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Terceiro setor e arquitetura jurídica das entidades religiosas:

organização religiosa e/ou associação

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Agenda 16/10/2024 às 11:04

II - CARACTERIZAÇÕES DAS “ASSOCIAÇÕES” E DAS “ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS” E CENÁRIO QUE IMPACTA NA NATUREZA E ARQUITETURA JURÍDICA DAS ENTIDADES RELIGIOSAS1.

Este segundo item envolve os seguintes assuntos:

a) inexistência até 2003 da natureza jurídica “organização religiosas” e cenário de falta de compreensão, de intepretações restritivas e de incertezas sobre as entidades religiosas;

b) marco legal infraconstitucional – especialmente o Código Civil e o MROSC / Lei 13.019/2014 – e caracterização das “associações” e das “organizações religiosas”;

c) requisitos estatutários, com indicações para as “associações” e detalhamentos para as “organizações religiosas”;

d) Indicação com comentários de decisões restritivas da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo sobre “organizações religiosas”;

e) comentários sobre a pouca compreensão do conteúdo e abrangência do Acordo entre Brasil e Santa Sé, cujas disposições também são vetores de interpretação para instituições / entidades de todas as outras religiões ou tradições religiosas.

O Código Civil (CC) – Lei 10.406/2002 - evidencia as diferenças entre as “organizações religiosas” e as “associações”.

As “organizações religiosas” são assim caracterizadas: “São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento” (§ 1o, do art. 44 do CC). Também a ela são aplicáveis as normas gerais sobre as pessoas jurídicas (arts. 44 a 52, damos ênfase ao art. 462) e devem observar as normas pertinentes da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1975) e, ainda, em decorrência de interpretações restritivas de autoridades judiciais e registrarias – tais situações não estão explicitadas na legislação, mas na prática impactam em sua configuração jurídica, especialmente no Estado de São Paulo -, devem considerar algumas normas específicas das “associações” (arts. 53 a 61, damos ênfase ao art. 543, embora alguns tentem estender ainda mais as disposições das “associações” às “organizações religiosas”). Ao final deste item, detalharemos aspectos institucionais e estatutários das “organizações religiosas”.

Já as “associações”, nas quais se aplicam as normas gerais (arts. 44 a 52), normas a elas específicas (arts. 53 a 61) e a Lei de Registros Públicos, são assim caracterizadas: “Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos” (art. 53, do CC).

Sobre as “associações”, reportamo-nos ao artigo de nossa autoria denominado “Estatuto Social de Associações Beneficentes: revisão, inovações, pontos de atenção e dica” (“https://jus.com.br/artigos/101837”), publicado em janeiro de 2023, no qual objetivamos provocar reflexões sobre a necessidade de uma processo constante de revisão e atualização do Estatuto Social, oferecer uma dica e dialogar sobre inovações e pontos de atenção, sempre na perspectiva da sustentabilidade das associações beneficentes, que também dizem respeito à relação entre as disposições estatutárias e os requisitos legais para a obtenção de inscrições e certificações públicas, para o exercício de imunidades tributárias de impostos e contribuições para a seguridade social e para a celebração de parcerias com a administração pública.

Motivados pelo fato de que várias entidades religiosas adotam a natureza jurídica de “associação” para personificarem-se juridicamente no âmbito civil, especialmente quando possuem concomitantemente finalidades religiosas e beneficentes de assistência social - nas áreas de assistência social, de saúde e de educação e que possibilitam a concessão ou renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) -, ou, ainda, pelo fato de que entidades religiosas separam suas finalidades e instituem ou “controlam” pessoas jurídicas autônomas com natureza jurídica de “associação” para o desenvolvimento das finalidades e atividades no campo social - beneficentes de assistência social, de solidariedade social, de promoção humana etc. -, a seguir elencamos as cláusula estatuárias obrigatórias das associações, determinadas pelo Código Civil e pela Lei de Registros Públicos, sem antes alertar que também devem ser previstas no Estatuo Social cláusulas necessárias que evidenciem o cumprimento de exigências para inscrições e certificações públicas, para o exercício de imunidades ou isenções tributárias e para a celebração de parcerias com a administração pública:

a) A denominação social;

b) O endereço da sede;

c) O prazo de duração;

d) O fundo social, quando houver;

e) As finalidades ou objetivos sociais (que não podem ser lucrativas), e a forma pela qual serão atingidas;

f) Patrimônio e as fontes de recursos para sua manutenção;

g) Os requisitos para admissão, demissão e exclusão de associados (exclusão em função de justa causa, garantida a ampla defesa e recurso);

h) Os direitos e deveres dos associados (garantido a 1/5 a convocação dos órgãos deliberativos);

i) O modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos (exemplos de órgãos sociais estatutários: Assembleia Geral, Conselho Deliberativo, Diretoria/Conselho de Administração, Conselho Fiscal);

j) A forma de representação da associação perante terceiros, ativa e passiva, judicial e extrajudicial;

k) Se os associados respondem ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais;

l) As hipóteses e condições para a destituição dos administradores (competência da Assembleia de associados);

m) As condições para a alteração das disposições estatutárias (competência da Assembleia de associados);

n) Critérios de eleição dos administradores (eleição; escolha e aclamação; nomeação etc.);

o) As condições para a extinção ou dissolução da associação e o destino do seu patrimônio;

p) A forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas.

Além do Código Civil, a Lei 13.019/14, conhecida como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), que estabelece um novo regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil (OSCs), também traz importantes elementos para a compreensão de aspectos relativos à caracterização e da natureza jurídica das entidades religiosas. Respectivamente e em decorrência das alíneas “a”, “b” e “c”, de seu art. 2º, “englobam o conceito de OSCs para fins desta Lei: as associações e fundações, as cooperativas sociais e as que atuam em prol do interesse público e as organizações religiosas” (BRASIL, 2016, p. 21).

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Destacamos que, no tocante a natureza jurídica das “associações” e “fundações”, a lei não faz expressa referência a essas palavras e naturezas, conceituando-as de modo genérico, como: “entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva” (alínea “a”, do art. 2º, da Lei).

Já no tocante as “organizações religiosas”, essa natureza jurídica é assim caracterizada para efeitos do MROSC: “as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou a projetos de interesse público e de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos” (alínea “c”, do art. 2º, da Lei). Desta caracterização, depreende-se a possibilidade da existência de “organizações religiosas” com fins exclusivamente religiosos - essa seria uma opção da entidade religiosa - e da existência de “organizações religiosas” com finalidade e atividades mistas - que desenvolvem atividades religiosas e atividades de interesse público e cunho social - e, nesta última hipótese, a possibilidade delas celebrarem parcerias com o poder público.

Observe-se, com já indicamos acima e oportunamente detalharemos, que existem decisões restritivas da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, que exigem das “organizações religiosas”, dedicação exclusiva ao culto e à liturgia e finalidade unicamente espiritual, ou seja, que possuam e desenvolvam exclusivamente finalidades e atividades religiosas.

A seguir, apresentaremos uma espécie de cenário com elementos que indicam a falta de compreensão e, consequentemente, a existência de interpretações muitas vezes restritivas de autoridades judiciais e registrarias sobre as entidades religiosas e a natureza jurídica de “organização religiosa”. Também trazemos recente questão decorrente da Emenda Constitucional (EC) 132/23, que instituiu a recente reforma tributária e que aguarda interpretação, inclusive pela lei complementar que irá regular a questão. Enfatizamos, ainda, que compreender esses elementos dará mais segurança nas opções para a configuração das arquiteturas jurídicas das entidades religiosas.

a) A não existência até 2003 - quando da inclusão no Código Civil de 2002 de norma jurídica pertinente - da natureza jurídica “organização religiosa” em nosso país, o que fez com que muitas entidades religiosas tenham atualmente configuração e natureza jurídica civil de “associação” religiosa e beneficente. Antes do atual Código Civil, a natureza jurídica “sociedade”, equiparada a “associação”, também era utilizada pelas pessoas jurídicas sem fins lucrativos, inclusive entidades religiosas; porém, a partir no novo Código Civil, a natureza jurídica “sociedade” passou a caracterizar pessoas jurídicas com fins lucrativos – sociedades empresariais -, ocasionando a “transformação” das “sociedades sem fins lucrativos” em “associações”.

b) Ausência de plena compreensão e efetividade das disposições do Acordo entre Brasil e Santa Sé (Decreto nº 7.107, de 11/02/2010), especialmente no tocante à caracterização e ao reconhecimento da personalidade jurídica e dos direitos e deveres das instituições eclesiásticas com personalidade canônica da Igreja Católico; como também pouca compreensão de que as disposições do Acordo são vetores de interpretação para instituições / entidades de todas as outras religiões ou tradições religiosas. Abaixo destacaremos e comentaremos algumas normas do Acordo.

c) Pouca compreensão e muita confusão sobre o conceito e característica da natureza jurídica “organização religiosa”, que ocasiona, ratificamos: 1º) a tendência de equivocadamente se restringir essa natureza jurídica - “organização religiosa” - apenas as entidades religiosas que se dediquem exclusivamente a atividades espirituais e religiosas, não sendo a elas também permitida a atuação no campo social; 2º) a tendência de exigir que cláusulas estatutárias obrigatórias às “associações” - especialmente as determinadas pelo art. 54 do Código Civil -, sejam também aplicadas às “organizações religiosas”.

d) Conforme noticiamos, inclusive para justificar nossa opção de utilizar de forma genérica a expressão “entidade religiosa”, a Emenda Constitucional (EC) 123/23, que instituiu a reforma tributária, inovou na redação da alínea “b”, do inciso VI, do art. 150 da Constituição Federal (CF), que trata da imunidade de impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços das “entidades religiosas”: “(...) é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (...) instituir impostos sobre: (...) entidades religiosas e templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes (...) as vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas” (art. 150, VI, “b”, § 4º; grifamos as inclusões da EC 123/23).

Sobre essa questão e seus possíveis impactos no tocante às opções de arquitetura institucional e estatutária, aguarda-se interpretação sobre o significado e a caracterização das “organizações assistenciais e beneficentes“ das entidades religiosas – Seriam filiais ou departamentos de atividades das entidades religiosas? Seriam pessoas jurídicas autônomas instituídas e/ou “controladas” pelas entidades religiosas? - e relativos a eventuais requisitos para o exercício da imunidade, inclusive decorrentes da lei complementar que irá regular a reforma tributária, considerando especialmente que a situação envolve finalidades e atividades do campo social e beneficente, cuja imunidade tributária é conferida pelo art. 150, VI, ”c”, § 4º (imunidade de impostos); pelo o art. 155, §1º, VII (imunidade de impostos, com redação introduzida pela reforma tributária); pelo art. 195, § 7º (imunidade das contribuições para a seguridade social)

Dando continuidade, indicamos, exemplificativamente, as seguintes decisões restritivas da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, com alguns esclarecimentos. Sobre o assunto, especificamente envolvendo a primeira decisão, noticiamos que incluímos neste artigo o “ANEXO – Organização Religiosa ou Associação Religiosa: Argumentação em Face de Decisão Restritiva da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo”, por nós redigido em 17 de agosto de 2016 e enviado por e-mail à colegas da área jurídica.

1ª) Decisão envolvendo a “Associação” Cultural Franciscana, que foi a forma adotada no direito civil brasileiro pela Congregação das Irmãs Franciscanas de Ingolstadit - não existia antes do atual Código Civil de 2002 a possibilidade de constituir-se como organização religiosa -, no tocante a sua pretensão de “transformar-se” juridicamente de “associação” para “organização religiosa”.

SENTENÇA PROCESSO DE ORIGEM de 22 de julho de 2013 (15547-23/13 ou 0015547-23.2013.8.01). EMENTA: “Registro civil de pessoas jurídicas – pedido de providências – averbação de reforma de estatuto – pessoa jurídica de vocação religiosa que não se dedica somente ao culto, mas também a atividades educacionais – correta classificação como sociedade4, associação ou fundação religiosa (CC02, art. 44, I-III), e não como organização religiosa, que é a de finalidade unicamente espiritual – pedido indeferido.”

SENTENÇA EM RECURSO (EXTRAJUDICIAL) de 21 de janeiro de 2014 (processo nº 2013/00147741 – Corregedoria Geral de Justiça do TJSP) em anexo. “EMENTA: RECURSO – AVERBAÇÃO DE ATA DE ASSEMBLÉIA – ASSOCIAÇÃO – ALTERAÇÃO PARA ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA – NÃO DEDICAÇÃO EXCLUSIVA AO CULTO E À LITURGIA – AUSÊNCIA DO ORIGINAL TÍTULO – RECURSO NÃO CONHECIDO.” (grifamos)

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2ª) ACÓRDÃO – CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA – TJSP : Apelação n° 0018134-71.2014.8.26.0071, da Comarca de Bauru, em que é apelante SÍNODO DE BAURU, é apelado 2° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE BAURU, Voto nº 29.037.

EMENTA: “REGISTRO CIVIL DE PESSOA JURÍDICA – ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA - LIBERDADE ABSOLUTA DE CRIAÇÃO - INEXISTÊNCIA DE DIREITO ABSOLUTO - NECESSIDADE DE OBSERVAR AS REGRAS ATINENTES ÀS ASSOCIAÇÕES, RESPEITADAS AS PECULIARIDADES DAS ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS - RECURSO NÃO PROVIDO.” (grifamos)

No cenário das incompreensões e incertezas apresentado, faremos algumas colocações sobre o Acordo entre Brasil e Santa Sé, que inclusive, conforme detalhado no Anexo deste artigo, foi equivocadamente interpretado pela decisão restritiva acima – a que indicamos em primeiro lugar - da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo.

Levando em conta posicionamento de Baldisseri (2011) utilizado em Parecer da Advocacia Gandra Martins de autoria de Martins e Rodrigues (2011), também entendemos que as disposições do Acordo entre República Federativa do Brasil e Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil (Decreto nº 7.107, de 11/02/2010) são vetores de interpretações para instituições / entidades de todas as outras religiões ou tradições religiosas, uma vez que o Acordo lança ao cenário jurídico internacional normas que o poder civil brasileiro já havia estabelecido em sua Constituição Federal, para garantir e proteger a liberdade religiosa e consequentemente a liberdade de constituição e funcionamento das instituições religiosas - e liberdade de desenvolver suas finalidades -, com abrangência para todas as religiões (MARTINS; RODRIGUES, 2011, p. 54-58).

O Acordo entre Brasil e Santa Sé (Decreto nº 7.107, de 11/02/2010)5, cujas disposições são vetores de interpretações também para instituições / entidades de outras religiões, conforme já fundamentado, deixou a situação mais clara e precisa – embora incompreensões e incertezas limitem e restrinjam sua plena aplicação -, uma vez que:

a) reconhece a personalidade jurídica e o caráter peculiar religioso e social - beneficente: assistência social, educação e saúde; social em geral: caritativo, assistencial e de solidariedade social - das instituições eclesiásticas da Igreja Católica;

b) reconhece a imunidade de impostos das pessoas jurídicas eclesiásticas, ou seja, reconhece a imunidade de impostos de suas atividades religiosas;

c) reconhece a imunidade ou isenção de tributos - impostos e contribuições sociais - e outros benefícios e direitos das instituições que além de fins religiosos atuem no campo social - beneficente; atividades sociais em geral -, desde que cumpridos os requisitos legais, ou seja, reconhece a imunidade ou isenção tributária e outros direitos - por exemplo, de obter inscrições e certificações públicas, “contratualizar” com a administração pública etc. -, decorrentes de suas atividades no campo social;

d) reconhece a não existência de vínculo empregatício “entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante votos e as Dioceses ou Institutos Religiosos e equiparado” - o vínculo é de “caráter religioso”; vínculo empregatício apenas se houver “desvirtuamento da instituição eclesiástica” ;

e) reconhece e possibilita o trabalho voluntário “nas tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica, catequética, assistencial, de promoção humana e semelhantes”.

Finalizando, noticiamos alguns posicionamentos que devem ser considerados nos processos de configuração ou reestruturação da arquitetura institucional e estatutária das entidades religiosas, inclusive com indicação de requisitos legais do Estatuto Social de uma “organização religiosa”.

O procurador de justiça José Eduardo Sabo Paes, ao tratar da natureza jurídica “organização religiosa”, indica que as Igrejas ou entidades religiosas congregam pessoas segundo uma doutrina de fé e, como consequências, representam um modelo associativo atípico e merecedor de tratamento constitucional e legal específico com o claro resguardo da liberdade. (PAES, 2018, p. 17-18).

Já o “Manual de Procedimentos para o Terceiro Setor: aspectos de gestão e de contabilidade para entidades de interesse social”, de autoria do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), da Fundação Brasileira de Contabilidade (FBC) e da Associação de Procuradores e Promotores de Justiça de Fundações e Entidades de Interesse Social (PROFIS), aponta para a possibilidade das “organizações religiosas” desenvolverem finalidades e atividades mistas - “religiosidade e a profissão de fé” e “atividades voltadas para a coletividade”, como também indica que seus Estatutos Sociais, além dos requisitos do art. 46, do Código Civil, devem também conter aqueles dispostos no art. 54 relativos às associações - isto decorre do caráter “associativo atípico” das organizações religiosas -: “Assim como as associações, as organizações religiosas são pessoas jurídicas formadas por pessoas que se unem para a realização de atividades sem finalidade lucrativa, voltadas à religiosidade e à profissão de fé, muitas vezes realizando atividades voltadas para a coletividade” (CFC; FBC; PROFIS, 2015, p. 43).

E na sequência, de forma didática, presta alguns esclarecimentos e aponta os requisitos estatutários das “organizações religiosas”:

A instituição e constituição da organização religiosa assemelham-se à da associação. Nesse sentido, não existe controle estatal prévio dos seus atos constitutivos (ata de criação e estatuto), e não há necessidade de elaboração de escritura pública. Na organização religiosa, não existem sócios ou associados, mas, sim, “membros”. São pessoas integradas pela confissão de fé, por votos, por compromissos ou por vivência carismática existencial.

Os membros, como ocorre na associação, devem reunir-se em Assembleia Geral para a instituição da organização religiosa e decidir pela criação da pessoa jurídica, aprovando o seu estatuto e elegendo as pessoas que assumirão os cargos de sua administração. Em geral os cargos são diretivos e consultivos, tais como, Conselho Geral, Conselho Local, Diretoria, Conselho para Assuntos Econômicos e Fiscais e outros órgãos que julgarem oportunos e convenientes à vida da organização religiosa. Outro ponto importante é a definição de sua sede provisória ou definitiva.

A ata de instituição da organização religiosa, elaborada pela Assembleia Geral, deve conter:

a) explicitamente, a informação de se tratar de ata de instituição da organização religiosa;

b) o nome e a qualificação completa de cada membro fundador;

c) a pauta da reunião, na forma como convocada (instituição da organização religiosa, aprovação do estatuto, definição da sede provisória ou definitiva e eleição dos membros diretivos e consultivos).

A ata deve aprovar o estatuto da organização religiosa. Este deve conter, no mínimo, os seguintes requisitos legais, conforme dispõem os arts. 46 e 54 do Código Civil, combinados com o Art. 120 da Lei n.º 6.015/73 (Lei de Registros Públicos):

a) a denominação, os fins e a sede da organização religiosa;

b) o fundo social, quando houver;

c) o tempo de duração;

d) os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos membros;

e) os direitos e deveres dos membros;

f) se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais;

g) as fontes de recursos para sua manutenção;

h) o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos;

i) as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução;

j) o destino do patrimônio na hipótese de dissolução;

k) a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas;

l) o modo como a associação será representada, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente. (CFC; FBC; PROFIS, 2015, p. 52 – 53; grifamos).

Sobre o autor
Rodrigo Mendes Pereira

Consultor e advogado graduado em direito pela USP, doutor em serviço social pela PUC-SP, mestre em ciências da religião com ênfase em terceiro setor pela PUC-SP, especialista no MBA Gestão e Empreendedorismo Social pela FIA/USP, com diversos cursos de extensões em terceiro setor, projetos sociais e políticas sociais pela EAESP/FGV, pelo CEDEPE/PUC-SP e por outras instituições.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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