Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Entendimento do Supremo Tribunal Federal- decisão acerca de prisão imediata em júri popular, presunção de inocência e Isonomia- Como Ficam?

Agenda 24/10/2024 às 12:20

Em recente decisão, O Supremo Tribunal Federal tratou do tema sobre prisão em sentença condenatória em Júri Popular. A inédita decisão permite ( o que antes não era possível), a prisão IMEDIATA (execução da pena imediata) nas decisões advindas do júri popular. Anteriormente, tal execução de pena, só era possível para penas a partir de 15 anos de reclusão, no entanto, no julgamento do RE 1235340 e com a formação do Tema 1068 que compreendeu em suma, que tal prevalência anterior relativiza as decisões do júri popular, restou firmado pelo STF a possibilidade de execução imediata da pena, mesmo que, inferiores a 15 anos de reclusão.

Sob o enfoque da acalorada discussão acerca de julgamento em segunda instância, que no mesmo Supremo Tribunal Federal trouxe aspectos atinentes a proteção do Princípio da Presunção de Inocência, tal nova compreensão acerca da execução imediata da pena no júri popular, mostra-se na "contramão" do aspecto protetivo constitucional de tal importante princípio, e que o respeito a tal princípio, aponta para o "caminho certo" de um processo penal constitucional.

Tendo em vista a incongruência operada pela compreensão em apreço, resta evidente, que a relativização na prática, não alcança as decisões do júri, conforme entendido pelo Supremo Tribunal Federal, mas relativiza TODA A SOCIEDADE de modo negativo acerca da possibilidade de antecipação de pena em determinado rito, e não nos demais. Ora, se restou consignado que a execução penal de regra só mostra-se possível após o esgotamento de todas as instâncias de julgamento, e a partir do trânsito em Julgado o cidadão poderá ter o início de sua execução penal, qual seria o motivo para que isso seja relativizado em relação as decisões advindas do conselho de sentença no julgamento de crimes dolosos contra a vida?

O próprio STF, deixa registrado que a possibilidade de execução de pena em segunda instância, é acima de tudo observância ao diploma processual penal,notadamente, ao seu art. 283, que observa de forma implícita o princípio da presunção de inocência, conforme registrado em trecho de entendimento disposto pelo Plenário do Supremo, no julgamento da ADC 43/DF, ADC 44/DF e ADC 54/DF, Min. Relator Marco Aurélio, julgados em 07/11/2019:

"O art. 283 do CPP, que exige o trânsito em julgado da condenação para que se inicie o cumprimento da pena, é constitucional, sendo compatível com o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da CF/88. Assim é proibida a chamada execução provisória da pena. Cale ressaltar que é possível que o réu seja preso antes do trânsito em julgado (antes do esgotamento de todos os recursos), no entanto, para isso, é necessário que seja proferida uma decisão judicial individualmente fundamentada, na qual o magistrado demonstre que estão presentes os requisitos previstos no art. 312 do CPP. Dessa forma, o réu até pode ficar preso antes do trânsito em julgado, mas cautelarmente (preventivamente), e não como execução provisória da pena"

No julgamento do RE 1235340 formando o tema 1.068, a superação de tal entendimento acerca da execução provisória da pena em relação ao júri popular, não se mostra aparelhado com o princípio da presunção de inocência, e a utilização do argumento acerca da soberania dos veredictos, não se mostra plausível. Delineia-se também incongruência ao princípio isonomia. A isonomia, outro principio constitucional, garante o tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais na medida de suas desigualdades. O exemplo mais clássico de uma isonomia formal dentro do ordenamento jurídico brasileiro vem da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, que apresenta:

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

Aos acusados em processo penal que independentemente do Rito que se siga, se mostra a compreensão tanto legislativa quanto constitucional acerca da importância da produção de todos os meios de defesa, conferindo o direito de defesa, em respeito aos também princípios do contraditório e a ampla defesa (Art. 5º, inciso LV CF/88) e NO JÚRI a chamada amplitude de defesa, mostrando neste rito em específico a possibilidade de maior alcance dos meios de defesa, tratando-se de um Tribunal Popular que necessita obviamente afastar-se de jargões forenses e letra de lei apenas, trazendo um aspecto ISONÔMICO a tal posição de ordem constitucional. Então, qual seria o motivo de verdadeira "antecipação de pena" no rito do júri popular?

Outra questão de evidente alcance com tal compreensão, é o perigo acerca de erros judiciários. Levantamento mostra que 40 milhões de processos no país possuem algum tipo de erro! Infelizmente, consta uma grande realidade o número alarmante de condenações injustas, e no tribunal do júri, isso também se aplica. Tratando -se de um tribunal que julga um perfil de réu, geralmente de classe média baixa, onde não possui recursos inclusive para arcar com vultuosos honorários advocatícios de advogados particulares, tendo em vista a gravidade da demanda e a complexidade de tal rito, muitos, mesmo defendidos pelas defensorias públicas do país, e que na prática, encontram-se extremamente saturadas de demandas, não possuem de fato extrema proteção de defesa e garantias constitucionais muitas vezes.

Resta coeso implicar compreensão diversa acerca da execução provisória de pena para esses grupos? A gravidade do crime cometido acerca deste rito, não consta maior por exemplo, do que crimes de outras naturezas, a exemplo do Latrocínio que é um crime patrimonial e o estupro, que é um crime contra a dignidade sexual, sendo que nestes últimos, ainda há a garantia de execução da pena somente após o trânsito em julgado.

Portanto, mostra-se evidente que a proteção acerca da presunção de inocência, pressuposto de um processo penal constitucional (seja ele de qual rito for) não deve apenas e tão somente observar, o quantum da pena imposta a certo rito. O pressuposto simplificado e objetivo compreendido pelo Supremo Tribunal Federal, não deve prevalecer acerca de tal importante Princípio. A soberania dos veredictos, embora seja de extrema relevância constitucional, não pode se sobrepor a outro elemento constitucional que é a presunção de inocência, conjugada com a isonomia. Além disso, pode se dispor que tal discussão ainda, seja atinente a colisão de normas constitucionais, o que acarretaria uma enorme gama de observações, sendo talvez discussão para outro artigo.

Fonte:

https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/entenda-stf-vai-decidir-se-soberania-da-decisao-do-tribunal-do-juri-permite-prisao-imediata-de-condenado/

https://justapenabr.com.br/artigos/erros-judiciarios-no-brasil/

Sobre o autor
Mariana Santos Chaves

Advogada Criminalista

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!