Resenha da obra “União Européia: história e geopolítica”, de Demétrio Magnoli
Review of the work “European Union: history and geopolitics”, by Demétrio Magnoli
Rogério Duarte Fernandes dos Passos
Resumo
Resenha da obra “União Européia: história e geopolítica”, de Demétrio Magnoli, analisando a construção geopolítica europeia, tendo como um dos marcos o atributo da supranacionalidade.
Abstract
Review of the work “European Union: history and geopolitics”, by Demétrio Magnoli, analyzing the European geopolitical construction, having as one of the landmarks the attribute of supranationality.
Palavras-Chave: União Europeia. Construção geopolítica da Europa. História europeia e supranacionalidade.
Keywords: European Union. Geopolitical construction of Europe. European history and supranationality.
Resenha. MAGNOLI, Demétrio. União Européia: história e geopolítica. São Paulo: Moderna, 4ª ed., 1995, 80 p.
Sobre o autor
Demétrio Magnoli é jornalista e cientista social, mestre e doutor em geografia humana pela Universidade de São Paulo, sendo também conceituado analista político nas mídias jornalísticas brasileiras.
Sobre a obra
Em "União Européia: história e geopolítica", em sua 4ª edição de 1995, com 80 páginas, publicada pela Editora Moderna, de São Paulo, Demétrio Magnoli analisa histórica e politicamente a construção do espaço que se chama "Europa", sequer um continente autônomo, e como o autor destaca, ficticiamente separado da Ásia pelos Montes Urais, e no tempo presente alicerçado em torno de uma crise que possui como epicentro a reunificação alemã ("Deutsche Wiedervereinigung"), de 1990, apta a colocar o país novamente em uma posição de destaque regional e que causa preocupações e desconfortos nas demais potências da região.
Após trazer um competente histórico do caminhar europeu até o momento político contemporâneo, Magnoli alcança o Tratado de Maastricht, assinado em 07 de Fevereiro de 1992, o "Tratado da União Europeia" (TUE), que pavimentou a superação do mero mercado comum da então Comunidade Econômica Europeia e, mesmo, os marcos estabelecidos pela Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e da Comunidade Europeia de Energia Atômica, em direção do arcabouço da maior entidade integracionista que hoje conhecemos – a própria União Europeia (UE) –, edificando, outrossim, as possibilidades de apaziguamento dos interesses germânicos e franceses, ao lado da institucionalmente difícil participação britânica – tradicionalmente alinhada em sua política externa aos Estados Unidos da América e inclinada a acordos bilaterais tradicionais de direito internacional público –, e que, aqui acrescentamos, no bojo de suas disputas internas, acabou por utilizar o mecanismo contido no artigo 50º do TUE e concluir formalmente a sua saída da UE em 31 de Janeiro de 2020.
Ao lado de todo o repositório histórico e normativo citado na obra, destaca-se na obra de Demétrio Magnoli o caráter original de organização internacional e bloco econômico construído na UE em face do princípio da supranacionalidade, que afastando-se do tradicional formato intergovernamental, outorga a esse organismo regional aquilo que ele conclui ser uma “fusão de soberanias”, representada nas competências estabelecidas em favor das autoridades europeias em diferentes domínios administrativos. Nas palavras do autor,
"A soberania comunitária deriva de uma abdicação parcial de soberanias por parte dos Estados. Por força dos tratados que firmaram livremente, os Estados abrem mão da posse exclusiva de certas competências e as compartilham com os parceiros comunitários. Ocorre, portanto, uma fusão de soberanias dentro dos limites fixados pelos tratados.
Os poderes próprios da Comunidade são exercidos e controlados por "instituições européias", sediadas em Bruxelas (Bélgica), Estrasburgo (França) e Luxemburgo. Tais instituições funcionam como um "governo comunitário", que assume as atribuições de que os Estados-membros abdicaram" [primeiras aspas no itálico no texto original e grafia vigente da Língua Portuguesa à época] (MAGNOLI, 1995, p. 46).
De fato, a supranacionalidade é uma característica que não vemos em outros blocos econômicos ou organizações internacionais, outorgando à UE uma feição deveras original no bojo do direito internacional público e no interior da teoria das relações internacionais, ainda que permaneça em sua estrutura o desafio de proporcionar ao Parlamento Europeu – sediado em Estrasburgo – um papel de maior destaque, especialmente diante da perspectiva de dotar a entidade de maior legitimidade democrática.
Nessa estrutura institucional, com muitos órgãos decisórios dos Estados-membros depositados no âmbito europeu, por óbvio, não podemos nos esquecer do Tribunal de Justiça da União Europeia, assim renomeado pelo Tratado de Lisboa de 2009, e que, como assinala Magnoli,
"A atividade do Tribunal de Justiça reflete o surgimento de um direito comunitário, que se superpõe aos direitos nacionais, e os subordina, no âmbito das questões ligadas aos tratados. Assim, suas decisões têm força de lei nos países-membros, aplicando-se diretamente a Estados, pessoas jurídicas e particulares" (MAGNOLI, 1999, p. 49).
Ainda que trazendo uma jurisprudência uniformizadora para muitos dos contornos comunitários, a Europa e a própria UE estão distantes de se tornarem um "projeto pronto", especialmente por conta da demografia e das diferenças macroeconômicas e, mesmo, de desenvolvimento, bem exploradas e delineadas no texto, donde temos áreas de grande prosperidade, como as da antiga Alemanha Ocidental anterior à reunificação e, outras, necessitadas de melhor avanço, como as do "Mezzogiorno" italiano e as da própria ex-Alemanha Oriental, em grande carência. Ademais, a Política Agrícola Comum representa outro desafio, sobretudo, em face dos enormes subsídios à (super) produção e ao mercado interno europeu devidamente protegido, em uma perspectiva distante das políticas de livre comércio que orientam o ideal cooperacionista em âmbito global.
Em ínterim contínuo, ressalte-se, os temas da circulação de cidadãos não comunitários e imigração. Instituída a cidadania da União, ela se coloca em um dos pilares conceituais do mercado comum que previu, justamente, a livre circulação de pessoas e capitais, embora haja o marco da Convenção de Schengen de 1985, com o duplo tratamento dos residentes no espaço europeu, naquilo que Demétrio Magnoli, "in verbis", nos explicou:
"A Convenção de Schengen define um duplo tratamento para os residentes da CE [então Comunidade Europeia]. Aos naturais da Comunidade (pessoas nascidas nos Estados-membros) ficam assegurados os direitos de circulação previstos. Já os demais residentes ficam impedidos de mudar livremente de país de residência no interior do espaço comunitário. Mesmo para a travessia temporária de fronteiras, eles devem estar em situação legal perante o Serviço de Imigração do seu país de residência e comunicar o objetivo do deslocamento. A Convenção prevê ainda a criação de um sistema internacional de registro de "personas non gratas", que tenham vedado o direito de circulação. Finalmente, estabelece a perda do direito de residência aos não-naturais acusados de fraudar documentos de deslocamento" [inserção nossa entre os colchetes e trecho destacado em aspas grifado no original com itálico] (MAGNOLI, 1999, p. 59-60).
Os aspectos da integração em curso na Europa são muitos, estando, em um panorama geral, globalmente abordados em "União Européia: história e geopolítica", de Demétrio Magnoli, restando, ainda ao leitor, a perspectiva de aguardar os novos delineamentos de uma UE que se move em um arranjo ousado que tenta lhe manter um lugar de destaque em uma sociedade internacional com grandes disputas competitivas no plano geopolítico, ainda com a memória de continente arrasado por duas guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945) por conta de rivalidades, em boa medida, gestadas no bojo das complexas relações franco-germânicas. E como conclusão desse escorço histórico-político-jurídico, as considerações de bases realistas (em âmbito de teoria das relações internacionais) do próprio Magnoli, quase proféticas, sobretudo, em face da impactante saída britânica da UE:
"A "Europa das Pátrias" está em rápida reconstituição. A partir de agora, a União esvazia-se das suas pretensões utópicas de invenção de uma "pátria européia". Ela poderá no máximo – e mesmo isso é duvidoso – consolidar-se como megabloco econômico e plataforma concorrencial para os conglomerados empresariais do continente. Não é grande coisa, perto das esperanças e ilusões de outra época" [aspas no original] (MAGNOLI, 1995, p. 78).