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A possibilidade do exercício da docência por militares da ativa à luz dos direitos fundamentais e da legalidade

Agenda 06/11/2024 às 16:40

RESUMO

Este artigo analisa a possibilidade de militares da ativa exercerem atividades docentes no setor privado, abordando o tema sob a perspectiva dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais aplicáveis, especialmente os da proporcionalidade e da legalidade. Considerando que a Constituição Federal de 1988 não estabelece uma vedação expressa ao magistério por militares, discute-se a compatibilidade entre essa atividade e os deveres de disponibilidade e dedicação ao serviço militar. A pesquisa conclui que, em consonância com o direito fundamental à liberdade de ensinar, a docência por militares é viável, desde que não prejudique o cumprimento de suas obrigações para com a Força Armada.

Palavras-chave: Docência, militares da ativa, liberdade de ensinar, legalidade, proporcionalidade.

ABSTRACT

This paper examines the possibility of active military personnel engaging in teaching activities in the private sector, analyzing this issue from the perspective of fundamental rights and constitutional principles, especially proportionality and legality. Considering that the Brazilian Federal Constitution does not explicitly prohibit teaching for military personnel, this study explores the compatibility between such activity and the duties of availability and dedication to military service. The analysis supports the view that the teaching profession, when subordinated to military duties, aligns with the right to freedom of teaching and does not necessarily conflict with military responsibilities.

Keywords: Teaching, active military, freedom to teach, legality, proportionality.

1. INTRODUÇÃO

O debate sobre a possibilidade de militares da ativa exercerem o magistério no setor privado tem ganhado espaço, especialmente diante da alta qualificação técnica e intelectual desses profissionais, que os habilita a contribuir de forma relevante no campo educacional. No entanto, surgem questionamentos quanto à viabilidade legal e constitucional desse exercício, considerando as normas de dedicação exclusiva e disponibilidade permanente que regem a função militar.

A Constituição Federal de 1988, ao mesmo tempo que estabelece a liberdade de ensinar como um direito fundamental, traz limitações à acumulação de cargos e ao exercício de atividades externas pelos militares. Contudo, não há uma vedação explícita para a docência por militares no setor privado, o que abre margem para a interpretação de que, em respeito ao princípio da legalidade, essa atividade é permitida, desde que observados os deveres primários da função militar.

No plano internacional, o direito de ensinar é protegido como parte da liberdade de expressão, consagrada em tratados e convenções de direitos humanos ratificados pelo Brasil. Esses documentos enfatizam que o direito de difundir conhecimento transcende a condição ocupacional dos indivíduos, incluindo, assim, os militares. Essa análise visa contribuir para o entendimento de que a docência pode ser conciliada com a carreira militar, sem prejuízo ao dever de disponibilidade e dedicação exclusiva.

Outro ponto relevante é a influência da docência para o aprimoramento profissional dos próprios militares, promovendo o intercâmbio de conhecimentos e a atualização constante de habilidades. A proibição irrestrita do magistério pode ser contraproducente, limitando a potencial contribuição dos militares ao campo acadêmico e à sociedade. Neste artigo, discutiremos os fundamentos legais e os princípios constitucionais que sustentam a possibilidade de exercício da docência por militares da ativa, propondo diretrizes que respeitem tanto os direitos fundamentais quanto as exigências da função pública.

Por fim, ressalta-se que a análise da viabilidade do magistério para militares deve levar em conta a complexidade das funções desempenhadas por esses profissionais, cuja preparação e qualificação são, muitas vezes, aprimoradas em instituições civis. O magistério representa, assim, uma via de retorno desse conhecimento à sociedade, beneficiando alunos e enriquecendo o próprio setor educacional.

2. DIREITOS FUNDAMENTAIS E O DIREITO À DOCÊNCIA

A liberdade de ensinar é um direito fundamental, estabelecido pela Constituição Brasileira em seu artigo 206, inciso II, e integra o rol de liberdades essenciais à dignidade humana. Esse direito, além de garantir a expressão do pensamento, contribui para o desenvolvimento cultural e social da nação. Para os militares, esse direito é, em tese, restringível, mas apenas com fundamento expresso e razoável. Ausente tal vedação específica, é legítimo o exercício do magistério por militares, desde que subordinado ao interesse público.

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Além da Constituição, o direito internacional reforça essa liberdade. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos asseguram a liberdade de expressão e difusão de conhecimentos. Esses direitos, considerados supralegais, obrigam o Estado a garantir que militares possam usufruí-los, com observância das condições inerentes à carreira castrense.

Entretanto, a limitação do magistério aos militares exigiria uma justificativa que demonstre que o exercício dessa atividade, por si só, compromete o serviço militar. Essa ponderação é crucial para evitar interpretações que anulem o direito fundamental de ensinar, sem uma base legal clara. Restrições impostas sem o devido respaldo normativo infringem a vinculação negativa à lei, essencial no Estado Democrático de Direito.

Dada a relevância da docência, o princípio da legalidade reforça a possibilidade de exercício desse direito. A inexistência de norma proibitiva não autoriza a restrição do magistério, devendo a interpretação jurídica pautar-se na liberdade ampla garantida a todos. A docência, quando exercida fora do expediente militar, oferece um canal legítimo para a expressão de conhecimentos sem prejudicar as atividades militares.

Por outro lado, o exercício do magistério privado, como expressão de um direito humano, deve observar as limitações impostas por razões de segurança e lealdade institucional. Contudo, desde que essas condições sejam respeitadas, o militar pode exercer a docência sem comprometer a sua prontidão operacional e o compromisso com a missão militar.

3. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E O EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA

A legalidade é princípio fundamental da Administração Pública e implica que os agentes públicos, como os militares, só podem ser restringidos por normas expressas e específicas. Para os militares, a Constituição limita o acúmulo de cargos públicos, porém não aborda diretamente a docência no setor privado, o que indica uma lacuna que pode ser suprida pela interpretação favorável ao direito fundamental de ensinar.

A Lei nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares) e outras normas infraconstitucionais estabelecem o dever de disponibilidade permanente e dedicação ao serviço, mas sem menção ao magistério como atividade incompatível. A ausência de proibição legal sugere que o militar pode exercer a docência, contanto que respeite a primazia da função militar, o que está em conformidade com o princípio da legalidade.

Embora se argumente que a atividade militar exige exclusividade, entende-se que esta não deve ser interpretada de forma absoluta. A liberdade para atuar no ensino, sem vínculo empregatício, harmoniza-se com o princípio da legalidade e não infringe a exclusividade, desde que o militar mantenha sua prontidão para a caserna.

Além disso, o militar deve estar ciente de que a função pública exige disponibilidade incondicional para o exercício de suas atribuições. Por essa razão, o magistério deve ocorrer em horários compatíveis e sem interferir nas obrigações primárias do militar, que deve atender prontamente as demandas de sua carreira, sob pena de sanção disciplinar.

Dessa forma, o princípio da legalidade confere ao militar o direito de lecionar, desde que ele esteja subordinado ao interesse público e sem prejuízo do serviço militar. Assim, a Administração Pública deve observar as peculiaridades do caso concreto antes de vedar o magistério.

Nesse contexto, cabe reforçar que o princípio da legalidade impede interpretações que ampliem proibições sem amparo legal claro. A ausência de previsão expressa para impedir o magistério permite que os militares exerçam atividades acadêmicas, desde que estas sejam compatíveis com o regime disciplinar e a exigência de disponibilidade para a função militar.

4. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A POSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA

O princípio da proporcionalidade garante que restrições a direitos fundamentais, como a liberdade de ensinar, devem ser adequadas e necessárias para proteger o interesse público. A proibição do magistério para militares da ativa, se imposta de forma absoluta, não atende a essas exigências, podendo ser desproporcional e excessiva, pois não considera as diferentes formas de exercício docente.

O exercício da docência pode, portanto, ser adaptado para que não interfira nas obrigações militares. A utilização de meios de ensino remoto ou de palestras esporádicas, por exemplo, representa uma modalidade de docência que respeita a disponibilidade do militar, ao mesmo tempo em que permite a disseminação do conhecimento. Tais modalidades reduzem a sobrecarga de horário, preservando a prontidão do militar.

Além disso, a presença de militares em instituições educacionais contribui para o compartilhamento de valores éticos e disciplinares, beneficiando tanto a sociedade quanto o próprio ambiente acadêmico. Ao limitar essa atividade, a Administração Pública pode privar o setor educacional de profissionais qualificados e reduzir o retorno social do investimento feito na formação dos militares.

O direito de lecionar contribui, ainda, para o aprimoramento pessoal e profissional do militar, o que fortalece a Força Armada. A medida restritiva, se aplicada de modo amplo, deve ser revista, considerando que o magistério pode ocorrer de forma controlada, sem comprometer a dedicação exigida pela função militar.

Por fim, a interpretação proporcional do princípio da exclusividade permite ao militar lecionar, desde que o faça sem comprometer o serviço. Assim, o magistério representa uma via de contribuição mútua, compatível com o cumprimento dos deveres militares.

Em face das exigências do princípio da proporcionalidade, é imprescindível que eventuais restrições ao magistério sejam proporcionais ao risco identificado para a missão militar. Dessa forma, a docência, enquanto expressão de um direito, só deve ser limitada se demonstrado que a sua prática representa um perigo concreto para a prontidão militar.

5. CONCLUSÃO

A possibilidade de militares da ativa exercerem a docência é compatível com o direito constitucional à liberdade de ensinar e o princípio da legalidade, desde que seja respeitada a primazia das atividades militares. O magistério, especialmente na esfera privada, não representa um conflito automático com o dever de disponibilidade do militar, pois a exclusividade exigida pela função pública não deve ser interpretada de forma absoluta.

A análise jurídica sobre o tema, portanto, deve levar em conta os direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade e o interesse público. A docência é um direito que contribui para a qualificação profissional e social dos militares e para a sociedade em geral, sendo uma expressão de cidadania que deve ser respeitada.

A Administração Pública deve, portanto, avaliar cada caso concreto, respeitando o direito à liberdade de ensino e o desenvolvimento profissional do militar. O magistério, quando exercido de maneira compatível com o serviço militar, enriquece o meio acadêmico e reforça a imagem das Forças Armadas junto à sociedade civil.

Essa interpretação jurídica, ao valorizar a formação e o desenvolvimento integral do militar, fortalece o papel das Forças Armadas na promoção do conhecimento e da cidadania. O magistério, desde que observado o compromisso com o serviço militar, pode ser uma prática que beneficia a todos, sem comprometer a missão essencial da Força Armada.

Portanto, a liberdade de ensinar, quando exercida de forma responsável, permite que o militar da ativa colabore significativamente para o desenvolvimento da sociedade e da própria instituição militar, promovendo um círculo virtuoso de formação e cidadania.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Decreto n. 592, de 6 de julho de 1992. Diário Oficial da União, Brasília, 1992.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2020.

TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros 2002.

Sobre o autor
Gabriel Bacchieri Duarte Falcão

Oficial de Assessoria Jurídica do Exército Brasileiro.

Informações sobre o texto

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