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A legitimidade do acesso a prontuários médicos por autoridades policiais no âmbito militar brasileiro

Agenda 06/11/2024 às 14:38

RESUMO

Este artigo explora a legitimidade do acesso a prontuários médicos de pacientes em organizações militares de saúde por autoridades policiais e encarregados de Inquéritos Policiais Militares (IPM). Aborda-se o embasamento jurídico necessário para garantir a observância da proteção da intimidade e do sigilo de dados dos militares, analisando o Código de Processo Penal Militar (CPPM) e outros marcos legais que conferem tal competência. Conclui-se que, cumpridas certas condições, é legalmente viável o fornecimento dessas informações para fins investigativos.

Palavras-chave: Inquérito Policial Militar, sigilo médico, direito militar, acesso a informações, proteção de dados.

ABSTRACT

This article explores the legitimacy of accessing medical records of patients in military health organizations by police authorities and those responsible for Military Police Inquiries (IPM) in Brazil. It examines the legal framework needed to ensure the protection of military personnel's privacy and data confidentiality while addressing the legal and ethical grounds for such access. The analysis focuses on the Brazilian Military Penal Code and related legal standards that authorize access to these sensitive records under specific conditions, balancing individual rights with public interest and institutional security. The study concludes that, when specific legal requirements are met, granting access to these records is a lawful measure for investigative purposes within the military framework.

Keywords: Military Police Inquiry, medical confidentiality, military law, information access, data protection.

INTRODUÇÃO

O Inquérito Policial Militar (IPM) desempenha um papel essencial no contexto das Forças Armadas, servindo como ferramenta investigativa para a apuração de crimes militares e infrações penais. A relevância do IPM se justifica pela necessidade de manter a disciplina e a segurança internas das instituições militares, fatores críticos para a preservação da hierarquia e do funcionamento eficiente das Forças Armadas. No entanto, o acesso a informações pessoais de militares, como os prontuários médicos, suscita dilemas éticos e jurídicos, já que envolve o direito à privacidade dos indivíduos envolvidos. Assim, é crucial equilibrar as exigências de segurança e disciplina militar com os direitos fundamentais dos militares.

A necessidade de acesso aos prontuários médicos surge particularmente em casos em que tais documentos possam conter evidências ou informações relevantes para a investigação de crimes militares. Embora o sigilo médico seja amplamente protegido, há exceções no contexto de investigações policiais e militares, em que o bem público ou a segurança da instituição militar justificam a revelação dessas informações. Essa possibilidade, porém, exige critérios rigorosos e respeito aos princípios de proporcionalidade e necessidade, essenciais para evitar abusos e garantir que o sigilo seja quebrado apenas em situações justificadas e previstas em lei.

O tema tem ganhado destaque na doutrina e jurisprudência brasileira, especialmente diante do avanço de legislações de proteção de dados e da privacidade. A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) e a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) introduziram mecanismos adicionais de proteção aos dados pessoais, incluindo os dados de saúde, e impuseram restrições ao compartilhamento dessas informações. No entanto, o contexto militar, regulado pelo Código de Processo Penal Militar (CPPM), apresenta especificidades que permitem flexibilizar o acesso a informações médicas por autoridades competentes, uma vez que o interesse público e a preservação da ordem hierárquica nas Forças Armadas são tidos como prioritários.

Este artigo visa discutir e aprofundar a análise das bases legais e doutrinárias que amparam o acesso a prontuários médicos pelos encarregados de IPM, oferecendo um exame crítico sobre os limites e condições dessa prática. Ademais, busca-se compreender em que medida o sigilo médico pode ser relativizado em prol da segurança e da disciplina militar, bem como identificar as garantias jurídicas disponíveis para prevenir o uso inadequado dessas informações. Por meio da revisão dos principais marcos normativos e de uma abordagem hermenêutica, o estudo pretende contribuir para o debate sobre a interseção entre a proteção de dados pessoais e as necessidades investigativas no âmbito militar.

Por fim, este trabalho se justifica pela crescente demanda por uma compreensão clara e equilibrada entre o direito à intimidade e os deveres institucionais das autoridades militares em processos investigativos. Ao lançar luz sobre esse tema, visa-se fornecer subsídios que possam orientar futuras interpretações e políticas sobre o acesso a dados sensíveis no ambiente militar, reforçando a necessidade de harmonizar o respeito aos direitos individuais com o dever institucional de apurar infrações e garantir a segurança nas Forças Armadas.

1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO E COMPETÊNCIAS DO IPM

O enquadramento jurídico do Inquérito Policial Militar (IPM) fundamenta-se principalmente no Código de Processo Penal Militar (CPPM), que regula a condução de investigações no âmbito das Forças Armadas e atribui competências específicas às autoridades militares. O art. 9º do CPPM define o IPM como um instrumento processual administrativo destinado à apuração sumária de fatos que possam configurar crimes militares, bem como à identificação de seus autores. Esse dispositivo visa fornecer os subsídios necessários para a formulação da ação penal militar, conduzida pelo Ministério Público Militar. A definição legal do IPM reforça sua função investigativa e o compromisso com a segurança institucional, resguardando a ordem e a disciplina no ambiente castrense.

As competências atribuídas ao encarregado do IPM se assemelham às da autoridade policial no contexto civil, já que ambas as figuras são incumbidas de coletar provas e realizar diligências com vistas ao esclarecimento dos fatos delituosos. Conforme estabelecido pelo art. 12 do CPPM, cabe ao encarregado do IPM colher todas as provas da infração penal militar, o que pode incluir documentos médicos em situações em que esses dados sejam essenciais para a investigação. Tal prerrogativa equipara o IPM à atividade de polícia judiciária, embora no contexto militar, caracterizando-o como um instrumento de poder estatal. Essa similaridade de funções é fundamental para compreender a legitimidade do acesso a informações sigilosas durante o processo investigativo.

A doutrina jurídica que fundamenta o IPM e a atuação da polícia judiciária militar baseia-se no princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, especialmente quando a segurança e a hierarquia militar estão em jogo. Essa prerrogativa busca garantir que todos os meios necessários à apuração de crimes militares estejam disponíveis aos encarregados, de modo a assegurar que os delitos sejam devidamente investigados e os responsáveis, devidamente responsabilizados. Na prática, essa competência implica a possibilidade de acesso a informações restritas, como prontuários médicos, desde que tal acesso esteja justificado e obedeça aos limites legais e éticos previstos no ordenamento jurídico brasileiro.

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Outro aspecto importante que legitima o acesso aos prontuários médicos é a própria natureza da atividade militar, caracterizada por uma hierarquia rígida e a exigência de um comportamento disciplinado. No caso de comportamentos que possam violar a ética e as normas militares, a obtenção de informações médicas pode ser fundamental para esclarecer as circunstâncias envolvidas. A legislação vigente, ao conceder essa prerrogativa aos encarregados de IPM, busca equilibrar os direitos individuais à privacidade com a necessidade de garantir que infrações sejam investigadas e punidas adequadamente, sempre com respeito aos limites do poder investigativo.

Por fim, é relevante observar que o acesso a informações pessoais e médicas por parte dos encarregados do IPM não é irrestrito, sendo sujeito a regulamentações que visam coibir abusos e preservar a dignidade dos militares envolvidos. A legislação prevê a obrigatoriedade de que o encarregado resguarde o caráter confidencial das informações obtidas, conforme o estabelecido na Lei de Acesso à Informação. Dessa forma, o ordenamento jurídico militar promove um sistema de pesos e contrapesos que busca evitar o uso indevido dos dados pessoais, mantendo o equilíbrio entre o poder investigativo e o respeito aos direitos fundamentais dos militares.

2. ACESSO A PRONTUÁRIOS MÉDICOS: LEGITIMIDADE E LIMITES LEGAIS

O acesso aos prontuários médicos no contexto militar é uma questão que exige uma análise cuidadosa, pois envolve a ponderação entre o direito à privacidade e o dever de investigar infrações que possam comprometer a ordem militar. A legitimidade desse acesso é pautada na necessidade de atender aos objetivos investigativos das autoridades encarregadas, sendo uma ferramenta essencial para a elucidação de casos complexos que demandam provas documentais específicas, como as informações contidas nos prontuários médicos. Entretanto, para que esse acesso seja legitimado, é imprescindível que ele respeite critérios de proporcionalidade e que seja solicitado formalmente por uma autoridade competente.

A Lei de Acesso à Informação (LAI) é um marco normativo que estabelece as condições sob as quais informações pessoais podem ser compartilhadas no setor público, inclusive no âmbito militar. Segundo o art. 31 da LAI, o acesso a informações pessoais, como os prontuários médicos, deve observar o interesse público, e a autoridade responsável pelo acesso tem o dever de preservar a integridade e confidencialidade desses dados. Assim, o acesso às informações médicas por encarregados do IPM somente é permitido quando justificado e fundamentado em uma necessidade concreta da investigação, garantindo que a quebra de sigilo se dê apenas em casos estritamente necessários.

Em situações em que a obtenção de prontuários médicos é considerada essencial, os pareceres jurídicos uniformizados pela Advocacia-Geral da União (AGU) estabelecem parâmetros para o cumprimento dessa medida. De acordo com esses pareceres, o acesso é concedido aos encarregados do IPM desde que sejam observadas as diretrizes de preservação da confidencialidade e sejam evitados excessos. O principal argumento que respalda essa medida é a equiparação da atividade dos encarregados do IPM à da polícia judiciária, o que confere legitimidade ao uso dessas informações, desde que utilizado com finalidade exclusiva de apuração de infrações militares.

Do ponto de vista constitucional, o direito ao sigilo médico é protegido pelo direito à privacidade, mas, como em outros contextos, não é absoluto. Em investigações criminais, o interesse público pode justificar o acesso a esses dados, desde que pautado na legalidade e observados os limites éticos e jurídicos que regem a proteção da intimidade. A doutrina legal brasileira reconhece que, quando o interesse público se sobrepõe, a privacidade pode ser flexibilizada, especialmente em casos onde a segurança institucional está em risco. Assim, o sigilo médico, embora um direito fundamental, admite exceções legais que autorizam o acesso por autoridades investigativas.

A prática de acessar informações sensíveis também demanda cuidados, como o uso de métodos de proteção de dados e a adoção de medidas de sigilo. A responsabilidade pela preservação do caráter sigiloso das informações recai sobre a autoridade que requisita e utiliza os dados, e eventuais desvios ou abusos podem gerar sanções. Para evitar conflitos, é essencial que o acesso seja limitado aos dados estritamente necessários para a investigação e que as informações sejam tratadas de forma confidencial. Dessa forma, o sistema jurídico brasileiro busca manter um equilíbrio entre a necessidade investigativa e o respeito aos direitos de privacidade dos militares.

2.1. PARECERES JURÍDICOS E INTERPRETAÇÃO DA LAI

Os pareceres jurídicos elaborados pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pelas consultorias jurídicas adjuntas dos comandos militares fornecem uma interpretação detalhada sobre a aplicação da Lei de Acesso à Informação (LAI) em casos de acesso a dados sensíveis. Esses pareceres têm o papel de orientar as práticas investigativas das autoridades militares, oferecendo um respaldo jurídico para o acesso aos prontuários médicos em situações de necessidade investigativa. A uniformização dessas orientações evita divergências e assegura que as diretrizes legais sejam seguidas de maneira padronizada, prevenindo interpretações equivocadas que possam comprometer o sigilo dos dados.

Os pareceres destacam a importância de o acesso aos dados médicos ser formalmente requisitado e motivado por uma justificativa clara e fundamentada. De acordo com a AGU, os dados podem ser disponibilizados desde que o pedido esteja baseado em uma investigação em curso e que as informações sejam essenciais para o cumprimento das funções institucionais do encarregado do IPM. Essa necessidade de fundamentação busca evitar que o acesso aos dados se torne um mecanismo arbitrário ou que seja utilizado para finalidades que extrapolem o escopo da investigação militar.

A LAI, por sua vez, estabelece o direito à proteção das informações pessoais e a necessidade de os órgãos públicos manterem a integridade e o sigilo dos dados sob sua custódia. Os pareceres da AGU apontam que o acesso aos prontuários médicos é permitido quando fundamentado na necessidade de esclarecimento de delitos e na segurança institucional, reforçando a ideia de que o interesse público pode, em determinadas circunstâncias, se sobrepor ao direito individual à privacidade. A interpretação da LAI visa, assim, compatibilizar o interesse investigativo com as garantias de proteção de dados, o que é crucial para evitar a banalização do acesso às informações pessoais.

A aplicação da LAI em conjunto com o Código de Processo Penal Militar constitui um mecanismo que resguarda tanto o dever de investigação das autoridades militares quanto o direito à privacidade dos investigados. O uso de dados médicos em investigações militares deve, portanto, seguir um protocolo rigoroso, que inclui o registro formal do pedido, a descrição clara dos motivos e a adoção de medidas para assegurar que as informações não sejam divulgadas fora do contexto investigativo. Essa prática visa garantir que os direitos dos envolvidos sejam respeitados, mesmo quando o sigilo médico é flexibilizado por necessidade investigativa.

Esses pareceres jurídicos são fundamentais para estabelecer um padrão de conduta entre os encarregados de IPM e demais autoridades policiais que lidam com informações sensíveis, promovendo uma cultura de transparência e responsabilidade. Ao mesmo tempo, asseguram que o acesso aos dados ocorra de maneira controlada e que os direitos fundamentais dos militares sejam preservados, na medida em que os limites da legalidade e da ética sejam rigorosamente observados. Esse equilíbrio é essencial para a manutenção da confiança no sistema de justiça militar e na preservação dos direitos e deveres que garantem a segurança institucional.

3. FUNÇÕES DO ENCARREGADO DO IPM E SIMILARIDADES COM A AUTORIDADE POLICIAL

As funções do encarregado do IPM apresentam forte correlação com as atribuições de uma autoridade policial civil, principalmente no que se refere à coleta de provas e à investigação de infrações. O encarregado do IPM, geralmente um oficial designado especificamente para conduzir a investigação, deve atuar com independência e responsabilidade, cumprindo todas as formalidades exigidas pelo Código de Processo Penal Militar (CPPM). Essa função é essencial para garantir que o processo investigativo no âmbito das Forças Armadas siga normas e diretrizes de equidade, respeitando tanto a hierarquia militar quanto os direitos dos investigados. Assim, as atividades do encarregado são um reflexo da função policial adaptada ao contexto e às necessidades específicas das Forças Armadas.

Outro aspecto crucial do papel do encarregado do IPM é a sua autoridade para requisitar documentos e dados que sejam relevantes para a investigação, incluindo prontuários médicos em casos específicos. A legislação brasileira prevê que o encarregado pode solicitar esses documentos, desde que a requisição esteja devidamente fundamentada e justificada, garantindo que o acesso a informações sigilosas seja exercido de maneira proporcional e restrita ao escopo da investigação. Essa prerrogativa, compartilhada com autoridades policiais civis, é sustentada pelo princípio da eficiência administrativa e da busca pela verdade real, um dos pilares do sistema de justiça penal, aplicável também no contexto militar.

A doutrina militar e jurídica defende que o encarregado do IPM, assim como a autoridade policial civil, possui um papel investigativo que transcende a mera obtenção de informações e abrange a análise crítica das provas coletadas. Essa função investigativa visa oferecer ao Ministério Público Militar uma base sólida para a eventual instauração de uma ação penal, sendo uma atividade preparatória de fundamental importância para o processo de responsabilização de infrações militares. Dessa forma, o encarregado do IPM deve ser um oficial capacitado, com habilidade técnica e conhecimento legal suficientes para assegurar que a investigação se desenvolva de acordo com os princípios constitucionais e processuais.

Além das semelhanças operacionais, o papel do encarregado do IPM e da autoridade policial compartilham um compromisso ético com a preservação da confidencialidade das informações acessadas. O CPPM e a Lei de Acesso à Informação (LAI) estabelecem que qualquer dado sensível obtido no curso de uma investigação deve ser tratado com sigilo, e sua divulgação só pode ocorrer quando for estritamente necessário para a condução do inquérito ou para a instrução da ação penal. Esse dever de sigilo visa preservar tanto os direitos dos investigados quanto a integridade do processo investigativo, evitando que informações confidenciais sejam utilizadas indevidamente ou fora do contexto judicial.

Por fim, o conceito de que o encarregado do IPM exerce uma atividade análoga à da polícia judiciária civil reforça a legitimidade de sua atuação no acesso a dados sigilosos. A equiparação funcional entre o IPM e o inquérito policial comum baseia-se na ideia de que ambas as investigações servem ao propósito de elucidar infrações e coletar elementos que sustentem a acusação penal. Essa comparação, inclusive, é respaldada pela interpretação doutrinária e pela jurisprudência, que sustentam que, onde existe a mesma função, devem existir os mesmos direitos e deveres. Assim, o encarregado do IPM é investido de autoridade para requisitar dados e documentos relevantes, desde que o acesso seja fundamentado e regulado conforme as disposições legais.

4. O SIGILO MÉDICO E SUAS EXCEÇÕES LEGAIS NO ÂMBITO MILITAR

O sigilo médico é um direito fundamental garantido aos pacientes e tem como objetivo proteger a intimidade e a privacidade das informações de saúde. No entanto, a legislação brasileira admite exceções ao sigilo médico em situações específicas, nas quais o interesse público e a justiça se sobrepõem à privacidade individual. No âmbito militar, essa exceção é amplamente regulamentada para garantir que o acesso a prontuários médicos ocorra apenas quando estritamente necessário, e que a confidencialidade dos dados seja preservada sempre que possível. Esse equilíbrio é especialmente importante no contexto das Forças Armadas, onde a hierarquia e a disciplina são essenciais para o bom funcionamento da instituição.

Uma das justificativas para a relativização do sigilo médico no contexto militar é a natureza das atividades de investigação de crimes militares, que exigem uma análise completa dos elementos disponíveis, incluindo o histórico de saúde dos investigados, quando relevante. Nos casos em que informações de saúde podem esclarecer um fato criminoso, o encarregado do IPM pode requisitar o acesso aos prontuários médicos, desde que tal solicitação esteja embasada na necessidade de elucidação dos fatos. Assim, o sigilo médico cede lugar ao interesse da justiça, mas a legislação impõe uma série de medidas para que o acesso a essas informações ocorra de maneira responsável.

A legislação militar exige que o encarregado do IPM observe rigorosamente as normas de confidencialidade ao acessar prontuários médicos. A proteção de dados sensíveis é um direito garantido pela Constituição e por legislações como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que impõem a preservação do caráter sigiloso dos dados, mesmo quando acessados por uma autoridade legalmente autorizada. No contexto militar, essa confidencialidade visa garantir que informações pessoais dos militares não sejam utilizadas de maneira abusiva ou desproporcional, limitando o uso desses dados apenas ao que for necessário para a investigação.

Os pareceres jurídicos emitidos pela Advocacia-Geral da União (AGU) reforçam que o acesso aos prontuários médicos deve ser pautado na razoabilidade e na proporcionalidade. A AGU destaca que, embora o encarregado do IPM tenha o direito de acessar essas informações, ele deve seguir as diretrizes estabelecidas pelo Código de Processo Penal Militar e pela Lei de Acesso à Informação, que delimitam o uso dos dados obtidos exclusivamente para o inquérito em questão. A violação dessa confidencialidade, por parte do encarregado ou de qualquer outra autoridade, pode acarretar sanções administrativas e até penais, assegurando que o sigilo médico seja respeitado na maior medida possível.

Finalmente, a discussão sobre o sigilo médico e suas exceções no contexto militar reflete um dilema ético e jurídico que transcende o âmbito das Forças Armadas. Em uma sociedade onde o direito à privacidade é valorizado, é crucial que qualquer flexibilização do sigilo médico ocorra com critério e cautela. No ambiente militar, onde a disciplina e a segurança são prioridades, o sigilo médico deve ser balanceado com o interesse público e a necessidade de justiça. Portanto, as exceções ao sigilo médico no contexto do IPM são cuidadosamente reguladas, garantindo que os direitos dos indivíduos sejam protegidos, enquanto o sistema de justiça militar mantém sua eficiência e integridade.

CONCLUSÃO

A investigação de crimes militares requer um arcabouço jurídico que permita a coleta de informações necessárias à elucidação dos fatos, sem comprometer os direitos fundamentais dos investigados. A análise conduzida neste estudo demonstra que, embora o acesso a prontuários médicos por encarregados de IPM seja uma prática legalmente respaldada, essa permissão é condicionada por exigências rigorosas de fundamentação e confidencialidade. A legislação militar e os pareceres jurídicos uniformizados estabelecem um sistema de controle que visa proteger o direito à privacidade dos militares, ao mesmo tempo que assegura a eficácia das investigações.

Os direitos fundamentais dos militares não são absolutos, e a legislação reconhece que, em situações excepcionais, o interesse público deve prevalecer sobre a privacidade individual. No entanto, o reconhecimento de que o encarregado do IPM e a autoridade policial possuem funções semelhantes não significa que esses direitos possam ser desconsiderados. O sistema jurídico estabelece limites claros para o acesso a dados pessoais, com normas específicas que buscam proteger a integridade e o caráter sigiloso das informações acessadas. Essa abordagem equilibrada reflete o compromisso do Estado em respeitar os direitos dos militares enquanto promove a justiça.

Ao longo do artigo, foi evidenciado que a Lei de Acesso à Informação e a Lei Geral de Proteção de Dados desempenham um papel fundamental na proteção dos dados médicos dos militares. Embora essas legislações permitam o acesso a informações sigilosas por autoridades competentes, elas também impõem restrições que garantem que esses dados sejam utilizados de forma ética e responsável. Essas normas são aplicáveis ao contexto militar, garantindo que o acesso a prontuários médicos seja feito de maneira criteriosa, e que o sigilo seja preservado sempre que possível.

A interpretação dos pareceres jurídicos e da legislação específica sobre o IPM reforça a importância da uniformidade nas práticas de acesso a dados pessoais. A uniformização das diretrizes evita que diferentes comandos militares apliquem normas distintas, promovendo um tratamento igualitário dos direitos e deveres dos militares. A consistência nas práticas investigativas contribui para a transparência do sistema de justiça militar, aumentando a confiança dos próprios militares e da sociedade na imparcialidade e no respeito aos direitos fundamentais dentro das Forças Armadas.

Assim, conclui-se que a prática de acesso a dados médicos no IPM é uma medida legítima, mas que requer cautela e observância rigorosa dos princípios de proporcionalidade e necessidade. O estudo contribui para a compreensão da complexa relação entre o sigilo médico e a necessidade de investigação no contexto militar, destacando a importância de uma abordagem equilibrada que respeite tanto os direitos individuais quanto o dever de apuração de crimes militares. Ao final, o artigo sugere que a legislação e os pareceres sobre o tema continuam relevantes para orientar futuras práticas e políticas, garantindo que o acesso a dados sensíveis ocorra de forma ética e conforme os parâmetros legais estabelecidos.

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Sobre o autor
Gabriel Bacchieri Duarte Falcão

Oficial de Assessoria Jurídica do Exército Brasileiro.

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