A atuação do Oficial de Justiça, em regra [01], está vinculada à existência de um mandado judicial. Por força do art. 225, inciso I, do CPC, esse instrumento deverá conter os nomes do autor e do réu, bem como os respectivos domicílios ou residências.
Nem sempre, porém, é possível ao Requerente infomar quem é, com precisão, o Requerido, de modo que 1) ou o pólo passivo é identificado apenas pelo prenome seguindo da designação "de Tal"; 2) ou o Requerido é identificado por apelido ou característica visível. Ambas as situações são mais frequentes em ações que tramitam em Varas Criminais, embora, mesmo que raramente, ocorram também em mandados expedidos pelas Varas Cíveis, de Família ou de Infância e Juventude.
Outra situação diz respeito à indicação, pelo Requerente, de onde possa ser encontrado o Requerido, para fins de citação, intimação ou cumprimento de qualquer outra ordem judicial.
Nos termos do art. 282, inciso II, do CPC, a petição inicial indicará, dentre outros dados, o domicílio e a residência do autor e do réu, informações que deverão ser atualizadas pelas partes sempre que houver modificação temporária ou definitiva, conforme dispõe o parágrafo único do art. 238. A realidade, porém, oferece alguns obstáculos à observância, de forma eficiente, das normas contidas nos ditos artigos, com repercussões sobre o trabalho dos Oficiais de Justiça. Veja-se.
É possível verificar em todo o território nacional a existência de cidades de pequeno e médio porte cuja ocupação urbana se deu de maneira desordenada, gerando espaços com infra-estrutura precária. Nesses locais, 1) os logradouros públicos possuem mais de uma denominação; 2) muitos imóveis não possuem identificação com nºs; 3) quando a possuem, muitas vezes tais nºs foram escolhidos aleatoriamente pelos próprios moradores, sem intervenção da Administração Pública; 4) em alguns casos, a adoção de nº identificador, com chancela da Administração Municipal, não obedece a qualquer critério de organização, de modo que o imóvel de nº 13, por exemplo, é confrontante do imóvel de nº 1024.
Nas grandes cidades, a precariedade é notável nas comunidades coloquialmente denominadas "favelas" e "invasões", nas quais, em regra, não há prestação de serviços públicos essenciais.
Nestas circunstâncias, a localização e a identificação de pessoas exigem verdadeiro trabalho de pesquisa e investigação, com prejuízo para a celeridade, a eficiência e a segurança dos trabalhos. Nesses locais, ao contrário do que possa parecer, a maior dificuldade não decorre de resistência oferecida pelas pessoas a que se referem as ordens judiciais. A maior dificuldade é encontrar o local da diligência.
A prática demonstra que o recurso mais eficaz para que os Oficiais de Justiça superem os obstáculos mencionados é a informação prestada in loco por terceiros.
É freqüente no cotidiano dos Oficiais de Justiça a seguinte situação [02]: determinada Vara de Família expede mandado de intimação do Requerente, representado por sua genitora em ação de alimentos, para comparecer em Audiência. Consta no mandado que o Requerente é A.B.S., representado por sua mãe, Maria Aparecida da Silva, podendo ser encontrada na Av. Águas Marinhas, s/nº, bairro Santa Mônica, nesta cidade. Vale destacar que o menor é identificado apenas pelas iniciais de seu nome, e que o endereço é insuficiente, haja vista não haver indicação de nº do imóvel, de telefone, ou de um ponto de referência. Inevitavelmente, a primeira diligência terá como objetivo superar as dificuldades quanto à localização do intimando, o que somente será possível buscando informações com terceiros, in loco.
Ao abordar comerciantes, moradores e transeuntes, estes são indagados se conhecem a mãe do Requerente. Aqueles que seriam informantes passam então a pedir detalhes ao Oficial de Justiça sobre a pessoa procurada, no intuito de reunir dados que possam contribuir para a identificação de um conhecido que supostamente seja tal pessoa.
São perguntas feitas ao Oficial de Justiça:
1.Quem é o senhor?
2.Por que está procurando Maria Aparecida da Silva?
3.Qual é o processo?
4.Por que o senhor está procurando essa pessoa?
5.Como ela é (descrição física da mãe)?
6.Qual é a sua profissão (profissão da mãe)?
7.Ela tem filhos? Qual o nome da criança?
8.Tem alguma referência do endereço?
Responder a essas perguntas significa dar publicidade às seguintes informações:
-As pessoas estão sendo procuradas por um Oficial de Justiça;
-Existe uma ação em trâmite tendo como partes as pessoas procuradas;
-É uma ação de alimentos;
-A pessoa está sendo procurada para ser intimada para comparecer a uma Audiência;
-Sua descrição física é desconhecida pelo Oficial de Justiça;
-Sua profissão é comum a várias pessoas, ou consta como "do lar";
-Ela possui filho, requerente na ação, mas cujo nome é desconhecido pelo Oficial de Justiça, pois constam no mandado apenas as iniciais, A.B.S.;
-Não existe, no mandado, indicação de referência para localização do endereço.
Nesse momento, surge a dúvida sobre quais informações podem ser transmitidas a terceiros, em razão do segredo de justiça.
A pesquisa bibliográfica traz posicionamentos dos mais diversos, tornando possível entender que o segredo de justiça se refere:
-ao nome das partes, o que obriga que conste no mandado apenas as suas iniciais;
-à existência de uma ação judicial envolvendo as pessoas procuradas;
-à espécie de ação (alimentos, separação judicial, etc);
-à data, ao horário e ao local de realização dos atos judiciais, neste caso, a Audiência.
O segredo de justiça, porém, não é conceituado e delimitado pelo legislador, competindo à doutrina e à jurisprudência, como normalmente ocorre, analisar esse instituto jurídico.
Nesse sentido, parece mais coerente entender que o segredo de justiça, enquanto instituto de direito processual, não pretende:
-proteger o direito ao nome, mas sim outros direitos, também denominados direitos da personalidade: o direito à intimidade e o direito à vida privada;
-propiciar o sigilo acerca da existência de uma ação envolvendo as partes, pois de tal medida resultaria concluir ser constrangedor e vergonhoso provocar a prestação jurisdicional e defender-se em juízo, o que contraria o direito de ação e o ideal de ampliação do acesso à justiça;
-camuflar a espécie de ação, pois a divulgação dessa informação em nada expõe as pessoas dos litigantes;
-esconder a data, o horário e o local de realização do ato judicial, pois se o ato é sigiloso, o acesso a ele será fisicamente restringido, realizando-se a portas fechadas.
Conclui-se, pois, que o segredo de justiça objetiva preservar as partes e quaisquer terceiros interessados da exposição à publicidade depreciativa, tornando, para isso, sigilosos quaisquer fatos ou fundamentos constantes nos autos do processo. O que se pretende, com este instituto, é proteger o direito à intimidade e o direito á vida privada.
Nesse sentido, tem-se que os Oficiais de Justiça, no exercício de suas atribuições, podem utilizar quaisquer informações constantes no mandado para a consecução da localização das pessoas a que se referem as ordens judiciais; e que os serventuários dos Cartórios podem fazer constar no mandado todas as informações que contribuam para a localização das pessoas a que se referem às ordens judiciais, como nome completo, apelido, filiação, endereço residencial e profissional, referência para localização e telefone de contato.
Não fosse assim, seria inevitável concluir que o segredo de justiça, um instituto de direito processual que tem caráter instrumental, é capaz de prejudicar a consecução do direito material deduzido em juízo. Insensatez.
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Notas
01 Lei 9.009/95, art. 2º (princ. da informalidade e da oralidade) e art. 18, III.
02 Situação hipotética, cujos dados, inclusive nomes, são fictícios. Qualquer semelhança é mera coincidência.