Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Epigenética, Teoria do Inimigo Institucional e o impacto intergeracional da atividade policial: uma análise biopsicossocial e jurídica

Agenda 22/11/2024 às 09:59

Francis Jambeiro

Epigenética, Teoria do Inimigo Institucional e o Impacto Intergeracional da Atividade Policial: Uma Análise Biopsicossocial e Jurídica

Resumo

A Teoria do Inimigo Institucional propõe que o Estado cria inimigos internos ao atribuir responsabilidades desproporcionais aos seus agentes, como policiais, exigindo moralidade impecável e eficiência sobre-humana. Sob essa perspectiva, este artigo investiga como a epigenética — ciência que estuda alterações na expressão gênica causadas por fatores ambientais — pode explicar os impactos biológicos e sociais dessa configuração. A constante exposição dos policiais à violência, ao risco e ao estresse crônico altera sua expressão genética e prejudica não apenas sua saúde física e mental, mas também a de seus descendentes, por meio de mecanismos de transmissão intergeracional epigenética. Este trabalho propõe uma integração entre criminologia, epigenética e políticas públicas para reconfigurar a abordagem estatal, incluindo intervenções voltadas à humanização do policial e ao suporte integral a seus familiares, rompendo ciclos de vulnerabilidade genética e social.

1. Introdução

A Teoria do Inimigo Institucional, desenvolvida por Francis Jambeiro (2024), argumenta que o Estado constrói inimigos internos em seus próprios servidores públicos, especialmente policiais, tratando-os como símbolos de uma moralidade idealizada. Essa abordagem reforça uma sobrecarga institucional, onde erros humanos são criminalizados, e o Estado exige dos policiais um desempenho perfeito, ignorando os efeitos colaterais dessa pressão sobre sua saúde e a de seus familiares.

A epigenética oferece uma base científica para entender como o estresse crônico associado à atividade policial pode gerar impactos biológicos profundos, tanto no indivíduo quanto em suas gerações subsequentes. Estudos como os de Yehuda et al. (2016) e Szyf & Meaney (2008) demonstram que traumas e condições de alta tensão induzem alterações epigenéticas com consequências intergeracionais. Assim, ao negligenciar o impacto do ambiente institucional sobre os policiais, o Estado perpetua um ciclo de vulnerabilidade biológica e social.

Este artigo propõe um modelo integrado que utiliza a epigenética como base para repensar a relação Estado-policial, oferecendo intervenções baseadas em políticas públicas que incluam apoio ao policial e a sua família, rompendo o ciclo de vulnerabilidade.

2. Fundamentação Teórica

2.1. Teoria do Inimigo Institucional

Segundo Jambeiro (2024), o policial é construído pelo Estado como uma figura de perfeição moral e eficiência operacional, sendo responsabilizado por falhas estruturais do sistema. Essa construção coloca o agente em um papel paradoxal: ele é visto como herói e vilão simultaneamente, devendo enfrentar situações extremas de violência sem margem para erros.

Essa dinâmica cria um ambiente de trabalho marcado pelo estresse crônico, exacerbado pela ausência de suporte institucional adequado, o que impacta diretamente a saúde física e mental do policial.

2.2. Epigenética e Estresse Crônico

A epigenética estuda as mudanças na expressão gênica causadas por fatores ambientais, sem alterar a sequência do DNA. Alterações como a metilação do DNA e modificações em histonas podem ser desencadeadas por estressores como traumas, violência e privação (SYZF; MEANEY, 2008).

Yehuda et al. (2016) demonstraram que descendentes de sobreviventes do Holocausto apresentavam padrões epigenéticos alterados em genes associados à resposta ao estresse, como o FKBP5, predispondo-os a transtornos emocionais. No contexto policial, essas alterações epigenéticas podem ser observadas em:

2.3. Criminologia e Biologia do Comportamento

A criminologia tradicional enfatiza os fatores sociais e psicológicos que moldam comportamentos desviantes (BECKER, 1963; SUTHERLAND, 1947). No entanto, autores como Raine (2013) e Walsh & Beaver (2009) argumentam que abordagens biológicas devem complementar essa análise. A constante exposição à violência e à iminência de perigo não apenas molda o comportamento do policial, mas também afeta sua biologia, criando um ciclo intergeracional de vulnerabilidade genética e social.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

3. O Impacto Epigenético da Atividade Policial

3.1. Estresse Ocupacional e Alterações Biológicas

A atividade policial é caracterizada por estressores como:

3.2. Transmissão Intergeracional

Os familiares de policiais, especialmente cônjuges e filhos, são indiretamente expostos ao estresse do ambiente policial, criando um cenário familiar instável. Estudos indicam que:

4. Propostas de Intervenção: Reconfiguração Institucional

4.1. Políticas de Suporte Integral ao Policial
  1. Educação epigenética: Capacitar policiais sobre os impactos do estresse em sua saúde e em sua família.

  2. Promoção de saúde mental: Instituir programas obrigatórios de acompanhamento psicológico e emocional.

  3. Humanização institucional: Reduzir a idealização do policial como "Messias" e tratá-lo como indivíduo vulnerável.

4.2. Rede de Apoio Familiar
  1. Grupos terapêuticos familiares: Oferecer suporte psicológico para cônjuges e filhos.

  2. Intervenção precoce em descendentes: Monitoramento genético e psicológico para prevenir a perpetuação de padrões epigenéticos prejudiciais.

4.3. Reformulação das Relações Estado-Policial
  1. Reconhecimento da vulnerabilidade: Incorporar a vulnerabilidade humana como parte das políticas de segurança pública.

  2. Políticas baseadas em evidências: Investir em pesquisas epigenéticas aplicadas à segurança pública para fundamentar intervenções.

5. Considerações Finais

A Teoria do Inimigo Institucional, ao criticar a construção de um policial idealizado pelo Estado, encontra suporte na epigenética, que demonstra como o ambiente tóxico da atividade policial impacta a saúde biológica e emocional do agente e de seus familiares. É imperativo que o Estado reconheça esses efeitos intergeracionais e adote políticas públicas que promovam condições de trabalho dignas e suporte integral ao policial e sua família. Somente assim será possível romper o ciclo de vulnerabilidade biológica e social, criando um sistema de segurança pública mais humano e eficiente.

Referências

  1. Jambeiro, F. (2024). Teoria do Inimigo Institucional: A Criação do Antagonista pelo Estado. Salvador: Publicações Jurídicas.

  2. Yehuda, R. et al. (2016). Holocaust Exposure Induced Intergenerational Effects on FKBP5 Methylation. Biological Psychiatry.

  3. Szyf, M., & Meaney, M. J. (2008). Environmental Programming of Stress Responses through DNA Methylation. Dialogues in Clinical Neuroscience.

  4. Becker, H. (1963). Outsiders: Studies in the Sociology of Deviance. The Free Press.

  5. Raine, A. (2013). The Anatomy of Violence: The Biological Roots of Crime. Penguin Books.

  6. McEwen, B. S. (2000). Stress, Definition and Concepts of. Encyclopedia of Stress.

  7. Walsh, A., & Beaver, K. M. (2009). Biosocial Criminology: New Directions in Theory and Research. Routledge.

Sobre o autor
Francis Santos Vieira Jambeiro

Advogado, mestrando em Psicologia Forense pela UNIVERSIDAD EUROPEA DEL ATLÂNTICO. OAB/BA 64956.Pós graduado em Criminologia, Antropologia e Programação Neurolinguística. Pós graduando em Direito Processual Penal com docência do ensino superior, Psicanálise e Investigação de Cena de Crime. Escritor , Versos e Reflexões, 2020. Bacharel em Direito pelo Instituto de Educação Superior Unyahna, em Salvador-BA. Presidente do IBRAS - Instituo Brasileiro de Atenção Social. Advogado voluntário da Associação Baiana de Cegos. É titular do escritório Jambeiro Advocacia e Consultoria. Milita na área Criminal, porém, por entender que o Direito e uma ciência multidisciplinar também atua com outros ramos. É docente de Direito Processual Penal, Direito Processual Civil, Direito Constitucional, Filosofia e Direitos Humanos da Faculdade Santo Antônio (Alagoinhas-BA). Professor de Direito Penal e Direito Civil da Faculdade Unime Anhanguera. Suas áreas de interesse são: Direito Penal, Criminologia, Antropologia, Educação, Ética, Ciências Sociais e Filosofia do Direito. Por entender que a ciência do Direito está continuamente em evolução, seu perfil profissional é flexível e multidisciplinar. Por meio de pesquisa, extensão e atualização, acompanha as transformações sociais inerentes ao mundo contemporâneo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!