O acesso universal aos bens culturais encontra fundamento em documentos internacionais, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que aponta os direitos culturais como indispensáveis à dignidade humana. O Art. 215, da Constituição Federal do Brasil de 1988, trata do pleno exercício dos direitos culturais e do acesso à cultura por todos. Isso quer dizer que o Estado deve proporcionar o acesso aos bens culturais indistintamente. Ainda que os documentos jurídicos, nacionais e internacionais, tragam a previsão, a realidade apresenta diversos obstáculos para a efetivação desses direitos.
As pessoas com deficiência enfrentam diversas barreiras, materiais ou imateriais, que segundo o Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/2015, são urbanísticas, arquitetônicas, nos transportes, nas comunicações/informação, atitudinais e tecnológicas. Tais barreiras estão diretamente ligadas a aspectos sociais e impactam diretamente a vida cultural desses sujeitos históricos, obstando o protagonismo dessas pessoas na fruição e produção de bens culturais.
No processo de luta por direitos, algumas estruturas normativas que tratam da garantia de acessibilidade cultural às pessoas com deficiência foram surgindo. A Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência é um marco importante, um documento internacional que reverbera no Brasil e orienta a efetivação dos direitos culturais para pessoas com deficiência.
A Lei Federal de Incentivo à Cultura, Lei nº 8.313/1991, também conhecida como Lei Rouanet, traz previsão de acessibilidade cultural, inserida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/2015. Ainda que exista tal indicação, a acessibilidade está aquém do esperado. Mesmo assim, é preciso reconhecer os avanços e perceber que são frutos das lutas por direitos com o protagonismo de pessoas com deficiência.
A Lei Paulo Gustavo - LPG, inicialmente transitória e emergencial, surgiu no período da pandemia de Covid-19, para amenizar os impactos financeiros no setor cultural provocados pela medida do isolamento social, adotada como medida sanitária contra o vírus. A política cultural encetada por meio das ações previstas na LPG contribui para que uma pedagogia da diferença seja difundida na sociedade, de forma a reafirmar identidades diversas, dando lugar ao respeito às diferenças e, consequentemente, respeito à diversidade cultural.
A LPG aponta para uma gestão descentralizada e participativa, indicando que na implementação de suas ações, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão assegurar mecanismos de estímulo à participação e ao protagonismo de comunidades, povos e grupos minorizados, entre eles, as pessoas com deficiência. Para que sejam contemplados com a política de fomento, serão adotadas estratégias de inclusão tais como cotas, critérios diferenciados de pontuação, editais específicos e outros meios de ação afirmativa que garanta a participação e o protagonismo desses grupos, observadas a realidade local, a organização social do grupo e a legislação relativa ao tema.
O decreto que regulamenta a LPG também segue nessa esteira, pois indica, no capítulo sobre acessibilidade, a participação das pessoas com deficiência. No capítulo intitulado Das Ações Afirmativas, propõe mecanismos de estímulo à participação e ao protagonismo de agentes culturais e equipes compostas de forma representativa por grupos minorizados socialmente, tais como pessoas com deficiência. A participação popular das pessoas com deficiência na decisão das políticas culturais é uma forma de empoderamento. Um modo de garantir não apenas a oportunidade de dialogar, mas também de confrontar e tencionar, gerando conflitos para que os direitos culturais possam ser exercidos por todas as pessoas.
A LPG é uma estrutura normativa que estabelece explicitamente essa participação. No entanto, ainda é perceptível a tomada de decisões sem consulta à população diretamente afetada, ou uma participação minorizada, com decisões previamente definidas, como se alguém pudesse definir o pensamento da comunidade. O diálogo democrático é cheio de entraves, mas é preciso pô-lo em prática e que os nós sejam desatados aos poucos, em um movimento contínuo de aperfeiçoamento. O descontentamento e desentendimento fazem parte do jogo político, é intrínseco ao homo ludens, essencial para o movimento de ampliação e aperfeiçoamento das políticas públicas para o setor. Estabelecer um plano de acessibilidade cultural, em diálogo com a sociedade, promover uma escuta ampla e representativa, efetiva direitos, sob um prisma cidadão.
Que essa oportunidade de diálogo democrático não seja desperdiçada, que a acessibilidade cultural seja ampliada de modo a proporcionar protagonismo na fruição e produção de bens culturais por e para pessoas com deficiência.
José Olímpio Ferreira Neto, Capoeirista, Advogado, Professor, Mestre em Ensino e Formação Docente, Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza (GEPDC/UNIFOR), Membro da Comissão de Direitos Culturais da OAB Ceará e Membro da diretoria do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). E-mail: joseolimpio.ferreira@educacao.fortaleza.ce.gov.br
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