Cap. 4 - Comparação entre os Sistemas de Conciliação e Mediação dos Estados Unidos e do Brasil
Os sistemas de conciliação e mediação dos Estados Unidos e do Brasil adotam formas semelhantes de resolução de conflitos, mas suas abordagens refletem culturas jurídicas e estruturas institucionais profundamente distintas. Essa diferença é amplamente influenciada pelos modelos jurídicos de cada país: o common law, predominante nos Estados Unidos, e o civil law, aplicado no Brasil. Essas tradições moldam a forma como a mediação e a conciliação são institucionalizadas e promovidas dentro de cada sistema.
Nos Estados Unidos, o sistema de common law oferece maior flexibilidade na resolução de conflitos, dando ênfase à informalidade e à autodeterminação das partes envolvidas. A mediação e a conciliação são amplamente incentivadas como métodos eficazes para evitar o litígio formal, e isso se reflete na legislação e nas práticas jurídicas do país.
Segundo Goldberg et al. (2020), a mediação nos Estados Unidos é marcada pela "autonomia das partes, que têm o poder de construir soluções personalizadas, com foco na preservação de relacionamentos e na eficiência processual" (GOLDBERG et al., 2020). Essa característica é reforçada pelo fato de que, em muitos casos, a mediação ocorre de forma voluntária e extrajudicial, sem a intervenção direta do Estado.
Por outro lado, no Brasil, a mediação e a conciliação são fortemente influenciadas pelo sistema de civil law, onde a codificação e a intervenção do Estado desempenham um papel central. A mediação no Brasil é institucionalizada, especialmente após a promulgação do Novo Código de Processo Civil de 2015 e da Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), que estabeleceram a mediação como uma etapa obrigatória em muitos processos judiciais. No entanto, conforme observa Carlos Alberto Carmona (2018), "a mediação no Brasil ainda é vista como um complemento ao processo judicial, com forte presença estatal, o que limita sua adoção como uma alternativa verdadeiramente autônoma" (CARMONA, 2018).
Outro aspecto importante na comparação entre os dois sistemas é o papel da obrigatoriedade. Nos Estados Unidos, a mediação é amplamente voluntária, com as partes sendo incentivadas a resolver seus conflitos fora dos tribunais, mas sem imposições formais. No Brasil, por outro lado, a mediação é muitas vezes obrigatória em processos cíveis, como parte das audiências de conciliação estabelecidas no artigo 334 do Novo CPC. Essa diferença reflete a ênfase do sistema brasileiro em institucionalizar a mediação como parte integrante do processo judicial, enquanto nos Estados Unidos o foco está na flexibilidade e autonomia das partes.
Adicionalmente, a aceitação cultural da mediação como um método alternativo de resolução de conflitos também varia entre os dois países. Nos Estados Unidos, há uma longa tradição de resolução extrajudicial de disputas, com programas bem estabelecidos e mediadores capacitados, o que facilita a adoção de métodos como a mediação e a conciliação. Nancy Welsh (2004) destaca que "a cultura da mediação nos Estados Unidos está profundamente enraizada na crença de que as partes devem ter controle sobre o desfecho de seus conflitos, o que garante uma maior aceitação do processo" (WELSH, 2004). No Brasil, embora haja um esforço contínuo para consolidar a mediação como parte do sistema de justiça, ainda existe uma resistência cultural, especialmente entre advogados e juízes, que estão mais acostumados com o litígio tradicional.
Em conclusão, embora Brasil e Estados Unidos compartilhem o objetivo de promover métodos mais eficazes de resolução de conflitos por meio da mediação e conciliação, suas abordagens diferem significativamente devido às influências de seus sistemas jurídicos. O modelo norte-americano, baseado no common law, favorece a autonomia das partes e a informalidade, enquanto o sistema brasileiro, ancorado no civil law, enfatiza a institucionalização e a intervenção estatal. Ambos os sistemas, no entanto, continuam a evoluir, buscando formas de integrar esses métodos de maneira mais eficiente e acessível.
CONCLUSÃO
Em conclusão, a mediação e a conciliação emergem como ferramentas eficazes e promissoras para a resolução alternativa de disputas tanto no sistema jurídico dos Estados Unidos quanto no do Brasil. Apesar de compartilharem o objetivo comum de fornecer uma alternativa mais célere, econômica e colaborativa ao processo judicial tradicional, ambos os países apresentam abordagens e níveis de institucionalização distintos, refletindo suas diferenças estruturais, culturais e históricas.
Nos Estados Unidos, a mediação já está profundamente enraizada na cultura jurídica, sendo amplamente reconhecida e praticada. A sua adoção se dá tanto em contextos judiciais quanto extrajudiciais, o que reflete uma aceitação cultural robusta desse método de resolução de conflitos. Esse cenário foi facilitado por importantes marcos normativos, como a Uniform Mediation Act (UMA), que padronizou e regulamentou o processo de mediação no país, assegurando a neutralidade do mediador e a confidencialidade das discussões. Além disso, o conceito de Multi-Door Courthouse, proposto por Frank E.A. Sander, contribuiu para a consolidação de uma cultura jurídica que prioriza a autonomia das partes e a resolução consensual dos conflitos. Esse movimento foi essencial para reduzir a sobrecarga dos tribunais e fortalecer a confiança das partes em métodos alternativos.
No Brasil, por outro lado, a institucionalização da mediação e da conciliação é um fenômeno relativamente recente, ganhando impulso significativo apenas a partir da promulgação do novo Código de Processo Civil em 2015 e da Lei 13.140/2015, que regulamenta a mediação no país. A criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi um marco importante, inserindo esses métodos no cotidiano forense e promovendo uma cultura de pacificação social.
No entanto, o Brasil ainda enfrenta barreiras para a plena aceitação e eficácia desses métodos, sendo as principais delas a resistência de alguns operadores do direito, que ainda demonstram certa preferência pelo processo litigioso tradicional, e a falta de uma capacitação adequada e ampla para mediadores e conciliadores.
Essa análise comparativa revela que, enquanto os Estados Unidos já conseguiram consolidar uma cultura colaborativa e eficiente em torno da mediação e da conciliação, o Brasil ainda se encontra em um estágio de transição. Embora tenha dado passos importantes, o país ainda enfrenta o desafio de superar obstáculos culturais e institucionais para alcançar um nível semelhante de aceitação e eficácia.
Portanto, é fundamental que o Brasil continue investindo em políticas públicas e em programas de capacitação para os profissionais do direito, além de conscientizar a sociedade sobre os benefícios da mediação e da conciliação. A promoção desses métodos como alternativas viáveis ao processo judicial pode contribuir não apenas para a redução da sobrecarga dos tribunais, mas também para a construção de uma justiça mais humanizada, participativa e satisfatória para as partes envolvidas.
Em última análise, a comparação entre os sistemas dos Estados Unidos e do Brasil demonstra a importância de uma abordagem institucional e cultural coesa na promoção da mediação e da conciliação. O fortalecimento dessas práticas pode contribuir significativamente para uma justiça mais eficiente, econômica e acessível, que responda melhor às necessidades da sociedade moderna.
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