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Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero: um estudo sobre sua origem, conceito, controvérsias e aplicação no direito familiar brasileiro e comparado

Agenda 01/11/2024 às 14:35

Resumo

Este artigo examina o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero no contexto jurídico, abordando suas origens, conceitos e controvérsias. A análise aprofunda-se na aplicação do protocolo em decisões de pensão alimentícia e alimentos compensatórios em contextos de dissolução familiar, destacando a importância da manutenção do status econômico da ex-cônjuge e a consideração do trabalho invisível desempenhado pela mulher. A discussão abrange as práticas adotadas pelos Tribunais de Justiça Estaduais e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Brasil e inclui uma análise comparada de jurisprudências internacionais, examinando as influências de países da América Latina, Europa, Estados Unidos e Ásia sobre o desenvolvimento do protocolo no Brasil.


1. Introdução

O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero consolida-se como uma ferramenta essencial para a promoção da equidade no Judiciário, garantindo que decisões jurídicas considerem diferenças de gênero e vulnerabilidades específicas de grupos historicamente marginalizados, em especial as mulheres. No direito de família, a aplicação dessa perspectiva torna-se crucial em questões de pensão alimentícia, alimentos compensatórios e manutenção do status econômico de ex-cônjuges, uma vez que frequentemente as mulheres são financeiramente desfavorecidas na dissolução de núcleos familiares.

2. Origem e Conceito do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero

O protocolo é uma resposta aos movimentos globais por equidade de gênero, especialmente influenciado por países latino-americanos como México e Argentina. No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomendou a adoção de práticas de julgamento sensíveis às questões de gênero para evitar interpretações que perpetuem desigualdades estruturais. Em casos de pensão alimentícia e alimentos compensatórios, o protocolo considera o trabalho invisível da mulher — cuidados do lar e criação dos filhos, que frequentemente impactam sua vida financeira após a separação.

3. Controvérsias e Posições Doutrinárias

A aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero encontra apoio e resistência entre juristas. Defensores como Maria Berenice Dias argumentam que o protocolo é essencial para combater desigualdades que permanecem enraizadas no sistema judicial brasileiro. Críticos, por outro lado, argumentam que a busca por justiça social não deve interferir na interpretação da lei de forma a privilegiar determinados grupos. Entretanto, os defensores respondem que a perspectiva de gênero visa uma interpretação que leve em conta a realidade social de cada caso, promovendo uma justiça que reflita melhor a realidade dos envolvidos.

4. Pensão Alimentícia para Filhos e o Reconhecimento do Trabalho Invisível

Nos litígios de pensão alimentícia, o STJ e diversos Tribunais Estaduais vêm aplicando o protocolo para assegurar que a pensão não só cubra as necessidades da criança, mas também compense o esforço dedicado ao cuidado integral do filho, geralmente pela mãe. Em um julgamento significativo (Recurso Especial n.º 1.930.328/SP), o STJ destacou a necessidade de valorar a dedicação da mãe ao lar, refletindo o impacto dessa dedicação no arbitramento da pensão.

5. Alimentos Compensatórios e Administração do Patrimônio Familiar

Em dissoluções matrimoniais, o protocolo também considera a situação financeira de cônjuges que não possuem meios próprios de sustento após anos dedicados ao lar. Frequentemente, o cônjuge que fica com a administração do patrimônio comum é o varão. Assim, alimentos compensatórios visam manter o equilíbrio econômico entre as partes, buscando preservar o status econômico da ex-cônjuge virago. O STJ, no Recurso Especial n.º 1.736.957/SP, reiterou a necessidade de compensar economicamente o cônjuge vulnerável para que o padrão de vida previamente partilhado seja preservado.

6. Manutenção do Status Quo da Ex-Cônjuge Virago

A manutenção do status econômico da ex-cônjuge virago nas rupturas familiares tem sido reconhecida pelo STJ, especialmente em casos em que a mulher abandonou sua carreira para se dedicar ao lar. O STJ (Recurso Especial n.º 1.818.414/RS) e tribunais estaduais, como o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Agravo de Instrumento n.º 2253913-07.2020.8.26.0000), têm considerado o impacto do trabalho doméstico não remunerado no padrão de vida da ex-cônjuge após a separação.

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7. Jurisprudência dos Tribunais de Justiça Estaduais e do STJ

Tribunais Estaduais têm consolidado decisões que aplicam o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero em litígios familiares. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por exemplo, decidiu, no Agravo de Instrumento n.º 70084012316, em favor da concessão de alimentos compensatórios para garantir que o desequilíbrio econômico decorrente da separação seja equilibrado. Estas decisões refletem uma crescente aceitação do protocolo na Justiça brasileira.

8. Direito Comparado

A aplicação do protocolo tem sido igualmente desenvolvida em outras jurisdições, destacando-se países como:

9. Conclusão

O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero representa um importante avanço na busca por justiça social, ao mesmo tempo em que encontra desafios como resistências doutrinárias e dificuldades para sua harmonização com princípios de imparcialidade. A aplicação do protocolo em litígios familiares, especialmente na concessão de pensão alimentícia e alimentos compensatórios, tem o potencial de transformar o direito de família brasileiro, promovendo uma justiça que reconheça a desigualdade estrutural e proporcione decisões mais equânimes para as partes envolvidas.

Referências

Sobre o autor
Ademarcos Almeida Porto

Formado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo/SP Título de Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior de Advocacia - OABSP. Pós-graduação em Direito Constitucional Cursos de extensão em: Direito imobiliário; Direito da Família e Sucessões; Direito do Consumido; Estatuto da Criança e do Adolescente e Direito do Trabalho. Especializando em Direito da Família e das Sucessões.

Informações sobre o texto

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