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A liberdade e as exceções da prisão no Brasil

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Agenda 13/11/2024 às 09:00

REFLEXÕES FINAIS

Uma verdadeira viagem metafórica nos institutos que conduzem o delinquente à liberdade; um sem número de benefícios processuais que dão concretude a regra da liberdade em casos de violações às normas penais. Percebe-se que existe uma quantidade enorme de delitos de pequeno potencial ofensivo, bastando o autor assumir o compromisso de comparecer ao Juizado Especial Criminal, e tudo resolvido; são exatamente 131 crimes possíveis de lavratura de Termo Circunstanciado de Ocorrência - TCO, previstos somente no Código Penal e de novo o criminoso voltando às ruas.

Se não for o caso de crime de menor potencial ofensivo, resta a possibilidade de depósito de fiança, sendo 77 casos de crimes afiançáveis somente no CP, podendo ser conhecido por decisão do delegado de polícia logo após a lavratura do APFD, e logo o delinquente está de volta às ruas.

Lembrando que de acordo com levantamentos realizados, reafirma-se, existem pelo menos 77 crimes possíveis de concessão de fiança pelo delegado de polícia, em sede de IP, somente no Código penal, em contar os corriqueiros casos de porte e posse de arma de fogo de uso permitido, embriaguez na condução de veículos automotores, racha na direção de veículo, homicídio culposo na direção de veículo e até uso de drogas por pilotos de aeronaves, previstos em leis esparsas, tudo isso cabe ao delegado de polícia arbitrar um valor de fiança.

Vencidas essas etapas na delegacia de polícia, vem a possiblidade da conversão da prisão por 10 por pelo menos medidas cautelares do artigo 319 do CPP, na audiência de custódia. Vencida a fase da audiência de custódia, restam ainda duas possiblidades do processo não caminhar. A possibilidade da suspensão condicional do processo, nos crimes de médio potencial ofensivo, artigo 89 da Lei nº 9.099, de 1995, aqui há pelos menos 102 hipóteses de cabimento deste benefício previstos no CP. E depois desse rol de benefícios ainda resta a possibilidade do acordo de não persecução penal, artigo 28-A do CPP.

Depois de tudo isso, vamos começar efetivamente o processo? Se houver condenação a pena não superior a 4 anos de prisão, se o crime não for praticado com violência ou grave ameaça a pessoa, vamos substituir a pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, prestação de serviços à comunidade, prestação pecuniária, limitação de fim de semana. Antes disso, ainda tem a possiblidade da suspensão condicional da pena, o famoso sursis.

Mas agora não tem jeito, o criminoso conseguiu vencer todas essas etapas. Agora é de lascar, não tem jeito mesmo; vai ter que recolher ao cárcere. Terá direito a progressão de regime, sob o conforto das Súmulas Vinculantes 56 e 59, fará jus ao trabalho interno e externo, terá direito a remição da pena pelo trabalho, pelos estudos, pela leitura de obras literárias, e agora querem remir a pena do preso que realiza atividades recreativas no interior do presídio. Mas ainda não acabou. Tem induto, graça e anistia; tem livramento condicional da pena; mas enfim, conseguiu sair do presídio, mas ainda durante 60 dias terá assistência ao egresso para retornar ao convívio social. Parou? Se for em Minas Gerais o preso terá ao sagrado direito ao período de férias, de acordo com o artigo 59 da Lei 11.404, de 1994, lei de execução penal no Estado berço da liberdade.

Com seus mais de 840 mil presos recolhidos nos estabelecimentos penais, no ranking de 3ª maior população carcerária do mundo, há quem sustente ainda que o Brasil prende muito e mal; o ideal talvez fosse o cumprimento das normas de convivência sem necessitar de normas jurídicas; o ideal fosse todo mundo do sistema penal perder seus cargos, suas funções porque não existe mais ninguém para punir; assim, cumprir as normas de conduta oriundas do pacto social passaria a ser um direito natural. Claramente, estamos diante de um sonho ou uma quimera. Deixamos a utopia de lado para afirmar com todas as letras que vivemos inexoravelmente numa sociedade altamente criminosa; egoísta; arrogante; por isso, sempre haverá alguém transgredindo as leis, inclusive, nesse instante é possível que estejam acontecendo crimes em algum lugar deste Torrão, gente matando, roubando, desviando dinheiro público nos suntuosos gabinetes em Brasília ou em qualquer outro lugar, e assim, o aparato estatal sempre será necessário para punir os recalcitrantes do contrato social.

Pelo menos em sede de direito penal, não obstante aos teóricos do sistema do garantismo monocular hiperbólico, aos amantes da intervenção mínima, aos apaixonados e acometidos pela síndrome de Estocolmo, aos adeptos ao princípio da felicidade plena, aos críticos do direito penal estigmatizante, aos lunáticos defensores das penas alternativas, um lado, e de outro, inobstante aos frenéticos defensores do direito penal máximo, aos compulsivos tatuadores de arminhas pelo corpo, aos seguidores do direito penal do inimigo, aos aloprados bélicos, e mais que isso, apesar dos narcisistas otimizados, dos midiáticos desenfreados, dos mercadores do sangue, dos cabotinos de gabinetes, dos paladinos da justiça, dos que se acham monopolizados da sabedoria jurídica, é certo que o delinquente tem o direito inalienável de ir para as profundezas do cativeiro dos ímpios, dos pecadores, do reservatório de almas condenadas, com as vestes rituais e exuberantes do corpo, num ataúde cheio de flores, vermelhas ou lilás, hermeticamente fechado, desde que no meio do trajeto não venha a transgredir direitos alheios.

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BIBLIOGRAFIA

BOTELHO. Jeferson. A concessão de fiança pelo delegado de Polícia. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/111598/a-concessao-de-fianca-pelo-delegado-de-policia>. Acesso em 08 de novembro de 2024.

BRASIL. Constituição da República de 1988. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 29 de outubro de 2024.

BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em 29 de outubro de 2024.

BRASIL. Código Penal Brasileiro. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em 29 de outubro de 2024.

BRASIL. Lei de Execução Penal. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7210.htm>. Acesso em 29 de outubro de 2024.

BRASIL. Lei do Juizado Especial Criminal. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em 29 de outubro de 2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em <https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=26&sumula=1268>. Acesso em 29 de outubro de 2024.


Notas

1 BOTELHO. Jeferson. A concessão de fiança pelo delegado de Polícia. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/111598/a-concessao-de-fianca-pelo-delegado-de-policia>. Acesso em 08 de novembro de 2024.

2 SANTOS. Carlos Eduardo Ferreira. Sistemas penitenciários e o princípio da proporcionalidade. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/326810/sistemas-penitenciarios-e-o-principio-da-proporcionalidade. Acesso em 29 de outubro de 2024.

3 MUÑOZ CONDE, Francisco; Arán, Mercedez García. Derecho Penal. Parte General. 8ª ed. Valência: Tirant Lo Blanch, 2010, p. 555.

4 VON LISZT, Franz. Tratado de Direito Penal alemão Vol. I. História do Direito Brasileiro. Obra fac-similar. Brasília: Senado Federal, 2006, p. 418.

5 MUÑOZ CONDE, Francisco; Arán, Mercedez García. Derecho Penal. Parte General. 8ª ed. Valência: Tirant Lo Blanch, 2010, p. 556.

6 BOTELHO. Jeferson. Breves anotações sobre a Remição Penal pela leitura. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/56363/breves-anotacoes-sobre-remicao-penal-pela-leitura>. Acesso em 30 de outubro de 2024.

Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. A liberdade e as exceções da prisão no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7805, 13 nov. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/111636. Acesso em: 22 dez. 2024.

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