A exclusão de candidatos de concursos públicos com base em critérios não previstos em lei específica, como a altura mínima, é ilegal. Essa prática contraria o princípio da legalidade, além de violar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
A análise do caso em questão nos leva a ponderar sobre vários aspectos legais e jurisprudenciais relevantes no direito administrativo, especialmente no que tange à realização de concursos públicos e à estipulação de requisitos para a investidura em cargos públicos. A decisão da 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que negou provimento à apelação da União e manteve a decisão de primeira instância favorável à candidata, traz à tona importantes discussões sobre os limites da discricionariedade administrativa, os princípios constitucionais aplicáveis e a necessidade de previsão legal para determinados requisitos de ingresso no serviço público.
Primeiramente, é indispensável destacar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que sustenta a necessidade de previsão legal para requisitos de ingresso no serviço público, como é o caso da altura mínima. Essa exigência deve estar prevista em lei em sentido estrito e não apenas em edital de concurso público, conforme se depreende da interpretação do artigo 37, inciso I, da Constituição Federal de 1988, que estabelece a legalidade como um dos princípios norteadores da administração pública, além de determinar que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei.
O princípio da legalidade, nesse contexto, impõe que apenas a lei em sentido formal, aprovada pelo Poder Legislativo, pode estabelecer requisitos para a investidura em cargos públicos. Isso é fundamental para assegurar a segurança jurídica e a previsibilidade, evitando que critérios arbitrários ou desproporcionais sejam impostos aos candidatos por meio de atos administrativos inferiores, como os editais de concurso.
Além disso, a decisão do TRF1 evidencia a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na análise da legalidade do critério de altura mínima estabelecido no edital do concurso para o Corpo Auxiliar de Praças da Marinha. Esses princípios, que também têm fundamento constitucional, servem como limites à discricionariedade administrativa, assegurando que as exigências para o ingresso no serviço público não sejam desproporcionais ou desnecessárias à natureza das atribuições do cargo.
No caso em análise, a função a ser desempenhada pela candidata no Corpo Auxiliar de Praças da Marinha, de natureza eminentemente administrativa ou técnico-científica, não justificaria, segundo a interpretação do relator, a imposição de um requisito de altura mínima, especialmente quando tal requisito não encontra respaldo em lei específica. A decisão, portanto, reflete uma ponderação entre os interesses da administração militar em estabelecer padrões para o ingresso nas suas fileiras e o direito do indivíduo de acessar cargos públicos sem ser submetido a exigências desproporcionais ou não previstas em lei.
Ademais, a condenação da União ao pagamento das custas processuais decorre da interpretação de que a atuação da administração, ao excluir a candidata com base em um critério editalício não previsto em lei específica, configurou ato ilegal, gerando a necessidade de reparação. Isso está em consonância com o princípio da legalidade e com a jurisprudência dos tribunais superiores, que têm reiteradamente decidido no sentido de que a administração pública deve arcar com as consequências de seus atos ilegais.
Por fim, é importante ressaltar a relevância do controle jurisdicional sobre os atos da administração pública, especialmente em matérias que envolvem direitos fundamentais, como o acesso aos cargos públicos. A decisão do TRF1 reafirma o papel do Judiciário como garantidor dos direitos individuais e coletivos frente a possíveis abusos ou ilegalidades praticadas pela administração, assegurando que o processo de seleção para o serviço público se dê de forma legal, impessoal e meritocrática.
Processo: 0019322-24.2013.4.01.3900
Data do julgamento: 09/08/2024
Fonte: Tribunal Regional Federal da 1ª Região
CRISTIANA MARQUES ADVOCACIA