4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo explorou a teoria do "Direito Penal do Inimigo", proposta por Günther Jakobs, e suas implicações no cenário brasileiro. Jakobs defende que deve haver uma distinção entre "cidadãos" e "inimigos", sendo que estes, ao romperem o contrato social com suas ações, devem ser tratados de forma mais rigorosa pelo Estado, com a suspensão de algumas garantias processuais. No entanto, essa diferenciação levanta sérias questões éticas e jurídicas, sobretudo no que diz respeito à preservação das garantias fundamentais em situações de crise.
A prática de tratar inimigos de forma diferenciada não é inédita. Durante períodos de guerra ou crise, muitos países adotaram regimes de exceção para lidar com ameaças à segurança nacional. Um exemplo é o que ocorreu nos Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial, quando suspeitos de sabotagem de origem alemã foram tratados com severidade, como relatado por Matthias Blazek em The Enemy Within. No século XXI, após os ataques de 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos instituíram tribunais militares em Guantánamo, baseados na lógica do Direito Penal do Inimigo. Esses tribunais, como analisado por Oren Gross e Fionnuala Ní Aoláin em Guantánamo and Beyond, priorizavam a segurança nacional ao custo de reduzir as garantias processuais dos acusados.
No contexto brasileiro, a aplicação da teoria do Direito Penal do Inimigo pode ser observada em legislações voltadas ao combate ao terrorismo e ao crime organizado. A Lei Antiterrorismo (Lei n.º 13.260/2016) é um exemplo claro da adoção de medidas mais rigorosas para enfrentar ameaças à segurança pública. Segundo Eduardo Saad-Diniz, a legislação antiterrorista brasileira incorpora elementos da teoria de Jakobs, flexibilizando garantias processuais e impondo penas mais severas para suspeitos de terrorismo. Embora essas medidas tenham como justificativa a proteção da sociedade, elas suscitam preocupações quanto à possível violação de direitos fundamentais, como o devido processo legal.
A aplicação prática do Direito Penal do Inimigo também pode ser percebida no combate ao crime organizado, especialmente em regiões dominadas por facções criminosas. Operações policiais militarizadas em favelas e periferias, frequentemente marcadas por violência e violações de direitos humanos, demonstram como o Estado tende a tratar essas populações como "inimigas". Nesses casos, a presunção de inocência e o direito ao devido processo são frequentemente ignorados, resultando em impactos desproporcionais nas populações mais vulneráveis, especialmente nas áreas marginalizadas.
Outro desafio significativo na aplicação dessa teoria no Brasil está no uso indiscriminado de instrumentos como a delação premiada e a prisão preventiva prolongada. Embora sejam ferramentas legais, sua utilização excessiva frequentemente compromete o direito de defesa e a presunção de inocência, afetando de forma desproporcional indivíduos de baixa renda e moradores de áreas periféricas. Leonard B. Glick, em Enemies of the State, alerta para os riscos da radicalização das legislações antiterrorismo e de combate ao crime organizado, sugerindo que essas medidas podem abrir precedentes para abusos de poder e minar o Estado de Direito.
Apesar dessas preocupações, os defensores da aplicação de um sistema penal mais rigoroso argumentam que o Brasil enfrenta uma crise de segurança pública sem precedentes. O aumento da violência e a expansão das facções criminosas seriam razões suficientes para justificar a adoção de medidas mais severas e preventivas, visando proteger a sociedade. A Lei Antiterrorismo, por exemplo, foi criada com o objetivo de preparar o Brasil para lidar com possíveis ameaças terroristas. No entanto, sua implementação levanta questionamentos sobre seu impacto negativo nas garantias processuais e nos direitos humanos.
Diante disso, um dos principais desafios para o Brasil é encontrar um equilíbrio entre a necessidade de proteger a sociedade e a preservação dos direitos fundamentais. Embora o Direito Penal do Inimigo ofereça uma justificativa teórica para lidar com ameaças graves, sua aplicação deve ser cautelosa. A implementação de políticas de segurança pública mais severas, sem garantias suficientes para proteger os direitos humanos, pode resultar em abusos de poder e na marginalização de populações vulneráveis.
É fundamental que qualquer reforma legislativa ou mudança nas políticas de segurança pública seja conduzida de forma transparente, com a participação ativa da sociedade civil e de especialistas em direitos humanos. Somente por meio de um debate público aberto e inclusivo será possível assegurar que as medidas adotadas estejam em conformidade com a Constituição e respeitem os direitos fundamentais de todos os cidadãos. O Brasil deve resistir à tentação de radicalizar suas legislações em nome da segurança pública, garantindo que a justiça e a equidade prevaleçam no sistema penal.
Além disso, é essencial que o combate ao crime organizado e ao terrorismo seja complementado por políticas de prevenção e inclusão social. Melhorar as condições do sistema prisional, promover a reabilitação dos presos e criar oportunidades sociais são medidas indispensáveis para evitar que o sistema penal se transforme em um mecanismo de exclusão e marginalização. A superlotação das prisões brasileiras e o controle exercido por facções criminosas evidenciam a necessidade de uma abordagem mais equilibrada e sustentável.
Por fim, uma revisão contínua das políticas punitivas no Brasil é crucial para garantir que as medidas de segurança pública não comprometam os direitos fundamentais e os princípios do Estado Democrático de Direito. O equilíbrio entre proteger a sociedade e garantir os direitos humanos é uma tarefa delicada que requer atenção constante. A experiência internacional demonstra que regimes de exceção, como o Direito Penal do Inimigo, podem ser eficazes no curto prazo, mas têm o potencial de causar danos permanentes à estrutura jurídica e aos direitos individuais.
Portanto, este estudo conclui que, embora o Direito Penal do Inimigo ofereça uma base teórica para o enfrentamento de ameaças graves, sua aplicação no Brasil deve ser rigorosamente controlada e regulamentada. O país precisa buscar um equilíbrio entre segurança e justiça, garantindo que o sistema penal respeite os direitos humanos e os princípios constitucionais. Dessa forma, será possível construir uma sociedade mais justa e segura, com um sistema jurídico que promova tanto a proteção da segurança pública quanto a dignidade humana.
REFERÊNCIAS
BLAZEK, Matthias. The Enemy Within: The Inside Story of German Sabotage in America during World War I. CreateSpace Independent Publishing, 2011.
BRASIL. Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016. Regulamenta o disposto no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, dispõe sobre o terrorismo e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 mar. 2016.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
GLICK, Leonard B. Enemies of the State: The Radicalization of Anti-Terrorism Legislation. New York: Legal Publishing, 2021.
GROSS, Oren; NÍ AOLÁIN, Fionnuala (Eds.). Guantánamo and Beyond: Exceptional Courts and Military Commissions in Comparative Perspective. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.
JAKOBS, Günther. Direito Penal do Inimigo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 12, n. 47, p. 17-26, 2004.
SAAD-DINIZ, Eduardo. Direito Penal do Terrorismo. São Paulo: Saraiva, 2017.
YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.