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A proteção possessória no ordenamento jurídico

Agenda 13/09/2024 às 18:28

RESUMO

O objetivo da presente pesquisa é abordar a proteção possessória no ordenamento jurídico. Inicialmente, será abordado sobre a evolução histórica do direito possessório, desde suas raízes no direito romano até sua consolidação no direito moderno. Por conseguinte, a definição e os aspectos fundamentais da posse no direito brasileiro, distinguindo-a da propriedade. São discutidos elementos essenciais da posse, como o jus possidendi e o jus possessionis, ressaltando a importância da posse para o ordenamento jurídico e suas implicações práticas. Em seguida, será analisado as diferentes formas de proteção possessória previstas no ordenamento jurídico, incluindo ações possessórias e tutelas provisórias. A metodologia da presente pesquisa será realizada através de revisão bibliográfica. Logo após, os requisitos necessários para a concessão da tutela possessória, abordando a necessidade de comprovação da posse, da violação e da urgência para a concessão de medidas provisórias. Também são discutidas as condições específicas para ações de força nova e força velha, oferecendo uma compreensão aprofundada dos critérios processuais. Serão exploradas as características distintivas da proteção possessória, como a fungibilidade da ação, a natureza dúplice das ações possessórias e a cumulatividade de pedidos. Abordará também, o procedimento jurídico para a implementação das ações possessórias, desde a petição inicial até a decisão final. Em conclusão, o artigo revela que, apesar de um sistema legal bem estruturado para a proteção possessória, existem desafios práticos significativos, que podem impactar a eficácia da proteção dos direitos possessórios.

Palavras chaves: Proteção possessória. Posse. Direito possessório. Ordenamento Jurídico.

INTRODUÇÃO

A proteção possessória é um dos pilares fundamentais do direito civil, desempenhando um papel crucial na manutenção da ordem e estabilidade das relações possessórias. No ordenamento jurídico brasileiro, essa proteção é assegurada por um conjunto de dispositivos legais que visam garantir o direito à posse e prevenir abusos ou violências contra o possuidor. O conceito de posse, que abrange não apenas a detenção física de um bem, mas também o direito de o usar e usufruí-lo, é protegido por normas que buscam equilibrar as relações entre possuidores e terceiros.

A proteção possessória no Brasil é regida por um sistema que compreende tanto medidas preventivas quanto reparatórias. Entre as principais ferramentas estão as ações possessórias, que permitem ao possuidor manter ou restituir a posse quando ameaçada ou perturbada, e as tutelas provisórias, que garantem uma resposta rápida a situações de urgência. Além disso, o ordenamento jurídico oferece mecanismos específicos para lidar com diferentes formas de violação, como a posse violenta, clandestina e precária.

A proteção possessória busca garantir que o possuidor mantenha a posse de forma justa, ou recupere-a em casos de turbação ou esbulho, garantindo, assim, a integridade de suas prerrogativas legais.

Dessa maneira, a problemática da presente pesquisa é: Como funciona a proteção possessória frente ao ordenamento jurídico? A hipótese desta pesquisa é que, apesar da existência de um arcabouço legal robusto para a proteção possessória, a efetividade desses mecanismos pode ser comprometida por fatores como a morosidade do sistema judiciário, a complexidade dos procedimentos legais e a interpretação das normas pelos tribunais. A pesquisa sugere que a aplicação prática da proteção possessória enfrenta desafios que podem impactar negativamente a efetiva garantia dos direitos possessórios.

O objetivo geral do presente artigo é analisar a eficácia da proteção possessória no ordenamento jurídico brasileiro, avaliando como as leis e procedimentos relacionados à posse são aplicados na prática.

A importância deste estudo reside na necessidade de assegurar que os direitos possessórios sejam devidamente protegidos e respeitados dentro do sistema jurídico. Compreender a eficácia da proteção possessória é crucial para a manutenção da estabilidade das relações de posse e para a garantia dos direitos dos possuidores.

Para concluir, a metodologia da presente pesquisa será bibliográfica, através de entendimentos de outros autores, os quais possuem explicações sobre o mesmo fim de estudo. Será redigida com base na pesquisa qualitativa, não se utilizando métodos estatísticos e sim da interpretação dos resultados colhidos para que se possa chegar à conclusão do tema proposto.

DESENVOLVIMENTO

A origem do direito possessório

A concepção de posse tem suas raízes no direito romano, onde surgiu como um meio de assegurar a paz social, sendo protegida no presente pela Lei nº 10.406/2002 (Código Civil), dentro da Parte Especial, que abrange o Direito das Coisas e os Direitos Reais, regulamentados entre os artigos 1.196 e 1.510.

Nesse contexto, é importante destacar as lições de Miranda (1996), que explica as diferenças entre a posse no direito moderno e no direito romano, apontando contrastes significativos entre as duas abordagens, veja:

A distinção entre a posse no direito atual e a posse no direito romano não reside apenas na estrutura do suporte fático (nem animus nem corpus, em vez de animus e corpus, ou apenas corpus, conforme a perspectiva de R. Von Ihering), mas também na própria natureza da relação possessória. Enquanto os sistemas antigos consideravam a posse como um vínculo entre a pessoa e a coisa, no direito moderno, o foco está na relação entre as pessoas. No meio dessa evolução, temos a visão de Kant, que adota um empirismo subjetivista, abordando a posse comum (Gesamtbesitz) de todos os terrenos da terra pela sociedade humana.

Dessa forma, pode-se entender a posse como um fato, baseado na intenção do possuidor de manter uma relação de domínio sobre a coisa (seja ela corpórea ou incorpórea), que pode ser classificada como posse autônoma ou posse causal. De acordo com os ensinamentos da consagrada jurista Maria Helena Diniz (2011, p. 53), a posse se manifesta pela conduta de quem age de maneira semelhante ao proprietário.

A posse autônoma, conhecida também como jus possessionis, refere-se ao direito gerado pela posse, criando uma situação possessória no momento em que alguém mantém pacificamente a posse de um bem. Esse direito confere ao possuidor o controle sobre a coisa, garantindo-lhe proteção, e a perda da posse só poderá ocorrer por meio de processos judiciais.

Por outro lado, a posse causal, ou jus possidendi, diz respeito ao direito de posse adquirido por meio de contrato, ou seja, através da transferência de titularidade de um bem, como ocorre em um contrato de compra e venda (GONÇALVES, 2017).

De acordo com o Artigo 1.196 da Lei nº 10.406/2002, é considerado possuidor "aquele que, de fato, exerce, total ou parcialmente, algum dos poderes inerentes à propriedade". Nesse contexto, a propriedade é entendida como a vontade objetiva da lei, estabelecendo uma relação jurídica que concede ao proprietário o direito de usar, fruir, dispor e reivindicar a coisa de quem a possua ou detenha de forma injusta (erga omnes).

Com base nisso, as Ações Possessórias visam proteger e preservar o estado de posse anterior ao esbulho, turbação, ou garantir proteção em caso de ameaça iminente. Durante o processo possessório, não é permitido que o autor ou o réu discutam a titularidade da propriedade, conforme estipulado pelo artigo 1.228 do Código de Processo Civil.

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Da posse

Para entender o conceito de posse, é necessário primeiro distinguir dois princípios fundamentais no âmbito do direito possessório: o jus possidendi e o jus possessionis. No direito brasileiro, a posse não é protegida apenas em relação à propriedade, mas também recebe proteção de forma autônoma, independentemente de haver algum título de propriedade (GONÇALVES, 2017, p. 42). Nesse contexto, destacam-se as seguintes questões:

A posse é resguardada para evitar a violência e garantir a paz social, pois a situação de fato muitas vezes se assemelha a uma situação de direito. Dessa forma, trata-se de uma condição fática protegida pelo legislador. A posse representa uma das grandes expressões, no campo jurídico, do princípio da inércia. A princípio, nada é alterado. As coisas permanecem como estão para evitar o desgaste que mudanças possam causar. Isso se aplica tanto na esfera política quanto na vida das pessoas e instituições. Quando alguém exerce controle sobre um bem, demonstrando ser o titular de um direito, o ordenamento jurídico permite que continue exercendo esse poder, sem exigir justificativas adicionais. Se essa pessoa de fato for o titular, como é usual, há uma coincidência entre a titularidade e o exercício, sem a necessidade de verificar seus títulos.

O direito à proteção da posse pode ter como base a posse causal (jus possidendi), que decorre de um título legítimo que confere ao possuidor o direito de domínio sobre o bem. Entretanto, também pode ser fundamentado na posse formal (jus possessionis), em que o possuidor tem o direito de posse apenas em razão de sua situação fática, exercendo controle sobre o bem.

O jus possidendi (posse causal) pode ser entendido como a posse concedida ao detentor de um título devidamente registrado, com proteção semelhante à de outros direitos reais. Nesse contexto, a posse não possui autonomia, pois o direito à posse está diretamente relacionado à ideia de propriedade, sendo dependente do título que a assegura, configurando-se assim como um direito estritamente real (GONÇALVES, 2017, p. 43).

O termo jus possessionis refere-se à posse formal, também conhecida como "posse presumida". Esse tipo de posse é único no sistema jurídico, pois não requer um título formal que confirme a posse ou a propriedade, configurando uma posse independente. O direito à posse neste caso é fundamentado apenas na realidade da posse, traduzido pela expressão “possuí, portanto, possuo” (GONÇALVES, 2017, p. 42).

Em contraste, jus possidendi refere-se ao “direito sobre o direito de posse”. Isso significa que uma pessoa com um título registrado tem o direito de propriedade sobre o bem, o que garante, por consequência, o direito à posse. Diferentemente, o jus possessionis é concernente apenas ao fato de estar na posse do bem, sem a necessidade de um título formal para proteção jurídica. A posse garantida pelo jus possessionis pode ser mantida mesmo diante do jus possidendi, conforme as circunstâncias do caso, até que o direito do jus possidendi prevaleça sobre o jus possessionis.

Como já foi mencionado, o possuidor detém o jus possessionis, que é um direito baseado no fato de estar na posse. Em um sistema jurídico que assume a boa-fé e considera como possuidor qualquer pessoa que, de fato, exerça, total ou parcialmente, algum dos poderes associados à propriedade, a posse pode ser validada por si mesma, mesmo na ausência de um Título Jurídico. A divisão estabelecida pelo legislador entre o Juízo Possessório e o Juízo Petitório evidencia sua preferência em proteger, inicialmente, o possuidor de boa-fé, mesmo que este não tenha uma relação jurídica formal e técnica com o bem. No entanto, isso não impede que, posteriormente, o verdadeiro proprietário reivindique o que lhe é devido (VENOSA, 2015).

Segundo o autor Tartuce (2014, p. 40) a posse é um direito que se origina de um estado de aparência, no qual a pessoa é considerada possuidora de um bem com base na sua capacidade de usufruir e aproveitar a coisa, independentemente de ser o verdadeiro proprietário. Assim, a posse é o fato que permite o exercício do direito de propriedade.

Portanto, a posse representa uma relação de poder efetivo sobre o bem, onde a pessoa age como se fosse o dono, mesmo sabendo que não é o proprietário legal, mas tem um direito de posse que é protegido juridicamente. Isso difere do conceito de propriedade, que é um direito que se adquire através de um título justo e conforme as normas do sistema jurídico, de forma permanente e não temporária. Pode-se afirmar que a posse possui um aspecto de propriedade, mas com algumas características do direito de propriedade, como o título justo, suprimidas ou ausentes.

Classificação geral da proteção possessórias

Como discutido anteriormente, as ações possessórias têm a função jurídica de assegurar o direito de posse ao melhor possuidor. Para ilustrar o conceito de melhor possuidor, considere o seguinte exemplo: em um terreno que está locado, se um terceiro invade o terreno para usá-lo como moradia, o locador pode utilizar uma ação possessória para proteger seu direito de posse, mesmo que ele seja um possuidor indireto, visto que ele é considerado o melhor possuidor em comparação com o invasor.

No entanto, o invasor atual, que também adquiriu a posse, poderia, por sua vez, recorrer a uma ação possessória se uma nova invasão ocorresse por outra pessoa, pois ele se tornaria o melhor possuidor na nova situação.

O direito de posse protegido pelas ações possessórias pode ser violado de diversas maneiras, incluindo por turbação, esbulho ou simples ameaça à posse, assim:

O direito processual regula três ações possessórias principais: a ação de manutenção de posse, a ação de reintegração de posse e o interdito proibitório (NCPC, arts. 554 a 568). Além dessas, existem outros procedimentos, como a ação de nunciação de obra nova (CPC/1973, arts. 934 a 940) e os embargos de terceiro (arts. 674 a 681), que podem ser usados para proteger a posse, embora não sejam especificamente destinados à tutela possessória. A existência desses três interditos distintos se deve à necessidade de adaptar as medidas judiciais para proteção possessória às diferentes formas de violação da posse (THEODORO JÚNIOR, 2017, p. 144).

O direito processual brasileiro estabelece, em seu ordenamento, as ações possessórias principais, que são a ação de manutenção de posse, a ação de reintegração de posse e o interdito proibitório. Além dessas, existem outros mecanismos que podem abordar a defesa da posse, como a ação de nunciação de obra nova e os embargos de terceiro.

Assim, ao focar nas ações que tratam especificamente da posse, o Código de Processo Civil brasileiro, em seu artigo 560, estabelece que “o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho”. Desta forma, são evidentes duas das ações possessórias: a ação de manutenção de posse e a ação de reintegração de posse.

Pereira (2004) explica que a ação de manutenção de posse tem como objetivo proteger o possuidor contra atos de turbação de sua posse. Turbação, que pode ser entendida como perturbação ou desordem, refere-se a qualquer ação, direta ou indireta, que interfira, total ou parcialmente, na posse ou no direito de posse de alguém. O propósito da ação de manutenção de posse é cessar qualquer ato perturbador sem remover a própria posse.

Por outro lado, a ação de reintegração de posse visa devolver a posse ao possuidor que foi vítima de esbulho. Esbulho é definido como um ato de usurpação pelo qual uma pessoa é injustamente e totalmente privada, ou espoliada, de um bem que já possuía. Quando ocorre o esbulho, o possuidor legítimo perde completamente o domínio sobre o bem usurpado, e o invasor se torna o novo possuidor, embora de maneira injusta (GONÇALVES, 2017).

Além dessas, existe o interdito proibitório, que representa a terceira ação possessória. O interdito proibitório é uma medida preventiva que busca evitar a violação da posse antes que ela aconteça. Ele tem a função de impedir o autor da ameaça de turbação ou esbulho iminente, podendo até impor uma penalidade pecuniária ao réu caso ele desrespeite a ordem. O interdito proibitório também pode ser utilizado para prevenir a repetição de atos que ameacem a posse (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2015).

Requisitos da tutela possessória

A posse é um direito real que se aplica contra todos (erga omnes) e requer um mecanismo jurídico para sua proteção contra qualquer violação. Esse é o propósito das ações possessórias: garantir a posse, independentemente do direito real que possa ter originado a posse. É importante não confundir essas ações com as ações petitórias, que são voltadas para questões de propriedade e domínio.

O artigo 1.210 do Código Civil de 2002 do Brasil estabelece que o possuidor tem o direito de ser mantido na posse em situações de turbação, de ser reintegrado em casos de esbulho, e de receber proteção contra ameaças iminentes, se houver um temor justificável de ser perturbado. Este direito é assegurado sem a necessidade de verificar o título que originou a posse. O possuidor pode até adotar medidas próprias para recuperar sua posse, desde que o faça imediatamente e na quantidade necessária. Esta proteção ao direito de posse, sem considerar o título que a fundamenta, reflete a importância de manter a ordem e a paz social, assegurando a estabilidade nas relações interpessoais (NERY JUNIOR, 2005).

A legislação prevê diferentes formas de classificar a posse, e uma dessas classificações é crucial para determinar se o possuidor tem direito à proteção por meio dos interditos possessórios, com base na justiça ou injustiça da posse. Essa classificação está descrita no artigo 1.200 do Código Civil de 2002, que estabelece que "É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária" (BRASIL, 2002).

A posse justa, é aquela cuja aquisição não viola o direito "aquela cuja aquisição não repugna ao direito" (PEREIRA, 2004, p. 37). Em contraste, a posse injusta é definida pelo artigo 1.200 do Código Civil como aquela obtida por meio de violência, clandestinidade ou precariedade. É essencial lembrar que essa classificação deve ser avaliada em cada situação específica, considerando o conceito de melhor possuidor já abordado.

Vale destacar que a posse injusta, caracterizada por vícios como violência ou clandestinidade, não confere ao invasor os mesmos direitos de proteção jurídica de um possuidor legítimo. No entanto, esses vícios podem ser corrigidos. A posse só adquire a condição de posse útil quando a clandestinidade ou a violência é eliminada. A simples tolerância ou permissão não cria posse, mas sim uma detenção, conforme o artigo 1.208 do Código Civil. Uma vez que os vícios são sanados, a posse inicialmente viciada pode ser reconhecida como útil, permitindo a proteção jurídica contra terceiros que não estão interessados nos vícios. No entanto, essa proteção não se estende aos possuidores anteriores aos quais foram atribuídos os vícios da posse (THEODORO JÚNIOR, 2016, p.132).

A posse violenta é frequentemente associada ao uso de força física, descrita por alguns autores como a realização de atos materiais irresistíveis. Por exemplo, Orlando Gomes afirma que “sem a violência física não há posse dessa qualidade” (GOMES, 1998, p. 54).

Para que a posse exerça seus efeitos plenos e inclua a proteção possessória, ela deve ser justa. Para que a posse seja considerada justa, não pode ter sido adquirida de maneira violenta (GOMES, 2010).

No entanto, consideramos essa visão algo desatualizada. A posse violenta não exige necessariamente o uso de força física; a violência pode manifestar-se de forma intelectual ou moral. Essa perspectiva é apoiada por Caio Mário, explica que:

A posse violenta (adquirida por meio de violência) é aquela obtida através do uso de força, que pode ser física, moral ou baseada em ameaças que geram um receio significativo na vítima. A violência caracteriza a posse, independentemente de se manifestar diretamente contra a pessoa do espoliado, contra um representante seu, ou mesmo se a ação violenta for realizada por um terceiro (PEREIRA, 2004, p. 25).

Entendesse que qualquer forma de violência capaz de influenciar o comportamento de terceiros pode ser considerada como posse violenta, seja essa violência física, moral ou intelectual, e seja dirigida diretamente ao possuidor ou a alguém que age em seu nome.

A posse clandestina, por sua vez, refere-se àquela obtida através de métodos enganosos ou de forma oculta, visando enganar terceiros para a aquisição da posse. Não se trata apenas da falta de conhecimento por parte do espoliado, mas sim da obtenção da posse de maneira que não é pública, atuando de forma reservada (BEVILÁCQUA, 2014). Por exemplo, se alguém discretamente move a cerca durante a noite para ampliar sua área de posse, está praticando atos secretos e injustos na tentativa de adquirir posse.

Por fim, a posse precária é aquela que surge quando o possuidor abusa da confiança de outra pessoa, sabendo que deve devolver o bem. Isso ocorre, por exemplo, quando alguém recebe a posse de um bem com um título que confere apenas um direito temporário e tem a obrigação de devolvê-lo eventualmente, mas não o faz e se recusa a retornar o bem ao legítimo proprietário. Um exemplo é quando um locatário permanece no imóvel após o término do contrato de aluguel e se recusa injustamente a devolvê-lo ao locador; ou quando um caseiro, que inicialmente apenas cuidava do bem para seu empregador, começa a agir como se fosse o proprietário do bem.

Sobre a posse precária, Humberto Theodoro Júnior explica que:

“A posse precária, é aquela em que o possuidor, ao abusar da confiança que lhe foi concedida pelo verdadeiro possuidor, transforma a natureza da posse que estava exercendo em nome de outrem, passando a agir como se fosse o possuidor em nome próprio” (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 131).

Nos casos de posse precária, o vício da posse é evidente, pois ela é adquirida de forma irregular. Conforme observa Sílvio Rodrigues, “o vício da precariedade compromete a posse, impedindo que ela produza efeitos jurídicos” (RODRIGUES, 1980, p. 29).

Esses vícios são considerados relativos e temporários, uma vez que a posse deve ser pública e contínua para gerar efeitos legais. São temporários porque, conforme discutido, a posse adquirida por meio de violência, precariedade ou clandestinidade pode se transformar em uma posse útil para terceiros assim que tais comportamentos cessam.

São relativos porque a proteção jurídica da posse não se aplica contra o possuidor original (o esbulhado) que foi prejudicado, já que contra ele foi cometido um ilícito. No entanto, mesmo um possuidor injusto pode buscar a proteção possessória contra qualquer terceiro que ameace sua posse.

Para que um possuidor possa solicitar proteção interdital contra ofensas ao seu direito de posse, o cenário ideal é possuir uma posse justa, adquirida de forma legítima, sem violência, clandestinidade ou precariedade. No entanto, mesmo que a posse tenha sido inicialmente adquirida de forma irregular, se, após algum tempo, ela se tornar mansa e pacífica, com a cessação da violência ou clandestinidade (conforme estabelecido pelo artigo 1.208 do Código Civil), o possuidor pode buscar a proteção possessória contra terceiros que ameaçarem seu direito. Assim, a exceção é feita para o antigo possuidor, que não pode ser desafiado por meio do juízo possessório.

Características da proteção possessória

As ações possessórias têm características distintas em comparação com as ações ordinárias, devido à sua natureza específica e circunstancial. Além da possibilidade de uma liminar especial, como discutido anteriormente, as ações possessórias também apresentam outras particularidades, como: a fungibilidade da ação, a natureza dúplice da ação e a possibilidade de acumulação de pedidos dentro da mesma ação.

Uma das peculiaridades das ações possessórias no Código de Processo Civil é a fungibilidade da ação, conforme estabelecido no artigo 554. A fungibilidade permite que, em caso de interferência de terceiros na posse do justo possuidor, a situação possa mudar a qualquer momento. Isso evita a necessidade imprática de o autor ter que desistir de uma ação e iniciar um novo processo toda vez que há uma alteração nas circunstâncias da invasão. Em vez disso, a ação pode se adaptar às mudanças na situação do caso.

No direito possessório, é comum que a situação possa mudar facilmente de ameaça para turbação e, posteriormente, para esbulho possessório. Devido a essas variações, para garantir uma proteção mais eficaz da posse, que é crucial para a ordem jurídica e para a resolução de conflitos sociais, é importante que o tema seja abordado no contexto da fungibilidade das ações possessórias (CALIARI, BARBARA, 2017).

O princípio da fungibilidade nas ações possessórias permite que o juiz aborde e decida sobre pedidos que não estavam especificados na petição inicial. Isso se deve ao fato de que as circunstâncias relacionadas à posse podem mudar rapidamente durante o processo. Portanto, a fungibilidade proporciona a flexibilidade necessária para que a ação se ajuste às novas situações que possam surgir no caso.

Seguindo com as características das ações possessórias, o artigo 555 do CPC destaca a possibilidade de cumulatividade de pedidos. Embora o foco principal da ação possessória seja a proteção e a manutenção pacífica da posse, o Código de Processo Civil também permite que sejam feitos pedidos adicionais. Estes podem incluir a indenização por perdas e danos, compensação por frutos colhidos indevidamente, e a implementação de medidas necessárias para assegurar a proteção da posse ou prevenir novos conflitos.

Os danos resultantes do esbulho podem incluir estruturas e plantações que não são de interesse do possuidor original. A responsabilidade de remover ou demolir essas adições indesejadas recai sobre o invasor, e os custos relacionados devem ser cobertos por ele, de acordo com o artigo 555, inciso I. O possuidor prejudicado tem o direito de realizar a remoção e cobrar os custos correspondentes, bem como buscar compensação por danos adicionais, como a degradação do bem e a perda de frutos ou rendimentos que não foram obtidos devido à violação da posse. Além disso, o Novo Código de Processo Civil (NCPC) ampliou as possibilidades de reivindicar indenização por frutos, abrangendo tanto aqueles que já foram colhidos quanto os que poderiam ser esperados, conforme o artigo 555, II. Isso é importante em casos onde um possuidor esbulhado fica sem receber rendas locatícias ou outros benefícios que poderiam ter sido gerados se não houvesse a violação da posse (THEODORO JÚNIOR, Humberto, 2016, p. 159).

A possibilidade de acumulação de pedidos nas ações possessórias permite que, além de proteger o direito de posse do autor, também sejam solicitadas compensações por danos e perdas de frutos que o possuidor deixou de obter devido à violação de sua posse.

Além disso, a natureza dúplice das ações possessórias, conforme estabelecido pelo artigo 556 do CPC, permite que o réu utilize sua contestação para alegar que ele mesmo foi prejudicado em sua posse e para reclamar os danos que sofreu devido à ação do autor. Isso garante que tanto as reivindicações do autor quanto as do réu sejam analisadas no mesmo processo, promovendo uma solução mais completa para os conflitos possessórios.

Procedimento das ações possessórias

A ação possessória tem início com a apresentação de uma petição inicial conforme os artigos 319 e seguintes do CPC. Quando se busca a concessão de uma tutela liminar, é necessário demonstrar tanto a posse quanto o ato que está violando essa posse (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2015). Isso está previsto nos artigos 561 e seguintes do CPC (BRASIL, 2015). Com base nesses artigos, se a petição inicial estiver completa e bem fundamentada, o juiz pode conceder liminarmente a ordem para manutenção ou reintegração da posse.

No entanto, para as ações possessórias, não é suficiente seguir apenas o que está estabelecido no artigo 319 do CPC. O Código exige que o autor forneça provas adicionais específicas para essas ações. É necessário apresentar evidências de sua posse, a turbação ou o esbulho praticado pelo réu, a data em que ocorreu a turbação ou esbulho e, se aplicável, a continuidade desses atos. Essa exigência é estabelecida para garantir que o pedido de tutela possessória seja devidamente fundamentado e justificado.

Apelação – Ação de Reintegração de Posse - 0002550-09.2015.8.26.0368 – a apelação se refere a uma ação de reintegração de posse onde o autor não conseguiu comprovar sua posse conforme exigido pelo artigo 561, I, do CPC. A decisão de primeira instância, que considerou a demanda improcedente, foi mantida, e a conduta do autor foi considerada como litigância de má-fé. A multa por litigância de má-fé foi reduzida para se ajustar ao limite estabelecido pelo CPC, tendo em vista que a alteração da verdade dos fatos ocorreu durante a vigência da lei. A verba de sucumbência foi fixada de acordo com a complexidade do caso. O recurso foi parcialmente provido (São Paulo, 2018).

A falta de comprovação dos requisitos estabelecidos pelo artigo 561 do CPC por parte do autor resulta na improcedência da ação, uma vez que não há elementos suficientes para convencer o juiz. No entanto, quando a parte autora apresenta as provas necessárias e a ação é ajuizada dentro do prazo legal de um ano e um dia a partir do esbulho ou turbação (ação de força nova), o juiz deve, conforme o artigo 562 do CPC, expedir um mandado liminar para reintegração ou manutenção da posse sem ouvir previamente a parte adversa (inaudita altera pars). Isso ocorre porque, nesse contexto, não é necessário comprovar o periculum in mora, um requisito comum em outros tipos de tutela provisória.

Segundo Negrão (2005) ao tratar das ações de força velha, a situação é distinta da das ações de força nova. Para ações em que a demora já ocorreu, a presunção do perigo, que se aplica em casos de força nova, não se aplica. O autor deve, portanto, demonstrar o risco da demora para obter a tutela liminar. Se a ação for ajuizada após o prazo de um ano e um dia do esbulho ou turbação, além dos requisitos específicos das ações possessórias listados no artigo 561 do CPC, o autor deve também provar o periculum in mora e justificar o atraso na propositura da ação por motivo de força maior. Assim, para a concessão de tutela provisória, é necessário apresentar evidências de fato que atendam aos requisitos gerais estabelecidos nos artigos 300 e seguintes do CPC.

Se o juiz considerar que os requisitos do artigo 561 do CPC não foram demonstrados de forma satisfatória, ele deve determinar ao autor que justifique suas alegações em uma audiência específica chamada audiência de justificação. O artigo 562 do CPC estabelece que o juiz tem o dever de exigir essa justificativa e não apenas a faculdade de fazê-lo. Contudo, o juiz pode dispensar a audiência de justificação se ele concluir, com base nas provas apresentadas pelo autor, que mesmo com a audiência, seu convencimento não seria alterado (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2015).

Se a audiência de justificação for convocada, o réu deverá ser notificado para comparecer, mas não é obrigado a apresentar uma contestação formal. O réu pode contestar as alegações do autor e interrogar quaisquer testemunhas apresentadas por ele, porém não pode indicar novas testemunhas. Em resumo, a presença do réu na audiência tem o objetivo de permitir a contestação das provas apresentadas pelo autor que estão sendo usadas para solicitar a tutela liminar (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2015).

De acordo com o artigo 564 do CPC, após a decisão do juiz sobre o pedido de manutenção ou reintegração de posse, a citação do réu deve ser realizada pelo autor da ação dentro do prazo de 5 dias. Uma vez citado, o réu tem um prazo de 15 dias para apresentar sua contestação e ingressar no processo.

Se o autor falhar em tomar as providências para citar o réu após receber uma tutela liminar para a posse, essa tutela será revogada, e o autor será responsável por indenizar o réu pelos danos resultantes. No entanto, conforme observam Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2015, p. 30), se o autor tiver feito todo o possível para realizar a citação, ele não será responsabilizado por falhas que não foram por ele causadas, veja:

Vale ressaltar que, caso a citação do réu não seja realizada dentro do prazo de cinco dias devido a falhas no sistema judicial, o autor não deve ser penalizado, desde que tenha agido com diligência. A sanção só deve ser aplicada se o atraso na citação for devido a negligência do próprio autor. Nesse caso, a tutela possessória liminar concedida ao autor pode ser revogada.

Após a citação do réu, o prazo para a apresentação da resposta segue as normas gerais do artigo 231 do CPC. Contudo, no contexto de uma audiência de justificação, o prazo só começa a contar a partir da citação do réu sobre a decisão que conceder ou negar a tutela liminar.

Depois que o réu é citado, o processo adota o rito ordinário, seguindo as etapas habituais sem particularidades adicionais. Assim, o foco se volta para a análise de legitimidade, competência e interesse jurídico relacionados à ação possessória, aprofundando o conhecimento sobre este aspecto processual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proteção possessória, como pilar essencial do direito civil, desempenha um papel fundamental na manutenção da ordem e estabilidade das relações possessórias no Brasil. A análise deste tema revela que, apesar da robustez do arcabouço legal, a aplicação prática da proteção possessória enfrenta desafios significativos. A legislação brasileira, com suas ações possessórias e tutelas provisórias, oferece ferramentas valiosas para garantir o direito à posse e lidar com abusos, seja por meio de medidas preventivas ou reparatórias.

No entanto, a pesquisa evidenciou que a eficácia desses mecanismos pode ser comprometida por fatores como a morosidade do sistema judiciário, a complexidade dos procedimentos legais e as variações na interpretação das normas pelos tribunais. Estes desafios podem impactar negativamente a garantia dos direitos possessórios e a proteção efetiva dos possuidores.

A hipótese levantada, de que a aplicação prática da proteção possessória enfrenta obstáculos que podem afetar sua efetividade, é confirmada pela análise das condições reais do sistema jurídico. A necessidade de uma revisão e aprimoramento dos procedimentos, bem como de uma interpretação mais uniforme e célere das normas, é evidente para assegurar que a proteção possessória alcance sua plena eficácia.

O objetivo geral da pesquisa, de avaliar a eficácia da proteção possessória e entender a aplicação das leis relacionadas à posse, destaca a importância de garantir que os direitos possessórios sejam protegidos e respeitados. Compreender os desafios e limitações do sistema é crucial para promover a estabilidade das relações de posse e assegurar a justiça no tratamento das questões possessórias. Isso inclui a simplificação dos processos, a redução da morosidade e a busca por uma interpretação mais uniforme das normas. Somente assim será possível garantir que os direitos possessórios sejam efetivamente protegidos e que o sistema jurídico cumpra sua função de forma justa e eficiente. Assim, a pesquisa contribui para o aprimoramento contínuo do ordenamento jurídico e para a efetiva garantia dos direitos dos possuidores no Brasil.

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