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O império da burrice

Agenda 16/09/2024 às 18:07

Há tantos burros mandando em homens de inteligência,  que, às vezes, fico pensando que a burrice é uma ciência. (Rui Barbosa)

Na sociedade atual, como na antiga, há o predomínio da burrice alimentada pela ignorância que vem sendo carinhosa e cuidadosamente cultivada e conservada desde o Brasil Império. Mas, o que é a burrice? É igual a ignorância? Na maioria das vezes ambas andam juntas, porém, elas diferem uma da outra.

A ignorância significa carência de conhecimento dos fatos e, consequentemente, das opções. Quem desconhece determinado fato não tem como optar.  O ignorante não consegue ver a realidade do dia a dia com os olhos da mente. Falta-lhe o  conhecimento básico, o mínimo de educação escolar e por isso é incapaz de processar o que ouve, tampouco é capaz de compreender o conteúdo, sobretudo, o intrínseco daquilo que vê ou toca. A sua cura está no aprendizado, à medida da vontade política de cada pessoa de se libertar.

A burrice é forma de deformação da natureza humana. Não é incompatível com  a cultura e a erudição. Deparamos no dia a dia com pessoas cultas, pensadores conhecidos e formadores de opinião, mas que falam uma besteira atrás da outra.  Não é por acaso que Stanilaw Ponte Preta cunhou a célebre frase: festival de besteira que assola o País.

O burro sempre acha que ele sabe de tudo, nada mais tendo a apreender. É autossuficiente em tudo. Ele nunca tem dúvida de coisa alguma, por isso ele se fecha em si mesmo; tem orelhas, grandes até, mas não tem ouvido;  ele não houve opinião alheia, mas só a dele próprio que ele ouve com a incontida alegria. Ele é resoluto, é ousado e tem uma fé inabalável em tudo que ele faz ou  desfaz e vive bem na certeza de que ele é imune a erros e enganos.

O burro é feliz, ao contrário do inteligente que sofre assaltado por constantes  dúvidas e incertezas. Quem tem o dom da burrice é operoso, sobretudo,  na arte de cultivar, aprimorar e assegurar a perpetuidade da ignorância, que é o seu tesouro mais precioso.

Ao contrário da ignorância, a burrice é eterna e ilimitada; não há cura. Esse conceito é mais ou menos universal; cada povo expressa o sentido da burrice a sua maneira. Só para exemplificar, o japonês costuma dizer “baca wa shinanakiya naorimasen”, ou em vernáculo, “a burrice só se cura com a morte”. É a pura verdade.

A burrice vem ganhando posição de destaque na sociedade atual. Os burros, ao contrário dos ignorantes, são espertos como velhas raposas. Têm o incrível poder de manipulação e convencimento da população ignorante, cujo contingente vem sendo calculadamente  ampliado pelos detentores de poder, na verdade, burros. A burrice quando aliada à ignorância torna-se uma força praticamente invencível.  É como a erva daninha que se espalha sobre a terra tornando-a incultivável.

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Como vencer a burrice? Derrotando a ignorância, seria a resposta lógica e correta.  Mas, como fazer isso? Não é tarefa fácil! A lapidar frase de Rui bem demonstra a dificuldade de deter o crescimento da burrice que entre nós já tem status de uma ciência.

 Os ventos democráticos que sopraram na nova República não foram capazes de varrer a burrice arraigada na velha República. A frase de Rui é atualíssima.

O que vem acontecendo no âmbito da política nacional vem acontecendo, também em níveis regionais e locais. E não apenas no campo político, mas também nas áreas cultural, esportiva, artística e sobretudo nas esferas das entidades associativas.  Notório o império da burrice nessas áreas. Frequentemente, certos indivíduos tentam “conduzir as ovelhas” por vias obscuras  manipulando, mandando  e  decidindo tudo na base do eu sozinho. São os falsos líderes com os atributos da burrice de que falamos.

 Só que em determinadas  sociedades locais não há o predomínio da ignorância, como em algumas regiões do País. Ao contrário, há uma heterogeneidade de pessoas com distintos graus de instrução e conhecimento. É quando a burrice dá com os burros n’água.

Por derradeiro, a reforma tributária imposta pelos burocratas e que se converteu na EC nº 132/2023, que tantos males irá causar à nossa economia e à sociedade em geral, nasceu e floresceu sob o império da burrice, onde reinam os burocratas que deitam e rolam alegre e confortavelmente como bebês sobre as confusas normas epidêrmicas que elaboram com inusitado requintes de sadismo burocrático. Ela não tem cura. Só a morte pode curá-la, ou seja, somente a aprovação de uma PEC revogando a malsinada EC nº 132/2023 terá o condão de extinguir esse embuste impingido à nação brasileira com a ajuda do Parlamento Nacional que cometeu o maior estelionato contra a sociedade brasileira. 

Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.918, de 20-8-2024.

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