No dia 13/03/2019, sob a relatoria da Ministra Ana Arraes, o Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou à Setic/MPDG que orientasse a seus jurisdicionados a respeito da obrigatoriedade da publicação do ETP (Estudo Técnico Preliminar) juntamente com o edital da licitação (Acórdão 488/2019 no Processo TC 017.255/2017-1).
Mais de 4 anos depois, no dia 11/10/2023, sob a relatoria do Ministro Jorge Oliveira, o Plenário do TCU entendeu que é irregular a falta de publicação, junto com o edital da licitação, dos estudos técnicos preliminares (Acórdão 2076/2023 no Processo TC 019.634/2023-4).
Após 9 meses dessa segunda decisão, no dia 24/07/2024, sob a relatoria do Ministro Augusto Nardes, o Plenário do TCU entendeu que a falta de publicação, junto com o edital da licitação, dos ETPs afrontava os princípios da publicidade e da transparência (Acórdão 1463/2024 no Processo TC 023.148/2023-3).
Já no dia 23/10/2024, sob a relatoria do Ministro Benjamin Zymler, o Plenário do TCU entendeu que a publicação do ETP em conjunto com o instrumento convocatório não é obrigatória (Acórdão nº 2273/2024 no Processo TC 002.316/2024-2).
Muito embora o Acórdão 488/2019 seja o “leading case”, foi nos Acórdãos 2076/2023 e 1463/2024 que houve remissão à IN-Seges/MPDG 5/2017 que, por seu turno, estabelece que o ETP será anexo do termo de referência.
No Acórdão nº 2273/2024 o relator Benjamin Zymler argumentou inexistir na Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei Geral de Licitações e Contratos) nenhum dispositivo que estabelecesse que o ETP deve ser um anexo do edital de licitação. Ao contrário, segundo o Ministro “a regulamentação federal procedida pela Instrução Normativa Seges 58/2022 prevê, em seu art. 13, a possibilidade de classificar o documento como sigiloso, nos termos da Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação). Existe uma disposição na Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC) estabelecendo a divulgação do ETP no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) somente após a homologação do certame”.
Foi destacado no voto que a divulgação do ETP como um anexo do edital, embora não seja expressamente vedada, faz surgir algumas preocupações tais como: “a) o elevado risco de informações conflitantes entre o ETP e o projeto básico ou termo de referência, já que estes artefatos de planejamento podem alterar as soluções/especificações que foram preliminarmente delineadas no ETP ou, ainda, complementar/detalhar tais soluções e alternativas; b) a inadequação de que critérios de julgamento e habilitação acabem constando apenas do ETP, quando deveriam constar do edital e/ou do termo de referência, como observado nestes autos, induzindo os licitantes à apresentação de propostas com documentação incompleta; c) a necessidade de revisar e compatibilizar o ETP após a elaboração do termo de referência e/ou projeto básico no caso de estes artefatos de planejamento modificarem alguma disposição do estudo técnico preliminar, gerando um retrabalho desnecessário; d) o aumento potencial de pedidos de impugnação ou esclarecimento de dúvidas baseados em informações que estão contidas no ETP; e e) a grande quantidade de informações existentes no ETP que não são de interesse dos potenciais concorrentes, aumentando desnecessariamente o volume de documentos e dados a serem analisados pelos licitantes, aumentando, por conseguinte, os custos de transação com o setor público”.
Encerra-se o Acórdão nº 2273/2024 alertando para a “preocupação de que dois anexos distintos do instrumento convocatório (ETP e TR) possam conter informações discordantes sobre o orçamento estimado, um dos principais parâmetros a serem observados pelos licitantes na formulação de suas propostas”.
Como ao longo do tempo a questão envolveu a IN-Seges/MPDG 5/2017 (que, via de regra é inaplicável a Estados e Municípios) e como, de fato, nenhum dispositivo da Nova Lei Geral de Licitações estabelece que o ETP deve ser um anexo do edital de licitação, a discussão sobre a obrigatoriedade da publicação do ETP juntamente com o instrumento convocatório do certame ficou adstrita ao TCU, não tendo sido localizados debates relevantes sobre o tema no âmbito das demais Cortes que compõem o sistema tribunal de contas.
Tendo ficado a discussão restrita (ao menos aparentemente, reitere-se) ao TCU, espera-se que com a prolação do Acórdão nº 2273/2024 haja, em nome da segurança jurídica, uma uniformização da jurisprudência daquela Corte de Contas e que ela se mantenha estável, íntegra e coerente.
Neste particular, no Acórdão 1618/2022 – Plenário (onde se decidiu que é legal, para fins de aposentadoria de magistrado, a contagem do tempo exercido como advogado antes do advento da Emenda Constitucional 20/1998, independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias, desde que comprovada por meio de certidão da OAB) o ministro-relator Antonio Anastasia deixou evidenciada a importância da estabilização da jurisprudência dos Tribunais ao afirmar que o art. 926 do CPC (que dispõe que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente) ao afirmar que “referido comando normativo é aplicável supletiva e subsidiariamente aos processos de controle externo, nos termos do art. 15 do aludido Código e do art. 298 do Regimento Interno do TCU”.
Naquela ocasião, em reforço, o ministro-relator também destacou no Acórdão 1618/2022 o disposto art. 30, primeira parte, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-Lei 4.657/1942), acrescido pela Lei 13.655/2018, que dispõe que as autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas.
Assim, na linha do Acórdão 1618/2022, esperamos que o que restou decidido no Acórdão nº 2273/2024 e que de fato, no TCU, a questão da publicação do ETP em conjunto com o instrumento convocatório não ser obrigatória seja algo não mais passível de discussão.
Por Aldem Johnston Barbosa Araújo, advogado de Mello Pimentel Advocacia (E-mail: aldem.johnston@mellopimentel.com.br).