SHAKESPEARE, William. In: (The Merchant of Venice, EUA/2004) 10 de janeiro de 2023, 02h07min33s. Justiça, vingança e preconceito; a obra teve seu roteiro e direção elaborado por Michael Radford explora temas como amizade, vingança e preconceito, além de revelar as dificuldades e injustiças sociais de seu período.
1) INTRODUÇÃO
No caso ora em estudo o Mercador de Veneza é um filme abalizado na peça de William Shakespeare, que descreve a história de Antônio, um comerciante cristão que toma um empréstimo de Shylock, um judeu em Veneza. Shylock impõe uma condição rigorosa: se Antônio não puder pagar a dívida, deverá entregar uma libra de sua carne. Quando Antônio não consegue cumprir o acordo, o caso vai a julgamento (YouTube. 10 de jan. de 2023).
Conforme pode-se extrair de Gomes (2022, pág.: 37) antevê-se relevância na obra que traz discussões sobre princípios contratuais, autonomia da vontade e as limitações da justiça, destacando tanto a necessidade de cumprir contratos quanto a importância dos direitos humanos. O desfecho suscita reflexões sobre o papel da justiça e os limites éticos da punição, bem como sobre o impacto da intolerância e do preconceito na aplicação das leis (GOMES, 2022, pág.: 37).
2) A RESENHA CRÍTICA
Nessa vereda o Mercador de Veneza é uma obra cinematográfica visualmente impressionante e dramaticamente poderosa, impulsionada por atuações convincentes, especialmente de Pacino. O enredamento dos personagens e aquilo que pode ter mais do que um sentido moral, proporcionam uma experiência abastada no espectador, outrossim, poderá também poder ser desconfortável e desafiadora para a plateia mais moderna.
3) CONCEITOS DE CONTRATO E GARANTIAS ENVOLVIDAS
Ora, face as considerações no filme, analisa-se por Pereira (2024, pág.: 39) que o contrato é estabelecido com uma condição extremamente rígida – caso Antônio não consiga pagar o empréstimo, Shylock poderá exigir uma libra de sua carne como pagamento. Esse tipo de contrato remete à ideia de uma garantia pessoal atípica, onde o próprio devedor coloca em risco sua integridade física, algo que, na visão moderna, seria considerado abusivo e contrário aos princípios fundamentais do direito civil (PEREIRA, 2024, pág.: 39).
4) GARANTIA PESSOAL E PENALIDADE
Nesse sentido, oportuna é a exposição que a libra de carne representa uma penalidade drástica e não usual, caracterizando o contrato como um acordo desproporcional e lesivo à integridade física do devedor. Na época de Shakespeare, tais penalidades extremas ainda eram aceitas em certos contextos, mas hoje elas seriam consideradas inválidas, pois ferem os direitos fundamentais e a dignidade humana, princípios que pautam o ordenamento jurídico atual.
5) VALIDADE JURÍDICA DO CONTRATO NA ÉPOCA E ATUAL
À propósito Tartuce (2023, pág.: 582) inculca que durante o período retratado no filme, a justiça poderia reconhecer tal contrato como válido, pois o entendimento jurídico da época não era pautado por princípios de proteção à integridade física e dignidade humana, como o é atualmente. A palavra dada e o pacto assinado carregavam um peso absoluto, e a execução do contrato era vista como uma questão de honra e justiça, independentemente das consequências. No ordenamento jurídico contemporâneo, um contrato como esse seria considerado nulo. De acordo com o Código Civil brasileiro e com a Convenção de Direitos Humanos, qualquer cláusula que comprometa a integridade física ou a dignidade humana do devedor é inválida. A cláusula penal desproporcional, como a exigência da libra de carne, violaria princípios fundamentais de ordem pública, como a função social do contrato e a boa-fé objetiva (TARTUCE, 2023, pág.: 582).
6) PRINCÍPIOS CONTRATUAIS IDENTIFICADOS E JUSTIFICAÇÃO CIVILISTA
Ora, face as considerações esse princípio permite que as partes escolham livremente os termos do contrato, Tartuce (2023, pág.: 582) respeitando sua vontade e autonomia. A autonomia da vontade no contrato entre Antônio e Shylock é explícita, pois ambos concordam com a cláusula penal de maneira voluntária. Contudo, esse princípio é limitado pela necessidade de respeito aos direitos fundamentais e pela prevenção de cláusulas abusivas e danosas. A obrigatoriedade do contrato, ou "pacta sunt servanda ", é um princípio fundamental dos contratos. Ele dita que o acordo firmado entre as partes deve ser cumprido. Contudo, o Código Civil contemporâneo e a doutrina jurídica reconhecem a exceção da "função social do contrato" e da "boa-fé objetiva", que limitam o pacta sunt servanda quando o cumprimento integral da obrigação se mostra abusivo ou viola direitos fundamentais (TARTUCE, 2023, pág.: 582).
7) DOUTRINA CIVILISTA E REFLEXÃO FINAL
Assim, importa dizer que a doutrina civilista moderna, um contrato deve equilibrar os interesses das partes, respeitar os direitos fundamentais e estar de acordo com a função social e a boa-fé objetiva. O contrato de O Mercador de Veneza serve como um exemplo clássico para problematizar o limite entre a autonomia contratual e a necessidade de intervenção jurídica em casos de cláusulas abusivas.
Pode-se inferir, ensina Venosa (2024, pág.: 65) que o contrato de Shylock e Antônio demonstra como a evolução dos princípios contratuais e dos direitos humanos modificou o entendimento da validade jurídica dos contratos ao longo do tempo. Doutrinadores como Orlando Gomes e Caio Mário da Silva Pereira defendem que o contrato deve preservar a dignidade das partes e respeitar os limites da autonomia privada, princípios que orientam a interpretação e a aplicação do direito civil atualmente (VENOSA, 2024, pág.: 65).
8) ARGUMENTOS FAVORÁVEIS AO JULGAMENTO FINAL
1/2 - Respeito ao Princípio da Legalidade: O tribunal seguiu as cláusulas estipuladas no contrato, respeitando o princípio da legalidade. A corte argumenta que, uma vez que Antônio concordou com os termos, ele deveria honrar o acordo. Este argumento sustenta o valor do cumprimento dos contratos (pacta sunt servanda), que era fundamental para as relações comerciais e jurídicas na época.
2/2 - Justiça Poética contra Shylock: A decisão final, que permite a execução da pena desde que não se derrame sangue (o que torna impossível a extração de uma libra de carne sem ferir Antônio), é interpretada por muitos como uma justiça poética. Ela demonstra que Shylock, ao exigir algo extremo e cruel, acaba recebendo uma punição proporcional ao seu desejo de vingança, perdendo seus bens e sofrendo uma sanção moral e legal.
9) ARGUMENTOS CONTRÁRIOS AO JULGAMENTO FINAL
1/2 - Preconceito contra Shylock: O julgamento final pode ser visto como resultado de preconceito e intolerância religiosa. Shylock, sendo judeu, é tratado com hostilidade pelo tribunal e pela sociedade em geral. A decisão o obriga a converter-se ao cristianismo, o que demonstra uma punição que extrapola o âmbito do contrato e adentra uma esfera pessoal e religiosa, violando seu direito à identidade cultural e religiosa.
2/2 - Quebra da Autonomia Contratual: Embora o contrato tenha sido considerado válido ao longo do julgamento, a decisão final o anula parcialmente ao incluir condições (como a proibição de derramar sangue). Isso representa uma intervenção da corte nos termos acordados, o que contradiz a autonomia da vontade e pode ser visto como uma manipulação das regras para favorecer Antônio, questionando a imparcialidade do julgamento.
10) REFERENCIAS
RADFORD, Michael, Filme: O Mercador de Veneza, 2004. 02h07min33s. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=kVCfjsgobq4>. Acesso em: 15 out. 2024, às 15h54min.
GOMES, Orlando. Contratos. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. E-book. Pág.: 36. ISBN 9786559645640. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786559645640/. Acesso em: 16 out. 2024 às 19h00min.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito das Sucessões. v.VI. 29ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024. E-book. P.: 39 ISBN 9786559649082. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786559649082/. Acesso em: 17 out. 2024 às 20h17min.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume Único. 13ª ed. Rio de Janeiro: Método, 2023. E-book. p. 582. ISBN 9786559646999. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786559646999/. Acesso em: 18 out. 2024 às 21h10min.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Reais. v.4. 24ª ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2024. E-book. p. 65. ISBN 9786559775859. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786559775859/. Acesso em: 19 out. 2024 às 22h30min.