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O princípio da laicidade no Estado Brasileiro e a influência administrativa-política religiosa

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Agenda 22/11/2024 às 15:45

3 CONCLUSÃO

Destarte, conclui-se que se mostra indissociável a influência religiosa na democracia brasileira, uma vez que a democracia emerge-se e sustenta-se na vontade popular, e, o povo brasileiro norteia-se massivamente em princípios religiosos, o que, involuntariamente, concede as religiões - sistemas sociais mais antigos que os de governo - o leme governamental do Estado em muitas ocasiões, com algumas restrições e controles.

Cumpre ressaltar que a tendência religiosa do brasileiro - afeiçoado ao cristianismo - se ilustra, como exemplos: no repúdio a pena de morte; no limite máximo para cumprimento de penas; no acolhimento/asilo à estrangeiros; no lento processo para reconhecer uniões homoafetivas; na proibição do aborto; e a tolerância ao furto famélico. São elementos políticos, leis, sistemas, que foram implementados em nosso Estado, mas que passam pela influência religiosa dos nossos governantes e políticos, por nossa sociedade religiosa em si.

Portanto, a Constituição - e por conseguinte subordinação, todas as normas brasileiras – e o Estado Brasileiro possuem o espírito acolhedor e compassivo presente nas crenças cristãs, simplesmente, por espelhar-se na cultura religiosa predominante socialmente. Tratando-se assim, de princípios intrínsecos, silentes, mas presentes nas legislações e gestões.

Levando em conta os valores brasileiros respaldados nos regramentos religiosos, a laicidade presente no Estado de Direito e em suas normas, conclui-se que esses valores éticos e morais devem compor o Estado e as normas Brasileiras, uma vez que cumprem e vestem a realidade social do País.

Quanto a essa visão positiva dos valores religiosos submersos na Constituição, limita-se o aceno positivo, ao ponto em que não exista colisão com os direitos pessoais/individuais.

Dalai Lama (2000, pg 26), muito bem registrou em sua obra: Além de religião: Uma ética por um mundo sem fronteiras, sobre as críticas as religiões e seus valores:

No entanto, ao avaliar essas críticas, é importante fazer a distinção entre críticas dirigidas à religião em si e aquelas dirigidas às instituições religiosas, que são duas coisas completamente distintas. A meu ver, as noções de justiça social não são de forma alguma contrárias aos princípios defendidos pela religião em si, porque no coração de todas as grandes tradições de fé está fundamentalmente o objetivo de promover as mais positivas qualidades da humanidade e nutrir valores como a bondade, a compaixão, o perdão, a paciência e a integridade pessoal.

Assim, mister enfatizar que uma sociedade predominante crencionista não aceitaria ser radicalmente gerida por um órgão frio e desvinculado de seus valores, até porque, em sua maioria, para que sejam eleitos os candidatos a cargos eletivos devem convencer e se identificarem aos cidadãos, seus eleitores, ou seja, demonstrarem apreço pela religiosidade. O Estado deve possuir características similares a da sua sociedade, isso não significa preterir por uma religião em especial, mas dotar-se dos princípios representativos do seu povo, isso é a democracia.

A laicidade absoluta sem maiores discussões é utópica, a forma mais sensata e correta a ser adotada por qualquer Estado. Existem decisões de Estado, de conveniência e oportunidade, que carecem de dispêndio de qualquer vínculo que privilegie um grupo social ou renegue outro, este é o caminho da igualdade, ao mesmo tempo em que existem atos que são passíveis de receberem esses princípios, em que a escolha dos governantes pode se, ainda que de modo oculto, se guiar pelos princípios religiosos, pois o representante, expressa a vontade popular.

Negar a influência religiosa nos governos, leis, é o mesmo que negar a realidade social e cultural do país, seria ilusório. A democracia fomenta isso, o espelho do povo no poder, e um povo religioso espera dos governantes e legisladores, o retorno de suas convicções e semelhanças. O Estado sempre deve servir à sociedade e garantir que todos tenham liberdade de cultuar suas crenças, e é isso que a Constituição assegura. Tecnicamente, alguns temas devem ser tratados com imparcialidade, sem interferência religiosa, e quando ocorre essa interferência desregrada, existem mecanismos jurídicos-administrativos [e judiciais] de se atacar tais atos. Entretanto, outros atos, permitem essa influência religiosa, pois admitem o poder de escolha do agente público, e este agente é dotado de princípios religiosos e carrega a responsabilidade de representação de seus eleitores.

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Referências

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KARNAL, Leandro e MELO,Pd. Fábio. Crer ou não crer sem rodeios entre um historiador ateu e um padre católico. 1. ed. São Paulo: Pleneta, 2017.

FADIMAN, James/coordenação da tradução Odette de Godoy Pinheiro/tradução de Camila Pedral Sampaio, SybilSafdié. Teorias da personalidade.São Paulo: Editora Harbra, 1986. Capítulo I

FISCHMANN, Roseli. Estado Laico, educação, tolerância e cidania: para uma análise da concordata. Factash Editora: São Paulo, 2012, pg. 16.

FREUD, Sigmund (1916-1917). Conferências Introdutórias sobre Psicanálise. Edição STANDARD Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, com os comentários e notas de James Strachey, sob a direção de Jayme Salomão, vols. I-XX1V: Rio de Janeiro, 1972-1977.

GOLDMAN, Emma. O individuo, a sociedade e o Estado, e outros ensaios. Editora Hedra: São Paulo, 2007

LAMA, Dalai. Além da Religião: Uma ética por um mundo sem fronteiras. Editora Sextante: 2000. Traduzido por Lûcida Letra. Terezópolis: 2016,pg 26.

MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. Saraiva: São Paulo, 2010, pg 29.

NIETZCHE, Friedrich . O Anticristo. Porto: L&PM Pocket Coleção, 2008.

SPROUL, R. C. Qual é a relação entre a Igreja e o Estado?. 1ª ed. São José dos Campos: Editora Fiel, 2014, pg10 a 50.

TOCQUEVILLE, Alex. O antigo regime e a revolução . WM Martins Fontes, traduzido por Rozemary Costhek Abílio. São Paulo: 2016.

https://censo2010.ibge.gov.br/apps/atlas/pdf/Pag_203_Religi%C3%A3o_Evang_miss%C3%A3o_Evang_pentecostal_Evang_nao%20determinada_Diversidade%20cultural.pdf. Acessado em: 08/08/2018 – 14:43

https://www.gazetaonline.com.br/noticias/politica/2018/03/para-79-dos-brasileiros-e-importante-candidato-acreditar-em-deus-diz-pesquisa-1014122652.html. Acessado em: 10/08/2018 – 11:37


  1. Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.

    § 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

  2. Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

    [...]

    VI - instituir impostos sobre:

    [...]

    b) templos de qualquer culto;

  3. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

    [...]

    § 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

  4. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

    [...]

    VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

    VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

    VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

  5. https://www.ipsos.com/sites/default/files/ct/news/documents/2023-05/Ipsos%20Global%20Advisor%20-%20Religion%202023%20Report%20-%2026%20countries.pdf

  6. https://veja.abril.com.br/brasil/pesquisa-aponta-que-quase-um-terco-dos-brasileiros-ja-trocou-de-religiao

  7. https://iser.org.br/noticia/o-tamanho-institucional-da-religiao-no-censo-do-ibge/

  8. https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/06/datafolha-brasileiros-vao-menos-a-igreja-e-dao-menos-contribuicoes.shtml

Sobre o autor
Leonardo Vieira de Souza

Advogado e Consultor em Gestão Pública. Pós-graduado em Direito Administrativo, Constitucional, Eleitoral e Gestão Pública com ênfase em Licitações.

Informações sobre o texto

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