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Benefícios fiscais do IPVA para reduzir a emissão de gases do efeito estufa

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Agenda 11/10/2024 às 17:09

Com objetivo de incentivar uso de energia limpa, discute-se a isenção de IPVA sobre veículos movidos a hidrogênio, híbridos e a etanol.

1. Do Projeto de Lei 1510/2023

O Projeto de Lei 1510/2023 altera a Lei 13.296/2008 (que estabelece o tratamento tributário do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA). Foi encaminhado pelo Governador ao Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) em outubro de 2023, com solicitação que a apreciação da propositura fosse feita em caráter de urgência. Tem por objetivo incentivar a utilização, no Estado de São Paulo, de veículos movidos exclusivamente a hidrogênio ou híbridos com motor elétrico e com motor a combustão que utilize, alternativa ou exclusivamente, etanol, de forma que contribua para a melhoria do meio ambiente, em decorrência da redução na emissão de poluentes, e estimule os investimentos na produção de veículos movidos a energia limpa e renovável.

A renúncia fiscal era estimada em R$ 178,91 milhões, para 2024, e em R$ 263,07 milhões, para 2025.

O art. 1° da lei proposta acrescenta às Disposições Transitórias da Lei 13.296/2008 os artigos 4° e 5°. Pelo art. 4°, ficam isentos do IPVA, “no período de 1º de janeiro de 2024 a 31 de dezembro de 2028, os ônibus ou caminhões movidos exclusivamente a hidrogênio ou gás natural, inclusive biometano”, observado o disposto no § 1º do art. 13. da Lei 13.296/2008, que prevê que a isenção seja concedida por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos para sua concessão.

De acordo com o art. 5°, ficam isentos do IPVA,

“no período de 1° de janeiro de 2024 a 31 de dezembro de 2025, os veículos automotores a que se refere o inc. III do art. 9° do corpo permanente desta lei, movidos exclusivamente a hidrogênio ou híbridos com motor elétrico e com motor a combustão que utilize, alternativa ou exclusivamente, etanol, de valor não superior a R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), observadas as seguintes disposições:

I - o valor a que se refere o ‘caput’ deste artigo:

a) será atualizado, anualmente, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA;

b) deverá incluir os tributos incidentes, se for o caso, além do valor da pintura e de outros acessórios instalados pelo fabricante, mesmo que cobrados separadamente;

II – tratando-se de veículo híbrido, o motor elétrico deverá atender às especificações indicadas em disciplina estabelecida pela Secretaria da Fazenda e Planejamento;

III – o § 1º do artigo 13 do corpo permanente desta lei aplica-se, no que couber, à isenção de que trata o ‘caput’ deste artigo.

Parágrafo único – A alíquota do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA relativa aos veículos mencionados no ‘caput’ deste artigo, será de, observado o disposto nos incisos I, II e III deste artigo:

  1. 1% (um por cento), no exercício de 2026;

  2. 2% (dois por cento), no exercício de 2027;

  3. 3% (três por cento), no exercício de 2028;

  4. 4% (quatro por cento), a partir do exercício de 2029.”


2. Do Projeto de Lei 308/2023

Curiosamente, a isenção proposta no Projeto de Lei 1510/2023 não contempla os veículos exclusivamente elétricos, que são não-poluentes. Embora a ALESP tenha aprovado o Projeto de Lei 308/2023, de autoria dos deputados estaduais Donato e Ricardo França, que previa isenção do IPVA para carros elétricos ou movidos a hidrogênio, bem como para veículos híbridos, movidos com motor a combustão e, também, com motor elétrico ou a hidrogênio, referido projeto de lei foi vetado pelo Governador do Estado. Por essa razão, ao Projeto de Lei 1510/2023, o Deputado Donato apresentou emendas para incluir no benefício fiscal veículos automotores exclusivamente elétricos.

O Projeto de Lei 308/2023 estabelecia que o incentivo fiscal fosse concedido por meio de créditos vinculados à quota-parte estadual do IPVA, no valor de 40% (quarenta por cento) do valor do IPVA arrecadado1, em favor do proprietário ou do arrendatário mercantil, mediante transferência em dinheiro para a conta corrente do proprietário do veículo ou do arrendatário mercantil, ou compensação com débitos relativos a outros tributos estaduais por este devidos. O crédito era para os 5 (cinco) primeiros anos de tributação do veículo e o valor do incentivo ficava limitado a 103 (cento e três) UFESPs (Unidade Fiscal do Estado de São Paulo), por exercício – para 2024, igual a R$ 3.642,08 (103 X R$ 35,36).

Conforme se vê, o benefício não provocaria contestações por parte dos municípios paulistas, pois o Estado de São Paulo restituiria ao proprietário do veículo ou ao arrendatário mercantil apenas o valor da parcela do IPVA que coubesse ao Estado, sem reduzir as parcelas do FUNDEB e do município em que o veículo estivesse licenciado.


3. Da política extrafiscal

Há “política fiscal” quando o Estado visa à arrecadação de imposto, para poder pagar seus custos e realizar seus investimentos.

Há “política extrafiscal” quando o Estado toma medidas para estimular ou desestimular certos comportamentos (PECHI, 2022, p. 63). Por exemplo, ao conceder isenção do IPVA a veículos automotores não ou menos poluentes, o Estado renuncia à receita tributária e incentiva a utilização desses veículos, com o propósito de reduzir a poluição e de combater o “efeito estufa”. Ao elevar alíquotas do imposto incidente sobre a venda de cigarros e bebidas alcoólicas, o Estado quer desestimular o uso desses produtos, porquanto prejudiciais à saúde e, desse modo, evitar futuros gastos com saúde pública no atendimento de usuários desses produtos.

É possível também o Estado conjugar a utilização das políticas fiscal e extrafiscal. É o que ocorre quando o Estado reduz as alíquotas do IPVA de veículos não ou menos poluentes2. Não renuncia totalmente à arrecadação e incentiva, embora com menos intensidade, a aquisição daqueles veículos.


4. “Proteção ao meio ambiente e combate à poluição” X “Respeito ao princípio da isonomia”

De acordo com o art. 23, inc. VI, da Constituição Federal (CF), “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” (negritamos).

Concordante com esse valor constitucional, o IPVA “poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo, do valor, da utilização e do impacto ambiental” (inc. II do § 6° do art. 155. da CF, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023).

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Para proteger o meio ambiente, presume-se que o Estado tribute veículos mais velhos com alíquotas maiores, porquanto são mais poluentes. No entanto, na maior parte dos casos, a pessoa natural ou jurídica é proprietária de veículo automotor velho porque não tem dinheiro para adquirir um novo ou seminovo, ou renda suficiente para pagar o respectivo IPVA. Assim, aplicação dessa regra deverá ser muito bem sopesada com a que, no Estado de São Paulo, concede isenção do IPVA a veículos com mais de 20 (vinte) anos de fabricação, que tem por objetivo não tributar proprietário de veículo com patrimônio ou renda inferior ou igual ao “mínimo existencial”.

Além disso, conceder isenção de tributo implica:

Com efeito, quem adquire veículo automotor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) revela ter capacidade contributiva. Neste caso, no dizer de Roque Antonio Carrazza (2000, p. 68), a “capacidade contributiva é objetiva”, pois é inferida pela propriedade do veículo de alto valor, signo presuntivo de riqueza. Assim, quem adquirir veículo popular de passeio novo no Estado de São Paulo, hoje na faixa de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), pagará IPVA com alíquota de 4% (quatro por cento), enquanto aquele que adquirir veículo híbrido novo, com valor de até R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), nada pagará. Conforme se vê, para atingir valor constitucional pratica-se uma verdadeira inversão na aplicação do princípio da isonomia.


5. Dos gases do efeito estufa

De acordo com o artigo “Gases do efeito estufa, quais são, como agem – Brasil Escola”, “os gases do efeito estufa (GEEs) são substâncias capazes de absorver a radiação infravermelha refletida pelo nosso planeta após absorção da luz solar”. Consequência dessa propriedade é o aumento da temperatura da superfície da Terra, o que permitiu o desenvolvimento da vida.

“As principais atividades antrópicas que geram o aumento desses gases são a indústria, a queima de combustíveis fósseis, a agricultura e a utilização de fertilizantes”.

Dentre os diversos GEEs destacam-se o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O). O dióxido de carbono é responsável é responsável por cerca de 60% do efeito estufa, podendo perdurar na atmosfera por até 1.000 anos. É proveniente das queimadas, desmatamentos e da queima dos combustíveis fósseis. A perda da vegetação é impactante, pois ela é capaz de absorver o CO2 do ar.

O metano, principal componente do gás natural, é responsável por 15 a 20% do efeito estufa, podendo perdurar na atmosfera por até uma década. Cerca de 32% das emissões desse gás podem ser atribuídas a animais ruminantes, como vacas e ovelhas, que fermentam alimentos em seus estômagos. O metano é 80 vezes mais potente que o CO2 como causa do aquecimento global.

O óxido nitroso é responsável por cerca de 6% do efeito estufa, perdurando na atmosfera terrestre por aproximadamente 120 anos. É 280 vezes mais potente que o CO2 como causa do aquecimento global. As emissões são atribuídas, principalmente, à agricultura. O N2O também está presente nas emissões da queima de combustíveis fósseis. Além de as bactérias presentes no solo e na água já converterem naturalmente o nitrogênio em óxido nitroso, o uso de fertilizantes nitrogenados e o escoamento têm adicionado mais nitrogênio no meio ambiente.

No artigo “Fertilizantes de nitrogênio são faca de dois gumes para o Brasil”, afirma-se que, apesar de o nitrogênio ser um macronutriente fantástico para a agricultura e até mesmo para o capim do qual o gado se alimenta, e que o salto de produtividade na agropecuária brasileira dos últimos 40 anos não teria acontecido sem fertilizantes, como os nitrogenados, tamanha fartura na produção tem um custo climático: o adubo nitrogenado transformar-se em um gás de efeito estufa pouco falado mas muito perigoso: o óxido nitroso.

Diante do exposto, vê-se que o desmatamento de florestas tropicais como a Amazônia é uma das principais causas do aquecimento global. Com efeito:


6. Natureza tributária da isenção

De acordo com lição de Paulo de Barros Carvalho (2008, p. 523-525), norma de isenção é de estrutura, assim entendida a que regula a produção de outras normas, a expulsão de norma do sistema e a modificação de regras existentes no sistema. De acordo com o emérito Autor, ao investir contra um ou mais dos critérios do antecedente ou do consequente da norma jurídica tributária (que é norma de comportamento, como são as de o contribuinte recolher o tributo devido ou de cumprir seus deveres instrumentais – obrigações acessórias –), a norma de isenção mutila-os parcialmente, de modo que a autoridade administrativa não pode fazer incidir a regra-matriz sobre a situação descrita no consequente da norma de isenção. Isso porque o antecedente ou suposto da norma de isenção é o fato da existência da regra-matriz de incidência do tributo no ordenamento em vigor, enquanto o consequente é o comando para que, de critério do antecedente ou do consequente da regra-matriz seja subtraída parcela que corresponde à situação descrita na norma de isenção.

A norma de isenção do IPVA prevista no Projeto de Lei 1510/2023 subtrai do “complemento do verbo” do “critério material da hipótese” da regra-matriz do IPVA (que é “ser proprietário de veículo automotor”):

Redução de alíquota, que não conduz ao desaparecimento do objeto (exigência do tributo), mas reduz o quantum de tributo devido não é isenção. No entanto, o nome atribuído pelo direito positivo e pela doutrina é isenção parcial (CARVALHO, 2008, p. 531).


7. Perda de receita do FUNDEB e do Município onde foi licenciado veículo beneficiado por isenção ou redução de alíquota

Além do Estado, tanto o FUNDEB quanto os Municípios perdem receita tributária com o benefício fiscal – respectivamente 20% (vinte por cento) e 40% (quarenta por cento) do valor que seria arrecadado se o valor do IPVA fosse integralmente exigido –, sem que prefeito de município tenha efetuado qualquer renúncia de receita, razão pela qual, in casu, ele não pode absolutamente ser acusado de desrespeito à Lei de Responsabilidade na Gestão Fiscal (LRF) (Lei Complementar 101/2000). Responderia por infração a essa lei complementar se a isenção concedida fosse da quota-parte do Município, sem demonstrar que não haveria desequilíbrio entre o total previsto de receitas e o fixado para despesas ou sem apresentar medidas de compensação, no período, por meio do aumento da receita de outros tributos de competência do Município.

Segundo a União Nacional da Bioenergia (UDOP), Municípios paulistas de pequeno porte dizem que vão acionar a Justiça se o projeto de lei que isenta de IPVA carros híbridos no Estado de São Paulo for aprovado sem passar por alterações5.

No artigo “Benefícios fiscais sobre a partilha de receitas de impostos segundo o STF”, Diogo Luiz Cordeiro Rodrigues e Caio Gama Mascarenhas (2024) citam o Tema 653 da Repercussão Geral (RE 705.423, Rel. Min. Edson Fachin), em que “o STF concluiu que as regras constitucionais de repartição de receitas não limitam o exercício da competência tributária própria de cada ente, o que inclui tanto a prerrogativa de instituir e arrecadar tributos quanto a de conferir benefícios fiscais”6.

De acordo ainda com os supracitados autores, ao conceder benefícios fiscais deve o ente tributante:

No IPVA, porém, porque o evento jurídico tributário considera-se ocorrido:

Desse modo, na elaboração do orçamento de exercício seguinte àquele em que a lei concessiva da isenção passou a produzir efeitos, o Município poderá estimar a redução de receita do IPVA que deverá receber do Estado.

Porque proposto pelo Governador do Estado de São Paulo, o projeto de lei deverá ser aprovado pela Assembleia Legislativa, ainda que com alterações. Colocado em votação em 25/06/2024, esta foi adiada por falta de quórum.

Sobre o autor
Wagner Pechi

Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo aposentado. Ex-Delegado Tributário de Julgamento de São Paulo. Ex-integrante do Tribunal de Impostos e Taxas. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Informações sobre o texto

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