A atualização do código brasileiro de trânsito (CTB) trazida pela lei nº 14.229/2021 estipulou um prazo para o poder público expedir as notificações de penalidade, sob pena de decadência. Todavia, deixou uma lacuna acerca do prazo decadencial a ser considerando diante da defesa prévia não conhecida.
Primeiramente é importante deixar claro a nomenclatura das fases e atos processuais no rito das infrações de trânsito.
Quando o infrator recebe o primeiro aviso, por correspondência ou de forma eletrônica, ele está recebendo a notificação de infração. Ou seja, o poder público está informando que ele praticou uma infração de trânsito. E, dessa forma, terá um prazo mínimo legal de trinta dias para se defender, caso assim queira. Este ato é a defesa prévia.
Caso a defesa prévia apresentada seja julgada improcedente, ou seja, quando negar o pedido do infrator; quando for não conhecida, por ter sido apresentada fora do prazo ou por alguém que não tenha legitimidade para tanto ou sem preencher outro requisito; ou caso sequer seja apresentada a defesa, o poder público expedirá a notificação de penalidade para que o infrator pague a multa.
A título de curiosidade, mesmo expedida a notificação de penalidade, caso o infrator ainda não concorde, terá outro prazo, não inferior a trinta dias, para apresentar recurso à Junta Administrativa de Recursos de Infrações (Jari), que é um órgão colegiado e a decisão se dá pela maioria dos votos. E depois desta fase ainda resta mais uma possibilidade de recurso, mas não é objeto deste estudo.
O Código de Trânsito brasileiro diz, em seu artigo 282, §6º, que “o prazo para expedição das notificações das penalidades previstas no art. 256 deste Código é de 180 (cento e oitenta) dias ou, se houver interposição de defesa prévia, de 360 (trezentos e sessenta) dias, contado: I - no caso das penalidades previstas nos incisos I e II do caput do art. 256 deste Código, da data do cometimento da infração”.
Importante ressaltar que os incisos I e II do referido artigo 256 do Código de Trânsito fazem menção expressa às infrações que possuem penas de advertência e multa, respectivamente.
Logo, aquele artigo 282, §6º diz que o poder público tem o prazo de cento e oitenta dias para expedição da notificação de penalidade – já explicada acima – quando o infrator não apresentar defesa prévia ou trezentos e sessenta dias, quando o infrator apresentar a sua defesa prévia, sob pena de o poder público não poder exercer o seu poder punitivo.
É o que diz o parágrafo 7º daquele mesmo artigo 256: “o descumprimento dos prazos previstos no § 6º deste artigo implicará a decadência do direito de aplicar a respectiva penalidade”. Importante ressaltar que, nesses casos, os prazos são contados da data que ocorreu a infração.
E quando o infrator, devidamente notificado da infração, apresentar a sua defesa prévia fora do prazo legal ou sem preencher alguma outra formalidade exigida pela legislação vigente? Qual daqueles prazos decadenciais será aplicável? Trata-se de uma lacuna da lei.
Se o infrator deixar de apresentar a sua defesa prévia ou apresentá-la fora do prazo ou da forma legal ocorre a preclusão. É basicamente o conceito que consta no vocabulário jurídico1 do Supremo Tribunal Federal. Nas palavras da Ministra Carmen Lúcia, ao julgar o ARE1161560, “preclusão é a perda da possibilidade de exercer uma situação jurídica processual de que o sujeito é titular”.
No caso de o infrator deixar de apresentar a sua defesa prévia, o prazo decadencial para expedição da notificação de penalidade será de cento e oitenta dias, contado da data da infração. É a letra da lei, sem margem para discussões.
Todavia, quando o infrator apresentar a sua defesa prévia fora do prazo ou da forma legal, a peça não será conhecida, por força do artigo 4º da resolução CONTRAN nº 900/2022. Este não conhecimento, em termos práticos, é como se não houvesse peça apresentada.
Portanto, diante destes casos, é razoável e prudente o poder público considerar e aplicar o prazo decadencial de cento e oitenta dias para expedição da notificação de penalidade, já que o não conhecimento da peça é, em termos práticos, como se não houvesse peça apresentada.
Afinal, se a peça não conhecida for considerada para fins de prolongar o prazo decadencial, o poder público estará indo contra os próprios normativos que criou quando regulamentou o código de trânsito através das resoluções, no caso a Resolução CONTRAN nº 900/2022.