recurso, da autoridade ou do infrator versar sobre multa lavrada por Órgão de trânsito da União, proferida a decisão pela JARI, o recurso contra essa decisão será submetido ao colegiado especial, formado pelo Coordenado Geral da JARI [da União], pelo presidente da JARI que apreciou o recurso e por mais um presidente de JARI. A participação do presidente da JARI que apreciou o recurso nesse novo julgamento, ao que parece, retira a natureza recursal própria, na medida que ele estará, na verdade realizando juízo positivo ou negativo de reconsideração. Isso, no entanto, não desprestigia o princípio do duplo grau de recorribilidade.

O Julgamento pelo CETRAN ou CONTRANDIFE, ou pelo Colegiado Especial encerra a instância administrativa, quando então, a penalidade de multa imposta, devidamente consolidada não estará mais sujeita à modificação. Nada impede, no entanto, que, embora não prevista expressamente no CTB, o infrator, interessado, não possa intentar, dentro do prazo de cinco anos, a revisão administrativa. A revisão administrativa é o meio para reexame da punição imposta ao administrado, a pedido ou de ofício quando houver fato novo ou circunstância capaz justificar sua inocência ou inadequação da pena imposta, não podendo ensejar o agravamento da punição83. A revisão, de certo modo, visa a atender alguns dos princípios norteadores do direito administrativo, como o princípio da verdade material, da autotutela e da moralidade administrativa. A revisão só não será possível quando tenha decaído o prazo, quando então a relação jurídica tenha se estabilizado.

Esgotados os recursos, a penalidade de multa será levada a efeito para fins de restringir o licenciamento, se não tiver sido paga e os pontos negativos serão levados ao prontuário do condutor para possibilitar as consequências que a lei prevê.

  1. Da Suspensão do Direito de Dirigir.

A pessoa humana, pretendendo conduzir veículo automotor deve ser submetido ao processo de habilitação, mediante a apresentação de documentos, o pagamento de taxas e a submissão a exames. A habilitação para conduzir veículo automotor ou elétrico será apurada por meio de exames que deverão ser realizados junto ao órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal, do domicílio ou residência do candidato, ou na sede estadual ou distrital do próprio órgão, devendo o condutor ser penalmente imputável, saber ler e escrever e possuir carteira de identidade ou equivalente. Será conferida a habilitação provisória – permissão para dirigir - aquele que for submetido e aprovado no exame de aptidão física e mental, teórico de legislação de trânsito, noções de primeiros socorros e de direção veicular em via pública.

Conferida da permissão para dirigir, esse novo condutor habilitado deve passar pelo período de prova de doze meses, quando então não poderá cometer infrações de natureza grave, gravíssima ou reincidência em média. A inobservância implica retirada da licença para dirigir, quando então, para voltar a dirigir, deverá reiniciar todo processo de habilitação.

Superado o período probatório, o condutor adquire o direito subjetivo de obter a carteira nacional de habilitação. Usualmente costumam denominar CNH provisória a permissão para dirigir e CNH definitiva a carteira nacional de habilitação.

Sem sombra de dúvidas a concessão da habilitação para dirigir é ato vinculado, de modo que, uma vez preenchidos os requisitos estabelecidos na norma de regência, não é dado ao poder público a faculdade de negá-lo. Esse ato, ainda, é uma das facetas do poder de polícia na medida em que o poder público consente. O consentimento representa resposta positiva da Administração Pública aos pedidos formulados por indivíduos84.

A partir da concessão da CNH estará sujeito à pena de suspensão do direito de dirigir quando da somatória de pontos superior ao mínimo permitido ou quando do cometimento de infração que tenha especificamente o apontamento da suspensão do direito de dirigir.

Prevê o artigo 256, inciso III, que a autoridade de trânsito deverá aplicar, conforme o caso, a suspensão do direito de dirigir. Tecnicamente não se suspende o direito de dirigir, mas sim a licença para dirigir, que é o documento de habilitação.

Diferentemente do que acontece com a multa de trânsito, a suspensão do direito de dirigir não é punição monetária, financeira ou econômica, ela tem natureza de restrição de direito, do direito de ter a licença para dirigir válida.

  1. Hipóteses de Cabimento.

A suspensão do direito de dirigir, enquanto penalidade de natureza administrativa, na redação original do código de trânsito brasileiro, lei 9.503/97, terá lugar sempre que o condutor atingir ou ultrapassar a contagem de vinte pontos no período de doze meses, ou cometer infração que por si só estabeleça diretamente a penalidade.

Em certas infrações o legislador entendeu que deveria dar maior atenção, apenando o infrator com punições mais severas, por isso, nas infrações que potencialmente oferecem mais riscos à vida humana, ou seja, aquelas que têm, por sua natureza, maior probabilidade de causar acidentes fatais, com risco de morte, culminou o legislador a suspensão do direito de dirigir pelo cometimento de uma única infração. Uma delas, sem sobra de dúvidas é a infração por dirigir veículo sob influência de álcool. Com o cometimento de uma única infração desse tipo o condutor poderá ser punido com a restrição ao seu direito de dirigir por doze meses.

A suspensão em decorrência do acúmulo de pontos leva em consideração o período de doze meses. Não é necessariamente o período dos doze meses do ano civil ou fiscal. Será sempre contado o período os doze meses anteriores ou posteriores ao cometimento de uma infração. A data da infração é que é o marco desses doze meses. Logo, se uma determinada infração for cometida em 22/10/20, levar-se-á a efeito, para fins de contagem dos doze meses o dia 23/10/2019 para contagem anterior, e o dia 21/10/2021, para contagem posterior. Atingida ou ultrapassada a contagem de vinte pontos, estará o condutor sujeito à suspensão.

Com a recém editada lei 14.071/2020, ainda em vacância, houve significativa mudança no artigo 261. Agora, a suspensão, pelo acúmulo de pontos, pode se dar quando o infrator atingir ou ultrapassar vinte, trinta ou quarenta pontos, a depender da gravidade das infrações cominadas. Se as infrações cometidas forem de natureza leve, média ou grave, a regra será dos quarenta pontos em doze meses; Se houver uma infração de natureza gravíssima a regra será dos trinta pontos; e Se houver duas ou mais infrações de natureza gravíssima a regra será dos vinte pontos.

Em se tratando da penalidade de suspensão pelo acúmulo de pontos nenhuma alteração foi trazida pela lei 14.071/2020, mantendo-se o mínimo de seis meses e o máximo de vinte e quatro meses, a depender dos antecedentes, da gravidade das infrações e da reincidência, conforme dosimetria estabelecida pelo CONTRAN na resolução 723/2016.

A lei 14.071/2020 flexibilizou as regras de pontuação estabelecida no código de trânsito na medida que hoje há um escalonamento das hipóteses para aplicação da penalidade de suspensão pelo acúmulo de pontos. O legislador estabeleceu o período de 180 dias de vacância, portanto, só produzirá seus regulares efeitos a partir de 09/04/2021. Em virtude desse abrandamento, a importante reflexão que devemos fazer é sobre a aplicação retroativa dessa lei às infrações já cometidas ou que vierem a ser cometidas no período de vacância da nova lei e dos processos administrativos já instaurados, mas que ainda não tiveram a pena de suspensão efetivada e cumprida pelos infratores85?

Fábio Medina Osório ensina:

se há mudanças nos padrões valorativos da sociedade, nada mais razoável do que estender essa mudança ao passado, reconhecendo uma evolução do padrão axiológico, preservando-se, assim, o princípio constitucional da igualdade e os valores relacionados à justiça e à atualização das normas jurídicas que resguardam direitos fundamentais86”.

Fábio Medina Osório ensina ainda que “não há dúvidas que as normas retroagem, como se fosse no próprio Direito Penal, na busca de salvaguardar critérios de justiça e segurança, em homenagem ao tratamento simétrico com a outra principal vertente do Direito Punitivo87”.

  1. Competência para Instauração, Instrução e Julgamento.

A competência para instauração do processo administrativo para suspensão do direito de dirigir é da Autoridade de Trânsito do Órgão Executivo de Trânsito do Estado onde estiver registrado o documento de habilitação do infrator. Em regra, somente a autoridade que emite o documento é que tem a competência para suspensão ou cassação de seus efeitos. Essa competência é facilmente extraída da análise conjugada dos artigos 22, II, 256, III e 265, do CTB.

Naturalmente, a competência para instauração, instrução e julgamento comporta delegação por meio de ato administrativo próprio. A delegação, como se sabe, é o ato pelo qual autoridade administrativa superior delega a seus subordinados competências que lhe foram conferidas pela lei ou pela constituição com vistas à maior efetividade da atividade administrativa.

No Estado de São Paulo, por meio do Decreto 59.055/13, que organizou o funcionamento do Detran, delegou-se especificamente à Diretoria Setorial de Habilitação a competência para prática dos atos inerentes aos processos de suspensão do direito de dirigir. Essa delegação já era esperada, visto que o Detran de São Paulo é o maior do país, e tem cerca de quatrocentos mil88 processos de suspensão do direito de dirigir instaurados somente na capital no ano de 2017.

A instauração, por autoridade competente é requisito básico de validade do processo administrativo. Não é dado a qualquer servidor promover a instauração do processo administrativo, sob pena de vício e, por conseguinte, de nulidade.

O ato de instauração é, em regra, a portaria. “A portaria, determinando a instauração do processo, é também uma peça acusatória, razão que exige a exposição da infração tipificada na legislação de trânsito, com todas as circunstâncias, a qualificação do infrator e a classificação do dispositivo legal89”. A instauração será anotada no prontuário do condutor, entretanto não constituirá nenhum impeditivo para renovação, adição, mudança de categoria ou transferência da habilitação.

Instaurado o processo administrativo, a primeira providência a seguir será a ciência do suposto infrator para que promova sua defesa. Para tanto, necessária a expedição de notificação postal ou pessoal, admitindo-se, ainda, a cientificação por qualquer outro meio que permita assegurar a ciência ao suposto infrator. A notificação deverá conter I - a identificação do infrator e do órgão de registro do documento de habilitação; II - a finalidade da notificação, qual seja, dar ciência da instauração do processo administrativo para imposição da penalidade de suspensão do direito de dirigir por somatório de pontos ou por infração específica; III - a data do término do prazo para apresentação da defesa; IV - informações referentes à(s) infração(ões) que ensejou(aram) a abertura do processo administrativo, fazendo constar: a) o(s) número(s) do(s) auto(s) de infração(ões); b) órgão(s) ou entidade(s) que aplicou(aram) a(s) penalidade(s) de multa; c) a(s) placa(s) do(s) veículo(s); d) tipificação(ões), código(s) da(s) infração(ões) e enquadramento(s) legal(is); e) a(s) data(s) da(s) infração(ões); e f) o somatório dos pontos, quando for o caso.

Embora a norma de regência não trate especificamente sobre a obrigatoriedade da notificação com aviso de recebimento, reportamo-nos às missivas do item 3.2.2., acima, com todas as considerações.

A notificação deve apontar ao acusado de forma clara a finalidade da notificação, o prazo para apresentação de defesa e as consequências da não apresentação ou apresentação intempestiva. Apresentada a defesa, seguir-se-á para a instrução, quando cabível, ou diretamente para análise das razões e julgamento.

  1. Defesa e Recursos Cabíveis.

Walter Cruz Swensson ensina:

A defesa deve ser oferecida à autoridade que preside o processo. Nela deve o acusado alegar toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna a acusação que lhe foi feita e especificando as provas que pretende produzir90”.

A defesa deve ser acompanhada, além do documento de identificação e do comprovante de residência do acusado, de todas as provas documentais que possuir que possam contribuir para o esclarecimento dos fatos e que possam lhe auxiliar na defesa. Juntamente com a defesa também pode ser requerida a juntada de documentos que estejam arquivados no órgão onde tramita o processo, ou, também, para que seja oficiada outra autoridade administrativa que seja guardiã de informações ou documentos uteis à defesa. A oitiva de testemunhas não é usual, mas não há qualquer óbice à sua utilização, podendo ser requerida com a defesa preliminar, já com a indicação da pessoa a ser ouvida, justificando a relevância de seu testemunho.

Em defesa, não cabe a alegação, para fins de apreciação pela autoridade instauradora, de vícios eventualmente ocorridos no processo de validação do auto de infração ou da aplicação da multa91. Somente a autoridade de trânsito responsável pela autuação é que pode fazer essa análise. Assim, eventual insurgência contra a validade de multa deve ser dirigida necessariamente àquela autoridade, cabendo somente, quando for o caso, postular o sobrestamento do processo de suspensão do direito de dirigir até a análise da impugnação da multa. Havendo ilegalidade manifesta, poderá a autoridade administrativa adotar providências que forem necessárias para solução do caso, adotando providências de ofício, se necessárias.

A defesa, em matéria de suspensão do direito de dirigir, basicamente se resume em a] vícios de procedimento, quanto à forma; b] defesa de mérito sobre não ser o autor da infração; ou c] defesa de mérito sobre não ser o responsável pela infração.

Os vícios de procedimento são aqueles que versam sobre a não conformidade de procedimentos adotados pela autoridade processante. São os vícios que dizem respeito ao devido processo legal, sobre a violação do direito de defesa ou do contraditório.

A defesa de mérito, no processo administrativo de suspensão do direito de dirigir, na essência, versam sobre não ser o acusado o autor da infração, pois o conjunto fático-probatório já existente ou a ser produzido comprova ou será capaz de comprovar de forma inequívoca que a infração não foi cometida pelo acusado. Outra defesa de mérito é aquela que, em razão da infração, não é ele o responsável, embora possa ter sido o autor da infração. Exemplo que possibilita facilmente distinguir essa diferença é condutor que conduz veículo com o licenciamento vencido: o autor será o condutor, porém o responsável o proprietário; já o proprietário que deixe de indicar o real condutor será tido por responsável, porém não poderá ser considerado autor se comprovar que na data da infração de fato não conduziu o veículo.

A defesa deve ser criteriosamente apreciada para que seja proferida decisão adequada, legal e justa. Todavia, são vergonhosas as decisões administrativas que hodiernamente são proferidas pelo Detran de São Paulo. Só admitem, para fins de acolhimento, alegações92 de a] venda do veículo em data anterior ao cometimento das infrações, desde que observada a regra do artigo 134, do CTB93; b] multa cancelada pelo órgão autuador; c] indicação de condutor devidamente realizada, mas não processada pelo órgão autuador; e d] fraude ou erro de cadastro. Outras alegações, de qualquer espécie, em regra, são rejeitadas, não importando a qualidade da prova apresentada.

O acolhimento da defesa apresentada implica arquivamento do processo administrativo quando, em virtude das alegações forem suficientes para desconsiderar a autoria ou a responsabilidade de infrações reduzindo o número de pontos para patamar inferior a vinte pontos, ou, no formato da lei 14.071/2020, em número inferior a vinte, trinta ou quarenta, conforme o caso. Se o acolhimento defensivo for parcial, e o número de pontos remanescentes for superior a vinte, trinta ou quarenta pontos, conforme a natureza das infrações, a penalidade de suspensão ainda será aplicada.

A rejeição total ou parcial da defesa apresentada implica aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir, cuja dosimetria consta na resolução 723 do CONTRAN. Todavia, rejeitada a defesa e aplicada a penalidade, antes que esta seja efetivada, ciente o acusado, ser-lhe-á facultado o direito de interpor recurso, que será dirigido à JARI.

A JARI, conforme dito linhas atrás, é o órgão colegiado de primeira instância responsável pelo conhecimento e julgamento dos recursos a serem interpostos pelos infratores.

A interposição tempestiva de recurso à JARI devolve a ela o conhecimento de toda matéria, que poderá a] anular a decisão recorrida, se entender existente algum vício; b] acolher integralmente o recurso interposto, cancelar a penalidade e determinar o arquivamento do processo; c] acolher total ou parcialmente o recurso e determinar a providência que for cabível; ou d] reduzir a penalidade aplicada quando for desproporcional.

Contra a decisão da JARI, seja ela qual for, cabe recurso ao CETRAN ou CONTRANDIFE, a ser interposto pela parte vencida. O julgamento do CETRAN ou CONTRANDIFE implica encerramento da instância administrativa, quando então, sendo o caso, a penalidade cominada poderá ser levada a efeito.

  1. Da Cassação do Documento de Habilitação.

A concessão da licença para dirigir é ato vinculado e constitui-se como sendo uma das facetas do poder de polícia do Estado na modalidade consentimento. Realizadas as etapas e tendo sido aprovado, o condutor tem o direito subjetivo de obter a habilitação para dirigir94. No entanto, concedida a licença para dirigir, o condutor habilitado deve observar as regras para manter sua licença95

A cassação do documento de habilitação é a retirada, em definitivo, da licença para dirigir. O documento, o processo administrativo, é tornado sem efeito, cancelado96. “É uma penalidade aplicável ao condutor não por defeitos ou precariedades do veículo, mas sim pela incapacidade e violação às regras de trânsito praticadas por aquele97”.

  1. Hipóteses de Cabimento.

A cassação do documento de habilitação dar-se-á: a] quando, suspenso o direito de dirigir, o infrator conduzir qualquer veículo; b] no caso de reincidência, no prazo de doze meses, das infrações previstas no inciso III do artigo 162 e nos artigos 163, 164, 165, 173, 174 e 175; e c] quando condenado judicialmente por delito de trânsito, observado o disposto no artigo 160.

A primeira hipótese apresentada é a mais comum. O condutor tem o direito de dirigir suspenso após o devido processo administrativo, mas, ainda assim, ele continua dirigindo e é surpreendido na condução do veículo. O dispositivo legal está tratando necessariamente de autoria da infração, ter, o infrator, conduzido veículo. Não basta mero lançamento de pontuação no prontuário do condutor enquanto está com o direito de dirigir suspenso para dar ensejo à cassação do documento de habilitação. Para que o documento de habilitação possa ser cassado é essencial que o acusado tenha conduzido veículo.

A segunda hipótese para cassação é a reincidência, no período de doze meses, de infrações consideradas demasiadamente graves, quais sejam: a] dirigir veículo com habilitação de categoria diferente; b] entregar ou permitir a direção do veículo à pessoa não habilitada, com CNH vencida, cassada, suspensão ou que não use lentes corretivas; c] disputar corrida por espírito de emulação; d] promover, na via, competição esportiva sem a devida autorização; e] realizar arrancada brusca ou frenagem de pneus; e f] dirigir veículo sob influência de álcool. Observo que, pela gravidade das infrações, praticamente em todas elas o CTB prevê que o cometimento uma única dessas infrações já autoriza a suspensão do direito de dirigir, mas, a reincidência, em doze meses, autoriza a cassação direta.

A terceira e última hipótese de cassação do documento de habilitação é a condenação judicial por delito de trânsito, observado o artigo 160, do CTB. O condutor que venha a ser condenado por delito de trânsito, assim compreendido em qualquer dos crimes tipificados no CTB estará sujeito à cassação do documento de habilitação. O fundamento para cassação, de natureza administrativa, será a existência de título judicial-criminal condenatório e transitado em julgado, após o devido processo administrativo.

A cassação do documento de habilitação tem caráter definitivo, porém, como nenhuma pena pode ser indefinida, ou seja, nenhuma pode ser perpétua, estabeleceu o legislador que após dois anos da cassação, querendo, poderá o condutor requerer sua reabilitação, sendo submetido a todos os exames necessários à habilitação, na forma estabelecida pelo CONTRAN.

  1. Competência para Instauração, Instrução e Julgamento.

A competência para instauração instrução e julgamento segue os mesmos parâmetros definidos para o processo de suspensão do direito de dirigir, o órgão executivo de trânsito do estado onde estiver registrado o documento de habilitação.

Instaurado o processo nenhuma restrição deve incidir no prontuário do condutor, inclusive para fins de transferência da habilitação para outra unidade federativa. Essa transferência, não implica declínio da competência para a nova unidade federativa para fins de instrução e julgamento, senão, nestes casos, seria possível manipular o processo e assim “escolher” a autoridade administrativa julgadora em manifesta violação ao princípio do juiz natural. Por outro lado, imposta a penalidade, será a autoridade administrativa da nova unidade emissora quem competirá promover a efetivação da cassação, inserindo a informação em sistema e retendo o documento de habilitação.

  1. Defesa e Recursos Cabíveis.

Para imposição da pena de cassação do documento de habilitação busca-se a comprovação de que o infrator tenha conduzido veículo enquanto estava com seu direito de dirigir suspenso [art. 263, I], que tenha reincidido, no período de doze meses em qualquer das infrações do artigo 162, III, 163, 164, 165, 173, 174 ou 175, do CTB [art. 263, II], ou tenha sido condenado por delito de trânsito [art. 263, III].

Em qualquer uma das hipóteses acima o que se apura é a autoria da infração. Na hipótese do inciso I do artigo 263, prevê o legislador que a cassação dar-se-á quando, suspenso o direito de dirigir, o infrator conduzir qualquer veículo. Só vale, para que a cassação seja aplicada na hipótese do inciso I se a infração for de responsabilidade do condutor ou, sendo de responsabilidade do proprietário do veículo, for este que estiver na condução do veículo. E, sendo do condutor, somente as infrações por circulação é que poderão ser consideradas em virtude do verbo empregado no caput do artigo 263, não levando-se a efeito eventuais infrações lançadas no veículo por estacionamento ou parada98.

Não é de essencial relevância que tenha sido lavrada autuação de trânsito ou que o auto de infração tenha sido considerado formalmente válido99 para que o processo de cassação seja instaurado, podendo a autoridade de trânsito valer-se de outros meios aptos à comprovação de que o infrator conduziu veículo com o direito de dirigir suspenso. Evidência é o envolvimento do condutor em acidente de trânsito atendido por profissionais que não têm competência para fiscalização de trânsito100 ou cuja competência não se insere naquela matéria ou naquela circunscrição. Esse boletim de ocorrência, mesmo sem auto de infração lavrado poderá servir para fundamentar a instauração do processo administrativo, pois o que se procura verificar é se o condutor suspensão de fato conduziu veículo.

Em contraponto à possibilidade de instauração de processo de cassação por qualquer meio de comprovação que permita comprovar que o infrator conduziu veículo quando estava com o direito de dirigir suspenso, havemos de destacar que a pena de cassação exige a comprovação de que o infrator tenha conduzido veículo.

Admite-se que o processo de cassação seja instaurado pela existência de pontos no prontuário do proprietário do veículo que não tenha indicado em tempo hábil o real condutor conforme preceituado no artigo 257, §7º, do CTB, mas a instauração calcada nessa presunção, que é relativa, deve ser comprovada101. É o que defendemos. Isso porque, em contraponto à presunção de legitimidade e de veracidade dos atos administrativos “não há dúvidas de que, em alguma medida, a exigência da culpabilidade impede que as pessoas sejam responsabilizadas com sanções que atingem seus direitos políticos, suas liberdades públicas, de forma meramente objetiva102”.

O processo de cassação, em virtude de sua natureza punitiva, é entendido pela doutrina como um processo administrativo acusatório103 ou processo administrativo punitivo104, que tem de um lado a Administração Pública e, de outro lado o Servidor ou o Administrado.

Nessa seara, sendo o processo de cassação um processo administrativo de natureza acusatória e punitiva não admitimos que o processo de cassação, instaurado pela simples falta de indicação do condutor resulte na punição desprovida de outras provas, pela simples presunção de ser o proprietário o condutor do veículo. “A pessoalidade da sanção administrativa veda, por certo, a chamada responsabilidade solidária, ainda que estabelecida em lei, porque a lei não pode violentar um princípio do direito constitucional regente do direito administrativo sancionador105”.

O artigo 257, §7º, do CTB, não prevê nenhuma sanção a ser imposta ao proprietário do veículo, se pessoa física, que deixar de informar à autoridade de trânsito que tenha registrado o auto de infração o real condutor do veículo, a não ser a responsabilização pelo pagamento da multa106.

As matérias arguíveis em defesa de cassação serão quanto à forma ou quanto ao mérito. Quanto à forma, eventuais vícios ou nulidades ocorridas no processo de cassação que impliquem violação ao devido processo legal, cerceamento de defesa ou contraditório, imposição por autoridade administrativa incompetente, suspeita ou impedida. Quanto ao mérito cingindo-se à não condução do veículo na data e horário apontado na portaria acusatória.

Da decisão proferida, importa recurso à JARI e, em instância seguinte ao CETRAN ou CONTRANDIFE, conforme o caso, nos mesmos moldes apresentados no item 3.3.3.

  1. EFEITOS PRETENDIDOS E ALCANÇADOS PELA LEI 9.503/97 E SUAS ALTERAÇÕES.

    1. Busca da Verdade Real.

O processo administrativo de trânsito foi concebido pelo legislador pátrio em virtude da necessidade de se estabelecer, na norma específica, parâmetros mínimos de garantia de defesa aos condutores, proprietários de veículos, pedestres e demais pessoas físicas e jurídicas sujeitas à responsabilização por infrações à legislação de trânsito. Está organizado em especial no capítulo XVIII e artigos 280 a 290, do CTB e nas resoluções 299, 619 e 723 do CONTRAN. Há, no entanto, outras disposições, contidas no próprio CTB, que também trazem noções e princípios norteadores do direito de defesa, do contraditório e do devido processo legal.

O poder de polícia de trânsito é instrumento jurídico que permite a Administração Pública, por meio dos órgãos e entidades integrantes do sistema nacional de trânsito, adotar medidas destinadas ao controle e de frenagem do direito individual ou coletivo em detrimento do interesse público. Todavia, como o exercício do poder de polícia implica necessariamente restrição às liberdades individuais e coletivas, é indispensável que, em momento oportuno seja instalado o direito de defesa e do contraditório, mediante processo administrativo.

O processo administrativo, em regra iniciado por meio de auto de infração ou portaria, ao mesmo tempo que visa garantir ao acusado o direito de se contrapor àquilo que está sendo apresentado em seu desfavor, possibilita à Administração Pública correta e adequada aplicação das normas próprias de direito de trânsito, sem, no entanto, desprezar os princípios de direito administrativo e constitucionais aplicáveis.

A Administração Pública tem o dever de buscar a verdade material das alegações contidas no auto de infração ou na portaria, por ser um desdobramento de diversos outros princípios da Administração Pública, em especial do princípio da supremacia e da indisponibilidade do interesse público.

A verdade real “exprime que a Administração Pública deve tomar decisões com base nos fatos tais como se apresentam na realidade, não se satisfazendo com a versão oferecida pelos sujeitos107”. José dos Santos Carvalho Filho108 ensina que o princípio da Verdade Material autoriza o administrador perseguir a verdade real, como os fatos efetivamente se constituíram, a verdade incontestável.

A verdade real se contrapõe à verdade formal. No processo judicial o juiz julga a demanda proposta com as provas produzidas nos autos, requeridas ou trazidas pelas partes, estando as partes reduzidas aos limites da lide, restrita assim ao que consta da petição inicial e da contestação. Já a verdade real pode ser buscada não só pela iniciativa das partes envolvidas, mas também podem ser requeridas e buscadas de ofício pela Administração Pública, sempre em prol do interesse público.

No processo administrativo a busca da verdade material é o vetor o interesse público. A Administração Pública age em defesa do interesse público primário109, que é o bem estar social, a melhor distribuição de serviços públicos de modo a satisfazer as necessidades básicas da população110, como saúde, segurança, educação, lazer, cultura, etc. O interesse público é, ainda, aquele revelado como objetivo tutelado no ordenamento jurídico que, embora possa até ser singular e individual111, mas não será necessariamente privado112. Todas as regras de direito administrativo são e devem ser pautadas nesse princípio113.

Em matéria de trânsito é possível dizer que o interesse público é que “o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do sistema nacional de trânsito114”, dando prioridade em suas ações à defesa da vida, nela incluída a saúde e o meio ambiente115. Assim, em termos de sinalização de trânsito e de ordens dos agentes de trânsito, em dado momento são realizadas, pelos órgãos de trânsito para assegurar a fluidez do trânsito, para assegurar que as pessoas e veículos possam transitar livremente, embora com regras de como fazê-lo. Por outro lado, a mesma sinalização e as ordens dos agentes visam salvaguardar a vida daqueles que usam as vias terrestres, proibindo que dirijam veículos aqueles não demonstram capacidade, ou que sejam colocados em circulação veículos que não ofereçam condições seguras. Em síntese, podemos dizer que o interesse público será o “trânsito livre e seguro a todos”, de modo que a aquele que violar ou ao menos colocar em risco tal bem jurídico contrariará o interesse público.

O sistema processual administrativo de trânsito considera a possibilidade de adotar medidas administrativas e punitivas àqueles que inobservam as regras previstas na legislação de trânsito, conforme reveladas, dentre outras, nos artigos 256 e 269 do CTB. As medidas administrativas são, em regra, aquelas adotadas pelo agente de trânsito, in locu, quando da ocorrência de conduta irregular, visando fazê-la cessar. As sanções administrativas são impostas posteriormente, após o devido processo administrativo.

No caso das sanções administrativas de trânsito, nem sempre é tão fácil sancionar corretamente o infrator. Isso porque muitas infrações de trânsito são praticadas com o veículo em movimento e o agente de trânsito nem sempre faz a abordagem e a identificação do condutor, não havendo elementos suficientes de certeza se de fato era mesmo o proprietário quem conduzia o veículo ou mesmo se o veículo conduzido não era clonado ou que teve a placa adulterada. É bem verdade que a regra geral é que o proprietário é que conduz o veículo e que os veículos que circulam nas vias públicas são originais e não possuem máculas, mas essa não é uma verdade absoluta.

O processo administrativo de trânsito atualmente existente, tal como legislado e normatizado não garante necessariamente a busca pela verdade material. E, por experiência própria116, os órgãos de trânsito, em linhas gerais, pouco estão preocupados em esclarecer se de fato era o proprietário do veículo quem conduzia o veículo em determinada oportunidade. É comum, em defesa, condutores que estejam sendo processado administrativamente por terem cometido infração que por si só estabeleça a suspensão do direito de dirigir, ou por terem conduzido veículo quando estavam com seu direito de dirigir suspenso alegarem que não conduziram veículo naquelas oportunidades. Todavia, por ser frequente tal alegação, são todos os condutores “jogados na vala comum” e tratados como se fosse somente uma estratégia defensiva para esquivar-se da sanção, sem que o órgão de trânsito se preocupe em efetivamente diligenciar sobre as alegações defensivas.

Embora a legislação de trânsito não preveja expressamente a possibilidade da realização de audiências para oitiva de testemunhas, a realização de perícias e a expedição de ofício a órgãos e entidades públicas ou privadas, é certo que pelo princípio constitucional insculpido no artigo 5º, LVI c.c. artigo 369 do NCPC no processo são admissíveis todas as provas, ainda que não especificadas na legislação, salvo as obtidas por meios ilícitos.

O que se quer trazer à seara do processo administrativo de trânsito é a abertura de uma instrução probatória para que o suposto infrator possa trazer outros meios de prova, ainda que indiciários que possam se contrapor às provas tarifadas que a Administração Pública produz nesses autos administrativos. Naturalmente a prova indiciária, única, talvez não seja em sí capaz de fragilizar a presunção que milita em fazer da Administração, mas, o conjunto de provas indiciárias podem trazer ao julgador razoável juízo de certeza117. Ademais, a lei da Lei da Liberdade Econômica possibilita transferir à Administração Pública o ônus probatório quando o Administrado suscitar dúvida razoável.

O processo administrativo em matéria de trânsito em termos práticos não zela pelo princípio da verdade material. O seu devido processo legal, em verdade, é meramente formal, consubstanciando em mera questão protocolar. A verdade material pressupõe verdadeiro processo legal substancial, com o emprego de esforços necessários para que haja uma decisão justa e acertada.

Não basta que o processo administrativo siga as formalidades legais, ele deve ser substancial e ter adotado todas as medidas necessárias para alcançar a verdade material. A Administração Pública não pode se satisfazer com a versão oferecida pelo envolvidos, devendo tomar decisões com base nos fatos tais como se apresentam na realidade118.

  1. Punições Mais Rigorosas e Punições Mais Brandas.

Ao longo desses pouco mais de vinte e três anos, desde sua publicação em 23 de setembro de 1997, o Código de Trânsito Brasileiro já passou por mais de vinte alterações, sempre com o objetivo de dar-lhe maior efetividade. Nosso estudo pretende analisar apenas algumas dessas alterações, sempre no viés sancionador, com objetivo de, sem esgotar o tema, tecer algumas considerações sobre seus efeitos práticos.

Em 2006, houve alteração legislativa do artigo 218. Este artigo, que trata das infrações por excesso de velocidade estava dividido em inciso I, a e b, e inciso II, a e b, teve significativa alteração. A hipótese do inciso I previa infração grave e gravíssima para excesso de velocidade superior a máxima em até vinte por cento e acima de vinte por cento, nas vias de trânsito rápido, estradas ou rodovias, respectivamente; A hipótese do inciso II previa a infração grave e gravíssima para excesso de velocidade para velocidade superior a máxima em até cinquenta por cento e acima de cinquenta por cento em vias locais e coletoras. Com a alteração trazida pela lei 11.334/06, excluiu-se a distinção das vias, escalonando os tipos em três incisos, sem alíneas, com graduação média, grave e gravíssima. Com isso houve o abrandamento das infrações da modalidade antigamente prevista, pois, além de ter inserido a modalidade da infração de natureza média, consignou-se que somente o excesso de velocidade acima de cinquenta por cento seria de natureza gravíssima.

A infração do artigo 165 – dirigir sob influência de álcool ou substância psicoativa, com as alterações trazidas pela lei 11.705/08 e depois pela lei 12.760/12, elevou, no primeiro momento, a pena de suspensão do direito de dirigir, que antes poderia ser de um a doze meses e foi tarifada em doze meses e, no segundo momento, elevou o valor da multa de 900 UFIRs para 1.800 UFIRs, com possibilidade de dobra, em caso de reincidência. Em ambas as oportunidades houve também a melhora na redação legislativa de modo tornar menos rígido o tipo infracional.

A inserção119 e posterior alteração120 do §5º do artigo 261 criou a obrigação e opção ao condutor de veículos habilitados nas categorias C, D ou E de poder frequentar o “curso de reciclagem preventivo”, sempre que, no decorrer de doze meses, tiver atingido a contagem de quatorze pontos em seu prontuário, mas não tenha atingido vinte, a fim de que os pontos sejam excluídos e, assim, recomece a contagem de pontos e não esteja mais sujeito a suspensão do direito de dirigir, salvo se nova somatória de pontos no período que ultrapasse a contagem de pontos. Nesta hipótese então o condutor passou a ter um limite implícito de trinta e nove pontos, que seria a tolerância inicial de quatorze a dezenove pontos e, depois, de vinte pontos.

Agora, já em 2020, foi aprovada a lei 14.071, que alterou diversas disposições do CTB. A alteração que destacamos é a nova redação dada ao inciso I, do artigo 261, que inseriu as alíneas a, b e c, disciplinando que a suspensão do direito de dirigir será aplicada sempre que o infrator atingir a contagem de vinte pontos e, dentre essas constem duas ou mais infrações gravíssimas; quando atingir a contagem de trinta pontos e, dentre essas conste uma infração gravíssima; ou quando atingir quarenta pontos não constando nenhuma infração gravíssima. Com a nova disposição o infrator passou a ter uma maior condescendência do Estado antes da punição. Além disso, não há óbice que o condutor habilitado nas categorias C, D ou E possa, no primeiro momento, fazer uso da benesse do §5º, do artigo 261, e depois ainda utilize da prerrogativa do inciso I, a, b ou c, conforme o caso. Sobre a alteração do inciso I cabe ainda destacar como será o entendimento da jurisprudência sobre a análise da retroatividade da lei 14.071 em relação aos condutores pontuados na vigência da lei anterior, cuja punição ainda esteja pendente.

  1. Reeducação de Condutores e Pedestres.

Sabemos que o trânsito é sem sombra de dúvidas uma das causas que mais provocam mortes no Brasil. Em matéria veiculada no Portal do Trânsito121, entre 2009 e 2019 foram mais de um milhão e meio de pessoas vítimas de acidentes graves. Os acidentes são causados a] pelo Estado por problemas de sinalização, iluminação ou má conservação das vias, b] pelos condutores pelo uso de álcool, excesso de velocidade, ultrapassagem em local não permitido, além de outras atitudes negligentes, imprudentes ou imperitas, c] pelos proprietários de veículos, pela sua má conservação, d] pelos pedestres, por se deslocarem nas vias públicas em local inapropriado, por não atravessarem na faixa e por não respeitarem a sinalização.

O código de trânsito brasileiro prevê no artigo 140 que a habilitação para conduzir veículo automotor e elétrico será apurada por meio de exames que deverão ser realizados junto ao órgão ou entidade executivos de trânsito do Estado, no domicílio ou residência do candidato ou na sede estadual do órgão. Esses exames são constituídos de aptidão física e mental; por escrito, sobre legislação de trânsito; de noções de primeiros socorros, na forma regulamentada pelo CONTRAN; e de direção veicular, realizado em via pública, em veículo da categoria para qual pretende se habilitar. A matéria está regulada na resolução 168/04 do CONTRAN com suas alterações.

Segundo regulado pela normatização do CONTRAN o candidato deve ser submetido a exames de saúde física e mental e, só depois encaminhado às demais etapas do processo habilitatório. O candidato realiza, na sequência, o curso teórico e a respectiva prova, e como última etapa as aulas de direção e o respectivo exame do qual, aprovado, estará habilitado, recebendo a permissão para dirigir.

Muito embora atualmente a resolução do CONTRAN que trata sobre o processo habilitatório faça previsão de um número expressivo de horas-aulas, teóricas e práticas, sabemos bem que, por vezes, o candidato, mesmo após a sua conclusão, ainda não está preparado para dirigir em via pública. A instituição de ensino e seu instrutor não têm autonomia para obstar que o candidato ainda não considerado apto seja submetido ao exame junto ao DETRAN, porquanto já preenchido o requisito objetivo do número de horas-aulas já realizadas, no total de 45 teóricas e 25 práticas.

Há notícias122 que indicam que avaliações de prática veicular são muitas vezes objeto de prática criminosa de atos de corrupção, onde o aluno, diretamente ou por terceiro, oferece, aos agentes do estado vantagem indevida para aprovação no processo. E, mesmo aqueles que objetivamente têm condições e foram aprovados nem sempre dirigem com segurança.

Somos do posicionamento que o habilitando deva ser referendado por seu instrutor como apto para a realização do exame de direção veicular, visto que é o instrutor que passou dias e horas acompanhando o desenvolvimento daquele candidato e sabe efetivamente quais as dificuldades que já foram superadas e quais as dificuldades que o candidato ainda apresenta. Ademais, o perito examinador do Detran tem um único contato com o candidato e o avalia por apenas poucos minutos [talvez dez minutos], em um trajeto já previamente estudado e limitado. Assim, a aprovação pode ser uma questão de mera técnica e não de habilidade propriamente dita.

Uma vez habilitado não há previsão no CTB, nem tampouco na norma de regência, que o condutor possa ser submetido a procedimento de atualização teórica ou prática. Isto é, hoje, caso o condutor pretenda se atualizar sobre a legislação de trânsito ou sobre novas técnicas de direção segura ele não o fará no Detran ou em seus centros credenciados. Aliás, na contramão, é vedada à instituição de ensino credenciada pelo Detran ou pelo Contran criar cursos de atualização que não aqueles previamente estabelecidos. Já ao condutor infrator, prevê o artigo 268 do CTB que ele será submetido ao curso de reciclagem na forma estabelecida pelo Contran. Ou seja, somente o infrator é que pode/deve se reciclar. Aquele que espontaneamente queira ampliar seus conhecimentos, renová-los ou reciclá-los não o pode fazer em instituição credenciada pelo Detran.

Em situação mais complicada que a do condutor está o pedestre. Não existe curso para pedestre. Se por um lado o condutor precisa saber conduzir um veículo com segurança, por outro o pedestre teria que saber como funciona e é organizado o sistema de trânsito. O projeto de educação para o trânsito nas escolas123, parece ser uma alternativa bastante interessante. É importante que a criança, desde o ensino fundamental tenha contato com as noções básicas de ações cidadãs para com o trânsito. Vale lembrar que o CTB dedicou o capítulo IV para tratar dos pedestres e condutores de veículos não motorizados.

Por ser o mais vulnerável, o pedestre ganhou especial atenção no código e proteção de todos com o ônus ao poder público de viabilizar o passeio e as passagens apropriadas para circulação, com sinalização adequada. Os pedestres que estiverem atravessando a via sobre as faixas de limitadas para este fim tem prioridade de passagem. “Vai adquirindo presentemente força a teoria de que o pedestre tem preferência ante o condutor, máxime em vista da desproporcionalidade de potência entre o veículo automotor e a pessoa física124”.

  1. Trânsito Seguro.

Trânsito, em sentido técnico, na definição dada pelo CTB, é a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga e descarga.

Não só o direito de se locomover livremente em vias terrestres em tempos de paz, o código de trânsito brasileiro visa assegurar o direito de locomoção em segurança, a garantia de um trânsito seguro. “Dentre os direitos fundamentais, que dizem com a própria vida, como a cidadania, a soberania, a saúde, a liberdade, a moradia e tantos outros está o direito ao trânsito seguro125”.

Em contrapartida ao direito de trânsito livre e seguro, estabeleceu o legislador o ônus ao Estado de assegurar esse direito. Por isso, o legislador conferiu à Administração Pública uma série de prerrogativas intervencionistas necessárias à salvaguarda desse direito-dever. Sem sombra de dúvidas o trânsito em vias terrestres é uma das áreas que mais sofre intervenção do Estado, podendo citar, dentre elas: a] gestão, organização e disciplina do uso das vias públicas [e até de áreas particulares]; b] intervenção na propriedade ao estabelecer como, quando e onde os veículos podem ser utilizados; c] quem, como e quando condutores podem dirigir veículos; e d] como e quando os pedestres podem usar das vias públicas.

O descumprimento das regras de trânsito implica na imposição de restrições aos infratores, mediante exercício do poder de polícia e prévio processo administrativo. As sanções e medidas administrativas previstas no CTB são, sem sombra de dúvidas, medidas aplicáveis pelos órgãos de trânsito aos infratores como forma de reprimir e de reeducar aqueles que colocam risco a vida, sua ou de outrem, de forma direta ou indireta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

O sistema nacional de trânsito é formado por diversos órgão e entidades de trânsito da União, Estados e Distrito Federal e dos Municípios, com funções consultivas, normativas, deliberativas, coordenadoras e executivas, com vistas à organização do uso das vias terrestres.

O Poder de Polícia de Trânsito, como uma das espécies do Poder de Polícia Estatal, é a prerrogativa conferida à Administração Pública, para que através de seus órgãos e entidades de trânsito possam regular o uso das vias terrestres, estabelecendo critérios para seu uso regular como a implementação de sinalização regulamentadora e de advertência, habilitação legal de seus condutores, licenciamento de veículos, entre outras.

O Poder de Polícia de Trânsito implica também exigibilidade de procedimentos prévios a condutores e proprietários de veículo para o exercício de direitos individuais inerentes à liberdade de locomoção e do uso de propriedade, cuja inobservância pode implicar restrições a esses direitos.

A inobservância das regras de trânsito por qualquer das pessoas previstas no artigo 257 do CTB implica lavratura de auto de infração de trânsito, dando início ao processo administrativo de trânsito, que, ao final, poderá ensejar na aplicação de sanções administrativas de natureza pecuniária, restritiva de direitos, restritiva da propriedade e na obrigação de fazer.

Toda e qualquer imposição de sanção deve ser precedida de processo administrativo, conduzido por autoridade competente e isenta, assegurando aos envolvidos o direito de defesa e do contraditório em devido processo legal substancial, que assegure a produção de provas e a possibilidade de recurso contra as decisões que lhe forem desfavoráveis.

O processo administrativo de trânsito tem o escopo de assegurar a observância do mandamento constitucional do direito de defesa e do contraditório, mas que não pode se conformar com as verdades formais que em boa parte das vezes se consolidam no âmbito administrativo. A busca pela verdade material deve realmente ser levada a efeito pelos órgãos de trânsito, para que com isso tenhamos decisões mais justas e acertadas.

Nosso país só terá um trânsito mais seguro quando houver, por parte dos condutores e pedestres, maior consciência de que o trânsito seguro em vias terrestres é um direito de todos e que cabe a cada um dar a sua contribuição, e por parte dos órgãos de trânsito, proporcionar e cobrar melhor formação e educação de condutores e pedestres e a imposição de penas mais adequadas à realidade fática sem se ater simplesmente às verdades formais que se consolidam administrativamente.

O trânsito mais seguro que todos esperamos depende de cada um: Ao condutor, respeitar as normas de circulação, parada, estacionamento e estar em condições de dirigir; ao proprietário, manter o veículo sempre em boas condições de uso; ao pedestre, fazer uso da calçada e atravessar na faixa, sempre que possível; aos órgãos de trânsito, adotar as medidas preventivas e repressivas para garantir melhores condições de trânsito.

BIBLIOGRAFIA.

ARAÚJO; Julyver Modesto, Poder de Polícia Administrativa de Trânsito, São Paulo, Editora Letras Jurídicas, 2010.

BACELLAR FILHO; Romeu Felipe, MARTINS; Ricardo Marcondes, Tratado de Direito Administrativo: Ato Administrativo e Procedimento Administrativo, [obra coletiva] vº V, 2ª Edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2019.

BOTALLO; Eduardo Domingos, Curso de Processo Administrativo Tributário, São Paulo, Malheiros Editores, 2006.

CARVALHO FILHO; José dos Santos, ALMEIDA; Fernando Dias Menezes de, Tratado de Direito Administrativo: Controle da Administração Pública e Responsabilidade do Estado, [obra coletiva], vº VII, 2ª Edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2019.

CARVALHO FILHO; José dos Santos, Manual de Direito Administrativo, 33ª Edição, São Paulo, Atlas, 2019.

COSTA MACHADO, Antônio Cláudio, Constituição Federal Interpretada: Artigo por Artigo, Parágrafo por Parágrafo, 4ª Edição, Barueri/SP, Editora Manole, 2013.

CRETELLA JUNIOR, José; Curso de direito Administrativo, 17ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 2000.

___________________; José, Polícia e Poder de Polícia, Revista de Direito Administrativo, v. 162, Rio de Janeiro, Editora Renovar, 1985.

CUNHA FILHO; Alexandre Jorge Carneiro; NIEBUBR, Karlin olbertz; Lei da Liberdade Econômica Anotada, v. 1, São Paulo, Editora Quartier, 2020.

CUNHA JUNIOR; Dirley, Curso de Direito Constitucional, 13ª Edição, Salvador/BA, Editora JusPODIVM, 2019

CGU, Curso de Processo Administrativo Disciplina - Teoria, Brasília, 2019, disponível em https://www.gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/atividade-disciplinar/curso-de-pad, acesso em 12jun2020.

DI PIETRO; Maria Sylvia Zanella, MOTTA; Fabrício, Tratado de Direito Administrativo: Administração Pública e Servidores Público, [obra coletiva] vº II, 2ª Edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2019.

DI PIETRO; Maria Sylvia Zanella, MARTINS JÚNIOR; Wallace Paiva, Tratado de Direito Administrativo, 2ª Edição, v. I, [obra coletiva], São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2019, p.519

DUARTE; Clenício da Silva, Delegação de Competência, Revista de Serviço Público, v. 108, Brasília, 1973.

FERREIRA; Daniel, Infrações e Sanções Administrativas, Tratado de Direito Administrativo [obra coletiva coordenada por Adilson Abreu Dallari, Carlos Valder do Nascimento e Ives Gandra da Silva Martins], São Paulo, Saraiva, 2013.

GASPARINI, Diógenes; Direito Administrativo, 12ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007.

_________________, Novo Código de Trânsito – Os Municípios e o Policiamento, Revista de Direito Administrativo, v. 212, Rio de Janeiro, Editora Renovar, 1998.

LAZZARINI; Álvaro, Limites do Poder de Polícia, Revista de Direito Administrativo, v. 198, Rio de Janeiro, Editora Renovar, 1994.

MAGGIO; Eduardo Antônio, Da Suspensão e Cassação do Direito de Dirigir: [CNH e Permissão], São Paulo, Mundo Jurídico Editora, 2007.

MARRARA, Thiago, O Exercício do Poder de Polícia por Particulares, Revista de Direito Administrativo, v. 269, Rio de Janeiro, Editora Renovar, 2015.

MEDAUAR; Odete, A Processualidade no Direito Administrativo, 2ª Edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008.

MEIRELLES; Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 32ª Edição [atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho], São Paulo, Malheiros Editores, 2006.

_______________________, Mandado de Segurança, 26ª Edição, São Paulo, Malheiros Editores, 2004.

OSÓRIO; Fábio Medina, Direito Administrativo Sancionador, 6ª Edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2019.

QUIXADÁ; Luiz Gonzaga, QUIXADÁ; Valquíria Oliveira, Aplicação do Código de Trânsito brasileiro, Brasília/DF, Editora Brasília Jurídica, 2000.

RIZZARDO; Arnaldo, Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro, 4ª Edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005.

SILVA, João Batista; Curso Completo de Direito de Trânsito, 1ª Edição, Belo Horizonte/MG, Editora Lider, 2017.

SILVA; José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Malheiros Editores, 2009.

SWENSSON; Walter Cruz, SWENSSON NETO; Renato, Manual de Procedimento e Prática de Trânsito, 2ª Edição, São Paulo, Editora Juarez de Oliveira, 2002.

TÁCITO, Caio; Direito Administrativo, São Paulo, Saraiva, 1975

____________, O Abuso do Poder Administrativo no Brasil: Conceitos e Remédios, Revista da Direito Administrativo, v. 56, Rio de Janeiro, Editora Renovar, 1959.

____________, O Poder de Polícia e Seus Limites, Revista de Direito Administrativo, v. 27, Rio de Janeiro, Editora Renovar, 1951.

____________, Princípio da Legalidade e Poder de Polícia, Revista de Direito Administrativo, v. 227, Rio de Janeiro, Editora Renovar, 2002.

TAVARES; André Ramos, Curso de Direito Constitucional, 15ª Edição, São Paulo, Saraiva, 2017.

TOBIAS, Omar Zanete; Defesas no Código de Trânsito Brasileiro, 13ª Edição, São Paulo, Tradebook, 2014.

Sites:

https://www.abcdoabc.com.br/abc/noticia/detran-sp-flagra-irregularidades-autoescola-capital-65821 acesso em 09jan2021

https://www.cetran.sc.gov.br/ acesso em 02jan2021

http://www.cetran.sp.gov.br/ acesso em 02jan2021

http://www.cetsp.com.br/media/194181/07_projeto2.pdf acesso em 09jan2021

https://www.detran.sp.gov.br/wps/portal/portaldetran/cidadao/home acesso em 02jan2021

https://www.gov.br/infraestrutura/pt-br/assuntos/transito/conteudo-denatran/frota-de-veiculos-2019 acesso em 19dez2020

https://www.gov.br/infraestrutura/pt-br/assuntos/transito/conteudo-denatran/estatisticas-quantidade-de-habilitados-denatran1790 acesso em 19dez2020

https://www2.oabsp.org.br/asp/clipping_jur/ClippingJurDetalhe.asp?id_noticias=14273&AnoMes=20038 acesso em 31dez2020

<http://www.portaldotransito.com.br/noticias/com-mais-de-74-milhoes-de-condutores-habilitados-brasil-ainda-sofre-com-acidentes-de-transito/ acesso em 07nov2020>

https://www.reclameaqui.com.br/empresa/correios/ acesso em 02jan2021

http://www.transitoideal.com.br/pt/artigo/4/educador/66/breve-historia-dotransito acesso em 19dez2020

Sobre o autor
Eliseu Oliveira

Bacharel em direito pelo Centro Universitário Fieo - UNIFIEO; Pós graduação “lato sensu” em Direito Empresarial pelo Centro Universitário Fieo – UNIFIEO*; Pós graduação “lato sensu” em Direito Público pela Escola Paulista da Magistratura EPM; Diretor de Ensino, Diretor Geral, Instrutor e Examinador de Trânsito pelo CIETRAN/Osasco; Advogado inscrito na OAB/SP desde janeiro de 2010; Ex-Servidor Público do Departamento Estadual de Trânsito; Presidente de Junta Administrativa de Recursos de Infrações; Membro de Junta Administrativa de Recursos de Infrações; Membro do Conselho Municipal de Educação de Jandira; Assessor Parlamentar; Secretário Adjunto da 240ª Subseção da Ordem dos Advogados de São Paulo; Secretário Geral da 240ª Subseção da Ordem dos Advogados de São Paulo; Assessor da Presidência da XIX Turma de Disciplina da OAB/SP; Corregedor Geral da Secretaria Municipal de Segurança Pública de Jandira; Secretário Municipal de Segurança Pública de Jandira/SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!