Como se dá a contratação temporária de empregados públicos pelas estatais?
O art. 37, IX da CF/88 estabelece que “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.
Comentando o dispositivo, Celso Antonio Bandeira de Mello leciona1 que “a Constituição prevê que a lei (entende-se: federal, estadual, distrital ou municipal, conforme o caso) estabelecerá os casos de contratação para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (art.37, IX). Trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em circunstâncias incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos). A razão do dispositivo constitucional em apreço, obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo que não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (nesse sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar”.
Para o Supremo Tribunal Federal (STF), “o inciso IX do art. 37 da Constituição do Brasil não separa, de um lado, atividades a serem desempenhadas em caráter eventual, temporário ou excepcional e, de outro lado, atividades de caráter regular e permanente. Não autoriza exclusivamente a contratação por tempo determinado de pessoal que desempenhe atividades em caráter eventual, temporário ou excepcional. Amplamente, autoriza contratações para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público em uma e outra hipótese. Seja para o desempenho das primeiras, seja para o desempenho de atividades de caráter regular e permanente, desde que a contratação seja indispensável ao atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público2”.
O Supremo ainda entende que, para que as contratações temporárias empreendidas pela Administração Pública sejam válidas exige-se que “a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e e) a necessidade da contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração3”.
Mas, não há margem para dúvidas de que doutrina e jurisprudência se debruçam sobretudo sobre as contratações temporárias de servidores públicos, de modo que, fica a dúvida: como se dá a contratação temporária de empregados públicos pelas estatais?
Bom, o primeiro “modelo” por assim dizer é o da necessidade da existência de uma lei local específica autorizando a contratação temporária de empregados públicos.
Nesse particular, o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TSE/SC) para autorizar, no prejulgado 1121, a contratação temporária de advogados por parte de uma sociedade de economia mista, exigiu a expressa autorização legal: “Os serviços de assessoria jurídica (incluindo defesa em processos judiciais) podem ser considerados atividade de caráter permanente e, como tal, implica na existência de cargos específicos para referida atividade no quadro de cargos ou empregos da entidade. Contudo, o ingresso em cargos e empregos na administração pública direta e indireta, aí incluídas as sociedades de economia mista, depende de aprovação em concurso público de provas ou provas e títulos, consoante regra prescrita no artigo 37, II, da Carta Magna Federal. A contratação de profissionais de advocacia sem vínculo empregatício com a entidade pública contratante somente ocorre quando houver contratação de serviço, mediante processo licitatório, nos termos da Lei Federal nº 8.666/93, que admite apenas a contratação de advogados ou escritório de advocacia para a defesa dos interesses da empresa em específica ação judicial que, por sua natureza, matéria ou complexidade (objeto singular), não possa ser realizada pela assessoria jurídica da entidade, justificando a contratação de profissional de notória especialização, caso em que a contratação se daria por inexigibilidade de licitação, nos termos dos arts. 25 e 26 do referido diploma legal. Salvo a contratação nos termos da Lei Federal nº 8.666/93, as demais formas de contratação de profissional da advocacia gera vínculo empregatício com a entidade contratante, quer na contratação definitiva por concurso público (art. 37, II, da CF), quer na contratação temporária (art. 37, IX, da CF). A possibilidade de contratação de advogados, para suprir deficiência temporária destes profissionais nos quadros da empresa de economia mista, seria aquela prevista no inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal (contratação temporária), desde que existente norma estadual autorizativa definindo os casos de excepcional interesse público, a forma de seleção dos profissionais, a forma de pagamento e o prazo do contrato, aplicando-se tal regra, também, à Administração Indireta, pois não há exceção no citado dispositivo constitucional”.
A decisão do TCE/SC encontra eco no entendimento manifestado pela Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul (PGE/RS) no Parecer nº 18.307/204, onde se consignou que “é obrigatória a observância pelas empresas estatais do art. 37, IX, da Constituição Federal, replicado no art. 19, IV, da Constituição Estadual, que elencam entre os requisitos para a contratação de pessoal de caráter temporário e de excepcional interesse público pela Administração Pública, a edição de lei autorizadora”.
Um exemplo de lei autorizativa desse aqui alcunhado de primeiro modelo é a Lei nº 14.547/2011 do estado de Pernambuco que em seu artigo 1º estabelece que “para atender às necessidades temporárias de excepcional interesse público, a Administração direta, autárquica e fundacional do Estado de Pernambuco poderá efetuar contratação de pessoal por tempo determinado, consoante o disposto no art. 37, inciso IX, da Constituição Federal e art. 97, inciso VII, da Constituição Estadual, nas condições e prazos previstos nesta Lei”.
Entretanto, no seu artigo 13, a mencionada lei estende sua aplicação para as empresas estatais: “as empresas públicas e sociedades de economia mista poderão contratar temporariamente, com base nas hipóteses previstas no art. 2º da Lei nº 14.547, de 21 de dezembro de 2011, cujas regras serão definidas em decreto específico”, esclarecendo ainda no § 1º do mencionado dispositivo que “os contratos previstos no caput deste artigo serão submetidos ao Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 - Consolidação das Leis do Trabalho e respeitarão o prazo máximo de 02 (dois) anos previsto no art. 445 do referido diploma legal, admitindo-se uma única prorrogação”.
Já, o segundo “modelo” para a contratação temporária de empregados públicos é o que se fundamenta na Lei nº 6.019/1974 que, por seu turno, dispõe sobre o Trabalho Temporário nas Empresas Urbanas.
Há precedentes do Tribunal de Contas da União (TCU) fazendo remissão à Lei nº 6.019/1974 com uma exigência a ser observada quando da contratação de empregados públicos por parte das empresas estatais, como por exemplo, o Acórdão nº 3.888/2011 da 2ª Câmara: “nesse contexto, a Lei 6.019/1974 deve ser observada pelas empresas públicas para a contratação de trabalho temporário para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços, uma vez que o regime de contratação de seus empregados se dá pela CLT. (...) 54. Ocorre que a contratação de trabalho temporário, independentemente de se relacionar à atividade fim ou meio do órgão ou entidade, nos termos da Lei 6.019/1974, pode ocorrer de duas formas: contratação de pessoa física ou contratação de empresa de trabalho temporário. 55. Se se referir à contratação de pessoa física para trabalho temporário, há de ser observado processo seletivo simplificado. Caso haja contratação de empresa de trabalho temporário, deve-se observar a competente licitação, observada a Lei 6.019/1974, em especial, seu art. 10”.
Perceba-se que o TCU, na aplicação do modelo de contratação temporárias de empregados públicos autorizado pela Lei nº 6.019/1974 faz uma subdivisão: (i) licitação prévia para contratação de uma pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços (terceirização) e (ii) processo seletivo simplificado prévio para contratação de pessoas físicas.
Todavia, o Acórdão nº 3.888/2011 foi proferido à luz da redação original do art. 4º da Lei nº 6.019/1974 que estabelecia que “compreende-se como empresa de trabalho temporário a pessoa física ou jurídica urbana, cuja atividade consiste em colocar à disposição de outras empresas, temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados, por elas remunerados e assistidos”, ao passo que a partir da alteração redacional conferida pela Lei nº 13.429/2017, restou consignado que “empresa de trabalho temporário é a pessoa jurídica, devidamente registrada no Ministério do Trabalho, responsável pela colocação de trabalhadores à disposição de outras empresas temporariamente”.
Certamente por conta das alterações promovidas pela Lei nº 13.429/2017 na Lei nº 6.019/1974, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE/PR), não faz referência à uma seleção simplificada para promover a contratação temporária de empregados públicos e sim apenas e tão somente à uma terceirização ao responder consulta da Companhia de Habitação de Ponta Grossa no sentido de que: “mostra-se absolutamente possível a utilização das regras previstas na Lei 6.019/74, a qual trata do trabalho temporário nas empresas urbanas, mediante terceirização das atividades em questão5”.
Assim, em que pese a evidente falta de um maior debate na doutrina e na jurisprudência, podemos resumir que a contratação temporária de empregados públicos pelas estatais se dá por seleção simplificada (tal como os servidores públicos) quando assim for autorizado por lei ou via terceirização, quando for fundamentada na Lei nº 6.019/1974.
Por Aldem Johnston Barbosa Araújo, advogado de Mello Pimentel Advocacia.
E-mail: aldem.johnston@mellopimentel.com.br.
Mello, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 13ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, págs. 260/261.︎
STF. Plenário. ADI 3.068/DF. Rel.: Min. MARCO AURÉLIO. Redator para acórdão: Min. EROS GRAU. 25/8/2004, maioria. DJ, 23 set. 2005.︎
STF. Plenário. RE 658.026/MG (repercussão geral). Rel.: Min. DIAS TOFFOLI. 9 abr. 2014, maioria. DJe 214, 31 out. 2014.︎
Parecer nº 18.307/20 no Processo administrativo eletrônico nº 20/1600-0000427-7 20/4000-0000276-8, disponível em http://sid.pge.rs.gov.br/pareceres/pa18307.pdf acesso em 04/10/2024.︎
Acórdão nº 1220/22 - Tribunal Pleno, Processo nº: 181675/21.︎