Em recente decisão, O Supremo Tribunal Federal tratou do tema sobre prisão em sentença condenatória em Júri Popular. A inédita decisão permite ( o que antes não era possível), a prisão IMEDIATA (execução da pena imediata) nas decisões advindas do júri popular. Anteriormente, tal execução de pena, só era possível para penas a partir de 15 anos de reclusão, no entanto, no julgamento do RE 1235340 e com a formação do Tema 1068 que compreendeu em suma, que tal prevalência anterior relativiza as decisões do júri popular, restou firmado pelo STF a possibilidade de execução imediata da pena, mesmo que, inferiores a 15 anos de reclusão.
Sob o enfoque da acalorada discussão acerca de julgamento em segunda instância, que no mesmo Supremo Tribunal Federal trouxe aspectos atinentes a proteção do Princípio da Presunção de Inocência, tal nova compreensão acerca da execução imediata da pena no júri popular, mostra-se na "contramão" do aspecto protetivo constitucional de tal importante princípio, e que o respeito a tal princípio, aponta para o "caminho certo" de um processo penal constitucional.
Tendo em vista a incongruência operada pela compreensão em apreço, resta evidente, que a relativização na prática, não alcança as decisões do júri, conforme entendido pelo Supremo Tribunal Federal, mas relativiza TODA A SOCIEDADE de modo negativo acerca da possibilidade de antecipação de pena em determinado rito, e não nos demais. Ora, se restou consignado que a execução penal de regra só mostra-se possível após o esgotamento de todas as instâncias de julgamento, e a partir do trânsito em Julgado o cidadão poderá ter o início de sua execução penal, qual seria o motivo para que isso seja relativizado em relação as decisões advindas do conselho de sentença no julgamento de crimes dolosos contra a vida?
O próprio STF, deixa registrado que a possibilidade de execução de pena em segunda instância, é acima de tudo observância ao diploma processual penal,notadamente, ao seu art. 283, que observa de forma implícita o princípio da presunção de inocência, conforme registrado em trecho de entendimento disposto pelo Plenário do Supremo, no julgamento da ADC 43/DF, ADC 44/DF e ADC 54/DF, Min. Relator Marco Aurélio, julgados em 07/11/2019:
"O art. 283 do CPP, que exige o trânsito em julgado da condenação para que se inicie o cumprimento da pena, é constitucional, sendo compatível com o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da CF/88. Assim é proibida a chamada execução provisória da pena. Cale ressaltar que é possível que o réu seja preso antes do trânsito em julgado (antes do esgotamento de todos os recursos), no entanto, para isso, é necessário que seja proferida uma decisão judicial individualmente fundamentada, na qual o magistrado demonstre que estão presentes os requisitos previstos no art. 312 do CPP. Dessa forma, o réu até pode ficar preso antes do trânsito em julgado, mas cautelarmente (preventivamente), e não como execução provisória da pena"
No julgamento do RE 1235340 formando o tema 1.068, a superação de tal entendimento acerca da execução provisória da pena em relação ao júri popular, não se mostra aparelhado com o princípio da presunção de inocência, e a utilização do argumento acerca da soberania dos veredictos, não se mostra plausível. Delineia-se também incongruência ao princípio isonomia. A isonomia, outro principio constitucional, garante o tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais na medida de suas desigualdades. O exemplo mais clássico de uma isonomia formal dentro do ordenamento jurídico brasileiro vem da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, que apresenta:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.
Aos acusados em processo penal que independentemente do Rito que se siga, se mostra a compreensão tanto legislativa quanto constitucional acerca da importância da produção de todos os meios de defesa, conferindo o direito de defesa, em respeito aos também princípios do contraditório e a ampla defesa (Art. 5º, inciso LV CF/88) e NO JÚRI a chamada amplitude de defesa, mostrando neste rito em específico a possibilidade de maior alcance dos meios de defesa, tratando-se de um Tribunal Popular que necessita obviamente afastar-se de jargões forenses e letra de lei apenas, trazendo um aspecto ISONÔMICO a tal posição de ordem constitucional. Então, qual seria o motivo de verdadeira "antecipação de pena" no rito do júri popular?
Outra questão de evidente alcance com tal compreensão, é o perigo acerca de erros judiciários. Levantamento mostra que 40 milhões de processos no país possuem algum tipo de erro! Infelizmente, consta uma grande realidade o número alarmante de condenações injustas, e no tribunal do júri, isso também se aplica. Tratando -se de um tribunal que julga um perfil de réu, geralmente de classe média baixa, onde não possui recursos inclusive para arcar com vultuosos honorários advocatícios de advogados particulares, tendo em vista a gravidade da demanda e a complexidade de tal rito, muitos, mesmo defendidos pelas defensorias públicas do país, e que na prática, encontram-se extremamente saturadas de demandas, não possuem de fato extrema proteção de defesa e garantias constitucionais muitas vezes.
Resta coeso implicar compreensão diversa acerca da execução provisória de pena para esses grupos? A gravidade do crime cometido acerca deste rito, não consta maior por exemplo, do que crimes de outras naturezas, a exemplo do Latrocínio que é um crime patrimonial e o estupro, que é um crime contra a dignidade sexual, sendo que nestes últimos, ainda há a garantia de execução da pena somente após o trânsito em julgado.
Portanto, mostra-se evidente que a proteção acerca da presunção de inocência, pressuposto de um processo penal constitucional (seja ele de qual rito for) não deve apenas e tão somente observar, o quantum da pena imposta a certo rito. O pressuposto simplificado e objetivo compreendido pelo Supremo Tribunal Federal, não deve prevalecer acerca de tal importante Princípio. A soberania dos veredictos, embora seja de extrema relevância constitucional, não pode se sobrepor a outro elemento constitucional que é a presunção de inocência, conjugada com a isonomia. Além disso, pode se dispor que tal discussão ainda, seja atinente a colisão de normas constitucionais, o que acarretaria uma enorme gama de observações, sendo talvez discussão para outro artigo.
Fonte:
https://justapenabr.com.br/artigos/erros-judiciarios-no-brasil/