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O labirinto da anonimidade: como VPN pode desafiar as ordens de bloqueio contra a plataforma X?

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Agenda 09/09/2024 às 12:47

Estatísticas sobre o uso de VPN’s

Conforme já mencionamos, são muitos os exemplos de ativistas e jornalistas que buscam contornar restrições governamentais de acesso a internet utilizando uma VPN.

O que talvez não tenha ficado claro é o potencial de uso dessas ferramentas por cidadãos comuns, uma vez que as VPN’s apresentam uma complexidade inerente, tornando possível cogitar que o usuário comum não estivesse disposto a passar por toda a curva de aprendizado para conectar-se a uma mera rede social interditada.

Na prática, porém, tal presunção mostra-se falaciosa.

Ora, apesar do detalhamento técnico aqui ofertado, em grande parte dos softwares existe um funcionamento bastante intuitivo do funcionamento da VPN. Em síntese, basta ao usuário cadastrar um usuário e senha (passo este que muitos já estão familiarizados) e clicar no botão de conexão. Qualquer eventual dificuldade pode ser contornada com ajuda de um familiar ou tutorial na internet. Em realidade, se o usuário é capaz de acessar uma rede social ou serviço de streaming em seu celular, muito provavelmente ele também seria capaz de usar um software de VPN.

Em anos anteriores tivemos a oportunidade de verificar um aumento expressivo pela procura por VPN’s em contextos de ameaças governamentais, como a invasão da Ucrânia pela Rússia.

Segundo estatísticas divulgadas pela CNN Brasil 16, foram detectados aumentos expressivos nos downloads de VPN’s por usuários russos após o início do conflito com o país vizinho. Recorde-se que o uso de tal artifício visava explicitamente contornar as restrições impostas por Vladimir Putin quanto a circulação de informação sobre o conflito na Ucrânia.

Mesmo no recente contexto brasileiro, as estatísticas do google também referem um aumento gigante na busca pelo termo VPN 17. Já um levantamento da AppMagic divulgado pelo portal Mobile Time 18 traz a informação de que o número de downloads de soluções de privacidade passa da cifra do milhão somente nos últimos trinta dias, tanto pelo download das VPN’s mais populares, como através de apps que já trazem a funcionalidade, como o navegador Opera.

Alguns poderiam objetar que o sucesso dos serviços de VPN é efêmero, e que bastaria uma ordem judicial para que estes softwares fossem banidos das lojas de aplicativos.

Mas isso é apenas parcialmente verdade.

De fato, seria possível ordenar ao Google o banimento de aplicações de VPN e do próprio X. Todavia os aparelhos Android permitem a instalação de aplicativos de fora de suas lojas oficiais, bastando o mero download do arquivo APK. De igual modo ocorre nos aparelhos Windows, onde basta o download do arquivo .exe, sem a necessidade de utilização de qualquer loja centralizada.

Já no caso dos telefones da Apple a situação traria uma outra problemática, e, mesmo sendo contornável, certamente serviria para afastar algum número de usuários de tais aplicações.

Qualquer que seja o caso, é forçoso admitir que, seja para o bem ou para o mal, no Brasil prevalece uma cultura de desafio à ordem estabelecida. Jamais uma ordem direta das autoridades implicou que os brasileiros deixassem de consumir determinada produção musical, literária ou cinematográfica.

Portanto, podemos indicar que eventuais dificuldades técnicas ou jurídicas até podem afastar parte dos usuários, mas é temerário vaticinar que tal fator seria determinante para definir o comportamento das massas no auge da era digital.


Discutindo a efetividade das sanções judiciais do caso X

A remoção de conteúdo online através de ordens judiciais já faz parte do cotidiano das grandes empresas do Vale do Silício, como Google e Facebook. Caso algum conteúdo postado se mostre incompatível com o Marco civil da internet e a LGPD, há uma presunção razoável de que o lesado poderá conseguir a remoção do conteúdo recorrendo ao Judiciário brasileiro, por vezes de forma célere e liminar.

Já o caso X traz algumas especificidades. A primeira delas é que a empresa já não mantém um representante no Brasil, dificultando o trâmite regular de um processo. A segunda é que seu proprietário tem demonstrado intenções evidentes de não acatar as ordens do Judiciário, ao menos até o presente momento.

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Portanto, se em casos normais bastaria uma liminar ordenando ao Google a retirada de um conteúdo em vista de um vídeo ilegal postado no Youtube, o mesmo já não pode ser dito dos conteúdos postados na rede X. Além disso, as autoridades teriam fácil acesso aos dados de qualquer usuário que cometeu ilícitos utilizando as redes do Google, ao passo que o mesmo não se pode dizer das redes de Elon Musk.

Podemos usar o método hipotético dedutivo para inferir alguns cenários possíveis.

Se um brasileiro hipotético resolve postar conteúdos ilícitos contra um membro do governo utilizando a rede X, esse criminoso hipotético poderia criar um perfil identificado como @123de_oliveira4, usar como foto de perfil uma imagem criada por IA ou o print de qualquer meme das redes sociais.

Veja que em casos comuns, bastaria à autoridade competente intimar a rede social para conseguir acesso a um rol de informações do usuário, como o número de telefone usado para confirmar a identidade do indivíduo hipotético. Mas no caso do X, tal colaboração parece pouco provável.

O segundo passo seria buscar identificar o número IP do indivíduo. Ocorre que tal informação pode estar oculta por diversos subterfúgios, como VPN, navegador TOR e sistemas operacionais de privacidade.

Caso superadas tais barreiras, pode-se admitir, Ad argumentandum tantum, que as autoridades identificaram que o investigado está utilizando um serviço específico de VPN. Nesse caso, teria início um procedimento de busca de cooperação internacional para que o país sede do serviço obrigasse a empresa a fornecer os dados de identificação do usuário.

Para tornar mais factível, podemos supor que os serviços de inteligência apontaram que o usuário @123de_oliveira4 está utilizando uma VPN sediada na Argélia. Nesse caso, caberia às autoridades brasileiras iniciar as tratativas com as autoridades do país em questão, buscando as intervenções possíveis e necessárias na empresa de VPN.

Em contrapartida, vale mencionar novamente algumas informações trazidas acima, de que algumas empresas não armazenam dados de seus clientes, de que algumas delas não exigem KYC, e que em última análise, ainda existiria a hipótese da empresa de VPN aplicar algum subterfúgio para cientificar o cliente de que seus dados não estão seguros.

Também devemos admitir que as tentativas de sanção do Poder Judiciário podem invariavelmente fracassar, caso a empresa fornecedora da VPN se encontre em uma jurisdição como Ilhas Virgens Britânicas, Panamá, Seychelles, Ilhas Cayman e Malásia.

Mesmo ignorando a existência de tais tecnicalidades, seria possível inferir que talvez não seja simples convencer certos governos e proprietários de VPN da real necessidade de prestar auxílio ao Brasil nessa investigação. Alguns países simplesmente possuem uma interpretação diferente do princípio da liberdade de expressão, como Estados Unidos, por exemplo. Vale recordar que até agora o governo brasileiro não teve sucesso em seus pedidos de extradição contra Allan dos Santos 19.

Nesse contexto, surge a questão: quão provável é que um governo específico decida intervir em uma empresa local para entregar a totalidade dos dados de navegação de todos os brasileiros, simplesmente visando possibilitar que o governo brasileiro identifique quem acessou uma determinada rede social? Nosso parecer é que tal cenário se mostra improvável.

Isso independe do fato de muitos brasileiros considerarem-se ultrajados com a postura do proprietário do X. Para tais brasileiros, certamente não pareceria desproporcional uma grande cooperação internacional que levasse Musk a se dobrar aos ditames da Justiça.

Todavia, sabemos que as recentes decisões da Suprema Corte têm se mostrado no mínimo controversas, isso conforme o parecer de juristas de dentro e fora do país 20. Dizendo de outra forma, as decisões de Moraes e a conduta de Musk estão longe de atrair uma interpretação unânime, seja pelo aspecto jurídico, seja pelo aspecto político.

Vale ainda apontar que não estamos a tratar da prática de crimes de homicídio ou de exploração de vulneráveis, casos os quais atraem uma inequívoca comoção social e penas gravosas por parte das autoridades. Fosse um pedido do Ministro Alexandre visando desarticular uma quadrilha de tráfico de pessoas, não há dúvidas de que tal pedido seria acolhido com pronto fervor na maioria dos países. Em contraste, no presente caso estamos diante de um cenário que envolvem condutas que, em parte dos países modernos, sequer seriam consideradas crimes, vide o caso Allan dos Santos, tratado como mero crime de opinião pelas autoridades americanas.


Conclusão

O presente estudo teve o propósito de apresentar algumas ferramentas como VPN e outros serviços de anonimato, já que o tema veio à tona partir das decisões recentes do Supremo Tribunal Federal. A partir da conceituação ofertada, julgamos ter exposto diversas possibilidades de aplicação de tais tecnologias, as quais permaneceram por muito tempo distantes da realidade do grande público. Chegamos a avaliar a hipótese da aplicação de sanções judiciais contra os usuários de VPN, e constatamos que o esforço para punir os usuários seria hercúleo, e o resultado bastante incerto.

Nosso parecer é que o equívoco das personalidades envolvidas foi subestimar deliberadamente a teimosia e a capacidade de adaptação do brasileiro. Apesar de muitos apostarem que os usuários do X não adentrariam ao estranho universo das VPN’s, parece que o resultado tem sido o oposto.

Por fim, vale enfatizar que o presente trabalho oferta um parecer técnico. Não há propósito nem espaço para tecer considerações sobre a moralidade e os méritos jurídicos da decisão de Moraes, como não há espaço para avaliar quais normas foram eventualmente violadas por Musk. Antes, optamos por passar ao largo de tais discussões e verificar, tanto quanto possível, a hipótese de efetividade de banimento da rede X e a aplicação de punições e multas aos usuários que violam a interdição. Julgamos ter atingido tal objetivo, ainda que em parte, sem a inexequível pretensão de que o presente estudo consiga esgotar o tema.


Referências

1. KASPERSKY. O que é uma VPN e como funciona? 2022. Disponível em: <https://www.kaspersky.com.br/resource-center/definitions/what-is-a-vpn>. Acesso em: 02 set. 2024.

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4. GUEDES, G. TJPB investe em nova VPN e melhora a Segurança da Informação do Poder Judiciário.Tribunal de Justiça da Paraíba, 2021. Disponível em: <https://www.tjpb.jus.br/noticia/tjpb-investe-em-nova-vpn-e-melhora-a-seguranca-da-informacao-do-poder-judiciario>. Acesso em: 02 set. 2024.

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Sobre o autor
Rodolfo José Andrello

Assessor de Desembargador no TRT da 15ª região. Possui graduação em Ciências jurídicas e sociais, com pós em filosofia do direito. Aprovado no 17º exame de ordem da OAB. Também possui segunda graduação em filosofia, com especialização em andamento em epistemologia e ontologia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRELLO, Rodolfo José. O labirinto da anonimidade: como VPN pode desafiar as ordens de bloqueio contra a plataforma X?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7740, 9 set. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/110788. Acesso em: 24 dez. 2024.

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