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Notas sobre os limites da eficácia preclusiva da coisa julgada: o pedido que não foi objeto de cognição pelo julgador pode ser novamente deduzido.

Agenda 06/09/2024 às 14:17

Ygreville Gasparin Garcia.

Advogado. Sócio Proprietário da F & G – Felini e Garcia Advogados Associados. Pós-graduado em Direito Público. Autor de artigos jurídicos.

 

O atual Código de Processo Civil (BRASIL 2015), tendo em vista o disposto no art. 503, adotou o posicionamento no sentido de que a limitação objetiva da coisa julgada restringe-se ao dispositivo da sentença, pois só aquilo que foi deduzido no processo – e, por conseguinte, objeto de cognição judicial -, é alcançado pela autoridade da coisa julgada.

Ou seja, e essa questão foi bem delineada pelos renomados professores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (MARINONI ARENHART, 2006), "a imutabilidade, ínsita à coisa julgada, somente atinge a parte dispositiva da sentença".

Por esse motivo, o art. 504 do Código de Ritos (BRASIL 2015) é expresso em afastar dos limites da coisa julgada: i) os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; e, ii) a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença.

Nessa ordem de ideias, a imutabilidade da autoridade da coisa julgada existirá se o juiz decidiu a lide nos limites em que foi proposta pelo autor. Sendo necessário, para que haja coisa julgada, que exista pedido e, sobre ele, decisão.

Assim, a parte que não foi decidida – e que, portanto, caracteriza a existência de julgamento “infra petita” –, conforme lição dos professores Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery (NERY 2013), "poderá ser objeto de nova ação judicial para que a pretensão que não fora decidida o seja agora."

Isso porque, a eficácia preclusiva da coisa julgada incide sobre as matérias apreciadas pelo julgador no dispositivo da decisão, o qual deve possuir congruência com os elementos da demanda. Assim, o pedido não levado à cognição do julgador pode ser novamente deduzido.

Esse também é o entendimento do preclaro Humberto Theodoro Júnior (THEODORO JÚNIOR 2008), que assim leciona:

 

(...) Só prospera a exceção de coisa julgada quando o novo processo reproduz o anterior, isto é, quando nos dois a lide é a mesma. E, como ensina Carnelutti, só há identidade de lide quando os seus elementos – sujeitos, objeto e pretensão – são os mesmos (...) portanto, a comparação há de ser feita não entre as diversas pretensões formuladas nos dois processos, mas sim entre as decisões de mérito, porque só transitam em julgado as soluções da lide. Quando o juiz, por exemplo, num caso de cumulação de pedidos (reintegração de posse e perdas e danos, v.g.), deixa de apreciar na sentença a questão da indenização e apenas defere o interdito possessório, não é possível falar em julgamento implícito sobre o pedido não examinado. Cada pedido, na verdade, revela uma lide, de sorte que, quando o autor cumula vários deles numa só ação, o que ocorre é 'processo com pluralidade de lides'. Se o juiz, por descuido, não resolveu um dos pedidos, a coisa julgada só se estabelecerá sobre a questão decidida. Quanto àquele que não foi apreciado na sentença, ficará livre à parte o direito de renová-lo em outra ação, posto que nosso direito desconhece julgamentos presumidos ou implícitos. Só as premissas da conclusão do julgado é que se têm por decididas (...).

 

De tudo isso se extrai, portanto, que havendo cumulação de vários pedidos (processo com pluralidade de lides), deixando o juiz, por descuido, de resolver um dos pedidos, a coisa julgada só se estabelecerá sobre a questão decidida, hipótese em que ficará livre à parte o direito de renová-lo, posto que nosso direito desconhece julgamentos presumidos ou implícitos.

Essa, aliás, é a orientação sufragada pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive com precedente oriundo da Corte Especial, conforme se infere dos arestos abaixo colacionados que, embora produzidos sob a perspectiva do Código Revogado, aplicam-se integralmente às relações jurídicas constituídas sob a vigência do Novo “Codex”:

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. COISA JULGADA. INEXISTÊNCIA. PEDIDO FORMULADO E NÃO APRECIADO. 1. O artigo 468 do Código de Processo Civil estabelece que a coisa julgada restringe-se aos limites das questões decididas. 2. Assim, a imutabilidade da autoridade da coisa julgada existirá se o juiz decidiu a lide nos limites em que foi proposta pelo autor. Sendo necessário, para que haja coisa julgada, que exista pedido e, sobre ele, decisão. 3. Por essa razão, a parte que não foi decidida - e que, portanto, caracteriza a existência de julgamento infra petita -, poderá ser objeto de nova ação judicial para que a pretensão que não fora decidida o seja agora. 4. Embargos de divergência conhecidos e providos.

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PROCESSUAL CIVIL. TDA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. PEDIDOS CUMULADOS. OMISSÃO QUANTO A UM DELES. NOVA DEMANDA. INOCORRÊNCIA DE COISA JULGADA. 1. "O artigo 468 do Código de Processo Civil estabelece que a coisa julgada restringe-se aos limites das questões decididas. Assim, se houve cumulação de pedidos na ação originária e não se verifica qualquer espécie de decisão acerca de um deles, mesmo que implicitamente, descabe falar em coisa julgada, não havendo óbice a que tal pleito seja discutido em nova relação processual"(REsp 590657/RS, 3ª Turma, Min. Castro Filho, DJ de 23.05.2005). 2. Recurso especial a que se dá provimento.

 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. COISA JULGADA. INEXISTÊNCIA. PEDIDO FORMULADO. AUSÊNCIA DE APRECIAÇÃO. O artigo 468 do Código de Processo Civil estabelece que a coisa julgada restringe-se aos limites das questões decididas. Assim, se houve cumulação de pedidos na ação originária e não se verifica qualquer espécie de decisão acerca de um deles, mesmo que implicitamente, descabe falar em coisa julgada, não havendo óbice a que tal pleito seja discutido em nova relação processual. Precedentes do STJ e STF. Recurso provido.

 

Deveras, não há razão alguma, em nosso direito processual, para que, pela omissão decorrente de culpa exclusiva do autor se lhe dê tratamento mais benéfico do que se lhe dará se a omissão for, também, do juiz.

Na omissão exclusiva do autor, poderá ele propor outra ação, observado o prazo simplesmente prescricional; se a omissão (mais grave) for do juiz (que deixou de cumprir a lei), restar-lhe-á, apenas, a ação rescisória, com os percalços desta, inclusive o do prazo de decadência.

Por isso, se não há o julgamento do mérito do pedido, nada impede (salvo se o processo se extinguir por acolhimento de alegação de perempção, litispendência ou coisa julgada) que o autor intente de novo a mesma ação, apesar da identidade dos três elementos: “persona”, “res” e “causa petendi”.

Com maior razão, poderá fazê-lo quando, com relação a todo um pedido, ou a todo um capítulo do pedido, a sentença for omissa, e, portanto nada tiver decidido sobre o seu mérito.

Assim, concluindo, como apenas as questões solucionadas pela sentença transitada em julgado se sujeitam à imutabilidade da coisa julgada, nada impede que a parte intente de novo a mesma ação, buscando, agora sim, o julgamento do mérito do(s) pedido(s) outrora ignorados.

 

REFERÊNCIAS:

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. EREsp 1264894/PR. Rel.: Min. NANCY ANDRIGHI. Corte Especial. Julg.: 16/09/2015.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 744.255/DF. Rel.: Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI. Primeira Turma. Julg.: 06/09/2005.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 590.657/RS. Rel.: Min. CASTRO FILHO. Terceira Turma. Julg.: 03/05/2005.

MARINONI, Luiz Guilherme; e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual de Processo de Conhecimento, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 641.

NERY, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 804.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol I, Rio de Janeiro: Forense, 49ª ed., 2008, p. 551.

Sobre o autor
Ygreville Gasparin Garcia

Advogado. Sócio Proprietário da F & G Felini e Garcia Advogados Associados. Pós-graduado em Direito Público. Autor de artigos jurídicos.

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