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O princípio da laicidade no Estado Brasileiro e a influência administrativa-política religiosa

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Agenda 22/11/2024 às 15:45

Resumo: Sobre a polêmica indiferença religiosa que o Estado Brasileiro se submete, existem inúmeras perspectivas que evidenciam a peculiaridade da laicidade nacional e a sua não integralidade. Como toda boa regra de direito, o não-absolutismo está claramente presente na relação Estado-sociedade. Culturalmente o Brasil adotou a religião católica, mas ao contrário de muitas ditaduras religiosas (presentes inclusive em Estados Democráticos), preteriu-se, em tese, pelo respeito e o livre exercício das outras crenças, desde que estas respeitem a soberania nacional e as outras. Em uma nação miscigenada como a Brasileira, que, apesar da pluralidade racional resultante da vasta colonização, incrementada por refugiados e imigrantes, somos uma terra pluricultural, não possuímos mono tipicidade racial, possuímos identidade comportamental. O Brasileiro não é reconhecido por sua cor ou característica física, mas sim pelo seu comportamento e humor. Sobre a ótica religiosa, muito se discute a interferência dos valores católicos nos governos brasileiros (Federal, Estadual e Municipal)- isso inclui executivo e legislativo – e no judiciário, o que ocasiona a eventual quebra do princípio da laicidade. O objetivo desse estudo foi coletar variadas visões e fatos, tanto no polo crencionista como no ateísta, com fim - não de preterir por um ou por outro, até porque o campo religioso não permite concursos – de atestar as positividades e negatividades do sistema enquadrando-o na realidade social do país, e averiguar pontos religiosos na administração. O presente artigo, já publicado em outros canais em 2019, segue a linha ainda persistente e presente na sociedade brasileira, mais atualizado e mais técnico.


1. INTRODUÇÃO

Igualdade. Princípio que visa manter uma relação linear e proporcional entre Estado e Cidadãos, impedindo que os Agentes Públicos responsáveis por gerir o Ente soberano privilegie um ou outro de seus subordinados. Respeitar as diferenças e tratar todos de forma isonômica, é a forma mais eficaz do Estado se organizar e se manter.

Um dos princípios utilizados como ferramenta na escalada para a igualdade, é o da Laicidade, abrigado pelo inciso VI, do art. 5º do Mantra Constitucional. Que, em regra, adota imparcialidade Governamental sobre o ramo religioso, e assegura o livre direito de exercício da sociedade sobre os mesmos.

Mas, será que o Estado Brasileiro é absolutamente laico? A religião se faz presente no Estado? A sociedade brasileira é religiosa! negar a sua própria essência é admitir a mentira e conviver com o surrealismo. Respeitar as manifestações diversas de crença ou descrença, esse é o caminho.

Apresentando as óticas teólogas e ateístas, o que não significa compactuar com as mesmas, em busca de uma reflexão mais equilibrada sobre a positividade ou a negatividade da influência religiosa no Estado de Direito, esse é o objetivo deste estudo. Apesar dos abusos cometidos corriqueiramente pelos agentes públicos ao preterirem uma religião e levarem ao Estado

à adesão de sua preferência, ou, ainda, do desprezo por outras matrizes religiosas distintas. O que se busca neste estudo é pinçar os valores religiosos propriamente ditos, o que induz a pensar, que, talvez a maior questão não seja o desentranhamento religioso do Estado, mas realçar o impacto dos valores religiosos na formação do Estado Brasileiro, desenvolvendo linhas ideais de atuação “pública”, apesar das influências próprias e religiosas dos agentes.


2. RELIGIÃO (no Brasil) x ESTADO

Definir a religião não é uma matéria das fáceis, aliás, a quem diga que ainda não fora definida. Por esse motivo, este estudo, voluntaria-se a imparcializar a definição de religião/crença, e, portanto, proferi-la tanto na ótica teóloga como na ateísta, da maneira mais moderada possível esquivando-se do extremismo.

Cumprindo a ordem, apensa-se a definição sintética de religião aos olhos do autodeclarado religioso, ALVES, Rubem (1999, pg. 25. e 26) em sua obra "O que é religião?":

[...]O sagrado não é uma eficácia inerente às coisas. Ao contrário, coisas e gestos se tornam religiosos quando os homens os batizam como tais. A religião nasce com o poder que os homens têm de dar nomes às coisas,[...] a religião se nos apresenta como um certo tipo de fala, um discurso, uma rede de símbolos. Com esses símbolos os homens discriminam objetos, tempos e espaços, construindo, com seu auxílio, uma abóbada sagrada com que recobrem seu mundo. Por que? Talvez porque, sem ela, o mundo seja por demais sombrio, frio e escuro. Com seus símbolos sagrados o homem exorciza o medo e constrói diques contra o caos.[...]

Segundamente, relaciona-se a interpretação do pensador brasileiro KARNAL, Leandro (2017, pg. 39), sobre a religião, na obra "Crer ou não Crer":

"[...] Então eu acho que a religião é uma resposta muito importante e muito transcendental para todas as angústias. [...]. Por isso não é uma crítica às aparições ou à fé, mas são elas que respondem a algo importante. Sempre o maior de tudo parece ser a história e sua percepção das coisas.[...]"

Nesse ponto, concatenando-se nas moderadas e distintas definições trazidas, religião pode ser definida como: 1 - Variavelmente mística e salvadora por quem crê, na margem peculiar de cada crença; ou, 2 - como uma muleta imaginária, de forças e poderes anticientíficos, criada pelo homem, aos que não creem. Sem desprezar quaisquer outras definições possíveis neste vasto universo.

Oficialmente, a religião é um universo separado do Estado, ao ponto que o segundo, aberta e normativamente, preza pelo respeito às diversas religiões e sua liberdade, enquanto as religiões como membros sociais, e formada por a pessoas, subordinam-se à soberania estatal. Situação oposta à da época medieval, onde os pilares do império concerniam-se na aliança Igreja e Estado, o controle das massas e a manutenção do poder.

Já o Estado, segundo LOPES, Meirelles (2015, p. 64), pode ser definido em três janelas: 1 - “do ponto de vista sociológico, é corporação territorial dotada de um poder de mando originário (Jellinek)”; 2 - sob o prisma constitucional é pessoa jurídica territorial soberana (BiscarettidiRuffia); 3 - na conceituação do Código Civil é pessoa jurídica de Direito Público Interno (art. 41, I).

2.1. Da influência religiosa na formação humana

Correntes históricas-cientificas, sugerem que a religião originou-se como uma forma personificada de resposta sobre coisas que o homem não podia responder, muitas delas até hoje não foram respondidas. Com a evolução humana e o seu aperfeiçoamento científico, a religião não deixou de existir, pelo contrário, foi se moldando e sendo aperfeiçoada de forma a continuar fazendo parte da sociedade.

O papel da religião na evolução humana foi indiscutivelmente crucial, sem os valores religioso não é possível traçar estimativas de como seria a sociedade, isso é, se existisse sociedade. Afinal, sem os valores de compaixão, sem a ameaça de castigo e as promessas de bênçãos e recompensas para as pessoas que obedecerem ao padrão traçado como bom, as chances de que a história viesse a testemunhar seres desprezíveis e altamente animalescos (ou mais desprezíveis e animalescos do que já somos) é grande. E isso por sua vez ocasionaria, também, na predominância do instinto sobre o pensar, o individualismo sobre o cooperativismo.

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O que garante – ou pelo menos garantiu por um tempo – o respeito entre grande parte das pessoas numa vida em sociedade, mais do que os regramentos do Estado, foram as maldições religiosas, o respeito a religião sempre foi maior, mesmo com a sua contestável existência, os seres celestiais sempre agiram como “Juízos supremos e imparciais” que devem ser respeitados (isso inclui as correntes ufólogas).

Nos tempos atuais, a religião ocupa o papel instrutivo, e, as crianças já são matriculadas em ensinos religiosos ao mesmo passo que no ensino básico. E, convenha-se que, a religião se mostra mais atrativa. Sem mencionar que o ciclo mais próximo, incentiva as pessoas à seguirem vossas religiões, o que motiva ainda mais as crianças a tomarem para sí os valores aprendidos através do ensino religioso. A religião, de certa forma, adestra o homem.

Passeando nos jardins da Psicanálise, ciência indissociável para a compreensão do homem e da formação de sua personalidade, em especial sobre a teoria cognitiva da personalidade criada por Freud, onde, basicamente, a personalidade é estruturada em três camadas: "Id", "ego" e "superego". A primeira advém da essência, instintiva do homem, Freud nomeia como id, seria uma espécie de instinto inconsciente natural do homem. A segunda Freud nomeou como "ego", atuando como um guia do id, direcionando suas vontades próprias e essenciais, as formas de concretização. E a última, como contra freio do direcionamento das vontades, a parte mais reflexiva, a que pastorará as atuações do "ego", batizou-se de "superego", forjada sob os valores morais e conscientes, uma forma mais exteriorizada de relacionar as vontades do id através do ego.

Essas camadas que compõe a estrutura da personalidade são costuradas com o passar do tempo e o processo de desenvolvimento biológico do Homem. Freud classifica as fases evolutivas biológicas, cronologicamente, na seguinte ordem: Fase Oral (do nascimento aos 02 anos - a boca como primeira ferramenta do indivíduo para a percepção do mundo), Fase Anal (entre 02 à 04 anos - desenvolvimento de outras sensibilidades, como a micção e à evacuação), Fase Fálica (a partir dos 03 anos - a diferenciação dos gêneros sexuais e das genitálias, e o amadurecimento e exteriorização do desejo sexual e sentimentos derivados do mesmo) e a Fase Genital (inicia-se junto com a puberdade, a busca pela satisfação do desejo sexual reprimido e assimilado durante a fase fálica).

As experiências e referencias absorvidas no início de nossas vidas, formarão a estante de valores e comportamentos aos quais absorveremos em nossa personalidade. É ‘por isso que as famílias possuem pessoas com personalidades semelhantes. Há espaço para discussões sobre a interferência eletrônica e digital nesse processo, mas não vem ao caso aprofundar sobre tamanha matéria para os fins deste trabalho. Nessa gama, a personalidade perfaz-se como a junção de vários valores e princípios alheios absorvidos por alguém. Assim corroboram AUWEELE, CUYPER, MELE E RZEWNICKL (1993)

Os traços não agem independentemente uns dos outros. Uma pessoa é o que ela é devido à combinação e interação de muitos traços, cujo número ainda não foi determinado. O conceito de traço é uma pedra central da construção da personalidade do indivíduo e os traços psicológicos podem ser definidos como estruturas internas estáveis que servem como predisponentes do comportamento e, consequentemente, podem ser "indicadores" de futuros comportamentos (AUWEELE, CUYPER, MELE E RZEWNICKL, 1993).

Se por um lado a religião pode ser importante “mina” de valores e referencias - como a compaixão e o amor ao próximo – para uma vida em sociedade, é verdade que a mesma pode guiar e restringir algumas experiências humanas, se utilizada ou interpretada de maneira extremista, com referências a Nietzche. Não se discute se a participação religiosa na formação do indivíduo se faz boa ou ruim, até porque para alguns ela representa esperança e para outros cegueira, mas, alguns valores religiosos voltam-se melhor ao adestramento na vida em sociedade, do que os valores despregados de religiosidade, que, mormente, tendem ao individualismo, a sobrevivência, a natureza do homem animal, já que a sociedade é parte da criação humana e fomos adestrados à integra-la.

2.2. Do Estado como moderador da vida em sociedade

Aproveitando o ensaio de MacIver, R. M. (1926, The ModernState) sobre a definição do Estado, corrobora-se que "O Estado é uma associação que, atuando através da lei promulgada por um governo investido, para esse fim, de poder coercitivo, mantém, dentro de uma comunidade territorialmente delimitada, as condições universais da ordem social” (aput, MALUF. 2010, pg 29). Em um Estado Democrático, o governo, coordenador da estrutura estatal, embora dotado de soberania, nunca será integralmente autônomo, além dos controles de poderes, sempre estará vinculado parcialmente na vontade popular, sendo inclusive eleito pelo povo, podendo ser deposto pelo povo, e receber sugestões populares.

Assim, embora admita-se que definir o Estado é uma missão muito complexa, pois dependerá da ótica pretendida e do foco, em qual das inúmeras funções do Estado se desenvolverá a definição, sintetiza-se para os fins deste estudo, que, o Estado, corpo jurídico humanamente governado, tem como principal atribuição a de Moderador social – Garantindo direitos individuais e coletivos, sempre fazendo valer a soberania de seus atos e preferência pelos interesses públicos/sociais sobre os individuais, mantendo sempre a ordem social, punindo aqueles que se desvirtuam dela e protegendo a ordem. O Estado exerce sua soberania e dita as condutas sociais através das leis, sendo elas os costumes ou os códigos, escritos. As Leis são os mandamentos estatais, são os anúncios a comunidade [direta ou indiretamente – via representantes] daquilo que deverá ser atendido, o registro da vontade estatal, o informativo da obrigação cidadã.

O atual conceito de Estado, é fruto da evolução filosófica, socióloga e jurídica, que com o passar do tempo moldaram os pontos frágeis das formas de Governo e da atuação Estatal. O Estado, em seus primórdios, ocupava uma função totalitária e centrípeta onde tudo deveria passar sobre o seu controle. A Revolução Francesa (1789-1799), fortemente motiva pelos pensamentos de liberdade e igualdade, do Suiço, Jean-Jacques Rousseau, em especial os registrados na sua obra “O Contrato Social”, foi o movimento responsável em promover a quebra desse conceito totalitário e engatinhar o conceito de Estado Liberal – uma formatação onde o Estado pouco influenciaria na sociedade e nas relações entre seu povo, a expectativa era que tudo se ordena-se naturalmente. Mas, o Estado Liberal mostrou-se falho, e evidenciou-se a necessidade de o Estado agir sempre quando necessário, protegendo e assegurando a vida em sociedade de seu povo, e assim surgiu o conceito do Estado Social. Sobre as funções do Estado, somam-se os estudos de BORTOLETTO, Jonas, em seu artigo: “Análise do atual Direito Administrativo aplicado na transformação do Estado” (2018), onde registra-se:

A ideia geral é a de que ao Estado incumbe uma função fiscalizadora, controladora das relações particulares. Isto ocorreu para que se evitasse a grande diferença social e econômica estabelecida pelo modelo Liberal.

Assim, cria-se um modelo de Estado Democrático cujo valor essencial não é mais o da liberdade absoluta, mas o da igualdade material.

A partir das duas grandes guerras, do holocausto, da massa de destruição que se abateu sobretudo na Europa, paira no ar o clamor por outra forma de relação entre Estados e entre o Estado e os seus cidadãos.

A ideia de solidarismo, de direitos não mais unicamente individuais, mas sobretudo, humanos para dizer de uma forma mais ampla, traz à tona o valor revolucionário da fraternidade.

De Estado Democrático de Direito passa-se a Estado Social de Direito, e a sua maior característica reside na tutela do meio ambiente, dos direitos das gerações futuras, além, naturalmente, daqueles já conquistados anteriormente.

Extrai-se, assim, um entendimento de que existe a vinculação da função social do Estado ao Governo e seus atos, existe o múnus governamental de proteger a sociedade (povo sob a tutela de determinado Estado), tanto das ameaças externas como das internas, para o bem pacífico social, e, consequentemente, o bem do Estado e sua funcionalidade.

2.3. Do princípio da laicidade na Constituição Federal de 1988

Em meio a todas essas evoluções estatais, um conceito foi desenvolvido e é expressado na Constituição Brasileira, o da laicidade. O Estado Brasileiro é laico/secular, isso, teoricamente, prega a desagregação da religião e seus valores sobre os atos governamentais. Em uma democracia, a pluralidade de crenças e valores são incalculáveis, pois pousam sobre a liberdade, e o Estado deve agir com o máximo de neutralidade e igualdade possível com relação as diversas religiões, por isso, a laicidade é um princípio crucial para a manutenção da democracia e os direitos individuais e coletivos. E aqui, vale destacar, deve-se entregar à leitura, imaginando o Estado personificado na figura de um Governante, eleito, que está diante de várias demandas sociais, dentre as quais envolvem pessoas próximas, pessoas distantes, religiões que compartilha e religiões que não compartilha, imaginando como agir em todas essas demandas.

O Art. 5º, inciso VI, assegura liberdade de crença aos cidadãos, conforme observa-se:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

FISCHMANN, Roseli, em sua obra “Estado Laico, Educação, Tolerância e Cidadania ou simplesmente não crer” (Factash Editora, 2012, pg 16), aduz sobre o Estado Laico e a sua importância:

Assim, o caráter laico do Estado, que lhe permite separar-se e distinguir-se das religiões, oferece à esfera pública e à ordem social a possibilidade de convivência da diversidade e da pluralidade humana. Permite, também, a cada um dos seus, individualmente, a perspectiva da escolha de ser ou não crente, de associar-se ou não a uma ou outra instituição religiosa. E, decidindo por crer, ou tendo o apelo para tal, é a laicidade do Estado que garante, a cada um, a própria possibilidade da liberdade de escolher em que e como crer, , enquanto é plenamente cidadão, em busca e no esforço de construção da igualdade.

2.4. Da influência religiosa na Constituição Federal de 1988

Apesar de prezar pela não adoção religiosa oficial, os governos que preenchem os Estados e os parlamentares que compõe as cadeiras eletivas, pela própria cultura brasileira, dificilmente despregam-se de valores religiosos. Ou seja, indiretamente, com reflexos materiais, os princípios religiosos atuam no Estado Brasileiro.

Exemplos práticos disso são: 1 – O próprio preâmbulo constitucional, redigido por Ulysses Guimarães, que, no corpo da laicidade constitucional aduz que a carta magma foi promulgada "[...]sob a proteção de deus[...]"; 2 - Da obrigatoriedade de matéria religiosa no Ensino Fundamental, presente no Art. 210, §1º da Constituição Federal de 19881; 3 –A imunidade tributária dos templos religiosos, Art. 150, inciso VI, alínea “b)”, da Constituição Federal de 19882; 4 – Os efeitos civis do casamento religioso, Art. 226, §2º, da Constituição Federal de 19883; e 5 – O respeito universal as religiões e aos cultos, na medida da legalidade, inclusive nas demandas militares4.

A influência religiosa da sociedade na constituição de cada Estado de Direito, é indiscutível, cada nação possuí suas prerrogativas culturais e é por isso que se mostra descabido qualquer comparação entre elas, a verdade é que apesar de sua soberania o Estado possui certas restrições alicerçadas pela religião que seu povo mais cultua. No Brasil, em decorrência do fator cultural, e a opção social religiosa maioritária de seu povo, o cristianismo se faz presente, quase como um princípio ultralegal. Sobre isso, discorre acertadamente SPROUL, R. C.na página 41 de sua obra,“Qual é a relação entre a Igreja e Estado?”, vejamos:

“Uma coisa importante que devemos notar é que o poder da espada não é dado à igreja. A missão da igreja não se move em direção à coerção ou ao conflito militar. O emblema do cristianismo é a cruz. Por contraste, o emblema do islã é a cimitarra ou a espada No islã há uma agenda de conquista dada às autoridades religiosas, mas no cristianismo a igreja não recebe o poder da espada. O poder da espada é outorgada apenas ao estado”

2.5. Da relação: povo religioso x estado laico

Segundo o levantamento global IPSON [em 26 países], o “Global Religion 20235”, 89% dos brasileiros creem no poder superior. E outras pesquisas revelam a pulsão religiosa na sociedade brasileira, como por exemplo, os dados divulgados pela Revista Veja6, em maio de 2024, que acusam que 1/3 dos brasileiros já “trocaram” de religião, isso simboliza que a fé é cultural no Brasil, independentemente da doutrina proclamada.

Segundo o Global Religion 2023, 76% dos brasileiros se declaram pertencentes a alguma religião.

Vale lembrar, que, em 2010, a religião estava presente na vida de 92% dos brasileiros – que se declararam crentes – segundo dados do Censo Demográfico Cultural do IBGE em 2010, contra apenas 8% de brasileiros que não abraçam qualquer crença religiosa. Isso revela que a prática religiosa no Brasil continua ativa, e com pouca oscilação, se considerarmos os 12 anos entre a pesquisa do Censo e a recente pesquisa IPSON.

Segundo o Censo 20227, o Brasil possuí mais estabelecimentos religiosos [579,7 mil] do que de ensino [264,4 mil] e de saúde [247,5 mil], somados.

Assim, mesmo que fragmentadas, não há que se olvidar que a parte esmagadora da população brasileira adere a uma religião, e a religiosidade é um fato que justifica inúmeras jubilas da realidade nacional, além de cristalizar diversos pontos de nossas legislações, governos, costumes, comportamento... etc.

Os dados da pesquisa do IBOPE – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, divulgada no dia 13/03/2018, revelaram que 79% dos 2 mil brasileiros entrevistados, espalhados em 127 municípios, consideravam ser importante que o candidato a presidente da republica acredite em Deus. Isso reforça a crucialidade da religião para o brasileiro em todos as cearas.

A pesquisa Datafolha8, divulgada pela Folha de São Paulo, em 2022, revelou a proporção de que 51% da população brasileira se declara católica, e 26% evangélica, sendo os dois grandes grupos religiosos no país.

Nesse ponto, cabe uma análise, a de que o Estado propõe-se a ser laico, todavia, invariavelmente as inconsistências da laicidade absoluta começam ao passo que em um sistema democrático a vontade popular é predominante - vontade popular se entende como aquela que é compartilha pela maior parcela da população. Assim, com essa hegemonia sócio-religiosa, é possível afirmar que hora o país será gerenciado/legislado de maneira mais tendenciosa aos valores de determina religião, outrora pelos de outra. Isso não apenas pela vontade popular, mas pelos ocupantes de cargos eletivos, que são frutos populares, ou seja, podem possuir princípios ético-religiosos, e, estão fardados a obrigatoriedade de representar seu eleitorado, que também possuí valores religiosos.

Os princípios religiosos repercutem no cotidiano e no costume brasileiro, alcançando decisões de governo. Sendo perfeitamente cabível citar: a criminalização do aborto e o, até pouco tempo criminalizado, crime de adultério, que se assemelham a questões comportamentais, inerentes de liberdade individual, as quais descabem o exacerbado intervencionismo estatal motivado por valores religiosos que admitidamente estão conectados com a cultura brasileira. São questões tão desconexas com a filosofia dos direitos individuais e a liberdade, que alcançam a atuação do Estado – espírito legal-político, moderador da sociedade, em todas as suas formas e crenças. Esse limite, de poder de governo [e neste ponto, administrativo ou legislativo] x liberdade individual, sempre está em jogo.

A teoria de Nietzsche, indiscutivelmente sensata, seria perfeitamente aplicável em uma atmosfera ainda desconhecida, onde os seres dominantes desnudam-se de emoções em sua essência, o que, humanamente, é impossível. Tudo que evoluímos até o presente, nasceu de alguma forma, de nossa mísera sensibilidade e percepção, as codificações (números, linguagem, gestos, sociedade, leis...) compreendem a maneira humana de simplificar a infinidade que nos rodeia, deu-nos um ponto de partida para melhor explorarmos – melhor seria, “situarmo-nos” - no breu, tão intenso quanto o espaço, de invisíveis, varáveis e razões maiores que a nossa singela existência não compreende.

Nesse diapasão, “siamesiam-se” a existência consciente do Estado (independente de seu regime) e os valores da Religião (independente da sua espécie), simultaneamente, sobre o mesmo corpo, em qualquer sistema político terrestre. As constituições Estatais refletem as sociedades, as sociedades refletem os homens, os homens são aquilo que acreditam ser.

2.6. Da laicidade do estado brasileiro

Diante das considerações construídas e somadas até aqui, o Princípio da Laicidade no Estado Brasileiro possuí forma própria, não sendo esta forma absolutamente laica, mas com fortes influências religiosas e respeitadora das diversas e variadas práticas religiosas e seus cultos. Portanto, sobre a laicidade brasileira emergem-se duas afirmações: a Indiscriminação religiosa e um Estado que não admite ser crente (a teoria do não ateísmo do Estado Brasileiro).

A laicidade da Constituição de 1988, ainda não é a inteiramente desvinculada de crenças, em um processo normativo evolutivo, alçou-se o conceito de desvinculação religiosa no governo, mas, na prática, ainda existes laços com a mesma. Isso, novamente, deve-se ao fato de a sociedade ser em sua maioria religiosa. Um Estado que não tenha influências religiosas, soberanizando um povo religioso, nunca seria o ideal dadas as peculiaridades de cada nação, e considerando, ainda, que os representantes do povo são sua imagem, seus valores e sua esperança de mudança, o eleito é o reflexo da vontade popular, a democracia prega isso em sua essência.

O ateísmo ainda amadurece na população brasileira, mas a capacidade de desvinculação da religião em outros aspectos da vida, e até mesmo de respeito mútuo, ainda estão sendo regados, por isso, o principio da laicidade, outrora nem se quer praticado, tende a ser aperfeiçoado junto com a nossa sociedade. No panorama atual, o Brasil não adota uma religião oficial, mas ocultamente se identifica com os valores e princípios religiosos, em especial, os cristãos. Daí o surgimento de partidos “tradicionais”, que asseguram a manutenção dos valores cristãos, e ainda, o reconhecimento das matrizes negras, africanas, movimentos que fortalecem a atividade religiosa na política.

A política deve ser técnica, pois serve e trabalha para todos, inclusive, as minorias que não possuem expressão de voto, ou seja, o governante atua para todos os seus eleitores e para os que não os são. A responsabilidade do eleito é par com todos.

No panorama atual, o Brasil não adota uma religião oficial, mas ocultamente se identifica com os valores e princípios religiosas, com predominância cristã. A laicidade atua no ponto em que o Estado respeita as demais religiões e suas propagações, não deixando de aplicar seus princípios internos nas decisões e ações cotidianas, isso quando do emprego da discricionariedade e conveniência.

Os atos praticados pelos agentes públicos, e nesse ponto podemos citar os agentes técnicos e administrativos, assim como os agentes políticos e os agentes eleitos, possuem diferentes naturezas, e para elucidar o tema, podemos citar duas formas: 1- existindo atos vinculados, ou seja, que são de realização obrigatória, devem ser realizados de maneira impulsiva; e 2- existem, além de outros, os atos discricionários, ou seja, que gozam de certa maleabilidade, escolha do agente público. São esses atos que estão sujeitos à intervenção religiosa, pois quando da sua construção, o agente usará suas convicções e princípios pessoais para decidir, é nesse tipo de atuação estatal em que a religião encontra espaço e voz para tomar as rédeas políticas, sejam administrativas ou legislativas. Portanto, o mérito administrativo, o dialeto entre “conveniência e oportunidade”, são o campo de atuação dos princípios íntimos e religiosos dos agentes públicos.

Sobre o autor
Leonardo Vieira de Souza

Advogado e Consultor em Gestão Pública. Pós-graduado em Direito Administrativo, Constitucional, Eleitoral e Gestão Pública com ênfase em Licitações.

Informações sobre o texto

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