Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A tentativa de entrega de drogas no sistema prisional e a responsabilidade penal do interno

Agenda 28/10/2024 às 18:56

A situação concreta pertinente à tentativa de entrega de substâncias entorpecentes no sistema prisional, por ordens de internos, é deveras frequente.

Nessa linha, é muito comum que internos de unidades prisonais determinem, ou solicitem que alguém, que não se encontra custodiado, lhe entregue droga, em dia de visita.

Se a droga for efetivamente entregue ao interno, não há dúvida que ele e o portador da aludida substância respondem pelo crime inserto no art. 33, da Lei 11343/06 (tráfico de drogas)1.

Nesse passo, o portador incorre no referido tipo penal, pois traz consigo e fornece droga a terceira pessoa (qual seja, o interno do conjunto penal). Por seu turno, a pessoa custodiada - que solicitou, ou ordenou a entrega do entorpecente -, mantém em depósito, ou traz consigo2 a droga recebida.

Noutro giro de enfoque, se a droga for interceptada antes da efetiva entrega ao interno da unidade prisional, o portador responderá pelo delito de tráfico de drogas, já que trouxe consigo substância entorpecente para a entrega a terceiro.

Cumpre perquirir, portanto, qual a responsabilidade penal do interno da unidade prisional que solicita, ou ordena que alguém lhe entregue droga, mas a citada substância é interceptada no ato de revista do visitante do conjunto penal.

O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento, segundo o qual a mera solicitação, sem a efetiva entrega do entorpecente ao destinatário no estabelecimento prisional, configura, no máximo, ato preparatório e, sendo assim, impunível. Assim sendo, o interno não responderia por qualquer prática delitiva.


Nesse sentido, eis o seguinte julgado do referido Tribunal Superior:


“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DECISÃO CONCESSIVA DA ORDEM. SOLICITAÇÃO DE ENTREGA DE DROGA EM PRESÍDIO. ENTORPECEDENTE INTERCEPTADO EM REVISTA ANTES DE SER ENTREGUE AO PRESO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. detecção de drogas (maconha e cocaína) no pacote que seria destinado ao agravado, levado por sua genitora.

2. Não há como imputar ao agravado qualquer conduta que possa configurar o início do iter criminis do delito de tráfico de drogas.

3. A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que a mera solicitação, sem a efetiva entrega do entorpecente ao destinatário no estabelecimento prisional, pode configurar mero ato preparatório, sendo portanto, impunível em razão da atipicidade de sua conduta. precedentes.

4. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no HC n. 851.829/SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 11/6/2024, DJe de 25/6/2024.)


Ocorre, no entanto, que, concessa venia, a questão deve ser analisada sob outro prisma jurídico.

Com efeito, atua na condição de partícipe do crime de tráfico de drogas aquele que solicita a outrem que ingresse no estabelecimento prisional e lhe efetue a entrega de substância entorpecente.


No ponto, ao solicitar a outra pessoa que lhe entregue a droga na unidade prisional, o agente induz, ou, ao menos instiga, a prática do delito.


Saliente-se, por oportuno que: i) a pessoa que ingressa na unidade prisional - para entregar droga a alguém que, ali, se encontra preso -, comete o crime de tráfico de entorpecentes, já que, enfatize-se, traz consigo a referida substância, para a entrega a terceiros (art. 33, caput, da Lei 11343/06); ii) a pessoa que está presa, ao solicitar a entrega da droga, incute a ideia criminosa naquele que ingressará com o entorpecente na unidade prisional; iii) pelo menos, há a instigação à prática do crime sob enfoque, quando o seu executor já pretendia cometer o delito e é, para tanto, estimulado com a solicitação da pessoa que se encontra custodiada no Presídio.


Nessa linha intelectiva, sobreleve-se que o crime de tráfico de drogas é de ação múltipla e conteúdo variado, de modo que a sua consumação independe da efetiva venda, ou entrega do entorpecente, bastando que o agente incorra em qualquer dos núcleos previstos no tipo penal inserto no art. 33, caput, da Lei 11343/06.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos


No ponto, traz-se a cotejo o entendimento deste Colendo Superior Tribunal de Justiça:


“RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. ATOS MERAMENTE PREPARATÓRIOS. NÃO CONFIGURAÇÃO. CONSUMAÇÃO DO CRIME. DELITO UNISSUBSISTENTE. RECURSO PROVIDO.

1. O crime descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 é unissubsistente, de maneira que a realização da conduta esgota a concretização do delito. Inconcebível se falar, por isso mesmo, em meros atos preparatórios.

2. É desnecessária, para a configuração do delito previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, que a substância entorpecentes seja encontrada em poder do acusado ou que haja a efetiva tradição ou entrega da substância entorpecente ao seu destinatário final.

Basta a prática de uma das dezoito condutas relacionadas a drogas para que haja a consumação do ilícito penal. Precedentes.

3. Em razão da multiplicidade de verbos nucleares previstos no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 (crime de ação múltipla ou de conteúdo variado), inequívoca a conclusão de que o delito ocorreu em sua forma consumada, na modalidade "adquirir" em relação aos acusados Wagner, Paulo e Roger e nas modalidades "oferecer", "fornecer", "preparar" e "remeter" em relação a Emerson. Vale dizer, antes mesmo da apreensão do entorpecente no estabelecimento prisional, o delito já havia se consumado em relação a Wagner, Paulo e Roger com o "adquirir" (no caso, 1,98 g de crack, 3,07 g de cocaína e 20,58 g de maconha), sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. De igual forma, o delito também se consumou em relação a Emerson, pois, ainda que os entorpecentes não houvessem sido encontrados com ele, este acusado ficou responsável por intermediar a compra das drogas, "oferecendo-as" aos outros acusados, bem como por "prepará-las" nas embalagens de material de higiene a serem entregues no presídio.

4. Recurso provido, nos termos do voto do relator.

(REsp n. 1.384.292/MG, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 10/3/2020, DJe de 17/3/2020 – grifo nosso).

Numa palavra, comete o crime de tráfico de drogas aquele que traz consigo substância entorpecente, para entrega a terceiro, que se encontra no estabelecimento prisional. Sobreleve-se, outrossim, que o crime resta consumado, ainda que o agente seja interceptado, no ato da revista na unidade prisional, e a droga não chegue ao seu destinatário.


Noutro giro, como é cediço, o Código Penal, no art. 29, caput, adotou a teoria monista, ao dispor que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.


Nessa toada, aquele que solicita a terceira pessoa que ingresse no estabelecimento prisional e lhe entregue drogas concorre decisivamente para a prática do citado crime, pois induz, ou ao menos instiga, o autor a cometer o delito.


Ora, o crime não seria cometido, se o interno da unidade prisional não houvesse solicitado ao agente que trouxesse consigo drogas, para a entrega no interior do presídio.


No que tangencia à participação delitiva, nas modalidades “induzir” ou “instigar”, cabe transcrever a lição da doutrina, litteris:


“Induzir ou determinar é criar, incutir, colocar, fazer brotar a ideia criminosa da cabeça do agente/autor. Nessa modalidade de participação, o autor não tinha a ideia criminosa, cuja semente lhe é lançada pelo partícipe.” (Rogério Greco, Código Penal Comentado, 13ª edição, Impetus, p. 139).


“Não se deve olvidar, entretanto, que nem todos agem da mesma forma e nas mesmas condições, embora todos desejem contribuir com sua ação numa conduta punível. Alguns praticam o fato típico, ao passo que outros meramente se limitam a instigar, induzir ou dar suporte material ou moral.

(…)

A instigação é uma espécie de participação moral em que o partícipe age sobre a vontade do autor, quer provocando para que surja nele a vontade de cometer o crime (induzimento), quer estimulando a ideia existente, que é a instigação propriamente dita, mas, de qualquer modo, contribuindo moralmente para a prática do crime.” (BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. 18ª edição. São Paulo. Editora Saraiva. 2012).


Logo, na hipótese sob comento, a conduta do interno do conjunto penal é típica, pelo menos, sob o prisma da participação.


Noutro giro de enfoque, a tipicidade da conduta do interno da unidade prisional também pode ser depreendida sob o ângulo da teoria do domínio do fato.


Nessa toada, o interno do conjunto penal incorrerá como coautor do delito de tráfico de drogas, caso possua o conhecimento prévio e pleno domínio sobre a conduta da pessoa que, seguindo o que por ele indicado, ingressar no presídio com as substâncias entorpecentes para a entrega (difusão).


Noutras palavras, a hipótese acima descrita se configurará, quando o interno detiver o controle final do fato, dominando toda a empreitada delituosa, com plenos poderes para decidir sobre sua prática e as correlatas circunstâncias.


Nessa linha de entendimento, traz-se à colação precedente do Superior Tribunal de Justiça:


AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. CONDENAÇÃO. DOMÍNIO DO FATO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Tendo o réu conhecimento prévio e pleno domínio da conduta da corré, que tentou ingressar com droga em estabelecimento prisional, deve ser condenado pelo delito de tráfico de drogas. 2. É desnecessária, para a configuração do delito de tráfico, a efetiva tradição ou entrega da substância entorpecente ao seu destinatário final. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ - AgRg no AREsp: 483235 BA 2014/0049529-0, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 25/09/2018, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/10/2018 – g.n.)

Destarte, não merece ser acolhida a tese de atipicidade da conduta do interno que solicita, ou ordena que terceira pessoa ingresse com droga no sistema prisional, mesmo que haja a interceptação da substância e esta não seja entregue ao destinatário.


Sobreleve-se, por fim, que o art. 5º, XLIII, da Constituição Federal, dispõe, in verbis:


“a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;”

Com a devida venia, o entendimento de atipicidade da conduta sob exame vulnera a referida norma constitucional, pois não reprime o tráfico de drogas, delito equiparado a hediondo, e afasta a responsabilidade penal dos partícipes do delito.


Ademais, a apontada atipicidade viola o princípio da proporcionalidade, pois o visitante da unidade prisional - em geral, parentes do custodiado, que são primários e só cometem o ilícito em exame porque foram por ele instados -, responderão pelo delito de tráfico de drogas e o interno do conjunto, que foi idealizador ou, no mínimo, o instigador da conduta delitiva não será responsabilizado.


Por todo o exposto, entendemos que o interno da unidade prisional responde como partícipe, ou como coautor pela teoria do domínio do fato (nesta última hipótese, a depender das circunstâncias concretas), mesmo que o portador da droga seja interceptado no presídio e não efetue a entrega da substância entorpecente.













1Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.


2se passar a transitar com a substância no conjunto prisional

Sobre o autor
Thomás Luz Raimundo Brito

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia.Especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal da Bahia.Ex-Assessor de Desembargador do Tribunal de Justiça da BahiaCoautor do livro "Constitucionalismo - Os desafios do Terceiro Milênio" (Editora Forum).Autor do Livro "Mandado de Injunção - A decisão, os seus efeitos e a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no combate à omissão legislativa" (Editora Nuria Fabris)Autor de outros artigos jurídicos publicados em sites especializados

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!