Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Adoção por Escritura Pública no Brasil e a Nacionalidade Portuguesa: Limites e Desafios do Reconhecimento Jurídico

Agenda 16/10/2024 às 11:01

Introdução

A adoção é uma forma importante de constituição de vínculos familiares, tanto no Brasil quanto em Portugal. Nos últimos anos, tem se tornado mais comum a busca pela adoção entre brasileiros com vínculos em Portugal, especialmente quando o interesse inclui a obtenção da nacionalidade portuguesa. Neste contexto, surge a dúvida sobre a validade de uma adoção realizada no Brasil por meio de escritura pública para o reconhecimento da nacionalidade portuguesa.
Este artigo tem como objetivo esclarecer as diferenças entre os regimes de adoção dos dois países, explicando por que a adoção por escritura pública não se equipara à adoção plena em Portugal e, portanto, não é suficiente para o reconhecimento da nacionalidade portuguesa.


Adoção no Direito Brasileiro

O direito brasileiro prevê diferentes modalidades de adoção, sendo a adoção por escritura pública uma forma particular destinada a casos específicos. Esta modalidade é permitida, principalmente, para adoção de maiores de idade ou em situações de adoção unilateral, quando um dos cônjuges ou companheiros adota o filho do outro.

A adoção por escritura pública, regulamentada pelo Código Civil Brasileiro, não exige intervenção judicial, mas também não rompe integralmente os vínculos entre o adotado e sua família biológica. Esse fator é relevante para compreender os limites dessa modalidade no contexto internacional.


Adoção no Direito Português

O regime de adoção em Portugal é mais rígido no que diz respeito à criação de novos vínculos familiares. O Código Civil Português prevê duas modalidades: adoção plena e adoção restrita (ou semiplena). A adoção plena, que extingue os laços entre o adotado e sua família biológica, é a única modalidade que pode servir de base para o reconhecimento de nacionalidade portuguesa.

A adoção plena em Portugal estabelece um novo vínculo de filiação, semelhante ao que ocorre com filhos biológicos, sendo fundamental para garantir direitos como a transmissão da nacionalidade. Já a adoção semiplena mantém alguns vínculos com a família biológica, mas é utilizada apenas em casos muito específicos.


Reconhecimento de Sentença Estrangeira e Nacionalidade Portuguesa

Para que uma adoção realizada no Brasil tenha efeitos em Portugal, é necessário que passe por um processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira junto ao Tribunal da Relação. Esse processo avalia se a adoção estrangeira é compatível com os princípios do direito português.

No entanto, a adoção por escritura pública não é reconhecida em Portugal para fins de nacionalidade, pois não rompe os laços familiares biológicos, conforme exigido pela adoção plena no direito português. Assim, apenas a adoção plena no Brasil, que tenha efeitos equivalentes aos da adoção plena portuguesa, pode ser confirmada para esses fins.


Tratados Internacionais e Cooperação Jurídica

Embora Brasil e Portugal não tenham tratados específicos sobre a adoção, ambos são signatários da Convenção de Haia sobre Adoção Internacional, que estabelece regras para garantir a proteção das crianças em casos de adoção entre diferentes países.

No entanto, essa convenção não altera o fato de que Portugal só reconhece a adoção plena para fins de nacionalidade. A aplicação dos tratados internacionais apenas reforça a necessidade de cumprir os requisitos específicos do direito português.


Diferenças e Desafios Práticos

A principal diferença entre os dois sistemas de adoção está na exigência do rompimento total dos vínculos familiares anteriores. Enquanto a adoção por escritura pública no Brasil mantém certos laços com a família biológica, a adoção plena em Portugal exige a extinção completa desses laços.

Essa diferença prática pode gerar frustrações para famílias que, após realizarem a adoção no Brasil, buscam o reconhecimento da nacionalidade portuguesa para o adotado. O processo de revisão judicial e a falta de equivalência entre as modalidades de adoção podem ser grandes obstáculos.


A Importância de Assessoria Jurídica Especializada

Dada a complexidade dos procedimentos de adoção e a necessidade de harmonização entre os sistemas jurídicos de Brasil e Portugal, é essencial contar com uma assessoria jurídica especializada. Advogados familiarizados com as legislações de ambos os países podem orientar melhor as famílias e evitar contratempos durante o processo de reconhecimento de adoção e nacionalidade.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Conclusão

Embora a adoção por escritura pública seja uma modalidade importante no Brasil, ela não atende aos requisitos de adoção plena exigidos em Portugal para o reconhecimento da nacionalidade portuguesa. Para que a adoção tenha validade para esse fim, é necessário um processo judicial completo que rompa os laços biológicos anteriores e crie um novo vínculo de filiação.

Diante da complexidade e das diferenças entre os sistemas jurídicos, é fundamental que as famílias busquem orientação jurídica adequada para garantir que o processo de reconhecimento de adoção e de nacionalidade ocorra de forma correta e sem contratempos.


Referências Bibliográficas

1. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 13 out. 2024.

2. BRASIL. Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 13 out. 2024.

3. PORTUGAL. Código Civil Português. Disponível em: <https://diariodarepublica.pt/dr/legislacao-consolidada/decreto-lei/1966-34509075>. Acesso em: 13 out. 2024.

4. PORTUGAL. Lei da Nacionalidade, Lei nº 37/81, de 3 de outubro. Disponível em: <https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=614&tabela=leis>. Acesso em: 13 out. 2024.

5. CONVENÇÃO de Haia sobre Adoção Internacional. Disponível em: <https://www.hcch.net/en/instruments/conventions/full-text/?cid=69>. Acesso em: 14 out. 2024.

Sobre a autora
Karina Cavalcante Gomes Caetano Sasso

Advogada inscrita na OAB/SP e na Ordem dos Advogados de Portugal e atuante nas principais cidades do Brasil e em Portugal, com vasta experiência em retificações de registros civis e registros tardios de nascimento, casamento ou óbito, homologações de sentenças estrangeiras no Brasil e em Portugal e cidadania portuguesa. Consultora de proteção de dados e privacidade - LGPD e GDPR Em caso de dúvidas ou sugestões, entre em contato diretamente com a autora pelo e-mail: cksassoadv@gmail.com Site: www.cksasso.com.br

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!